ANTECEDENTES DO CAPITALISMO

ANTECEDENTES DO CAPITALISMO

Carlos Gomes

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1.5 – PRODUÇÃO AGRÍCOLA ALIMENTAR

As produções agrícolas mais relevantes, sob o ponto de vista económico, merecem uma referência particular, embora de forma sucinta, face à sua intensa ligação com os meios de produção e as relações económicas e sociais que lhes estão inerentes.

Os cereais, depois de ceifados, há que debulhá-los. A operação de debulha exige um grau elevado de esforço físico, com o consequente tempo de trabalho, e uma técnica adequada para obter a melhor perfeição na extracção dos grãos. Os processos de debulha eram uns mais primitivos que outros. Em terrenos mais amplos, o cultivo dos cereais exigia dispor de gado que os cavadores mais pobres não possuíam. As eiras eram localizadas de modo a permitir uma vigilância da produção efectiva pois uma parte das rendas a pagar aos senhores eram entregues em cereal.

A cultura do arroz merece uma atenção especial pelo seu impacto em todo o Continente Asiático, onde assegurava a alimentação duma grande parte da população. Exigindo terrenos alagados, é possível que começasse a ser colhido ou cultivado nas terras baixas ao longo dos cursos de água junto dos quais as populações decidiam viver. Posteriormente, o seu cultivo desenvolveu-se em campos irrigados que requeriam um considerável trabalho inicial de adaptação e manutenção: limpeza e nivelamento do solo, construção de pequenos taludes e abertura de canais. As operações de sementeira, transplantação dos pés e monda não requeriam muita mão-de-obra e podiam ser executados por mulheres, ao invés da cultura de cereais. O crescimento da manufactura de artefactos de ferro tornou possível a obtenção de duas ou três colheitas anuais, como aconteceu nos campos situados perto do rio Ganges. Esta colheita dupla ficou assegurada por volta do ano 1.000, na China, com a introdução do arroz temporão que permitiu um aumento significativo da produtividade e um elevado rendimento.

As leguminosas, que desempenham um papel importante na alimentação humana, eram cultivadas em terrenos aplicados a tal fim, muitas vezes associados a árvores de fruto. Eram recursos alimentares muito estimados por serem fáceis de secar e conservar. Os ameríndios conheciam várias espécies de feijão que foram aclimatados na Europa mas, inicialmente, cultivados apenas como forragem. O cultivo da soja estendeu-se, nos últimos séculos do II milénio a.n.e., a todo o leste asiático, e dela extraíam-se o leite, o óleo e o molho de soja, importantes fontes de proteínas.

A fruticultura era uma forma de cultivo de alimentos caracterizada pela plantação de árvores para recolha dos frutos que constituíam suplementos dietéticos em vez de alimentos básicos. Porém, a castanha assumia um relevo especial pelo facto das populações mais pobres a utilizarem largamente como alimento de recurso. Também o sobreiro e a azinheira proporcionavam um bom alimento para o gado. A técnica de produção de frutos não estava muito desenvolvida, mas os agricultores já conheciam e praticavam a enxertia. Eram desconhecidos meios eficazes para evitar os ataques de insectos e outros animais nocivos. O próprio terreno era aproveitado para pastagem de gado e nele se deixavam crescer ervas e plantas espontâneas. O trabalho só incidia na prática sobre a colheita do fruto.

O incremento das relações mercantis repercutiu-se na cultura dos frutos susceptíveis de exportação, como é o caso do figo e da tâmara, contribuindo para o incremento da sua produção. O figo tinha a particularidade de poder secar, ter uma utilização medicinal como laxante e servir para produzir um apreciado licor. A banana e o ananás foram frutos divulgados pelos navegadores portugueses. As tâmaras constituíam, no século XVI, a mais importante colheita alimentar da Arábia, ocupando o seu cultivo quase 90 % da terra arável dos oásis.

