ANTECEDENTES DO CAPITALISMO

ANTECEDENTES DO CAPITALISMO

Carlos Gomes

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1 – ACTIVIDADES AGRÍCOLAS E PECUÁRIAS

1.1 – EVOLUÇÃO E DESENVOLVIMENTO AGRÍCOLA

A actividade agrícola caracterizada pela intervenção humana na produção vegetal consiste na escolha das sementes ou das plantas, no seu cultivo, no acompanhamento e tratamento do crescimento das espécies, na luta contra a rapina e os parasitas, na recolha dos produtos e sua conservação. A expressão “cultivo” refere-se ao acto de preparar a terra para sementeira ou plantação intencional de produtos agrícolas, de modo a aumentar a quantidade, melhorar a qualidade ou ambas.

O aparecimento das primeiras formas de agricultura assinala o lento afastamento do homem de uma economia de apropriação espontânea dos recursos naturais e a passagem a uma verdadeira economia de produção. A agricultura pressupõe que o homem se torna produtor, deixando de apenas se apropriar directamente dos alimentos ou outros bens. Esta fase não ocorreu em simultâneo nas diversas regiões habitadas do globo e, ainda hoje, alguns povos se limitam à simples recolha de espécies úteis à sua alimentação. Este fenómeno está relacionado com condicionalismos ecológicos e meios técnicos que tornam o processo mais selectivo. Alguns cenários adaptam-se melhor à simples domesticação de plantas e animais e outros ao aproveitamento agrícola.

A agricultura chegou tarde às pradarias ervosas temperadas do mundo, embora estes solos se contem entre os mais ricos em recursos agrícolas, talvez porque a relva era muito difícil de trabalhar com utensílios primitivos e só nos últimos séculos as pradarias ficaram disponíveis para a agricultura. Já as estepes semiáridas, embora não se ajustando bem à agricultura primitiva, eram muito convenientes para a exploração do pastoreio nómada. Por outro lado, alguns terrenos eram tão ricos em recursos naturais de recolha fácil, que o homem só se ocupa com a produção agrícola por influência da exterior.

Entre os ambientes mais fáceis de aproveitar contam-se as zonas fluviais, os terrenos por natureza férteis, os bosques ou savanas caracterizados por árvores e herbáceos espaçados. As florestas são ambientes difíceis mas, desde cedo, vastas extensões arborizadas eram desbastadas com o recurso à queima. Nas zonas cobertas por densas florestas, a agricultura só foi possível após o aparecimento de eficientes utensílios de metal.

Uma das principais consequências da difusão da agricultura foi a maior capacidade para sustentar as populações. Até ao advento do capitalismo a agricultura constituía o sector mais importante da actividade económica, quer em termos de valor e de volume de produção, quer em termos da proporção da mão-de-obra utilizada.

Entre a actividade agrícola e de pastoreio surgem algumas diferenças relevantes: a agricultura entendida como investimento fixo aplicada numa certa porção de terra, mediante um processo de trabalho contínuo e estável; o pastoreio entendido como exploração do solo mediante uma deslocação sistemática dos animais duma área para outra. Os processos produtivos diferem no que respeita à natureza e à duração do ciclo produtivo, mais longo para a agricultura do que para a pecuária. Para poder beneficiar do produto do seu trabalho, o agricultor deve aguardar o final do ciclo sazonal, sendo obrigado a alicerçar a sua própria subsistência no consumo do produto obtido no ciclo precedente e a preservar as áreas semeadas de qualquer factor que venha a comprometer o êxito do futuro ciclo produtivo. Pelo contrário, o pastor pode extrair os seus próprios meios de sustento contínua e directamente dos animais criados que podem fornecer a todo o momento uma dieta à base de carne e outros produtos como o leite ou o queijo. O ciclo produtivo é quase imediato, mas também é mais vulnerável. O agricultor pode contar com as reservas armazenadas desde o ano anterior, enquanto que o pastor não se pode precaver contra o risco de uma quebra produtiva. A pastorícia exige que os animais estejam sempre em condições de serem conduzidos para novos pastos, sob pena de destruição do rebanho ou da manada. O trabalho dedicado à produção vegetal é irregular, mas o trabalho na pecuária ou criação de gado é realizado durante todo o ano. Estas diferenças tiveram consequências que se reflectiram na formação de grupos sociais distintos, no sedentarismo e nomadismo dos povos e numa distinta divisão social do trabalho. A sedentarização possibilitou o desenvolvimento dos ofícios e do comércio. A necessidade de trocas directas ou indirectas entre agricultores e pastores deram origem a intensas relações económicas e sociais mas também a numerosos conflitos em períodos de escassez.

A utilização de espaços territoriais em permanência, no tempo e no espaço, sobretudo para o cultivo em sementeira, o desenvolvimento da criação de gado e da actividade pastoril, a utilização de instrumentos de trabalho duradouros ou de equipamentos de conservação e armazenamento dos cereais, dão lugar à apropriação individual de bens e à diferenciação entre camadas sociais mais interventivas na actividade produtiva, facto que contribuiu para uma classe proprietária duma riqueza, com tendência para se tornar exploradora.

Nas regiões, como o Noroeste de África, a Ásia Ocidental, a Índia, a China ou a América Central, onde a agricultura se desenvolveu de forma mais intensa e independente despontou a vida citadina, passados dois ou três milénios. Estes efeitos revelaram um grau impressionante de paralelismo, mas não foram contemporâneos nos territórios onde surgiram.

Na Europa do século XVI, a modernização dos métodos de cultura e dos utensílios agrícolas ajudaram a tornar a agricultura mais intensiva, sendo o aumento da produção o maior de todos os benefícios. A sua intensificação e a melhoria da qualidade dos géneros produzidos tornaram-se uma das pedras basilares do progresso económico. Da melhoria das colheitas resultou uma maior quantidade de géneros alimentares, o que favoreceu o crescimento económico. Outros factores contribuíram também para a expansão do sector agrícola, tais como: a introdução de novas culturas originárias da América e da Ásia; a diversificação da oferta dos produtos agrícolas que permitia substituir umas culturas por outras alternativas; a especialização regional que foi uma consequência directa da mobilidade de culturas; a crescente tendência para a existência de excedentes no mercado, de que resultou o desenvolvimento do comércio e o desaparecimento das barreiras à circulação dos produtos agrícolas. Foram tomadas iniciativas como a experimentação agrícola e a adopção de legislação dirigida para o desenvolvimento agrícola, como a criação de celeiros públicos, ajuda estatal aos agricultores, apoio à fusão de pequenas unidades ou emparcelamento de terras.

A África Subsariana, no século XVI, ainda era uma região baseada na recolha de colheitas, caça, pesca e criação de animais. Tanto os homens como as mulheres participavam nas actividades agrícolas, embora de modos diversos, quer na própria produção, quer na colheita ou no transporte para as aldeias. Mesmo noutras regiões do globo terrestre, onde os instrumentos usados eram ainda rudimentares, as colheitas eram geralmente escassas, com baixos níveis de produção e de produtividade.