ANTECEDENTES DO CAPITALISMO

ANTECEDENTES DO CAPITALISMO

Carlos Gomes

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IV PARTE – SISTEMAS E ESTRUTURAS ECONÓMICAS

1 – SISTEMAS ECONÓMICOS PRÉ-CAPITALISTAS

A maior parte dos autores considera que um sistema é um conjunto de diferentes estruturas organizadas de modo coerente e lógico, ligadas entre si por relações relativamente estáveis e subordinadas às respectivas leis.

Segundo o economista Etienne Antonelli “o sistema económico é o conjunto de relações e instituições que caracterizam a vida económica duma determinada sociedade, localizada no tempo e no espaço” (L’économie pure du capitalisme, Paris, 1939). Esta definição tem a vantagem de caracterizar o sistema pelas suas estruturas e de visar toda a sociedade qualquer que ela seja.

A noção de sistema económico fornece um ponto de ligação entre as descrições históricas e as interpretações económicas. Sem a descrição pormenorizada das características das actividades económicas e das relações sociais decorridas ao longo do tempo e nos diferentes espaços é inviável interpretar os fenómenos correspondentes.

Os sistemas económicos distinguem-se pelas diferenças básicas entre os modos de produção e de distribuição: a natureza das relações de produção, a forma de repartição de produto, as classes sociais dominantes e subordinadas existentes, a natureza da propriedade dos meios de produção, o móbil da actividade económica, conforme se destina a satisfazer as necessidades sociais, a trocar mercadorias, a acumular riqueza ou, simplesmente, a obter lucros. A distinção dos sistemas económicos permite caracterizar, para cada um deles, o modo como se processa a direcção da economia e o critério que preside à distribuição do produto social. “O que imprime carácter a qualquer economia e a individualiza como tipo é o modo de produção e a repartição de bens.” (Prof. Teixeira Ribeiro, “A nova estrutura da economia”)

Cada novo sistema económico resulta da evolução do sistema que o precedeu e contem o germe do sistema que lhe sucede. Os sistemas jamais se encontram em sua forma pura e, em qualquer período da história, elementos característicos, tanto de períodos anteriores como posteriores, podem ser reconhecidos e misturados numa complexidade singular. O anterior modo de produção predominante não será necessariamente eliminado de todo, mas reduzir-se-á até não ser mais um sério competidor do imediato. Durante certo período, o novo modo de produção, ligado às novas forças produtivas e potencialidades económicas, deverá expandir-se muito além dos limites dentro dos quais o antigo sistema estava a mover-se. O interesse da classe que ocupa as posições estratégicas está claramente baseado na aceleração da transição, no rompimento da resistência da sua rival e antecessora e no aumento da sua própria resistência.

Nos sistemas económicos que se vão sucedendo subsiste uma conjugação de várias formações sócio-económicas, que até agora nunca foram eliminadas, embora as que assumem a posição preponderante, no espaço e no tempo, influenciem a articulação das restantes. Os modos de produção formados no sistema comunitário sobrevivem, em diversas regiões e épocas históricas, nos sistemas que se lhe seguiram. Identicamente, os que predominaram no sistema tributário e no sistema mercantil, coexistem no tempo presente, embora com aspectos particulares e específicos e a predominância do sistema capitalista. Nenhum sistema é homogéneo, pois nenhum excluiu toda a sobrevivência do sistema anterior, com excepção do comunitário, e nenhum deixou de prefigurar no sistema seguinte. O reconhecimento do carácter histórico, evolutivo, dos sistemas económicos, proporciona esclarecimentos que são válidos para além da época estudada.

Segundo Armando de Castro, “Sem embargo, o que não existe é uma ciência económica das sociedades anteriores ao capitalismo. E nem sequer se poderá dizer que tais sistemas são hoje em qualquer parte do mundo meras categorias históricas, visto poderem encontrar-se ainda formas sociais pré-capitalistas em diversas regiões do globo.” (A Evolução Económica de Portugal, vol. VII, pag.140, Portugália Editora, Lisboa)

Nos períodos de transição entre os sistemas ocorrem processos de desenvolvimento económico, que se distinguem doutros tipos de movimentos: o desenvolvimento tem sentido no tempo, do passado através do presente para o futuro; o processo de mudança é irreversível; aparece sempre algo de novo, que não existia antes; todo o processo na sua realização obedece a leis gerais e a leis objectivas características de cada tipo de desenvolvimento. O processo de mudança baseia-se no aumento da eficiência dos factores de produção e na sua aplicação na reprodução; a organização social da produção dita o ritmo do desenvolvimento económico; as mudanças na tecnologia e nas instituições sociais são as fontes mais dinâmicas e profundas de desenvolvimento económico e produto duma tensão e luta permanente.

As desigualdades nos níveis de desenvolvimento aumentaram a capacidade e importância dumas regiões em detrimento doutras, acentuaram a distinção entre povos e deram lugar ao aparecimento de novos modelos culturais e civilizações.

É relevante a forma como os anteriores modos de produção continuaram a sobreviver e a sustentar posições mesmo em ramos de produção em que os novos processos já tinham conquistado grande parte do terreno. A sobrevivência da produção familiar e da manufactura simples têm tido consequências importantes que raramente são examinadas. As diferentes estruturas económicas e sociais que continuam a subsistir têm constituído uma barreira ao total domínio capitalista, porquanto dificultam a troca de mercadorias, o acesso aos recursos do trabalho assalariado e das matérias-primas, a acumulação de capital o e seu objectivo fundamental, a imposição exclusiva da lógica do máximo lucro. Por isso, o capitalismo tem conduzido sempre e em todo o lado uma campanha de aniquilamento persistente e violento destas formas históricas de modos de produção e distribuição.

Mesmo no interior dos próprios países encontra-se, como uma das características relevantes, a coexistência de sectores de actividade económica ou zonas geográficas de economia evoluída com sectores ou zonas de nítido atraso económico-social. Estas assimetrias, resultantes dum desigual estádio de evolução, transcendem o aspecto económico e caracterizam-se pela coexistência de diferentes formas de desenvolvimento das forças produtivas e do estádio das relações sociais, numa mesma comunidade e mesmo nos seus diferentes sectores de actividade. Desta coexistência ressalta a perspectiva dum segmento progressivo em paralelo com outros segmentos em declínio, estagnados ou em evolução lenta. A comunicação entre eles e o confronto dos seus níveis de desenvolvimento cria condições para uma movimentação para o exterior do segmento mais atrasado, quer para o mais evoluído dentro da comunidade ou mesmo para outras comunidades.