ANTECEDENTES DO CAPITALISMO

ANTECEDENTES DO CAPITALISMO

Carlos Gomes

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5.2 - TRANSIÇÃO PARA O CAPITALISMO

O termo transição designa uma fase da evolução da sociedade em que se agravam cada vez mais as dificuldades em manter o sistema económico em vigor e começa a surgir um outro sistema que, após um período de grande tensão e até violência, consegue assumir novas condições de existência. Uma época de transição corresponde a um período de contradições e perturbações económicas, sociais e políticas susceptíveis de provocar uma revolução no desenvolvimento das forças produtivas e das relações de produção.

Os germes da transição começaram a desenvolver-se através da desintegração do sistema tributário, agravado com a expansão da actividade mercantil. Esta transformação operou-se por um processo complexo, muito longe de ser linear, em que o capital começa a dominar a produção. Para a concretização deste processo de mudança, foi essencial a concentração da riqueza monetária e dos meios de produção, a transformação de produtores independentes ou ligados a estruturas senhoriais em trabalhadores assalariados.

As grandes descobertas, o comércio internacional, a pilhagem colonial, foram alguns dos meios que permitiram a acumulação do capital e o desenvolvimento da forma capitalista de produção de mercadorias. Marx cita, como uma outra forma de transição para um modo de produção superior, as sociedades por acções e os monopólios que concentram a propriedade privada à escala da sociedade.

A transição para o sistema capitalista resultou ainda da convergência de outros factores como: a modernização da agricultura que favoreceu o crescimento populacional; a transição da manufactura e do artesanato corporativo na formação da pequena indústria; a transformação da estrutura de propriedade; a revolução dos transportes; o desenvolvimento do comércio; o desmoronar dum bloqueio estrutural feudal que manteve o seu jugo sobre as sociedades europeias ao longo de vários séculos, impedindo o seu desenvolvimento.

No século XVIII, sobretudo na Inglaterra, registaram-se profundas mudanças no sector agrícola. A perspectiva individualista em relação à terra, a eliminação da terra comunitária tradicionalmente utilizada para apascentar o gado e a procura dum maior lucro, fizeram-se acompanhar do aparecimento de divisórias para o gado e a subordinação da criação de gado à agricultura. Os animais eram agora avaliados em termos da sua capacidade de produção de estrume, pela sua capacidade de carga e tracção, pelos produtos comerciáveis que podiam fornecer. Os campos são convertidos em pastagens para alimentar rebanhos de carneiros, pois obtinha-se maior lucro com o comércio da lã. Começou então a registar-se um movimento de vedação de propriedades, de supressão do livre acesso às terras e de formação de grandes e numerosos latifúndios. Os grandes proprietários começaram a apropriar-se das terras comunais, cercando-as para nelas fazerem pastar os seus rebanhos. A ocupação destas terras impedia que os camponeses continuassem a usá-las para nelas apascentarem o gado e delas extraírem madeira para aquecimento e para a construção. Os comerciantes ou os grandes proprietários adquiriam terras que arrendavam por contratos a curto prazo com adiantamentos em dinheiro para melhorar os utensílios necessários à lavoura e a aquisição de sementes. Os grandes agrários criaram um instrumento legal do qual retiraram grandes benefícios: o sistema de emparcelamento levou ao desaparecimento dos direitos comunitários sobre as parcelas que, uma vez concentradas, originavam uma exploração mais racional, ao mesmo tempo que a terra comunitária decrescia com o avanço da privatização; os prados comunais, transformados em pradarias cercadas e separadas dos outros campos, eram adquiridos pelos grandes proprietários, desejosos de aí pastarem e criarem os seus carneiros. Esta política correspondia à intensa procura de lã, devido à expansão das grandes indústrias têxteis. A Inglaterra não produzia algodão, mas cultivavam-no nas plantações existentes suas colónias da Índia Ocidental. Com a afluência de capitais à agricultura constituíram-se unidades agrícolas de grande dimensão, as terras caem na mão de membros da burguesia rica interessada em tirar delas produtos que possam comercializar. O grande agricultor tende a adquirir uma mentalidade “capitalista” e a considerar que a empresa agrícola deve ser um negócio como qualquer outro, devendo o rendimento tornar-se o seu objectivo e o prémio do seu esforço.

Pouco a pouco o mestre artesão transforma-se em pequeno capitalista e deixa ele próprio de trabalhar no seu ofício; opõe-se às regras da corporação e contribui para o seu declínio e dissolução. As mudanças tornam-se decisivas quando a produção começa a ser industrializada e a indústria se destaca do artesanato. Antes, o mercador fornecia matéria-prima a artífices diversos que trabalham na oficina ou no domicílio. Porém, a aquisição de máquinas e novas ferramentas torna-se inacessível e os artesãos já não as conseguem adquirir. Assim, se realiza a separação entre o capital e o trabalho que vai opor duas classes sociais: a dos capitalistas, proprietários dos meios de produção, e a dos artífices, que para viverem, têm de vender a sua força de trabalho.

