ANTECEDENTES DO CAPITALISMO

ANTECEDENTES DO CAPITALISMO

Carlos Gomes

Volver al índice

 

 

 

 

3.4 – FORMAS ORGANIZACIONAIS

O exercício das funções do Estado teve como consequência inevitável o estabelecimento de regras de organização que assumiram formas diferentes conforme os modos de produção e distribuição, as actividades económicas realizadas nas respectivas comunidades, as técnicas em uso, o nível das civilizações, as relações com as classes dominantes ou subordinadas. A acrescentar a estas funções de natureza económica e administrativa, outras competências tiveram de ser assumidas no âmbito social, cultural, político, militar ou religioso.

O desempenho desta multiplicidade de funções tornou-se extremamente complexo, muito instável e diferenciado no tempo e de região para região, embora se possa verificar semelhanças quando as condições sociais e políticas e os modos de produção apresentam características comuns. Através dos milénios, desde as primeiras experiências egípcias, observaram-se tendências centralizadoras, com decisões a serem adoptadas por um único núcleo de poder e tendências descentralizadoras, que visavam transferir as competências dum Estado central para domínios senhoriais ou eclesiásticos, feudos, tribos, territórios e povos subordinados, departamentos administrativos, regiões ou municípios, aos quais lhes eram confiadas certas actividades e poder de decisão respeitantes a questões importantes.

Tanto num caso como noutro, era comum a necessidade de desconcentração de competências, transferidas para funcionários administrativos a actuar no âmbito de circunscrições regionais ou locais, com o fim de controlar as culturas agrícolas, a cobrança dos tributos, rendas e outros encargos, o uso da terra, da água, do gado e de outros bens de produção, a produção artesanal ou a actividade dos mercadores e comerciantes.

Na estrutura senhorial, era frequente a administração das províncias, e até das principais cidades, ser entregue a descendentes dos soberanos ou governadores por eles designados. A organização política do regime feudal caracterizava-se pela extrema fragmentação do poder estatal, com base numa autonomia onde os detentores do domínio das terras desfrutavam na prática do poder. O soberano, vértice da pirâmide social, possuía, por vezes, um poder nominal. As próprias instituições religiosas possuíam grandes feudos. O sistema de dependência era muito complexo. No grau superior estavam os soberanos, estes tinham os seus vassalos directos, que por sua vez tinham outros vassalos deles dependentes. Os senhores feudais de todos os níveis formavam uma classe dominante dentro dos seus domínios e tentavam ser politicamente independentes. O feudalismo é o exemplo mais característico de descentralização estatal.

A sociedade mercantil estava interessada no apoio a um poder central forte susceptível de favorecer as trocas, suprimir os impostos de barreira e as taxas provinciais e de pôr fim às desordens locais e aos danos provocados por ladrões das estradas e por nobres sem escrúpulos. Só uma autoridade central podia abrir estradas e canais, regular os cursos de água e conservar os portos, distribuir privilégios, alvarás ou monopólios, proteger o comércio contra a concorrência estrangeira. Por sua vez, o soberano encontrava na actividade dos comerciantes uma nova fonte de rendimentos, expressos em dinheiro, e os organismos administrativos e militares podiam prosperar sem ter de depender das rendas senhoriais sempre aleatórias duma nobreza arrogante.

O Estado unitário possui no seu território apenas uma única organização política, dispondo do conjunto de todas as suas competências. Caracteriza-se pela centralização das suas actividades, sendo todas as decisões tomadas na capital, que é o centro administrativo e político. A política de centralização dos Estados encontrou muitas vezes a oposição da aristocracia, mas a centralização do poder constituía um passo importante para a formação duma nacionalidade. Graças à máquina administrativa o governo central podia estender o seu domínio sobre todas as formas de actividade nacional. Em alguns países, a centralização administrativa serviu para estabelecer a supremacia do Estado sobre a Igreja. A administração centralizada dependia por vezes do exército. Com a centralização, os soberanos abandonaram o sistema de recrutamento feudal que colocava o Estado de pendente da cooperação dos seus vassalos e criaram um exército de profissionais, muitas vezes compostos de mercenários. As funções administrativas civis estavam frequentemente junto dos comandos militares na pessoa do governador do distrito. É o caso dos impérios otomano e mongol.

