ANTECEDENTES DO CAPITALISMO

ANTECEDENTES DO CAPITALISMO

Carlos Gomes

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7.7 – RELAÇÕES ENTRE CLASSES E GRUPOS SOCIAIS

O factor primacial que unificava internamente todas as classes dominantes era a idêntica posição que ocupavam nas relações económicas de cada época e sobretudo nas relações sociais de produção, que constituíam o eixo da estrutura social determinantes dos seus interesses comuns, necessários e irredutíveis. A existência duma classe dependia das suas posições nas relações económicas básicas com as restantes classes.

A posse colectiva de bens era menos susceptível de provocar distúrbios do que a existência da propriedade privada. A posse das terras, de rebanhos e dum equipamento técnico mais enriquecido, conduzia a contestações frequentes e à exigência dum controlo social mais eficaz. Nos conflitos originados pela água encontram-se os mais antigos motivos de litígio, pelo que o controlo tornava-se mais rígido onde a irrigação era habitual. O advento da propriedade trouxe consigo a conquista, o roubo, a pilhagem e a guerra. Os conflitos violentos pela posse da propriedade duma comunidade vizinha seriam relativamente comuns, como transparece do facto das aldeias serem com frequência fortificadas.

Com a crescente especialização na actividade dos habitantes das aldeias tornou-se necessário regularizar as relações entre os seus habitantes, por exemplo, entre os agricultores e os artesãos. Isto exigia hábitos estabelecidos e aceites por todos para assegurar as boas relações entre os habitantes e evitar eventuais conflitos. Era também necessária a colaboração dos habitantes das aldeias em certos trabalhos de interesse para a comunidade como erguer fortificações ou diques de irrigação.

São uma realidade as relações de subordinação existentes entre as classes dominantes e as demais camadas da população, sobretudo a população rural, mas que se estendem a outros sectores, incluindo a população urbana de tipo artesanal, mercantil, produtores de bens extraídos do mar, etc. As contradições existentes entre as classes aristocráticas e os camponeses mais ligados ao mercado, que exerciam pressões para substituírem a renda em espécie pela renda monetária, motivaram conflitos conduzidos pelos camponeses mais abastados.

Os choques, as prepotências e os assaltos de uns aristocratas contra outros não eram senão o resultado dos esforços para chamar a si a apropriação das rendas pagas pelos utentes dos meios naturais, dos objectos materiais de produção ou dos bens de consumo duradouro, transferindo a posse sem se tocar nas condições económicas e estruturais da época. Os laços de dependência da aristocracia repercutiam-se tanto no sector agro-pecuário como naqueles que se dedicavam a outras actividades, como o artesanato, o comércio ou os transportes marítimos. A pressão senhorial atingia também os diversos extractos da burguesia.

Entre a burguesia citadina mais rica e os restantes sectores profissionais surgiram frequentes antagonismos de interesses. Alguns indivíduos residentes nas cidades empreendiam certas actividades, como emissários do templo e do palácio ou como agentes independentes dessas instituições. O nível de desenvolvimento técnico-económico arrastava diversos grupos sociais, diferenciados por uma determinada organização política, étnica ou religiosa, por tradição e nalguns casos pela língua, a lançarem-se uns contra os outros. Estas camadas lutavam pela obtenção de meios materiais mais favoráveis, de que uns dispunham e outros aspiravam, fossem terras mais férteis, riquezas naturais espontâneas, vastas regiões cobiçadas, a apropriação de domínios ou a colocação de trabalhadores servis ou escravos ao seu serviço.

O desenvolvimento da indústria e do comércio favoreceu a constituição de vastas fortunas em moedas de ouro ou prata e teve como resultado modificar radicalmente a distribuição da riqueza e as relações entre as classes sociais. Novos elementos vindos das classes médias acederam ao poder em detrimento da anterior aristocracia predominante e destacaram-se progressivamente da classe de que eram provenientes. Outros, porém, viram a sua situação declinar e confundir-se progressivamente com as classes mais desfavorecidas e, como tal, subordinadas. O crescimento da burguesia e a posição adquirida, económica, social e até ideológica, permitiu contestar a estrutura existente e as suas componentes.

