ANTECEDENTES DO CAPITALISMO

ANTECEDENTES DO CAPITALISMO

Carlos Gomes

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8.3 – PRODUÇÃO ARTÍSTICA

No sentido restrito a palavra “arte” implica um conceito puramente estético. Porém, os temas e símbolos gravados nas rochas ao ar livre serviram também para fazer chegar mensagens tanto aos poderes transcendentes como aos seres humanos.

Nas regiões onde não existiam grandes estruturas estatais, a arte manteve a sua inspiração tradicional, colectiva e religiosa. A arte monumental reflecte o surgimento dos grandes estados por todo o mundo, cada um com as suas características particulares, pois o monumento constitui um reflexo espectacular e eterno da instituição. Tanto nos estados como nos impérios a arte constituía a expressão visual das respectivas sociedades; a arquitectura muitas vezes assumiu uma finalidade ideológica ou religiosa, simbolizando o poder e a glória dos governantes. O termo arquitectura é utilizado, com frequência, como referência às residências de pessoas de estatuto social muito elevado.

A religião e o poder político mantiveram padrões e procedimentos normais e frequentemente permutáveis, independentemente da localização. Preocupavam-se, em particular, com as questões complexas do fabrico de imagens, que realçavam signos e símbolos de poder, e a sua facilidade de permuta e com a organização e manutenção de artistas individuais ou de oficinas de pintores, calígrafos e artesãos. As expressões artísticas necessitam dum investimento para a sua produção e também para a devida manutenção e segurança. Em geral, a produção artística realizava-se dentro dos palácios e estava sob o controlo directo dos soberanos e dos templos.

As classes governantes para melhor se demarcarem das classes inferiores e realçarem o seu prestígio e poder, mandaram construir impressionantes palácios e templos magnificentes, com materiais que frequentemente tinham de ser importados de longe; os membros dessas classes usavam, como símbolos da sua elevada categoria, ricos trajos, jóias e pedras preciosas e outros “artigos de prestígio”.

O crescimento das cidades, comerciais e manufactureiras, deu lugar a um investimento associado a características específicas locais e diversificadas quanto à expressão artística. As cidades eram lugares onde se cruzavam pessoas e artigos de muitas origens diferentes. As expressões artísticas urbanas tiveram tendência para permanecer dentro dos seus limites e acabarem por conduzir à formação de artes nacionais. O meio urbano proporcionou um público para a compra e venda de objectos de arte fabricados para as elites urbanas, a frequência de representações de peças de teatro, espectáculos musicais ou cenas de narrativa épica ou lírica. As técnicas das artes industriais, como a cerâmica, os trabalhos em metal, vidro e têxteis cresceram em variedade e qualidade de modo a corresponderem a uma enorme amplitude de funções e tendências diferentes.

Muitos temas, ideias, técnicas e modos de comportamento tiveram a sua origem em motivos populares, facto sobretudo evidente em relação à música e às artes representativas. Esta tendência revelou a possibilidade de se criarem as primeiras bases de um estilo de vida que deixa de ser exclusivo dos ricos e poderosos mas que se torna acessível a outras camadas da população. Com o aparecimento da utilização de metais, sobretudo o bronze, surgem novos instrumentos musicais a substituir os chifres, guizos, chocalhos, discos com batentes, apitos de osso, flautas de cana, tambores assentes em peças de olaria. A música e a dança passaram a desempenhar um papel importante nas cerimónias.

A arte era entendida como algo que dizia respeito e estava próximo dos artesãos. Estava mal definida a fronteira entre o papel de artesão ou trabalhador manual, cujo estatuto era desprezado ou tido como inferior, e o papel do artista. Devido ao facto de as belas-artes implicarem trabalhos manuais, os seus praticantes eram considerados meros artesãos, não sendo reconhecidos como artistas. Estes, muitas vezes, eram servos ou até mesmo escravos. Mais tarde, pelos séculos III e IV d. C., apareceu uma arte de elite criada por artistas individuais que eram elementos do estrato mais elevado da sociedade. Os artesãos tiveram de produzir loiças de luxo, mobiliário e outros objectos, recorrendo a materiais como o ouro, prata e pedras preciosas, para uso nos palácios dos reis.

