ANTECEDENTES DO CAPITALISMO

ANTECEDENTES DO CAPITALISMO

Carlos Gomes

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1.4 – IRRIGAÇÃO E DRENAGEM

Antes do começo da irrigação e drenagem a agricultura estava limitada a regiões onde havia uma pluviosidade anual suficiente para que as sementeiras se desenvolvessem sem necessidade de regas suplementares. Estas técnicas, que ocorreram há cerca de oito mil anos, possibilitaram o cultivo de solos que eram demasiado secos ou demasiados húmidos. Vales anteriormente demasiado pantanosos tornaram-se regiões muito férteis. Aumentou a superfície agricultada, a produção alimentar para uma população em crescimento e a produtividade dos campos. A irrigação em larga escala atenuou a dependência da precipitação anual e criou condições para um maior rendimento fundiário e a drenagem permitiu a recuperação de terras submersas. A lavoura baseava-se na irrigação dos campos, garantida através de complexos de canais que permitiam a utilização de vales de grandes rios na fertilização de áreas que depressa se tornaram as mais avançadas.

A utilização do Vale do Nilo originou o desenvolvimento dum sistema de retenção de água, de manutenção permanente de canais e de noras. Marcado pela vastidão do solo arável nas duas margens do rio, só com estes meios foi viável que o lodo fertilizante do Nilo atingisse as terras mais distantes. Na Índia, foram cavados lagos artificiais protegidos por barragens de pedra nas passagens estreitas em terrenos montanhosos ou acidentados

Sistemas hidráulicos de elevação permitiram elevar a água às terras situadas a um nível superior. A irrigação das terras mais altas fazia-se também com água transportada em jarros. Os lavradores retiravam a água acumulada em poços através do uso de recipientes e cordas. Em algumas regiões os processos de rega foram melhorados em consequência do aperfeiçoamento de novos tipos de mecanismos para elevar a água, como o poço, a roda e o parafuso hidráulico. As pequenas obras de irrigação ao nível de aldeia eram de importância fundamental para um cultivo mais intensivo e estável. Com a ajuda da picota cultivavam-se terrenos mais elevados, o que permitia alargar a área de terra fértil.

Em diferentes locais apareceram sistemas de irrigação artificial que permitiam, com o auxílio de condutas subterrâneas, conduzir a água proveniente das encostas montanhosas distantes, por gravidade, para as terras cultiváveis. Por vezes, esta água era retida em poços suplementares, que permitiam irrigar campos em aldeias dispersas. Alguns sistemas hidráulicos incluíam reservatórios artificias ligados a canais para conduzir o fluxo da água na direcção da planície.

A agricultura de oásis, centro da economia de muitos povoados árabes, dependia de uma série de dispositivos, tais como diques, valas e poços, concebidos para encaminhar as águas para os campos. Alguns destes campos apenas conseguiam aproveitar a água intermitente proveniente das inundações, enquanto outros conseguiam dispor de um abastecimento constante.

Na região andina da América do Sul, há 1000 anos a.n.e., os agricultores, no intuito de aumentarem a dimensão das suas terras, construíram terraços de cultivo e campos em socalcos, evitando as encostas íngremes e enfrentando a erosão.

As comportas apareceram um pouco antes do início da nossa era. Duas inovações tecnológicas importantes contribuíram para uma eficiente utilização dos recursos hídricos. A gestão da água foi facilitada pela eclusa e pelo grau de precisão atingido pela cartografia. A utilização de ferramentas de metal facilitou a abertura de novos canais de irrigação.

A aplicação da irrigação e drenagem exigia grandes obras colectivas, como a escavação de valas e a construção de diques. A utilização destes sistemas implicava a cooperação e o acordo entre duas ou mais comunidades. A construção de diques envolvia trabalhos comunitários que ultrapassavam o nível meramente doméstico. Foram pré-requisitos essenciais para estas obras públicas de grande escala, para além da existência de avançados conhecimentos tecnológicos, a emergência de Estados com extensos recursos e potencial humano à sua disposição. Os trabalhos de irrigação mais importantes estavam para além dos recursos das comunidades locais e só podiam ser conseguidos por uma autoridade forte que pudesse dispor de uma grande força de trabalho e dum elevado grau de organização. Só um governo centralizado estava qualificado para comandar e coordenar a enorme mão-de-obra exigida por um tal empreendimento. Muitos dos canais existentes pertenciam ao Estado e aos templos.

As obras de irrigação requeriam uma manutenção atenta, o seu controlo exigia um novo sentido de cooperação e respeito pela lei e implicava necessariamente a acção dum órgão coordenador centralizado. O controlo do consumo e a manutenção dos cursos artificias de água constituíram funções complexas que originaram frequentes conflitos e serviram para exercer influência política. Os sistemas de irrigação e drenagem forneceram a base económica das primeiras civilizações urbanas. Muitas cidades parecem ter sido eficazes no exercício de influência política através do controlo da água.

As obras de irrigação mais importantes implicavam a existência de uma população razoavelmente densa e, por outro lado, esta elevada densidade populacional só podia ser atingida com a ajuda de importantes sistemas de irrigação. É um dos casos em que é difícil distinguir a relação entre a causa e o efeito.

A água encontrava-se acessível aos produtores rurais mediante o pagamento duma taxa. Em troca da água recebida os produtores agrícolas cediam uma parte adicional da sua produção, o que constituía uma importante fonte de rendimento para o Estado, a nobreza, os templos ou as comunidades locais. Os egípcios construíram colunas graduadas (nilómetros) para determinar a altura das cheias, calcular a extensão das terras inundadas e assim cobrar os respectivos impostos. Na China, os canais também serviam para o transporte das contribuições em géneros que eram devidas ao Estado. Na Coreia, século XV., foi descoberto o pluviómetro, o primeiro do seu género no mundo, que era usado pelos funcionários dos serviços administrativos para registar a quantidade de precipitação sempre que chovia e determinar a quantidade de imposto sobre as terras a ser paga por cada distrito administrativo.