ANTECEDENTES DO CAPITALISMO

ANTECEDENTES DO CAPITALISMO

Carlos Gomes

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2.8 – ESTRUTURA URBANA

A origem das comunidades urbanas está longe de ser clara e eventualmente poderão ser várias, pois as condições modificam-se duma região para outra. Umas poderiam ter uma origem puramente rural, desenvolvendo-se a partir dum aumento de densidade populacional; outras, resultariam de acampamentos de caravanas de mercadores ou de fixação de locais de mercados, de feitorias ou portos. Para explicar a origem das cidades devemos compreender o que era o processo histórico do meio rural. Os agricultores precisavam dum mercado para trocar os excedentes constituídos pela parte da produção que ultrapassava as necessidades familiares ou locais imediatas.

Por cidade pode entender-se um centro com uma população auto-suficiente, no qual os produtos excedentários se concentram, armazenam e redistribuem. É a partir desta função fundamental da cidade que derivam todas as outras. A comunhão de interesses juntou um grande número de pessoas num único centro habitacional onde certas comunidades encontraram soluções para os seus problemas. As primeiras cidades foram o produto final dum longo processo de desenvolvimento e foram tão importantes para a organização económica e social das comunidades humanas que esta mudança tem sido denominada de “revolução urbana”. O aparecimento da cidade marca o início duma civilização quando a produtividade do trabalho social atinge um nível no qual a sociedade já podia utilizar os produtos excedentes para sustentar um considerável número de pessoas que não estavam directamente envolvidas no trabalho de produção, mas ocupavam cargos de grande importância para a sociedade: administrativos, soldados, sacerdotes, técnicos, intelectuais, cientistas, artistas, poetas, etc.

A base da vida económica urbana era constituída pelas comunidades familiares alargadas que se agrupavam não apenas segundo o princípio do parentesco, mas também segundo o princípio territorial. O território abrange um dos elementos fundamentais de qualquer cidade, pois é inconcebível uma existência completamente isolada dos campos que a circulam. Num sentido restrito a cidade é um território político, semelhante a um estado, que domina o campo circundante e dá origem a uma nova sociedade ligada a novas actividades económicas. Com o seu crescimento a cidade desenvolve-se e emerge como ponto central das comunidades vizinhas, com o seu mercado, centros comerciais, juntamente com os seus templos e palácios, casas de magistrados e local de assembleia pública. O consumo dos excedentes agrícolas e dos artigos manufacturados estava concentrado nas populações e nas cidades, mas o tamanho, organização e função desses centros variava muito.

Alguns factores influenciaram de forma determinante o processo de transformação de algumas aldeias em cidades. Entre eles é de salientar: a série de invenções e avanços técnicos conseguidos durante os séculos posteriores ao modo de produção alimentar; a invenção da roda e do velame que tornaram possível o progresso ocorrido no transporte terrestre e marítimo; o declínio da auto-suficiência das aldeias, onde se tornava indispensável a obtenção, por meio de troca, de utensílios e matérias-primas, imprescindíveis ao prosseguimento das suas actividades; a produção de excedentes a promover o desenvolvimento das trocas e o estabelecimento de relações comerciais internas e externas; a estratificação social, com classes dominantes civis, militares e religiosas, que se começou a desenvolver já no período pré-urbano e atingiu maior extensão com a formação das primeiras cidades; a concentração do poder económico e político nas mãos de novas classes e grupos sociais.

Os centros urbanos estruturaram-se, sob o ponto de vista económico, graças tanto ao crescimento demográfico como ainda ao progresso da divisão social do trabalho, separando-se a actividade agrícola da artesanal e crescendo a parte da população que se dedicou exclusivamente a diversos ofícios, ao comércio, à pesca ou à navegação. Além disso, aumentou o número de pessoas dedicadas a tarefas dum centro urbano e aos aspectos político e administrativos que se foram desenvolvendo através da organização dos concelhos.

A função do mercado era apenas uma das funções da cidade e esta era igualmente a residência dos grandes comerciantes. A cidade servia também de centro judicial, religioso, político a administrativo. A partir destas funções desenvolveu-se todo um universo de serviços que atraiu pessoas livres, desencadeou um aumento populacional e o crescimento da procura e do fluxo mercantil. O florescimento dos ofícios conduziu a um interesse pelo comércio a longa distância. A cidade tornou-se a representante duma nova concepção do mundo, duma ordem mais estabelecida em si mesmo do que aos ritmos da natureza.

