ANTECEDENTES DO CAPITALISMO

ANTECEDENTES DO CAPITALISMO

Carlos Gomes

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4.3 – RENDIMENTOS DA TRIBUTAÇÃO

O tributo é uma contribuição paga pelo povo a uma entidade senhorial ou tribal, a uma cidade ou ao Estado ou a contribuição que um estado dependente tem de pagar a outro como prova da sua submissão. Os suportes dos poderes económicos dos soberanos e dos chefes tribais residia nos seus rendimentos, que não se concentravam única e exclusivamente nas mãos do próprio governante, pois uma parte distribuía-se pelos membros da sua família e das cortes palacianas. Os rendimentos da tributação permitiam às classes dominantes sustentar os seus escravos, efectuar o pagamento em espécie aos guerreiros, funcionários, artesãos e outros indivíduos a trabalhar para a instituição estatal.

A apropriação do excedente agro-pecuário assume a forma de um tributo regular que pode ser constituído por porções significativas das colheitas ou por um certo número de cabeças de gado. Além desta entrega de bens, os homens são obrigados, pelos costumes instituídos, pela força ou pela lei, a trabalhar a terra dos governantes, a construir templos, túmulos ou palácios, ou mesmo a prestar serviço militar. A tributação em géneros era a mais corrente nas zonas rurais.

Os bens materiais produzidos pelos camponeses ou pelos artesãos para entregar ao senhor como tributo não adquirem por isso a categoria de mercadorias pelo facto de serem produzidos para outros. Só existe mercadoria quando os produtores destinam parte dos seus produtos para venda no mercado a terceiros com a finalidade de obter benefícios dessa transação, receitas que poderão destinar-se ao pagamento de rendas em dinheiro, à aquisição futura de outros bens ou a entesouramento.

No sistema de economia tributária, as classes ou grupos hierarquicamente dominantes eram detentoras de grande parte dos rendimentos das terras e do gado, em relação aos quais eram reconhecidos os seus poderes totais sobre o produto da actividade desenvolvida pelos agricultores. No meio rural, os excedentes iam parar às mãos das classes dominantes através do pagamento da renda pelo usufruto da terra, de bens e meios de produção imobiliários, de cabanas ou pardieiros aí localizados, construídos pelos próprios camponeses, e nos quais residiam e exerciam a sua profissão. Os camponeses enviavam ao palácio ou ao templo uma percentagem do produto realizado e prestavam serviços com dias de trabalho gratuito. Como recompensa recebiam alguns serviços básicos produtivos, religiosos e militares ou, como era frequente, apenas propaganda religiosa e política.

A tributação não se limitava à actividade agro-pecuária e envolvia outras modalidades tais como, extracção do sal, exercício dum mester, comércio ou qualquer outra. Tudo era tributável, desde os produtos agrícolas até ao trabalho dos artesãos e às transacções comerciais. Sobre as várias camadas da população rural e citadina eram lançados encargos permanentes e fixos que envolviam actividades como indústrias alimentares, transformadoras como olaria e fabricação de telhas, além dos rendimentos da aplicação da justiça e dos réditos de carácter fiscal como portagens, dízimas, sisa, etc. Um outro encargo a que as populações estavam sujeitas, tanto nos meios rurais como urbanos, denominado aposentadoria, era a obrigatoriedade de albergarem em suas casas os viajantes poderosos dando-lhes alimentação, dormida e a obrigação de se submeterem a apropriações e estragos às claras, sem rodeios.

Os rendimentos dos soberanos, além dos provenientes das terras, abarcavam os resultantes de vários meios de produção de bens de consumo duradoiro, como casas e equipamentos fixos. Tudo isto era acrescido de impostos percebidos da importação e exportação de mercadorias, de portagens, das receitas provenientes da quebra da moeda, de tributações extraordinárias e das sisas gerais. Entre os rendimentos dos soberanos importa ainda referir os que eram retirados das minorias étnicas ou religiosas e que se caracterizavam por uma maior abrangência e taxas mais elevadas. Outra relevante fonte de rendimentos reais consistia no quinhão dos despojos tomados ao inimigo e que os combatentes deviam entregar ao soberano.

As chamadas dízimas pagas às classes senhoriais revestiam a forma duma percentagem da produção, como sucedia na agricultura, na pesca ou na produção de sal ou incidiam sobre as mercadorias importadas e grande parte das exportações e, por vezes, sobre o trânsito interno que se fazia por mar. Sobre a pecuária era calculada em unidades.