O aparecimento duma estrutura estatal centralizada, no sentido duma política económica dirigida essencialmente pelo soberano, afectava todo o território submetida à sua autoridade, com a concentração do poder político a apoiar-se na burguesia mercantil e nos exércitos mercenários. Este processo de transformação foi genericamente a origem das alianças entre os soberanos e as cidades. Os comerciantes apoiavam os estados centralizados, com a colaboração activa dos soberanos, pois estavam desejosos de alargarem os mercados internos, graças à criação de unidades políticas nacionais, e mercados externos, através do expansionismo económico, da colonização e da supremacia das comunicações terrestres e marítimas.

As distâncias existentes entre as metrópoles e as colónias motivavam exigências no sentido de a sua administração se dividir entre o Estado Central e as autoridades regionais. Os governos respectivos tentavam manter, em geral com muita dificuldade, uma autoridade centralizada.

No Antigo Egipto, o país foi orientado durante muito tempo por uma organização estatal centralizada, acompanhada pelo rei que estava sempre ao corrente da situação. Os faraós encontravam-se no cume dum sistema burocrático vasto, ramificado e bem organizado, que abrangia todas as áreas da vida social. Quer na esfera económica, quer na religiosa, as instituições estatais funcionavam através de delegados investidos como parte do poder real, que nas províncias era representado pelos governadores.

Na Mesopotâmea, no II milénio a.C., foi destruído o sistema de imensas explorações económicas centralizadas pertencentes ao rei e, no seu lugar, surgiram pequenas propriedades de pessoas privadas. No I milénio a. C., as províncias foram divididas e os governadores incumbidos da recolha de impostos, do recrutamento de súbditos para execução de trabalhos forçados e da chefia dos destacamentos militares das suas regiões. É um dos mais antigos exemplos de descentralização.

Na Grécia, o sistema Pólis é um caso particular de forma de organização em que se regista o condicionamento mútuo do estatuto de cidadão e o direito de propriedade da terra. O órgão supremo de governo era a assembleia do povo, constituída apenas por cidadãos de pleno direito, que dispunha do poder de decisão final de todas as questões importantes. Uma outra particularidade importante resultava da coincidência da organização política com a militar. Nos finais do século IV a.n.e., a Pólis grega encontra-se em profunda crise que conduziu à criação duma nova forma de organização política e económica, que combinava uma forma monárquica de poder estatal com a formação de cidades dispondo de territórios agrícolas dependentes que conservavam alguma autonomia administrativa interna, mas subordinadas ao rei.

Em Roma, o processo de unificação acelerou-se com o desenvolvimento das estradas destinadas a facilitar o comércio e as comunicações. Porém, a romanização não conduziu à supressão ou violação das características próprias de cada região, cuja população conservou a sua autonomia, os seus dialectos, a administração central, o seu direito, usos e costumes. Algumas regiões eram reunidas em províncias e os seus governadores dispunham de poderes extraordinários, exerciam um poder absoluto sobre pessoas e bens, exercendo também funções militares e judiciais.

Na China, em meados do I milénio a.n.e., com o crescimento dum sistema administrativo central, foram instalados magistrados e funcionários administrativos em cada uma das cerca de 1500 divisões que permitiam governar o país. A supremacia do Estado, enquanto poder regulador, conduziu a um alto grau de uniformidade em muitos domínios da vida urbana. As cidades mercantis cresciam em importância na economia, mas não na política, pois continuavam sob a tutela do governo e não tinham qualquer autonomia administrativa. Nos séculos VI e seguintes foi estabelecida uma forte burocracia centralizada baseada no autoritarismo rígido do imperador. As questões de Estado eram conduzidas por um complexo aparelho central, por ministérios e directorias. Posteriormente, no século X, uma espécie de separatismo regional implicou uma descentralização geral do poder governamental e uma situação social flutuante de que resultou o declínio da velha aristocracia. Porém, passados quatro séculos, voltou a reconstruir-se um mecanismo de governo altamente centralizado.

A civilização do Indo, uma das mais vastas e variadas, incluía extensas áreas de desenvolvimento desigual que deram lugar à formação de estados confinados a pequenas planícies perto dos rios. As comunidades agrícolas instalaram-se em territórios conquistados e estabeleceram núcleos dispersos que, com o passar do tempo, se transformaram em vilas e cidades. No século XVI, a Índia estava dividida em províncias com uma multiplicidade de cadeias de comando que, por sua vez, emanavam do imperador.

No mundo islâmico, a comunidade era acima de tudo uma entidade religiosa, embora aberta a todos os habitantes, mesmo aos não muçulmanos. Organizava-se como estados liderados por califas que detinham poderes muito significativos e que se faziam rodear de auxiliares e oficiais responsáveis pelas funções que lhes eram atribuídas. A autoridade tinha sido centralizada, mas esta foi mitigada pelas resistências mais ou menos fortes das províncias.