A emergência dos centros citadinos e dos modos de vida urbana foi uma das consequências do desenvolvimento mercantil. Constituem atributos da própria cidade, o comércio de larga difusão, a existência de áreas agrícolas bem estruturadas nas terras próximas, especialização e desenvolvimento de indústrias de produção específicas e centros cerimoniais. Em muitos casos, é possível distinguir vilas portuárias ligadas aos recursos das regiões interiores, acesso às matérias-primas e ao comércio marítimo ou centros de exploração de recursos marítimos. Nas mais evoluídas, situadas junto à costa marítima, vão progredindo os grandes mercadores e armadores navais que, pela riqueza acumulada, se começam a distinguir das restantes camadas da população não aristocrática.

No século XII, surgiram cidades vocacionadas para o comércio marítimo intercontinental, segundo um modelo de cidades mercantis que se difundiria mais tarde por várias regiões do Oceano Índico. A expansão do comércio externo e o seu envolvimento a nível mundial deram aso a uma opulência e um esplendor económico de cidades que vieram mais tarde a participar activamente do arranque do capitalismo comercial praticado por mercadores e homens de negócio com interesses económicos cosmopolitas.

Certas funções dentro duma dada região geográfica tendiam a ser realizadas pela cidade maior, dependendo este facto em parte da sua dimensão, da sua influência económica e do grau de urbanização. Quando as cidades ultrapassavam um certo limiar de tamanho, prosperidade e actividade comercial, fosse em virtude de possuírem um lugar de peregrinação, da sua localização privilegiada num porto, numa junção de rios ou numa rota de comércio, tendiam a atrair a riqueza e a população do campo. O termo “cidade-capital” tem sido atribuído à cidade onde reside o Estado e se concentram os meios governamentais, políticos, militares, económicos e financeiros. Com frequência era também a sede da mais alta autoridade religiosa. O desenvolvimento da urbanização representou o nascimento da administração centralizada, da burocracia, da escrita, da difusão das estruturas estatais e formação dum sistema de estados regionais com interacção mútua.

Algumas cidades tiveram a sua origem nos acampamentos de caravanas de mercadores. Muitas vezes estes acampamentos, ao adquirirem certa dimensão e influência, tornaram-se objecto de privilégios e protecção por parte dos soberanos, em troca dum pagamento em dinheiro ou dum empréstimo. Alguns aglomerados de oásis transformaram-se em cidades, desenvolvendo-se o comércio, a cerâmica, os têxteis e a ligação às regiões vizinhas. Os mercadores controlam directamente os mercados, o modo de vida tribal é preservado, florescem actividades importantes como o comércio e vários ofícios, os exércitos tendem a instalar-se em acampamentos próximos. Formaram-se cidades-estado em que a economia, comportando sempre uma parte agrícola, estava sobretudo assente no comércio. A sua localização determinava as rotas das caravanas. A prosperidade e a riqueza dos pequenos e numerosos estados dos oásis baseava-se acima de tudo no comércio de objectos de luxo entre os grandes centros da China, Índia, Ásia Ocidental, Norte de África e Europa.

As cidades cresceram dentro da estrutura da sociedade senhorial, que mantinha os seus habitantes sob relações de dependência. A sua qualificação continuou essencialmente agrícola, pois só mais tarde o comércio se tornou a ocupação principal. As cidades rodeadas de muralhas com as suas milícias, as suas guildas e com os rendimentos que tirava do comércio e da indústria tornavam-se frequentemente independentes do seu senhor, ou conservavam o seu espírito de autonomia e hostilidade. O desenvolvimento das cidades ameaçava perigosamente o domínio da nobreza ao mesmo tempo que a centralização do poder real tendia a destrui-lo. A população urbana lutava pela sua libertação e, muitas vezes, conseguia conquistar a sua autonomia. A luta pela independência urbana foi, em muitos casos, violenta, chegando a tomar forma duma prolongada guerra civil. Para conseguir os seus objectivos, as cidades recorreram a alianças com o poder central. O crescimento das cidades ajudou a destruir a velha ordem senhorial e a substitui-la por uma economia assente sobre a troca e a moeda.

O crescimento do mercado exerceu uma influência desintegradora da estrutura senhorial e preparou o terreno para o crescimento das forças que iriam enfraquecê-la e suplantá-la, evolução que se identifica com o surgimento das cidades como organizações dotadas de independência política e económica em diversos graus. Embora certas cidades fossem simplesmente capitais burocráticas ou eclesiásticas, ou ainda lugar de feiras agrícolas, a sociedade urbana voltava-se no seu conjunto para o comércio e a indústria. O ponto crítico económico residia nas vantagens que o controlo do mercado local podia oferecer, da cobrança de portagens e taxas diversas e, além disso, do controlo de regulamentos com o fim de influenciar as condições de funcionamento do comércio.