O cultivo da vinha obrigava a um tratamento com algum conhecimento técnico e alguma especialização. A plantação dependia dos meios técnicos disponíveis e da qualidade dos solos. O ciclo vegetativo da planta exige três a cinco anos para obter uma produção corrente. Os instrumentos usados na viticultura eram rudimentares, o mesmo não acontecendo na produção vinícola. Com o cultivo das vinhas desenvolveu-se o comércio do vinho.

Entre as oleaginosas o maior destaque vai para a olivicultura. A cultura da oliveira andava muitas vezes associada à da vinha. A sua reprodução era conseguida por plantação de varas da árvore-mãe. O seu tratamento exige alguns cuidados como a adubação, lavrar o terreno com o objectivo de retirar plantas prejudiciais. A azeitona pode ser consumida como fruto de uso alimentar ou utilizada como matéria-prima da produção de azeite. A semente da purgueira permite a extracção dum óleo utilizado para iluminação caseira, para o fabrico de sabão, lubrificantes e estearina, e aplicações medicinais. A sua reprodução é espontânea através da queda das sementes que caem dos frutos ou por plantação de estacas. O amendoim tinha um consumo importante na América sob a forma de grão ou de óleo dele extraído.

Os tubérculos eram um elemento importante do regime alimentar do homem. São numerosas as espécies de tubérculos cultivados e consumidos, sendo de destacar: o inhame, a mandioca, a batata, a batata-doce, a cenoura, o rabanete, etc. A economia de algumas comunidades assentava no cultivo da mandioca e do inhame, alimentos bastante difundidos em todas as regiões tropicais e subtropicais, não só pela qualidade do alimento obtido como pela facilidade de cultivo e conservação. Estes tubérculos têm desempenhado um papel importante como recurso contra a fome. A mandioca era, nas Caraíbas, usada pelos ameríndios no fabrico de pão. Tornou-se extremamente importante na alimentação dos navegadores espanhóis nas suas viagens continentais. A batata trazida da América para a Europa no século XVI, foi bem sucedida na Europa e trouxe às classes menos favorecidas uma alimentação abundante e económica. Porém, enfrentou uma rejeição inicial que encarava a batata como um produto inadequado para o consumo humano, utilizado apenas para alimentar os animais.

O chá aparece como alimento a usar como bebida e tornou-se uma mercadoria essencial já no III século da nossa era. A sua cultura desenvolveu-se na China no século VII e espalhou-se depois por toda a Ásia. É só no século XIII que o chá começa a ser importado pelo Irão. A sua introdução na Europa ocorre só no século XVII. Mais tarde a cultura do chá foi introduzida pelos europeus em algumas regiões dos continentes americano e africano. O café e o cacau seguiram o caminho inverso na sua implantação. O café é a única especiaria cultivada na Arábia por meio dum sistema de campos em terraços nas encostas íngremes. A manteiga de cacau e o chocolate foram, no séc. XVIII, adoptados na Europa, mas eram muito caros para poderem concorrer com o café e o chá.

A cana sacarina foi largamente cultivada à medida que se desenvolveu a produção de açúcar. Originária do Extremo Oriente, surge na área mediterrânea com a expansão muçulmana. Com a descoberta da América, tornou-se a cultura principal de alguns países tropicais. A cultura da cana do açúcar fazia-se inicialmente em regime de pequena e média propriedade, mas em breve verificou-se cada vez mais a concentração de canaviais nas mãos dos grandes proprietários que se dedicaram exclusivamente à monocultura da cana sacarina, o que provocou o abandono de culturas de subsistência, designadamente cereais. A cultura da cana do açúcar oferecia perspectivas de maiores lucros, pois este produto rareava nos países que apenas produziam mel. A cana sacarina passou a ser cultivada de modo extensivo em regime de monocultura, o que gerou uma procura de mão-de-obra só possível com a importação de escravos. O êxito da produção de cana sacarina consolidou o sistema de latifúndio, fez subir os preços da terra e converteu sistemas puramente agrários em sistema de manufactura parcial. As plantações da cana do açúcar foram a fonte de fortunas colossais, conseguidas graças ao trabalho forçado e ao trabalho dos escravos africanos.