O Egipto, no III milénio a.n. e., entrou num período de distúrbios e instabilidade, marcado pela tensão e agitação social, exigências por parte das províncias e invasão por parte das tribos beduínas. Em meados do milénio seguinte, ocorreu uma grande revolta popular que originou uma redistribuição da propriedade, o enfraquecimento do poder político que se tornou incapaz de resistir aos inimigos externos, designadamente a invasão das tribos vindas da Palestina.

Na Grécia, I milénio a.n.e., aparecem novas formas de organização sócio-económica e política da sociedade. Uma sociedade mais ou menos homogénea, em que a nobreza tribal pouco se distinguia dos camponeses, transformou-se numa sociedade heterogénea na qual se formaram diversas camadas sociais cujos interesses entravam em contradição uns com os outros. Estabeleceu-se um conflito entre a aristocracia e a massa fundamental da população comum, em primeiro lugar os camponeses membros das comunidades. Outras camadas apareceram como resultado do progresso económico da sociedade, do artesanato e do comércio, constituídas por gente que acumulou importantes riquezas e que aspirava a participar na direcção dos assuntos da sociedade. Porém, na estrutura social reinante todo o poder pertencia à aristocracia. Estas contradições levaram a repetidos conflitos armados que degeneraram mesmo em guerras prolongadas por algumas dezenas de anos. Desenvolveram-se contradições entre a estrutura sócio-económica da Pólis e o carácter do seu desenvolvimento económico. Cada vez mais a propriedade se cristalizava numa forma que se aproximava da propriedade privada plena, geradora de fortíssimas desigualdades. A democracia escravista ateniense sofria uma crise que consumia as suas forças orgânicas.

No decorrer do último século da República Romana, a plebe obteve vitórias umas atrás das outras, conseguindo que fossem proibidas as torturas e os castigos corporais e a escravidão por endividamento. O devedor insolvente passou a responder com os seus bens e não com a sua pessoa. Os camponeses foram incorporados na comunidade urbana como cidadãos com plenos direitos. As condições sociais em mudança ofereceram um terreno fértil para o aparecimento dum clima de mal-estar social, que se transformou em movimentos populares muito abrangentes. No século V surgiu um novo e poderoso movimento rural contra o Estado romano, chegando a serem expulsos alguns administradores romanos.

Na China, nos primeiros séculos d. C., o aumento da exploração intensiva dos solos, do pauperismo e endividamento, a concentração da propriedade da terra nas mãos dum grupo de grandes famílias, desencadeou uma tensão social crescente de que resultou uma revolta de camponeses e guerras civis. Os agricultores expostos, sem defesa, a serem pilhados e roubados, desertavam das suas terras. O contingente fundamental dos insurrectos era, segundo parece, constituído por pequenos proprietários arruinados e por gente dependente, a que se juntavam escravos e tribos fronteiriças. Estes revoltosos acabaram por ser derrotados. No século VIII, uma revolta que se manteve durante oito anos, lançou o Império numa desordem. A anexação de terras e as catástrofes naturais foram directamente responsáveis pelos distúrbios sociais. Os pequenos camponeses perdiam as suas terras, ficaram com fome e revoltaram-se contra a ordem social da época. Uma série de novos comissários militares mantinham as suas tropas privadas e exerciam amplos poderes, o que deu origem a uma espécie de separatismo regional, acarretava uma descentralização do poder governamental e um declínio da velha aristocracia.

Na Índia, I milénio a.n.e., a posse do gado constituía a maior riqueza do homem. A captura de gado era a principal causa de conflitos entre as tribos. A própria guerra era considerada como um meio de se obterem vacas. No século XVII, desencadeou-se um grande conflito de interesses entre a classe governante e a classe dominante no sector agrícola, que exigia uma parte do imposto sobre a terra. O conflito provocou o declínio da agricultura, a cobrança opressiva de impostos a que se seguiu o abandono da terra pelos camponeses. A insurreição dos agricultores parece ter-se transformado numa revolta de classe.

