ANTECEDENTES DO CAPITALISMO

ANTECEDENTES DO CAPITALISMO

Carlos Gomes

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4.5 – REGIMES COLONIAIS

Denomina-se colónia o território dominado política, económica e administrativamente por um outro país ou estado. À dependência e dominação política junta-se a posse das riquezas locais e a exploração da força de trabalho. Uma situação pode ser qualificada de colonialista quando se manifesta pela presença dum estado colonizador que promove o seu modelo de desenvolvimento económico, político e cultural no seio das sociedades ou povos que domina. Caracteriza-se pela existência de laços de subordinação ou até de sujeição em relação ao colonizado.

O colonialismo surge como a expressão da vontade dum grupo social, ou mais geralmente dum Estado, de estabelecer a sua autoridade, sob as formas e os limites mais variáveis, sobre regiões exteriores separadas ou não por mar. O colonialismo constitui uma manifestação de poder que se pode intitular de expansionismo, destinado a incentivar o crescimento económico, ou ainda de imperialismo, como política que visa o total domínio económico, político, cultural, social ou religioso doutros estados.

Uma das primeiras causas da colonização foi a escassez de terra que afectava parte da população numa economia em que a base era essencialmente o cultivo do solo. O movimento de colonização serviu de alívio da pressão populacional, mas também outros fins económicos. Entre as motivações do estabelecimento de colónias podem citar-se o interesse em conseguir fontes privilegiadas de matérias-primas, principalmente dos metais, mercados preferenciais para as suas mercadorias, o alargamento dos espaços de terras férteis ou a necessidade de obter um meio de instalar excessos populacionais.

As relações com as populações locais variaram bastante, conforme a densidade populacional, o grau de organização social e política, a determinação dos colonizadores e os motivos que levaram à colonização: demográficos, agrícolas, extracção mineira ou comerciais. Novas cidades foram erigidas em regiões férteis que possibilitavam o abastecimento de cereais e outros produtos agrícolas, serviam de mercados ou centros comerciais para as mercadorias manufacturadas. Nas terras virgens dos territórios ocupados a situação revelava-se inteiramente outra, com as populações nativas a serem espoliadas e escravizadas e os colonizadores a arregimentarem colonos. Surgiram abundantes possibilidades de comércio forçado, sem regulamentação, e de pilhagem. O objectivo principal de procura do lucro proveniente do comércio rapidamente se completou com o desejo de exploração pela força.

Um ponto nevrálgico da política a seguir na ocupação colonial era a venda ou distribuição da terra entre os colonos. Onde as concessões fundiárias eram feitas em lotes pequenos a um preço nominal, ou em fáceis concessões de crédito, a sociedade aí desenvolvida era constituída por pequenos cultivadores, onde poucos se inclinavam a trabalhar por salários. Em contraste, a venda de terra em grandes faixas tendia a criar uma sociedade económica de grandes proprietários com uma divisão de classes bem definida. Tornou-se claro para os que desejavam reproduzir nas colónias as relações capitalistas de produção, a pedra fundamental dos seus esforços devia ser a restrição da propriedade da terra a uma minoria de grandes latifundiários. Esta realidade, não só

excluiu a maioria dos colonos a qualquer participação na propriedade, como levou os administradores coloniais a reduzir as reservas das tribos nativas através da simples ocupação ou imposição de tributos aos residentes afim de simultaneamente assegurar uma oferta de mão-de-obra para os colonos.

O comércio com as colónias deu origem à prosperidade e até opulência das cidades mais voltadas para o comércio marítimo, que centraram um comércio praticado não só pelos mercadores nacionais, mas também por homens de negócios com interesses económicos cosmopolitas. O desenvolvimento do comércio ultramarino originou novas associações comerciais que superaram o individualismo inicial.

No período colonial foram ocupadas amplas propriedades pela força, pelo uso de privilégios jurídicos ou pela simples pilhagem. O sistema colonial foi uma poderosa alavanca da concentração de capital. O comércio com as colónias, após a expansão marítima, permitiu uma acumulação de capital numa proporção nunca até atingida, graças à imposição de termos desiguais ao nível do comércio, aos lucros especulativos que proporcionavam as situações de guerra, as actividades de contrabando e o comércio inter-regional. Não se pode deixar de referir o comércio de escravos e a intensa exploração do seu trabalho nas grandes plantações de produtos agrícolas únicos, as actividades mineiras e industriais. As colónias asseguravam um mercado de escoamento às manufacturas em crescimento e, pelo monopólio do mercado, uma acumulação potencial. A acumulação de metais preciosos pode ser uma fonte de riqueza, mas só se torna em acumulação de capital mediante um investimento adequado. O tesouro capturado afluiu aos países da Europa Ocidental e transformou-se aí em capital. Uma circunstância especial resultou do provimento rápido de metais preciosos, ocorrido no século XVI, e a consequente inflação de preços. Entre outras fontes, a acumulação de dinheiro provinha dos empréstimos a juros elevados, da especulação propiciada pelo tráfego comercial que se estabeleceu com a Ásia e a América e da especulação com os preços dos produtos em períodos de escassez.

