ANTECEDENTES DO CAPITALISMO

ANTECEDENTES DO CAPITALISMO

Carlos Gomes

Volver al índice

 

 

 

 

2.3 – METALURGIA

Nas fases mais recuadas o homem apenas empregava os metais, obtidos em estado natural, que conseguiam substituir a pedra como base técnica primitiva. O trabalho inicial dos metais utilizava as técnicas da idade da pedra. O uso do metal limitava-se ao fabrico de objectos simples de cobre, ouro e chumbo, metais todos estes dúcteis e fáceis de moldar e que se fundem a temperaturas relativamente baixas.

O início da metalurgia representou um marco importante no desenvolvimento humano, criou novas necessidades, relações técnicas e sociais e entabularam-se novos contactos entre regiões até aí autárcicas. As qualidades únicas de matérias-primas, como cobre, bronze, ouro, prata ou ferro, aliadas à capacidade de reutilização, à comodidade de armazenamento e às origens geográficas por vezes distantes, provocaram divisões sociais que se tornariam cada vez mais vincadas.

A autêntica era do metal iniciou-se a partir do momento em que o mineral se começou a fundir numa forja a quente. Quando surge a fundição e a elaboração do ferro, inicia-se uma nova etapa na história da utilização do metal. O trabalho dos metais envolvia uma grande variedade de técnicas, inclusive as usadas pelo malhador e a moldagem que conheceu um acentuado progresso com a aplicação de moldes de barro. Teve particular impacto a aplicação, desde muito cedo, de moldes de duas peças. A fusão dos minérios metálicos e dos utensílios de metal constituiu um grande avanço tecnológico. O tratamento a altas temperaturas e a utilização de metais puros melhoraram a qualidade das peças.

A utilização dos combustíveis, substâncias que reagem com o oxigénio de forma violenta, com produção de calor e libertação de energia de forma potencial e utilizável, foi fundamental para o arranque da metalurgia. As árvores abatidas serviam como combustível para as fundições onde se produziam os objectos metálicos. Grande parte das lenhas era retirada pelas populações das matas dispersas sob o domínio da aristocracia e das terras comuns dos concelhos. Em alguns casos as entidades senhoriais proibiam o corte das árvores sem prévia licença.

A lenha e o carvão vegetal, usados nos diversos ramos de artesanato, eram obtidos directamente ou adquiridos através de transacções comerciais que, normalmente, escapavam à posse dominial. A procura crescente da produção de ferro aumentou a pressão sobre os recursos da madeira como combustível.

O carvão mineral substituiu pouco a pouco a madeira tornando-se um elemento indispensável da indústria metalúrgica. A produção conheceu então um aumento constante, desenvolvendo-se a extracção mineira. No século XVI iniciou-se construção de carris que facilitou o transporte do carvão das minas aos barcos amarrados nos rios mais próximos. O carvão betuminoso, transformado em coque, passou a ter o amplo emprego industrial. A invenção do fabrico do coque, ocorrida no século XVIII, concorreu para o aumento da produção do ferro, do cobre e do estanho. O coque permitiu às fundições não mais dependerem do carvão de madeira.

A metalurgia deu origem a novas divisões técnicas e profissionais do trabalho, tais como: indivíduos que se especializaram na prospecção de novos depósitos de minério; mineiros que extraiam os minérios; fabricantes de carvão vegetal; indivíduos que nas ferrarias separavam o metal dos produtos associados; ferreiros que laboravam o metal em bruto; alfagemes especializados no fabrico de armas brancas e em afiar instrumentos cortantes; artífices de cutelaria, etc. Os artesãos dependiam uns dos outros e, mesmo dentro das oficinas, teve de se instituir uma divisão de tarefas.

Ao desenvolvimento da metalurgia seguiram-se consequências directas inevitáveis no campo das relações sociais que envolviam os artesãos. Os técnicos de metalurgia eram olhados como possuidores de poderes sobrenaturais, gozavam de grande prestígio, constituíam uma espécie de casta secreta e os segredos do ofício eram transmitidos apenas a iniciados. Os artífices que trabalhavam o metal ocupavam um lugar especial entre as classes governantes que se aproveitavam dos seus serviços. Surgiram ainda relações que envolviam os diversos tipos de produtores, os transportadores, os comerciantes e os consumidores. Com o avanço da metalurgia apresenta-se mais vincada a distinção social entre ricos e pobres, amplia-se a ascensão de privilegiados e aparecem guerreiros com armas metálicas. Em algumas regiões o trabalho dos metais era assunto que dizia respeito apenas ao sector aristocrático da população.

O desenvolvimento da metalurgia fez parte dum mundo novo no qual se inclui também a escrita, os sistemas de pesos e medidas, o aparecimento de sociedades urbanas. No domínio da extracção mineira e da fundição, as mudanças tecnológicas manifestaram-se pela introdução de novos produtos e de novas técnicas de produção. Pode dizer-se que se deu a transição da tecnologia da madeira e da água como força motriz para a tecnologia do ferro e do carvão. A explosão tecnológica que levaria à produção maciça de objectos de metal influenciou a eficácia da agricultura e dos ofícios, aumentou a qualidade dos utensílios e a descoberta de outros, como a serra, e o crescimento quantitativo de todos eles. A difusão da maquinaria e a concentração do investimento em escala apreciável, deu lugar à expansão dos ofícios metalúrgicos. As técnicas metalúrgicas evoluíram rapidamente no fabrico de armas, face à procura constante de peças de artilharia.

A actividade metalúrgica motivou posições privilegiadas de alguns artesãos. Do enorme progresso da metalurgia e da produção de séries de artigos com características regionais específicas resultaria o aparecimento de oficinas a competir umas com as outras em termos de inovações.

O aparecimento duma economia capaz de produzir um excedente regular permitiu sustentar uma indústria metalúrgica altamente desenvolvida, que utilizava muitas vezes matérias-primas importadas e era capaz de produzir armas e ferramentas exigidas por um novo estilo de vida. Uma expansão dos trabalhos em metal ocorreu em regiões onde até então a metalurgia era desconhecida. Fizeram-se trabalhos numa variedade significativa de metais, embora tenha sido o ferro que se revestiu de maior importância.

A distribuição de ferramentas acabadas era, com frequência, feita por mercadores especializados. No início do século XVII, os governos de alguns países começaram a destacar funcionários para a recolha de impostos e supervisão da produção metalúrgica, iniciando-se assim a intervenção governamental.