Na Europa Ocidental, no século XIV, em certas regiões numerosos artesãos descontentes tentaram assegurar pela violência uma participação no poder urbano. Por vezes, estas tentativas traduziam-se sob a forma de pequenas revoltas populares. Em 1378, os cardadores de lã pretenderam apoderar-se do governo de Florença. Habitualmente, o único resultado prático destas sublevações era a aquisição duma representação nos conselhos municipais. Os meios urbanos e mais industrializados da Europa conheceram violentas insurreições que começaram pela revolta da burguesia e do artesanato contra o domínio da aristocracia. Estas rebeliões tinham na sua maioria uma origem urbana não ultrapassando os limites duma cidade.

Em Portugal, assistiu-se em 1383 a uma revolução popular e burguesa, em que camponeses e artesãos desempenharam um papel de vanguarda. Esta revolução assentou numa aliança política contra as forças aristocráticas, transformado-se simultaneamente, devido à opção assumida pelas classes senhoriais, numa luta pela defesa da independência política nacional.

Na Europa, século XVI, os camponeses nutriam um vivo ressentimento para com os senhores que se tinham apoderado das terras comunais, nas quais eles pastavam os seus rebanhos, onde adquiriam para si o feno, a madeira e onde podiam caçar e pescar à vontade. O descontentamento aumentou e os conflitos tornaram-se mais frequentes. A Guerra dos Camponeses, então ocorrida, tem sido tomada como modelo de revolta das populações rurais contra os senhores feudais. A revolta agrupou camponeses, mineiros e até mesmo artesãos mais empobrecidos. Estes levantamentos foram pouco depois violentamente esmagados numa aliança entre soberanos e instituições religiosas. Nas cidades, o protesto assumia a forma de levantamentos contra o elevado custo dos produtos essenciais, como o pão, e a observância dos preços estipulados, atacando celeiros. No mesmo século, perante a tensão social originada pela subida dos preços, o campo despovoa-se e os rendeiros ou jornaleiros, que viviam do trabalho das terras senhoriais ou eclesiásticas, emigram para a cidade à procura de novas ocupações ou vagueiam, convertidos em vagabundos. No século XVIII, nas zonas rurais as disputas encontraram a sua expressão nos ataques aos direitos senhoriais, com o derrube de vedações ou eclosão de focos de violência isolados. As sublevações eram causadas por motivos sociais e económicos, como: a recusa da burguesia em aceitar os privilégios das instituições religiosas, a revolta dos camponeses contra os seus senhores, os primeiros levantamentos do proletariado contra uma burguesia dominadora.

Em África Ocidental, a ascensão da aristocracia política acompanhou a fundação de estados. Faltava-lhes o monopólio das terras, ainda em regime de propriedade comunal, mas o poderio, a riqueza e a influência foram alcançados através do exercício do poder. Alguns indivíduos tinham posições sociais mais elevadas que outros por serem considerados como desfrutadores de contactos com o mundo sobrenatural. Nos séculos posteriores ao início da nossa era, torna-se possível distinguir desenvolvimentos diferentes relativamente à cultura e ao modo de vida. Em algumas regiões a burguesia mercantil e intelectual, aberta a influências externas, impôs-se às comunidades campesinas que mantinham costumes e tradições ancestrais e modos de vida inalteráveis.

Nas Caraíbas, século XVI, rebeldes índios mataram espanhóis, e também negros pacíficos e índios, incendiaram povoações e dizimaram o gado. No século XVIII, ocorreram reuniões armadas em Cuba chefiadas por plantadores de tabaco e também por padres, descontentes com o monopólio espanhol do comércio do tabaco.

No Brasil, século XVII, um longo processo de revoltas esporádicas remontam à primeira década do século, cujos efeitos se fizeram sentir a vários níveis: protestos das autoridades locais contra os cobradores de impostos, levantamentos nas terras distantes do sertão, rumores de revoltas de escravos, criação de quilombos, ideias subversivas para a época transmitidas nos sermões dos clérigos. À medida que os colonos se sentiam mais independentes cresceu o desejo de se apoderarem da colónia e serem senhores do seu próprio destino, motivações que culminaram em várias insurreições e conspirações.