A arte da escultura e gravura sobre rocha tornou-se uma actividade autónoma e os pedreiros transformaram-se em escultores e ficaram ligados aos principais templos. Progressos semelhantes tiveram lugar no domínio da produção de jóias e de artigos de luxo feitos de conchas, osso, chifre de veado ou pedras semipreciosas, cujo valor dependia das matérias-primas utilizadas e que deram origem a profissões especializadas. Outro meio de expressão artística foi a madeira: as estátuas entalhadas eram particularmente impressionantes devido aos detalhes que apresentam; a madeira trabalhada era igualmente utilizada em colunas que sobreviveram até ao presente. A produção de tecidos feitos em casa ou nos acampamentos, em geral por mulheres, mostravam grande sentido artístico, criativo e aplicação. A cerâmica decorada era uma arte aplicada, que representava um mundo ornamental no qual se sentia a mão de artesãos especializados, como escultores de baixo relevo e fabricantes de cilindros-selos, joalheiros e outros. As técnicas de fabrico de materiais em vidro e em faiança, designados pela expressão “artes do fogo”, permitiram virtuosos acabamentos e soluções estéticas.

A construção das pirâmides no Egipto exigiu um esforço extraordinário, o país esgotou-se economicamente, o poder dos faraós enfraqueceu e as contradições sociais adquiriram um carácter irreconciliável. Porém, a arte egípcia deu um grande contributo para a cultura de toda a humanidade. A construção em pedra adquire grande envergadura; surgem pirâmides construídas em tijolo cru e revestidas de calcário.

A arte persa era o resultado duma síntese entre as tradições artísticas e os processos técnicos de outros povos circundantes. Tal arte destinava-se, acima de tudo, a simbolizar o poder e a grandeza dos reis e do Império.

Na Grécia, o templo favoreceu o desenvolvimento das diversas formas de arte, surge uma escultura monumental. A par da construção dos templos começou, mais tarde, a arte helénica a dedicar grande atenção à construção de teatros, ginásios e palácios. Igualmente se desenvolveram a arte teatral, a comédia, o mimo e a oratória.

Em Itália, a invenção do processo de obtenção do betão a partir da lava permitiu pintar grandes superfícies murais com frescos que incluem grandes figuras humanas e paisagens. Aperfeiçoou-se a arte dos mosaicos que decoravam edifícios públicos e particulares. Os escultores romanos desenvolveram no campo do retrato um estilo próprio e elaboraram uma teoria de arte realista, visando o conhecimento e a reprodução da vida real em toda a sua diversidade. Foram também introduzidas as representações teatrais à maneira grega.

As tradições artísticas floresceram pelo mundo islâmico sobretudo com a arquitectura, fundada em construções arqueadas, e com o fascínio pela caligrafia decorativa. Os “jardins do Islão” foram uma característica excepcional da civilização muçulmana. Conceberam-se jardins e parques com palácios, pavilhões, canteiros de flores de desenho geométrico, sistemas de irrigação e recintos complexos.

Na Ásia Central, existiu um “estilo de oásis” peculiar que se reflecte nas vestes adornadas, nos estilos de pintura e escultura, o que testemunha uma prosperidade social cuja riqueza se baseava acima de tudo no comércio de objectos de luxo.

Na Índia, bons artesãos dedicavam-se a sofisticadas obras de arte, estatuária e arquitectura monumental, destinados a ricos e poderosos. A maioria da arte era inspirada na religião e na construção de templos. Na antiguidade mais remota, as construções eram na sua maioria feitas de madeira e por essa razão não se conservaram. Nos primeiros séculos d. C., a pedra começa a ser largamente utilizada na construção e nas esculturas de pedra. Existiam várias escolas de escultura, que dispunham de manuais que continham regras para a feitura de estátuas, templos e outras construções religiosas. Surgiram também tratados sobre a técnica de pintura. Pintava-se sobre madeira, tecido e pedra. São famosas as pinturas murais em cavernas e em edifícios.