Seguidamente, o capitalismo encontra vantagem em concentrar os trabalhadores num edifício com os instrumentos e ferramentas que lhe pertencem. Para além das novas tecnologias também foi necessário concentrar o capital para a aquisição das mesmas e para o investimento em novas instalações. O desenvolvimento das primeiras fábricas não exigiu avultados investimentos. Os investidores surgiram dos grandes proprietários agrários que tinham enriquecido à custa do aumento das rendas agrícolas, dos comerciantes que canalizaram os seus lucros para fora da sua área de circulação aplicando-os no sector da produção, e dos primeiros empresários envolvidos no sector industrial que se decidiram em favor do processo de mudança organizacional e tecnológica exigida pela nova situação económica.

A produção em massa só foi possível graças à introdução de máquinas na produção e nos transportes e à existência prévia dum mercado capaz de absorver os produtos fornecidos pelas novas unidades de produção. Diversas empresas industriais que tinham sido criadas pelo Estado foram entregues à iniciativa privada. O lucro industrial torna-se então num dos principais motores da acumulação de capital.

Um despertar económico ganhou ímpeto no século XVIII, graças ao processo de industrialização que começou em Inglaterra, principal responsável pelo aparecimento dum novo sistema e uma nova era para a economia. O processo de industrialização permitiu uma expansão ininterrupta das forças de produção, bem como o crescimento auto-sustentado do capitalismo. Neste evoluir se enquadram os parâmetros determinantes da Revolução Industrial.

No mesmo século, foram abertas milhares de quilómetros de estradas novas. A navegação fluvial e a construção de novos canais possibilitaram a criação duma extensa rede de meios de comunicação alternativos em relação às estradas. Paralelamente, assistiu-se à modernização dos portos, das instalações alfandegárias, dos armazéns e dos meios de transporte marítimo.

Contribuiu para o processo de formação e desenvolvimento do capitalismo a época dos descobrimentos geográficos. As novas técnicas na arte de navegar marcam o início das grandes explorações marítimas, tornaram conhecidas novas terras e novos povos, novos produtos foram trazidos para a Europa, novos mercados se abriram. Afluíram ao continente europeu tesouros fabulosos. Grande parte dessas riquezas foi gasta em despesas sumptuárias e em aventuras militares, acabando por cair nas mãos dos grandes mercadores e banqueiros da época, que bem cedo se tornaram poderosos intermediários nos negócios coloniais. Pesados tributos foram impostos aos povos submetidos que tinham de ser pagos em dinheiro, o que só poderiam obter se trabalhassem para os colonizadores. Esta política permitiu ampliar o trabalho servil e assalariado.

A posição geográfica de Portugal permitiu-lhe desempenhar o papel de intermediário entre o tráfego mediterrâneo e oceânico, beneficiando da ajuda que o Estado concedeu aos empreendimentos marítimos. A expansão comercial e mercantil portuguesa contribuiu para acelerar a passagem ao capitalismo. O estabelecimento de rotas de comunicação marítima intercontinentais conduziu à expansão da acumulação de capital, por via do saque dos povos de África, Ásia e América, e a uma grande subida das taxas de lucro.

A expansão do comércio foi acelerada por um conjunto de factores de natureza social. O objectivo inicial de acumulação da riqueza sob a forma monetária conduziu ao favorecimento de camadas superiores da população ainda não privilegiadas. Entre estes podem citar-se: os agricultores com certo nível de riqueza e que por isso obtiveram um estatuto político e jurídico mais protegido; a burguesia mercantil que se ia formando e encontrava nos profissionais do comércio externo a criação dum sector a beneficiar de amplas possibilidades de acumulação de capitais; os armadores navais que, em estreita ligação com os comerciantes relacionados com os mercados estrangeiros, formalizavam um sector de transportes marítimos com características proto-capitalistas. A expansão do comércio internacional deu lugar à formação dum conjunto de centros mercantis.

Tem sido classificado de “capitalismo comercial” o período decorrido de fins do século XV ao fim do século XVIII. Com efeito, o capital comercial deu um forte impulso ao capitalismo industrial ao aumentar as possibilidades de exportação e desempenhou o papel de motor da expansão económica, sobretudo quando os descobrimentos marítimos abriram novos horizontes e possibilidades.

O afluxo dos metais preciosos, ouro e prata, que vindos do continente americano se espalham por toda a Europa Ocidental, provocou uma subida de preços e suscitaram o nascimento de novas indústrias. O contacto com novos produtos tornou-se objecto dum comércio próspero que em breve seria monopolizado por grandes sociedades por acções. Porém, o comércio marítimo, no caso português, não resultou da acção de companhias privadas e privilegiadas, mas duma colaboração do Estado e dos particulares, conservando o Estado a escolha dos itinerários, época das expedições, nomeação de capitães, etc., e fornecendo aos particulares os capitais e os homens.