A estrutura económica e geográfica dos concelhos, como unidades políticas, jurídicas e administrativas, dispondo duma autonomia variável, corresponde a uma dualidade evidente, podendo existir um predomínio rural diverso do ocupado pelos mercadores e os artesãos. Para o progresso dos concelhos concorreram causas económicas internas que se têm de ir buscar ao próprio progresso agrícola, coadjuvado pelo incremento do artesanato, da pesca e da produção de sal. As cidades só podiam existir como centros de consideráveis áreas cultivadas que produzam os excedentes necessários para a sua subsistência, o que requer uma rede de povoações ligadas às cidades por meio de comunicações adequadas, bem como relações de dependência mútua.

Sem a autonomia e a liberdade política e jurídica concedida aos concelhos e sem o declínio acentuado da servidão, seriam grandes os obstáculos ao desenvolvimento das cidades. Além destes factores, têm de se referir outras causas, por vezes contraditórias. Por um lado, as classes senhoriais no seu conjunto retiravam proventos do crescimento da vida urbana, através dos encargos que lhe impunha. Por outro lado, a própria classe aristocrática contribuiu para o fluxo da população, em consequência das extorsões económicas que levavam muitos camponeses a abandonar o campo. Juntava-se ainda um elemento político de raiz económica e que consistia no apoio do poder central que a burguesia procurava conquistar e que o soberano lhe dispensava, dentro de certos limites, na defesa dos seus próprios interesses.

O governo comunal ou concelhio ocupava-se, em geral, da definição dos locais de compra e venda dos diversos produtos, feiras e marcados, da fiscalização dos preços, pesos e medidas, do controlo do armazenamento, transporte e redistribuição dos bens essenciais, como os cereais, e da disciplina do abate e venda de gado. O município também se alargava ao domínio dos ofícios e permitia que ex-servos fossem considerados homens livres.

Os soberanos procuravam regular a administração, definir os limites concelhios, os privilégios concedidos e moderar e controlar as relações com outros poderes, através de documentos denominados forais. O poder municipal era exercido inicialmente pela nobreza. Em municípios importantes eram constantes as disputas entre a aristocracia e a burguesia locais e os desentendimentos e contradições entre o poder municipal e os restantes poderes, nomeadamente o poder central e o eclesiástico.

Os templos ocupavam posições-chave nas cidades chegando a constituir um organismo institucional de autoridade política. Nas primeiras cidades os sacerdotes formavam uma classe social distinta e exclusiva que tirava partido das emoções religiosas dos outros membros da comunidade para aumentar o seu próprio poder.

As funções municipais estavam reservadas às classes dominantes nos concelhos: proprietários, comerciantes, mestres artesãos, nobres, sacerdotes. A autoridade municipal tinha o direito de regulamentar o comércio local, quem podia comerciar e quando o podia fazer, procurando inclinar a balança das transações mercantis a favor dos residentes urbanos. Podia limitar certas transações, impor preços mínimos às mercadorias que os residentes tinham para vender e preços máximos às coisas que tinham para comprar, limitar as fontes de venda ou compra disponíveis, nomeadamente os direitos e obrigações dos mercadores estrangeiros e, em suma, influenciar as relações de troca em seu próprio benefício. Existiam ainda diversas regulamentações das guildas destinadas a restringir a concorrência entre os próprios artesãos da cidade.

No Antigo Egipto já existiam cidades que funcionavam como centros administrativos e algumas delas destacavam-se pelas suas actividades económicas. As primeiras cidades eram lugares de residência da elite social, bem como dos especialistas a tempo inteiro e dos indivíduos envolvidos em práticas de culto. A cidade egípcia é aberta e de pequenas dimensões. Tinha as suas lojas, os seus pequenos artesãos, os seus funcionários e os seus sacerdotes, mas não tinham indústria nem comércio em escala suficiente para fazer crescer a sua população e dar origem a uma classe média. Apenas a massa do povo que vivia do trabalho dos campos tinha necessidade de a procurar para trocar os seus produtos pelos artigos que não podiam fabricar.

Na Mesopotâmia, II milénio a.n.e., pequenas cidades desempenhavam o papel de centros de produção e distribuição artesanal, constituíam centros de autoridade secular e religiosa. Eram constituídas por uma vizinhança comum centrada à volta dum templo, no qual existiam reservas comerciais e armazéns de cereais para o caso de más colheitas ou desastres naturais. O templo representava assim o centro económico da comunidade. À sua volta viviam os sacerdotes, os membros administrativos, os artesãos. Os camponeses da região contribuíam com parte da sua produção para os mercados locais, embora uma parte dos alimentos de base proviessem doutras regiões. A expansão militar estava associada ao fluxo de copiosos tributos entregues pelas populações submetidas.