Como se verá adiante, a administração colonial estava em certos casos nas mãos de Companhias privilegiadas e não nas de funcionários estatais. Quando a administração dependia do governo central, aí encontravam-se de forma evidente as características dum sistema centralizado, também praticado pelos organismos governamentais nos países conquistados.

Na Grécia, a partir do século VII a.n.e., muitos gregos foram obrigados a abandonar as suas regiões de origem e a instalarem-se noutros países. A fundação duma colónia assumiu com muita frequência a forma de deslocações organizadas sob a chefia de pessoas designadas pelas cidades. A estas populações foram abertas possibilidades de colonização e exploração dos territórios ocupados e, em primeiro lugar, das regiões menos desenvolvidas. Em três séculos foram criadas um grande número de colónias nas costas do Mediterrâneo, que permitiram a propagação da cultura e da língua grega. Os povos colonizados pagavam um tributo ao rei, aceitavam guarnições militares e a vigilância de funcionários. O movimento colonizador esteve visivelmente ligado ao desenvolvimento da navegação e ao comércio marítimo. A colonização exerceu uma enorme influência no desenvolvimento da sociedade grega, em especial na esfera económica.

Durante o Império Romano foram fundadas colónias, nas terras conquistadas a fim distribuir terras aos plebeus. Estas colónias compunham-se de cidadãos romanos instalados quer em locais de antigos aglomerados quer em locais desabitados. Embora fazendo parte integrante do Império, estas colónias gozavam duma certa autonomia, tinham os seus próprios magistrados, eram dotados de poderes embora limitados nos domínios administrativo, financeiro e judicial. Esta política contribuiu para a solidez do poder romano nas terras subjugadas.

As colónias europeias constituíram um mercado em expansão para as indústrias da Europa e um recurso de metais preciosos. Enquanto eram impedidas da criação de indústrias locais, as colónias dependiam das metrópoles dos mais variados produtos manufacturados, pagos com ouro, prata, açúcar, madeiras, tabaco, etc. O sistema de trocas ficou comprometido quando as colónias começaram a produzir os seus próprios têxteis e objectos de metal, mas a troca de matérias-primas coloniais por produtos europeus e escravos africanos não foi completamente interrompida.

Na África Subsariana, os colonizadores europeus necessitavam de força de trabalho barata que não era fácil de obter, pois os africanos podiam viver sem precisar do trabalho oferecido pelos europeus. Assegurar trabalho africano para os empreendimentos europeus não era tarefa fácil. Assim tornou-se um objectivo central da política colonialista o desmoronamento da auto-suficência, a destruição da agricultura de subsistência. Esta foi desmantelada não só através do confisco de terras e do trabalho forçado, mas também pela introdução dos impostos de capitação em dinheiro, o que obrigava os africanos a consegui-lo. Para se obter mão-de-obra, em áreas e épocas diferentes, houve o recurso a meios vários como a escravidão, a obrigação legal, a pressão por imposição do imposto individual, a ocupação das terras nativas mais férteis, o recrutamento de trabalhadores através do auxílio dos chefes tribais e das autoridades administrativas. Estas medidas tiveram como efeito a retirada compulsiva das pessoas das suas comunidades e a emergência do trabalho assalariado, objectivo indispensável à exploração das grandes plantações. O simples oferecimento de salários não conseguia atrair um número suficiente de trabalhadores.

Os governos coloniais ao expropriarem as terras das comunidades rurais africanas provocaram o seu progressivo empobrecimento devido à falta de novas culturas capazes de fornecer sustento à população assim desenraizada. Procurou-se então, por vários meios de discriminação e restrição, impedir o florescimento duma economia rural africana. A ocupação de terras teve também por objectivo empobrecer o camponês africano e obrigá-lo a trabalhar nas grandes plantações. Esta política de desmembramento da economia africana foi acompanhada do declínio e mesmo duma eliminação em grande escala das indústrias e artesanatos das aldeias, que se viram na impossibilidade de concorrer com os artigos estrangeiros importados. As corporações tradicionais de ferreiros entraram em decadência e a importação de produtos têxteis provocou o quase total desaparecimento da tecelagem doméstica.