No século XIII criou-se um Estado Mongol unificado. Foi estabelecida ou reorganizada a administração civil e criada uma forte estrutura política e militar. Foi tentada a criação dum sistema administrativo a ligar as tradicionais instituições nómadas. Uma verdadeira assembleia de líderes mongóis, príncipes e nobres, lidavam com os assuntos mais importantes do Estado, como as questões sobre a guerra, a fixação das leis e da política. Foi estabelecida uma sólida forma organizacional, uma forte estrutura burocrática e um sistema administrativo eficaz. O imperador exercia a sua supremacia sobre todos os príncipes, independentemente da sua linhagem, sobre todos os clãs e alianças familiares. A criação duma administração multirracial, supranacional, permitiu que mongóis, muçulmanos, tibetanos, chineses e outros povos colaborassem ao serviço do Império Mongol.

No Império Otomano, século XVI, os governos dos países subordinados do norte de África adoptaram estruturas administrativas consolidadas de acordo com um padrão equilibrado que os otomanos estabeleceram evitando conflitos importantes. Os governantes mantiveram as tradições locais, não interferiram nos assuntos internos da população e tratavam meramente com os dignitários religiosos nas cidades, os xeques dos distritos e tribos e os chefes das irmandades religiosas. A educação, a justiça e a administração da propriedade religiosa mantiveram-se nas mãos da população, mas os verdadeiros poderes, político, militar, económico e financeiro, mantinham-se nas mãos dos otomanos.

Na Europa Ocidental, século XVI, a centralização não significou tanto a concentração do poder em benefício duma autoridade central, mas sim uma regra de conduta. O soberano e as diversas forças apoiantes deviam cooperar para realizar a ordem nacional e prevenir o regresso do caos feudal. No seu esforço centralizador, os soberanos tentavam guardar a direcção das funções governamentais mais importantes, nomeadamente o poder militar. No século seguinte, o desenvolvimento da exploração colonial activou a ascensão do absolutismo como forma de organização do Estado. O intervencionismo do Estado regulamentava todos os aspectos da actividade económica; a centralização das tomadas de decisão política passou a estar concentrada nas mãos duma só pessoa ou dum pequeno grupo. A política visando retirar a jurisdição à Igreja, às autoridades locais e aos organismos privados e a colocá-los sob o controlo do governo central, foi uma política aplicada pela maior parte dos países europeus. Os grandes perdedores pertenciam à nobreza e ao clero, antes privilegiados, e os ganhadores eram a burguesia urbana, ou seja, a nova classe dominante.

Na África Ocidental, século XVI, os estados dividiam-se em províncias conquistadas e reinos tributários. As províncias eram administradas por governadores investidos pelos monarcas. Em algumas regiões, factores de ordem geográfica, determinaram uma acentuada descentralização, formando-se assim uma espécie de federação constituída por diferentes grupos étnicos que gozavam duma verdadeira autonomia. Algumas cidades eram praticamente autónomas. Com excepção do Benim, onde vigorou uma diferente estrutura política com uma monarquia de tipo absolutista, nos restantes territórios o poder era dividido, em maior ou menor escala, entre o soberano e os líderes das diferentes comunidades. Na África Subsariana, em algumas sociedades a organização social e política baseava-se numa estrutura, piramidal e estratificada, controlada pelo Estado. O poder residia no topo da pirâmide onde os chefes, pela força e pelo prestígio da família de que descendiam, tinham o privilégio de governar os outros estratos da sociedade.

Os pequenos estados do México Central tinham um chefe, um conselheiro militar e chefes de circunscrição, normalmente oriundos da classe guerreira. Estes chefes desempenhavam fundamentalmente cargos administrativos, cobrança de impostos e mobilização de efectivos para a guerra. O distrito era uma unidade detentora da terra nas áreas rurais, uma unidade de cobrança de impostos, onde os homens eram mobilizados para fornecerem trabalho ou géneros, uma espécie de unidade cerimonial e uma unidade de serviço militar. À frente dos distritos estava um chefe hereditário. Na região Andina, I milénio a.n.e., o aumento de forma significativa de produção agrícola promoveu crescimentos populacionais maciços e a hierarquização da sociedade, dando lugar a formas estatais de organização política. Os avanços tecnológicos conduziram a uma evolução de estados do tipo de uniões políticas supra-regionais