ANTECEDENTES DO CAPITALISMO

ANTECEDENTES DO CAPITALISMO

Carlos Gomes

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3.10 – ORGANIZAÇÃO E GESTÃO

Os factores de produção são heterogéneos na sua essência, pelo que a sua conjugação num processo único pressupõe uma orientação. Compete à organização, como ramo de conhecimento económico, em primeiro lugar, estudar a conjugação do processo produtivo do trabalho, dos objectos sobre que recai e dos meios utilizados.

Para produzir bens materiais ou prestar serviços, os homens não actuam isolados, agem em comum, por grupos, comunidades, instituições, associações ou empresas. A actividade do homem realiza-se sempre no quadro dum determinado sistema de relações com a ajuda e participação de outras pessoas, ou seja, adquire o carácter de actividade conjunta. Por sua vez, o mero contacto pessoal gera uma emulação que eleva a capacidade individual de prestação de cada um, de tal modo que um grupo de pessoas juntas fornece um produto superior ao dos trabalhadores isolados. O grupo dos que trabalham em conjunto permite repartir as diversas operações e encurtar o tempo de trabalho preciso para a execução do produto final. Uma colectividade de trabalho é inconcebível sem organização, sem ordem, sem uma divisão funcional do trabalho a executar, sem que se determine o lugar e as funções de cada indivíduo. A actividade laboral, sobretudo a que se realiza em larga escala, seria impossível sem uma gestão adequada e sem o estabelecimento e manutenção duma apropriada organização.

A cooperação no trabalho é uma forma de organização que assegura a coordenação da actividade conjunta dos trabalhadores no mesmo processo de produção ou em vários processos relacionados entre si. Cria uma força colectiva que permite disponibilizar melhor o tempo de trabalho e os meios de produção, obtendo uma redução sensível de gastos de trabalho e de recursos por unidade de produção. A cooperação permite estender a esfera espacial do trabalho exigida por certos trabalhos como a irrigação, a drenagem de terras, a construção de canais ou estradas.

Na cooperação simples todas as pessoas executam um conjunto de operações sem uma divisão de trabalho. Baseia-se no princípio elementar de que a cooperação dos esforços individuais cria uma força produtiva superior à simples soma das unidades que a integram. O efeito da cooperação simples revela-se de forma notória na produção intensiva e uniforme, nas plantações dum único produto agrícola, nas minas ou na construção de obras gigantescas. A cooperação simples continua a ser a forma predominante nas actividades em que o capital opera em grande escala sem que a divisão do trabalho desempenhe um papel significativo. Em grandes empreendimentos é frequente um mesmo tipo de trabalho ser executado por um número considerável de escravos, servos ou trabalhadores assalariados.

A cooperação ampliada, ou complexa, assenta na divisão do trabalho e na especialização dos próprios trabalhadores e dos meios de trabalho em determinadas operações de produção. Toma forma quando processos diferentes culminam em produtos distintos necessários para realizar um produto final.

Um grupo não é apenas o somatório dos membros que o compõem, mas sim um conjunto que apresenta características essencialmente dinâmicas na medida em que é constituído por uma rede em permanente actividade interactiva entre os seus membros. O grupo económico é uma unidade colectiva concreta que se manifesta pelos objectivos das suas actividades, pelos seus processos definidos no tempo, pela sua localização em determinados espaços, pelos seus padrões de conduta, pela utilização de formas concretas de comunicação, etc. A compreensão da dinâmica dos grupos exige que se tome em consideração um certo número de factores, entre os quais se pode salientar: a coesão, o estímulo, a formação, a estrutura, a comunicação, as modalidades de comando.

O termo coesão significa que os respectivos membros do grupo se sentem reciprocamente atraídos e efectivamente integrados no conjunto, o que implica uma aceitação dum certo número de normas comuns e a aceitação duma correspondência entre a personalidade e as necessidades dos seus membros e as possibilidades de satisfação que o grupo lhes oferece.

O aproveitamento de todas as possibilidades das forças produtivas requer estímulos que incitem os trabalhadores a desenvolver e a aperfeiçoar os instrumentos de trabalho e a incrementar a produção no seu conjunto. Nas sociedades divididas em classes antagónicas, os escravos, os servos ou os trabalhadores assalariados não manifestam qualquer estímulo na sua actividade. Os camponeses e os artesãos integrados em estruturas familiares estão interessados em aumentar a sua produtividade. As profissões ligadas técnica ou administrativamente às instituições pertencentes às classes dominantes revelam algum interesse nas suas funções na medida em que beneficiam de alguns privilégios.

A formação tem de acompanhar as inovações tecnológicas e a especialização profissional. O aparecimento da máquina exigiu uma aprendizagem específica dos trabalhadores assalariados e a formação do pessoal que se ocupa da gestão e do controlo da maquinaria e da sua constante manutenção e reparação.