No Continente Americano, por altura das descobertas europeias, a organização política e social da população nativa continha uma variação que ia desde pequenos grupos igualitários de caçadores-recolectores a grandes impérios, com estados intermédios. Na Meso-América e nos Andes Centrais, os conquistadores espanhóis encontraram grandes reinos e impérios, sociedades bem diferenciadas com base nas classes sociais e na especialização económica e grandes centros urbanos que rivalizavam em dimensão e complexidade com os seus contemporâneos. Os espanhóis ao atingirem a América iniciaram a conquista do território e a sua colonização impondo o modelo de organização social vigente no seu país, bem como a sua moeda, sistema de impostos, sistema judicial, divisão de classes sociais.

Nas Américas, os colonos espanhóis e portugueses eram provavelmente os agricultores mais livres do mundo. Cada um possuía a sua porção de terra, a sua casa, arados e gado. Os colonos podiam instalar-se onde entendessem nas imensas terras virgens. Estavam apenas, mais ou menos sujeitos às indagações de funcionários mandatários da metrópole. Nas colónias, o regime capitalista tropeça, em toda a parte, com o obstáculo do produtor que, como possuidor das suas próprias condições de trabalho, se enriquece a si mesmo em vez de enriquecer o capitalista. Esta contradição entre estes dois modos de produção diametralmente opostos acciona uma situação de conflito latente. O capitalista, apoiado no poder que lhe é atribuído pela metrópole, procura afastar violentamente o processo de produção assente no trabalho próprio. A mão-de-obra não europeia compunha-se de servos e escravos.

Na América do Norte, na região da actual Flórida, os espanhóis estabeleceram, no século XVI, a primeira colónia europeia permanente. Conseguiram que os ameríndios lhes reconhecessem a hegemonia e assim obrigaram-nos ao pagamento dum tributo e à prestação de trabalho. Noutras regiões, as tribos indígenas eram, com raras excepções, nómadas e espalhadas em pequenos grupos por vastas extensões; os imigrantes europeus expulsaram-nos dos seus territórios, repeliram-nos para o interior ou massacraram-nos. As colónias inglesas então estabelecidas foram de início suportadas por indivíduos ou grupos que recebiam concessões de terra e sempre procuraram desenvolver as colónias em proveito próprio. À medida que a importância destas colónias se tornava mais efectiva como fontes de matérias-primas e como potenciais mercados de produtos manufacturados, os grandes comerciantes e os dirigentes locais começaram a exigir maiores poderes económicos e políticos. No século XVIII, o desenvolvimento económico alcançado por estas colónias foi extraordinário e aumentou consideravelmente. Este crescimento baseava-se na exploração laboral de pessoas socialmente dependentes que incluíam formas de servidão contratual e escravatura. Estas pessoas eram excluídas da partilha dos proveitos materiais por elas proporcionados. As colónias adquiriram uma forte tradição de auto-governação. Quando o império inglês parecia estável, as suas colónias americanas empreenderam a primeira revolta independentista dos tempos modernos.

Na América Central, século XVI, numa primeira fase, os interesses económicos da Espanha centravam-se nos tesouros acumulados pelas antigas civilizações índias, na procura do ouro e na sujeição dos povos nativos ao trabalho e ao pagamento dum tributo. Posteriormente, a extracção de prata tornou-se na principal indústria criando-se uma rede de estradas para ligar aos centros mineiros. Estabeleceu-se uma nova organização para benefício da metrópole e do sistema mundial dominado pelo capital mercantil. Com os colonos europeus, vieram plantas e animais que se multiplicaram em poucos anos, modificou-se o uso do solo, da propriedade, das técnicas de cultivo, do sistema de trabalho, transporte e alimentação, e a relação entre o campo e a cidade. Os nativos foram obrigados a prestar serviços pessoais e a trabalhar na exploração das minas.

Estabeleceu-se um “consulado” de mercadores que assegurou o monopólio de importações e exportações com a Espanha. Este “consulado” retirou o maior benefício da relação económica entre o país colonizado e o colonizador, os seus membros depressa arrecadaram enormes fortunas, que se tornaram fundamentais no processo de acumulação de capital. Esta riqueza foi transferida, no século XVIII, para a metrópole por meio de taxas, empréstimos e donativos.