O mel, proveniente da apicultura ou da simples recolha, desempenhava um importante papel na alimentação constituindo o único adoçante disponível antes da descoberta do açúcar e, como ingrediente, era utilizado na produção de unguentos. A produção do mel exigia alguns conhecimentos específicos na instalação das colmeias constituídas por recipientes de cerâmica ou na instalação de cortiços. A passagem duma apicultura recolectiva para uma produção dirigida e ampliada deu origem a diferentes relações entre os produtores, que tinham de recorrer a outros produtores para construir instalações artificiais. Este progresso motivou o aparecimento de duas actividades especializadas: a dos apicultores e a dos colmeeiros. A produção de mel declinou seriamente com o aparecimento do açúcar de cana. Em África, século XVI, também se retirava mel de favos de abelhas selvagens. Algumas colmeias nasciam da colocação estratégica de potes de barro, outras eram escavadas em grandes ninhos de térmitas vazios. O aproveitamento do mel e da cera remonta a tempos muito antigos. A cera era aplicada na iluminação e na confecção dos selos dos documentos senhoriais. Estes géneros eram preferidos nos pagamentos de renda em espécie e, pela sua importância, sujeitos a taxas de portagem.

As especiarias são espécies vegetais utilizadas na culinária para apaladar a comida e também para a produção de vários medicamentos. As especiarias exóticas encontraram grandes mercados externos e foram objecto dum intenso comércio. O lúpulo é cultivado para uso no fabrico da cerveja. O gengibre é usado na medicina como estimulante e a raiz ainda verde é um condimento alimentar. A canela era usada para fins medicinais, perfumaria e como condimento e preparação de vinho aromático.

A produção de “ginseng”, planta utilizada na medicina para incrementar a longevidade e a qualidade de vida, era tão popular no Extremo Oriente como a seda, mas havia limites para o seu abastecimento, pois as raízes tinham de ser procuradas nas montanhas e transportadas apara as cidades.

No modo de produção tributário, a produção agrícola alimentar pertencia em grande parte à esfera constituída pelos camponeses “livres” envolvidos sobretudo na agricultura de sequeiro, que tinham de pagar um tributo aos senhores em cujo domínio estavam integrados e ainda trabalhar em regime de corveia ou jeira, quando lhes era exigido. Este regime era usado mais intensamente durante os trabalhos sazonais e permitia à classe senhorial manter um número mais reduzido de servos. Nas quintas pertencentes ao soberano, aos templos ou à nobreza as actividades agrícolas eram levadas a cabo por servos e escravos, o que lhes permitia recolher o benefício duma produção própria avultada, deduzida das sementes reservadas para a estação seguinte e das provisões para os servos.

A produção alimentar, em especial a cerealífera, está sujeita a desníveis frequentes entra a produção e o consumo. O excesso ou défice de produção pode resultar de variadas circunstâncias, em primeiro lugar da variação natural das condições atmosféricas, mas também por colheitas anómalas ou dificuldades de circulação material, por falta de meios de transporte, ou económicas em consequência do incremento de taxas de portagem, assalto de géneros, etc. As oscilações na procura podiam resultar de várias causas como, por exemplo: o armazenamento de alimentos provocado pela eminência duma guerra ou de uma alta de preços provocada por quebras de moeda; especulação por parte dos mercadores com o fim de obter melhores preços; o alargamento demográfico de centros urbanos. Esta é uma das causas das primeiras crises económicas.

No século XVI, os povos colonizadores conseguiram transportar, dum continente para outro, um certo número de produtos comestíveis que eram aí desconhecidos e podiam ser aclimatados.