Entre as comunidades nómadas a tributação tomava frequentemente a forma de entrega de cabeças de gado. Quando as tribos nómadas conquistavam o poder político restava aos agricultores resignarem-se ao pagamento do tributo exigido pelos chefes tribais se queriam continuara a explorar a terra. As populações sedentárias praticavam a agricultura, mas como os nómadas impunham frequentemente a sua soberania sobre as populações, habitualmente cobravam um tributo em cereais, bem como outras contribuições em géneros e também em dinheiro. O tributo era também exigido às caravanas que percorriam as rotas

Além dos proventos resultantes da entrega do domínio de terras com as respectivas rendas e outros benefícios, as fontes de rendimento da nobreza tinham ainda outras proveniências, tais como: proventos originados pelo desempenho como delegados políticos, administrativos e jurídicos, funções atribuídas pelo soberano; proventos para remunerar o serviço militar e custear as despesas dos combatentes, obrigando-se a nobreza a servir o soberano na guerra. Para a nobreza a guerra tornava-se um ofício lucrativo, servindo para absorver uma parte considerável dos rendimentos do rei, através das quantias recebidas com regularidade e dos despojos conquistados nos combates.

Nas terras abrangidas pelos seus domínios, as diversas instituições religiosas percebiam rendimentos idênticos aos recolhidos pelos soberanos, apenas com algumas excepções. A grande fonte de receita dos templos residia em diversos tributos, sobretudo a dízima imposta aos agricultores, aos pastores, aos artesãos e aos funcionários. Na maioria dos casos era paga em produtos agrícolas ou pecuários, mas muitas vezes também em peixe, lã, tecidos, etc. Pela sua projecção quantitativa, esta dízima constituía uma das mais importantes receitas das instituições religiosas. A sua cobrança suscitava frequentes conflitos com as classes produtoras, as quais naturalmente se esforçavam por se furtarem ao pagamento total ou parcial. Para resolver esta questão os agricultores estavam proibidos de retirar o cereal da eira ou o linho do tendal sem que o dizimador viesse avaliar a produção. Para as actividades onde a fiscalização era mais difícil, as entidades religiosas adoptavam a solução de fixar um montante certo em dinheiro.

Os tributos impostos a outras comunidades ou países podiam tomar duas formas principais: uma, era o pagamento dum pesado tributo como reconhecimento da sua subjugação; outra forma, era a imposição aos estados vassalos dum tributo anual, embora lhes fosse deixada a manutenção duma certa independência política e económica. Estes tributos eram prestados em bens de luxo ou outros que postos em circulação beneficiavam a economia do país conquistador. As formas de tributação apoiavam-se explicitamente em relações de domínio entre povos ou estratos sociais e que conduziam a incessantes redistribuições do poder. Por vezes, as regiões subjugadas não eram devastadas, ficando apenas sujeitas ao pagamento de tributos. É o caso do procedimento dos mongóis que preferiam assegurar a exploração económica dos países através da cobrança de taxas e outros tributos.

Às cidades podia ser atribuído o domínio sobre as aldeias que se encontravam no território urbano, continuando os seus habitantes a possuir os seus lotes de terreno mediante o pagamento dum tributo à cidade. As despesas locais encontravam-se em regra a cargo dos concelhos. Aqui não se punha o problema do rei aplicar com regularidade parte das rendas aí recebidas para ocorrer aos encargos concelhios. O controlo dos mercados pelas autoridades urbanas incluía o direito à cobrança de taxas de mercado e de portagem, o que proporcionava uma importante fonte de rendimento.

O alargamento das actividades comerciais, internas e externas, trouxe alterações nas relações de repartição basilares entre os comerciantes e as classes dominantes. O produto da venda de mercadorias trazidas do estrangeiro era constituído predominantemente por artigos de luxo, de que os principais compradores eram a aristocracia. Este fenómeno representava um canal de transferência de rendimentos dos aristocratas para os comerciantes. Os mercadores dispunham ainda da possibilidade de jogar com preços especulativos e, além disso, eram os intermediários na transferência de parte da renda senhorial encaminhada para os armadores navais que efectuavam os transportes e para os próprios comerciantes dedicados ao comércio externo. Porém, constituíam benefícios dos monarcas as receitas provenientes do fretamento de navios que lhes pertenciam, da administração da justiça civil ou do exercício das funções notariais. Frequentemente, as classes dominantes exigiam que os vendedores entregassem as mercadorias por preço inferior ao corrente no mercado, chegando este abuso até à apropriação sem qualquer pagamento.

A passagem a uma economia monetária, combinada com as desvalorizações da moeda metálica, originou consequências importantes nas relações de repartição. Os rendimentos da quebra da moeda eram monopólio real. A quebra da moeda, realizada através da cunhagem de novas moedas, traduzia-se na prática num tributo muito oneroso. A diferença entre o valor intrínseco e o valor facial constituía um rendimento extraordinário obtido, deduzido o custo da amoedação. Quanto mais volumosa tendia a ser a quantidade de moeda em circulação, maiores receitas proporcionava.