A tradição da pintura na China foi garantida pelo patrocínio imperial que convidou para a corte os mestres famosos da pintura, nos séculos. VII e VIII., com o seu estilo e forma de retratar poderosos e criaturas divinas. Porém, também floresceu a pintura de paisagem, de flores e pássaros, que adquiriam uma tradição relevante. Pouco antes do início da era cristã, foi fundada a Câmara Musical onde eram reunidas e arranjadas as canções populares e se criavam obras musicais.

Na África Ocidental, a religião deu azo a várias formas de expressão artística. O desenvolvimento sistemático de uma cultura urbana levou a um incremento da arte. No primeiro milénio a.C., os artistas africanos ocidentais trabalhavam com os materiais predominantes na região, fossem eles pedra, madeira ou metais, no fabrico de peças religiosas ou pagãs. A tradição evoluiu da cestaria para a escultura, olaria e, finalmente, para a metalurgia. Também se trabalhava com o ouro e o marfim nas regiões mais ricas nestes materiais. Os contactos com o Islão traduziram-se num impacto na arte popular africana, nas formas arquitectónicas e na arte dos metais. Na floresta tropical existem máscaras esculpidas em madeira. O artesanato encontrava-se em franca expansão em relação às técnicas e materiais empregues e às formas trabalhadas por aqueles artífices. A riqueza gerada era suficiente para que os ricos apadrinhassem as artes, prestando apoio àqueles que se ocupavam da sua criação, numa espécie de mecenato. A maior parte das obras de arte era produzida sob os auspícios da realeza. Em Benim, os artistas organizavam-se em grémios adstritos a uma chefatura do palácio. Este país, tornou-se célebre pela descoberta de obras-primas de bronze (latão) ou de terra cota, produzidos pela técnica de cera perdida.

Na África Central e Austral as populações recorriam nas artes plásticas a materiais usados no fabrico de peças de uso diário, como argila, ferro ou cobre, madeira, marfim e conchas. A dimensão artística voltava-se para as divindades e espíritos dos antepassados. Tratava-se de uma arte predominantemente religiosa. As peças fabricadas tinham quase sempre um fim utilitário. As esculturas primitivas consistem em objectos de barro, mas apresentam também materiais menos frágeis como pedra e bronze. É notória uma distinção entre culturas de floresta e de savana. A primeira identifica-se mais com um simbolismo religioso patente nas máscaras e estátuas da região equatorial. Na parte central e meridional da savana, a produção artística estava mais ligada aos chefes e aos monarcas. Na esfera da arquitectura, o Zimbabwe é um exemplo extraordinário, caracterizada por ruínas monumentais de enormes habitações de pedra, cuja envergadura representa o “Grande Zimbabwe”.

Na América do Norte existia uma tradição de escultura, como o demonstra os trabalhos de entalhe feitos em pedra, em osso e em madeira. Existem variações de região para região na quantidade e nos tipos de instrumentos de madeira. A característica cultural nas artes baseava-se em dois objectivos fundamentais: o alcance de prestígio e auxílio sobrenatural. Os bens excedentes eram entregues a um chefe, que os utilizava para promover as artes e para pagar a especialistas em pintura e escultura com o objectivo de criarem objectos de arte que servissem para aumentar o seu prestígio.

Na Meso-América, século VIII d. C., destaca-se uma arquitectura urbana de tendência vertical, que já se adivinhava em séculos anteriores. A produção escultural e a pintura mural da região central maia destacaram-se pela sua diversidade e escala. É de acrescentar o fabrico de uma excelente cerâmica e de delicados objectos de madeira, osso, jade e outras pedras preciosas. É também notável a estatuária de pedra.

Na América do Sul, a escultura em pedra foi um veículo importante da expressão estética andina. As esculturas em madeira foram importantes em locais rituais: pintadas e vestidas, representam deuses guardiães.

Na América Central, antes da colonização, existia uma florescente tradição de pinturas murais, manuscritos iluminados e mosaicos de plumas. Com o domínio espanhol, foram importadas pinturas e gravuras religiosas da Europa. Contudo, muitas das pinturas religiosas eram da autoria de artistas índios, do que resultou um estilo baseada nas suas tradições bem como na perspectiva europeia.