Na América do Sul, século XVI, sob a política de colonização espanhola, a população índia foi dividida por “comendas”, que recebiam um determinado número de habitantes, deles podendo exigir trabalho e tributo. A “comenda” podia abranger várias comunidades indígenas que deviam pagar uma taxa e prestar serviços. Era através destas “comendas” que se exercia a autoridade e se moldou o primeiro período da dominação espanhola. Os detentores de “comendas” foram os senhores absolutos durante o período em que se fundaram as primeiras cidades. Apoiavam a autoridade metropolitana, organizavam o povoamento das cidades e exerciam outras funções. As “comendas” foram substituídas por plantações chamadas “fazendas”. Estas “fazendas” eram latifúndios onde, não somente a terra mas também a mão-de-obra índia pertenciam aos colonos europeus. Estes adquiriam propriedades nos meios rurais, estabeleciam negócios comerciais e mineiros. Entretanto entraram em conflito com a coroa espanhola que decidiu promover uma reforma administrativa e instalar uma autoridade civil, acabando gradualmente com as comendas. As cidades passaram a ser administradas por “corregedores”, nomeados pelo Conselho das Índias, dotados duma autonomia relativa. Esta mudança ocasionou um conflito de interesses entre os detentores de “comendas” e os novos oficiais administrativos. No século XVIII, estava já formada uma elite crioula que se apoderou do aparelho administrativo e jurídico e que levaria à independência de várias repúblicas da região andina. A primeira consequência da invasão espanhola foi o colapso do império inca que no entanto persistiu, embora no quadro duma organização política modificada. A conquista não conseguiu acabar com a organização dos grupos étnicos existentes. Estes grupos procuraram manter a sua estrutura própria, embora modificada, de modo a poder continuar a viver de acordo com os seus padrões, ainda que sujeitos ao domínio da legislação colonial.

No Brasil, século XVI, a riqueza existia apenas graças ao cultivo da terra, às culturas de frutas e legumes e a criação de gado, à plantação da cana-de-açúcar e às mercadorias que vendiam no mercado europeu. A soberania portuguesa sobre a costa brasileira foi, desde muito cedo, ameaçada por piratas e comerciantes de outros países, que trocavam géneros com os nativos e partiam com os navios carregados de produtos locais.

Ao contrário do que aconteceu noutros continentes, os portugueses procuraram ocupar o interior do território e explorar os seus recursos agrícolas, recorrendo para isso à mão-de-obra escrava oriunda de África. Os portugueses instituíram um novo modelo de exploração colonial baseado no cultivo de produtos tropicais em grandes plantações, designadamente de açúcar, no trabalho escravo dos negros e no monopólio do comércio que proporcionou enormes lucros à metrópole. Como resultado deste novo sistema passaram a existir, espalhadas por toda a América, cerca de 1700 plantações exploradas com mão-de-obra escrava. Ao mesmo tempo verificava-se um grande aumento na variedade de produtos provenientes das colónias: pigmentos, chá, café, seda, tecidos de algodão, etc. Este foi um passo decisivo dado pela economia da colónia, que permitiu um grande incremento da acumulação de capital. Os estados começaram a desempenhar um papel totalmente novo na economia.

Os colonos portugueses criaram, ao longo do tempo, as suas próprias versões dos costumes dos nativos e dos escravos negros no tipo de casas que construíram, nas roupas, na comida, na agricultura, na forma de navegar nos rios, nas viagens pelo sertão ou no modo como curavam as doenças. Os próprios colonos encarregavam-se de importar escravos negros e reduzir os ameríndios à escravatura, salvo nas regiões onde os jesuítas os instalavam nas missões. Em 1759, o ministro marquês de Pombal decidiu que ameríndios e europeus eram iguais perante a lei, mas a sua autoridade era já reduzida. A maior parte destes colonos tinham uma situação bem melhor do que a disponível no seu país de origem.

Na Ásia, as potências colonizadoras encontraram-se face a face com povos dotados, herdeiros de antigas civilizações. Alguns cederam ante a força militar ocidental sem serem entretanto influenciados pelo modo de vida europeu. Mesmo nas regiões onde os europeus conseguiram estabelecer sucursais comerciais, guarnições militares, feitorias, depósitos de abastecimento, não se ocuparam das populações locais, que os ultrapassavam consideravelmente em número. Foram poucos os esforços dos países colonizadores para converter os povos asiáticos que se encontravam sob o seu controlo militar e económico, com excepção das Filipinas.

Os portugueses esforçaram-se por conquistar o comércio indiano, impondo monopólios sobre linhas de comércio marítimo, cobrando tributos à navegação asiática. O comércio marítimo não resultou da acção de companhias privadas e privilegiadas, mas duma colaboração preponderante do Estado e a participação de particulares que forneciam capitais e homens. O Estado estabeleceu o monopólio da venda dos produtos coloniais, concentrando-os em Lisboa, que se tornou o centro das trocas, atraindo os comerciantes estrangeiros.

No século XVII, aparece, nas costas asiáticas, a Holanda como símbolo do capitalismo comercial e financeiro. No século seguinte é a vez da Inglaterra de se tornar o país mais representativo nestas áreas e que viria a ser o grande beneficiário da reconversão colonial no século XVIII. Envolveu-se em vários conflitos armados que lhe trouxeram o controlo da Índia e duma parte considerável do comércio asiático, a acrescentar às suas possessões norte-americanas. Esta expansão permitiu-lhe acumular vastas somas de capital e assegurar os fornecimentos de algodão, a preço reduzido, para as suas fábricas têxteis e escoar a sua produção maciça de produtos têxteis e metalúrgicos.