As relações estabelecidas entre credores e devedores geraram outro tipo de relações de repartição por meio da passagem duma parcela do rendimento do devedor para o seu credor. Os reis emprestavam capitais sob fiança aos mercadores e obtinham assim um acréscimo de rendimentos dos impostos e taxas que recaíam sobre as mercadorias.

Em Creta, II milénio a.C., os agricultores do interior rural entregavam azeite, vinho, cereais e outros produtos agrícolas nos palácios, a título de tributos. A maioria destes produtos era utilizada para sustentar as comunidades que habitavam no palácio: a elite dominante, escravos e artesãos. Uma parte destinava-se à exportação.

Na Pérsia, em meados do I milénio d. C., funcionava um sistema de tributação baseado numa avaliação das potencialidades económicas dos países que faziam parte de Império, ou seja, no cálculo da área das terras aráveis e da sua fertilidade. Os povos subjugados ofereciam presentes ou pagavam tributos, parcialmente em géneros. Os governadores tinham de pagar os tributos em dinheiro, prata ou géneros, fixados para cada região. Os chefes exigiam pagamentos em cabeças de gado na altura das redistribuições periódicas das pastagens comuns atribuídas às diversas linhagens, transformando assim o serviço prestado numa fonte compensatória.

A maioria dos Estados islâmicos reclamava direitos de tributação como compensação pela protecção das comunidades locais, face aos perigos exteriores e possíveis desordens interiores.

No Império Bizantino, século XII, o processo de tributação compreendia três fases: a medição da terra por categorias e qualidade, o valor da terra ou cultivo e o cálculo do imposto fundiário de base. Os resultados das estimativas da matéria tributável eram inscritos em livros de registos. A tributação monetária era complementada com serviços obrigatórios que o contribuinte tinha de efectuar.

Na China, várias cidades e distritos enviavam os seus tecidos representativos, de seda e outros, para a corte imperial como tributo anual. Os rendimentos imperiais eram aumentados com a venda dos produtos metalúrgicos e do monopólio estatal do sal. No século XVI, as receitas do governo vinham principalmente dos impostos, das taxas alfandegárias e dos presentes. As principais despesas eram provenientes dos privilégios concedidos pela família imperial, dos salários dos funcionários públicos e do pessoal militar. As tribos subjugadas pagavam o seu tributo em homens. Em contrapartida, o país esteve sujeito ao pagamento de tributos às tribos mongóis quando ocuparam o seu território.

Na Índia, século XVII, os recursos reunidos pela classe governante eram despendidos, em grande parte, na manutenção de grandes estruturas de servidores e criados, na compra de produtos de luxo aos artesãos urbanos e no apoio de serviços que as cidades melhor podiam oferecer.

Na África Ocidental, os impérios do Gana e do Mali estavam divididos em províncias conquistadas e reinos que, conservavam a sua autonomia, mas eram obrigados ao pagamento dum tributo em géneros e à cedência de contingentes militares. Na África Equatorial, século XVI, onde a aldeia constitui o alicerce do edifício político, a aldeia principal exigia tributo das outras aldeias, que era prestado sob a forma de produtos das colheitas e da caça, sempre que esta era bem sucedida. O chefe da aldeia tinha o direito de receber um tributo diferente do normal, consistindo em símbolos de poder, principalmente peles de leopardo. Na África do Sul, o rendimento do chefe provinha de multas, pagamento de dívidas ao tribunal e das propriedades confiscadas a pessoas culpadas de feitiçaria. Os súbditos estavam obrigados a prestar tributo, trabalhando nos seus campos e na construção das aldeias.

Entre os Astecas, predominava o trabalho obrigatório dos camponeses nas terras pertencentes ao soberano e nas grandes obras públicas, como sistemas hidráulicos, fortificações, etc., mas entre os artesãos e os mercadores predominava o tributo em produtos. Era igualmente hábito, entre os astecas e os incas, a exigência do tributo aos povos subjugados. Na civilização Maia, o suporte económico da sociedade dominante era a tributação directa de artigos ou produtos de subsistência e ainda o imposto baseado no facto do governante ser o representante terreno dos deuses. Entre os incas, os senhores recebiam um número variável de dias de trabalho executado pelos habitantes das aldeias. Os turnos de trabalho eram efectuados nas terras controladas pelo senhor que, por sua vez, se obrigava a fornecer aos camponeses as sementes e os alimentos e bebidas cerimoniais, durante o período dos trabalhos. Cada habitante da aldeia devia contribuir com parte da sua energia e não com tributos em espécie. Esta prestação de serviço visava também o cumprimento do serviço militar e a construção de grandes obras públicas. A estas obrigações juntavam-se a fiação e tecelagem pelos habitantes da aldeia e, em particular, das mulheres em benefício do Estado. Além disso, o senhor possuía um determinado tipo de servidores perpétuos que possuíam um estatuto particular, eram desvinculados da sua linhagem de origem para depender e trabalhar exclusivamente para o senhor como autênticos servos