A estrutura organizacional identifica-se com o sistema de funções assumidas individualmente e em conjunto pelo grupo e fornece a base em que se apoia a circulação da comunicação. Esta define-se em termos de meios técnicos que permitem trocas de informação e diálogo e está condicionada pela existência ou inexistência duma linguagem e dum sistema de referência comum.

Na sua forma de organização é comum a participação de parte dos seus componentes e a existência dum líder a que os demais membros do grupo reconhecem o direito de tomar as mais importantes e urgentes decisões que afectam os seus interesses, determinam a orientação e o carácter da actividade conjunta. Ao líder compete também a obrigação de defender a comunidade. No que se refere ao comando, o chefe do grupo, ou líder, assume a responsabilidade de gerir os destinos do grupo, atribuir funções e velar pelo seu cumprimento. A conjugação dos elementos do processo produtivo pressupõe uma direcção.

A gestão é uma propriedade inerente da sociedade em qualquer grau do seu desenvolvimento. Tal propriedade dimana do trabalho colectivo dos homens, da necessidade de se relacionarem no processo de trabalho e da permuta dos frutos da sua actividade. A sua função consiste em usar técnicas de pensamento e de acção, entendidas como elementos analíticos e modos de pensar práticos, destinados a solucionar problemas económicos concretos. A gestão deve estabelecer relações sociais que têm por fim conseguir a coordenação e a maior eficácia no desempenho da actividade produtiva, mediante a adequada execução dum conjunto de regras e procedimentos.

A característica social e colectiva do trabalho e a conjugação entre os objectos de trabalho e os meios de trabalho, heterogéneos na sua essência, pressupõem a existência, em maior ou menor dimensão, duma direcção que estabeleça um enlace harmónico entre as diversas actividades individuais e colectivas. Os “anciãos” dos concelhos da aldeia, face à tarefa complexa de governar, criaram um conjunto de costumes e leis destinadas a manter a ordem e a proteger as aldeias contra um agressor exterior.

Eventualmente, a primeira forma de organização económica na agricultura foi a pequena exploração dos agricultores do Estado egípcio. A expansão do Vale do Nilo exigiu uma organização social muito esforçada e centralizada, um Estado fortemente organizado e comunicações fáceis. O encargo de organizar a produção agrícola ou de a melhorar recai, na maioria das vezes, naqueles que possuem ou mantêm o usufruto da terra. Na organização do trabalho nos campos é, por vezes, difícil distinguir o costume do plano previamente deliberado.

A organização de povoados agrícolas reflectia as instâncias locais que dirigiam a distribuição das colheitas. As comunidades agrícolas ou eram quase inteiramente auto-suficientes ou dispunham de meios de transportes para enviar os seus produtos para os mercados. O progresso da produtividade do trabalho agrário significou um crescimento da população e, portanto, um estímulo para novas vagas migratórias. Significou também a criação de excedentes, a criação de celeiros e silos, e o crescimento da importância do povoamento. A estas colectividades mais vastas será indispensável uma direcção.

Nas grandes unidades económicas, sobretudo as pertencentes aos templos, os grupos, que chegavam a atingir centenas de homens, trabalhavam todo o ano ou, temporariamente, no período das colheitas. Neste caso, estes grupos incluíam, por vezes, homens livres proprietários de pouca terra.

A organização da produção agrícola, artesanal ou manufactureira, varia consoante a escala de actividades, a complexidade das operações, os constrangimentos do ambiente e a estrutura política e social local. Na organização do trabalho noutros sectores, os maiores e mais complexos projectos eram os trabalhos de construção pública. Quase todas as partes do mundo testemunharam a capacidade de organizar e executar grandes projectos de construção. A angariação e manutenção das forças armadas, a tributação e a administração da justiça, pertenciam todas à organização do Estado ou a instituições dependentes.

A direcção na empresa capitalista resulta necessariamente da condução dum processo de trabalho para a fabricação mercadorias e duma função de exploração cujo objectivo é a valorização do capital através da obtenção máxima dum lucro. O facto dos meios de produção não pertencerem aos trabalhadores obriga à necessidade de controlo permanente sobre o seu emprego. O princípio da organização eficiente não é mais do que o princípio da maximização do lucro. No processo de trabalho são introduzidas mudanças essenciais na organização da produção e distribuição. Todo o trabalho colectivo, especialmente quando realizado em larga escala, requer uma acção directiva independente da forma social em que se insere. Porém, no sistema capitalista, ao processo produtivo junta-se um processo de multiplicação de valores e de capital. A organização e a direcção acabam por ter um duplo objectivo.