ANTECEDENTES DO CAPITALISMO

ANTECEDENTES DO CAPITALISMO

Carlos Gomes

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1.5 – TRABALHO ASSALARIADO

A formação duma classe de assalariados resultou, numa primeira fase, da emancipação dos servos então adstritos à terra. Os servos em fuga deslocavam-se, isolados ou em grupos, para as cidades e aí se submetiam à posição social que lhes era determinada pela imperiosa necessidade de arranjar trabalho. Uma parte da mão-de-obra assalariada era inicialmente constituída por membros das famílias rurais que passaram a exercer profissões não agrícolas nos concelhos urbanos. Porém, existiam também trabalhadores assalariados provenientes de grupos de indivíduos que se encontravam na escala mais precária da população ou que eram recrutados compulsivamente entre as famílias camponesas mais pobres.

A burguesia rural, constituída por camponeses mais desafogados e dispondo de terrenos de maior dimensão, começou a contratar numerosos trabalhadores rurais como assalariados. Esta burguesia carecia de pessoal para as fainas nas suas lavouras, o que conduziu à tomada de medidas coercivas para recrutar trabalhadores assalariados entre os pequenos produtores rurais que tinham sido reduzidos à qualificação indistinta de jornaleiros. Os factores concretos determinantes desta pressão apontaram para a criação de condições favoráveis à espoliação duma parte da população rural, retirando-lhes a posse de quaisquer instrumentos de trabalho ou negando-lhes a possibilidade de aproveitar os meios naturais de produção, como a terra e outros bens a ela associados. As funções exercidas por estes trabalhadores eram generalizadas ou determinadas e definidas por um começo de divisão de trabalho na agricultura. Nas grandes unidades económicas, sobretudo as pertencentes aos templos, grupos de assalariados, que chegavam a atingir centenas de homens, trabalhavam todo o ano ou apenas no período das colheitas.

Só esporadicamente os artesãos utilizavam mão-de-obra fornecida por indivíduos a quem tinha de pagar um salário. Ainda, por volta do século XVI, os trabalhadores das oficinas artesanais eram pagos segundo as suas qualificações, as suas técnicas, a quantidade produzida e qualidade dos seus produtos. Nesta época, o mercado de trabalho começou a ganhar forma e, no século seguinte, existiam já muitos artesãos em busca de trabalho. Nas zonas urbanas, com o desenvolvimento dos diversos ramos de produção artesanal, sobretudo têxtil, chegaram a funcionar oficinas com pessoal em grande parte assalariado. Nas corporações de artífices, os trabalhadores que não dispunham de meios e instrumentos de trabalho, assumiam-se como assalariados e eram mal pagos. A multiplicação dos aprendizes, incentivada pelo domínio do capital sobre a produção, servia para aumentar o número dos que estavam destinados a ser, toda a vida, assalariados.

Os armadores da marinha mercante recorreram de forma crescente a trabalhadores assalariados. Os transportes marítimos constituíram na estrutura mercantil uma excepção no que concerne à utilização de pessoal assalariado, pois nas embarcações reinavam já relações de índole capitalista, muito antes de ocorrerem na própria indústria.

A procura crescente de assalariados adquire maior dimensão com o crescimento económico em paralelo com o incremento da influência da burguesia junto do poder central. O trabalho assalariado no comércio não teve uma projecção significativa.

Os trabalhadores assalariados ficam com a “liberdade” de poderem vender a sua força de trabalho, facto que a transforma numa mercadoria trocada por um salário. Perante o costume ou a lei estabelecida, o trabalhador é livre de escolher ou mudar de patrão. Porém, a sua liberdade é apenas aparente, pois na realidade encontram-se sujeitos às relações económicas e sociais características do sistema capitalista. Era frequente a intervenção dos Estados na regulamentação do trabalho assalariado e, bem assim, na fixação de salários máximos ou mínimos, conforme a conveniência dos empregadores. Aliás, os salários mínimos só eram fixados em circunstâncias específicas, como épocas em que a inflação rápida dos preços tornava obsoleta qualquer limitação ou eram tão baixos que ameaçavam provocar o êxodo rural.

Com o crescimento da técnica e da concentração do capital necessário para concretizar uma actividade económica, restava aos pequenos produtores rurais, aos artífices e até aos mercadores menos abastados, uma ocupação que não requeria a disposição destes factores. Criou-se o embrião duma classe de trabalhadores que se vê obrigada a vender a sua força de trabalho para assegurar a sua sobrevivência. Isto não significa que, nos séculos XVI ou XVII, o proletariado já constituísse uma parcela importante da população. Uma boa parte do trabalho assalariado era ainda executado por aqueles que mantinham uma ligação à terra ou ao mester, embora frágil e precária. Só no período da Revolução Industrial é que, na Europa Ocidental, o semiproletariado rural viria a ser activamente retirado da terra. Vencidos os obstáculos à sua deslocação da aldeia para a cidade, só então a indústria capitalista pôde atingir a sua maturidade.

Na Europa, século XVIII, o início da industrialização esteve na origem efectiva da formação dum proletariado, constituído por trabalhadores assalariados, que viviam dos frutos do seu trabalho nas minas, nos transportes ou nas indústrias transformadoras. O contacto constante dos seus elementos nos espaços restritos das fábricas ou dos navios, e o facto de viverem próximos uns dos outros em bairros operários, contribuiu para o aparecimento rápido duma consciência de classe que depressa conduziria ao desempenho dum papel preponderante na defesa dos seus interesses e à participação em movimentos organizados de protesto social. O desenvolvimento industrial provocou um acréscimo do proletariado urbano indispensável às pequenas e às grandes indústrias e mesmo às empresas comerciais. Progressivamente, estes trabalhadores deixaram de ser trabalhadores especializados, de possuir instrumentos de trabalho e de beneficiar da protecção das corporações. Nas áreas industriais, a política tendente para a baixa de salários favoreceu o sector empresarial. Foram fixadas taxas máximas de salários e estabelecidas duras condições proibitivas de greves.