ANTECEDENTES DO CAPITALISMO

ANTECEDENTES DO CAPITALISMO

Carlos Gomes

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7.5 – OPERAÇÕES DE CRÉDITO

O hábito existente entre os mercadores feirantes de transferir para uma feira ulterior a liquidação dum débito assumia as características dum crédito. Estes acordos funcionavam como um “clearing” embrionário. Esta modalidade de crédito evitava o transporte de numerário, aumentava as possibilidades de troca, mas colocava um problema técnico, o dos meios documentais. Era então elaborada a chamada “carta de feira”, que se traduzia por um simples reconhecimento de dívida com vencimento fixado para uma feira ulterior. Estes acordos de compensação alcançaram uma larga dimensão com o desenvolvimento das “feiras de câmbio” como centros financeiros. Estas feiras entraram em declínio mais tarde, nos primeiros anos do século XVII, com o desenvolvimento dos bancos.

Como meios de pagamento tradicionais, ao mesmo tempo como instrumentos de crédito, começaram a circular, em proporção crescente, as cédulas ou letras obrigatórias e as letras de câmbio. As primeiras consistiam num reconhecimento de dívida e constituíram o procedimento normal e quotidiano. As letras de câmbio eram sobretudo usadas pelos grandes comerciantes. Consideradas como instrumentos de crédito a curto prazo tiveram uma enorme utilização. As letras de câmbio serviam como instrumento de apoio às trocas mercantis, possibilitando o pagamento em moedas diferentes e as necessárias transferências de fundos e de compensação entre os diversos negociantes. Através da inscrição no verso da letra dum novo beneficiário, a letra de câmbio podia tomar a forma de meio de circulação fiduciária.

Nos países árabes foi aperfeiçoado um sistema de crédito que melhorou as técnicas financeiras existentes, com a emissão de letras de câmbio, promissórias, cobrança de comissões. Foi a partir destas experiências que se desenvolveram as conhecidas técnicas financeiras italianas.

No caso português, as letras de câmbio desempenharam também um papel importante como meio de compensação e de transferência de fundos no circuito comercial de rota do cabo. A circulação é feita nos dois sentidos, quer como transferência de lucros quer como transferência de meios de pagamento do comércio das especiarias. As feitorias organizaram-se como meio administrativo de regulação deste circuito e de drenagem do crédito.

A introdução do endosso e a prática do desconto, conferiram à letra de câmbio uma agilidade extraordinária. O endosso, inovação introduzida no século XVI, consistia numa ordem escrita pelo beneficiário da letra que assim ordenava o seu pagamento a uma terceira pessoa. O desconto de letras começou a praticar-se nos finais do século XVII, mas só se divulgou em meados do século seguinte. Consiste na dedução, de acordo com o credor, pelo pagamento duma dívida antes do termo do seu vencimento.

Na segunda metade do século XVI, podem também considerar-se como instrumentos de crédito as rendas. Marcava-se uma taxa máxima de juro e concediam-se grandes facilidades para a amortização do capital. Foi um meio de poupança ou crédito muito utilizado pela burguesia não comerciante e pelas instituições religiosas e públicas.

As grandes quantidades de capitais movimentados e o acréscimo da actividade especulativa deram origem a um enorme desenvolvimento do crédito público. As maiores monarquias, embora possuidoras de desmedidos recursos, mas desprovidas de organização financeira adequada, recorriam a frequentes empréstimos. As guerras exigiam grandes dispêndios que os soberanos não estavam na disposição de suportar com as suas receitas ordinárias. As operações de crédito dos soberanos eram em geral concluídas nos grandes centros financeiros. Os empréstimos aos soberanos permitiram às grandes empresas capitalistas beneficiarem de determinadas contra-partidas. É o caso do arrendamento de minas, que em alguns casos se transformaram em autênticos monopólios. O sistema de crédito público tomou conta da Europa durante o período manufactureiro e ampliou-se com a expansão colonial. A dívida de Estado marcou a era capitalista.

O mundo romano conheceu o empréstimo marítimo consentido ao proprietário dum navio ou ao mercador para um empreendimento marítimo, reembolsável se o navio, ou a carga, chegava intacto a um porto ajustado. Combinado crédito e seguro, esta operação era remunerada a um juro superior ao autorizado para empréstimos ordinários. A Igreja não confiava nesta modalidade que acabou por ser interdita expressamente no ano de 1230. O empréstimo marítimo ficou reduzido a uma operação de crédito, aparentemente livre do seguro, que ficava dissimulado desde então por uma cláusula que transformava o empréstimo num contrato cambial.

O contrato mais divulgado para reunir capitais e repartir os riscos foi, não o empréstimo marítimo, mas a “commenda” utilizada de formas diversas por mercadores muçulmanos, judeus e bizantinos, adoptado por outros países mediterrâneos e que se divulgou também entre os países nórdicos. Para uma só viagem marítima, a “commenda” ligava um capitalista sedentário, cujos riscos eram cobertos por uma parte do lucro, e um mercador itinerante cujo trabalho era recompensado pelo restante. Esta repartição é distinta do empréstimo ordinário, mas disputava duma imensa popularidade devido à sua maleabilidade que permitia as mais variadas combinações.

No tráfico por terra, para reunir capitais e repartir os riscos, o contrato em uso mais importante era a “compagnia”, que se firmava não apenas para uma só viagem, mas para vários anos. Este contrato reflectia o desenvolvimento comercial da primitiva comunidade de bens entre os membros duma família. Estes reuniam capitais e trabalho para um certo número de anos e dividiam as perdas e os lucros proporcionalmente aos seus investimentos.

Mesmo antes do início da nossa era, o comércio grego foi consideravelmente favorecido pela instituição de empréstimos arriscados, sob contrato especial, dos particulares aos mercadores.

Também na Índia, as actividades financeiras tinham já transposto o estado primitivo, pois já se realizavam empréstimos com garantia em ouro ou sobre a garantia pessoal do devedor, que se comprometia a vender as esposas e os filhos para pagar as suas dívidas.

Na China, no século VIII, os particulares agrupavam-se em mútuas de financiamento para fazer face às despesas elevadas e ao custo do crédito. Nos finais do I milénio d.C., procurou-se definir uma taxa anual de juros, concorrente das taxas mensais, para evitar os inconvenientes dos meses intercalares. Introduziram-se décimos na fixação da taxa, dando assim uma maior flexibilidade às transacções. A soma dos juros não podia ultrapassar o montante do empréstimo primitivo. O cálculo de juros compostos estava interdito. Apesar destes esforços para baixar a taxa de juro, estas eram muito variáveis. Os prestamistas faziam rapidamente fortuna e os templos, ricos em tesouros, floresciam sempre à sombra dos mosteiros.

Na Europa, por volta do século XVI, a condenação canónica da usura tinha já abrandado e os empréstimos com juros tornados práticas normais.