Na Ásia Central, no III milénio a.n.e., surge um começo de civilização urbana caracterizada por esquemas de urbanização dividida em várias secções ou bairros especializados de oleiros e metalúrgicos, com áreas destinadas às fornalhas de fundição, bairros com carácter residencial comum diferentes dos habitados pelas classes altas, bairros separados do centro que incluíam armazéns e oficinas. A diferenciação social era já claramente notória. A cidade era mais que um simples centro agrícola, com uma população dividida com posições específicas no processo produtivo e distributivo. No II milénio a.n.e., os aglomerados habitacionais continham vários povoados de dimensões consideráveis. Os maiores tinham normalmente uma fortaleza situada junto dos pontos elevados onde as habitações eram construídas. Esta configuração estabelece as bases para o aparecimento da cidade, embora sem provas da existência duma organização política. No início da era cristã, as grandes e as pequenas cidades formavam um sistema global ligado por estradas e rotas de caravanas que reforçaram os laços comerciais com outras províncias e países.

A civilização do Indo notabilizou-se como representante das primeiras manifestações de urbanismo. Cerca do III milénio a.n.e. começaram a existir aglomerados permanentes, próximos de fontes de água ou de solos retentores de humidade dos vales das montanhas, onde se cultivavam os cereais e se domesticava o gado, se mantinha um certo grau de especialização de artífices e se desenvolvia um comércio de longa distância. As cidades situavam-se nas margens dos rios e ao longo das rotas comerciais, meios de circulação que permitiam a ligação entre si. As instituições sócio-económicas e religiosas, os processos culturais e a complexidade das edificações e serviços públicos, deram forma às bases do urbanismo. Aglomerados permanentes indicam a presença de recursos económicos em quantidade suficiente para suportar uma população em crescimento. As cidades que surgiram a ligar a economia numa ordem sócio-política, eram centros administrativos mas também tinham uma função religiosa. Existia uma rigorosa planificação na construção das cidades, que se distinguiam pela sua dimensão e a presença duma arquitectura monumental. Na Índia, em meados do I milénio a.n.e., as cidades eram os núcleos administrativos dos novos reinos e oligarquias, possuindo com frequência ligações comerciais com os circuitos locais de permuta e com o comércio a longa distância.

Na China, em meados do II milénio a.n.e. surgiram cidades em diferentes áreas. À volta do núcleo urbano agrupam-se bairros artesanais com altos graus de especialização e vilas agrícolas. Os bens necessários ao funcionamento das vilas eram fornecidos pelo centro administrativo que geria também a redistribuição. A cidade dividia-se em três grupos sociais: os aristocratas, os artesãos e os agricultores. Em meados do I milénio a.n.e., registou-se um crescimento da importância das cidades: com a metalurgia do ferro, começaram a funcionar como centros de produção e distribuição; algumas cidades situavam-se na intersecção de estradas ou de cursos navegáveis, emergindo como centros mercantis; outras cresceram à sombra do sistema administrativo central. A massa da população estava ocupada nos trabalhos agrícolas, a especialização profissional estava muito desenvolvida, oficinas inteiras consagravam-se à fabricação dum único género de artigo.

Na Grécia, no I milénio a.n.e., era já grande o número de pequenas cidades com mercados locais. A cidade foi surgindo progressivamente sob a influência duma grande variedade de factores, tanto demográficos como militares, económicos e religiosos, que tiveram os seus efeitos, mais tarde ou mais cedo, em maior ou menor escala, consoante a região em que cada uma se situava. A “pólis” é uma cidade que era também um estado independente. O princípio económico fundamental era a ideia de autarcia. É um tipo específico de comunidade social baseado num centro de tipo urbano, mas ligado a um território circundante mais ou menos vasto. As cidades de influência grega instaladas na África setentrional dispunham de portos, desenvolviam o comércio sariano e cunhavam moeda em ouro em grande quantidade.

Na Itália, I milénio a.n.e., as cidades uniam-se em ligas em torno dum centro comum. As aldeias ainda conservavam uma certa autonomia mas as terras comunais já estavam a fundir-se. O território das cidades alargou-se e a unidade das cidades reforçava-se. Roma tornou-se o centro principal da Liga Latina que incorporava algumas dezenas de comunidades, uma federação de cidades e tribos que se encontravam em níveis diversos de desenvolvimento. No início da era cristã, sob domínio romano, a base económica que sustentava a vida urbana era quase exclusivamente agrícola. O carácter urbano do Império Romano foi estimulado e tornado possível pela rede comercial altamente desenvolvida. As cidades assumiam a forma de repúblicas governadas por oligarquias que aumentavam de modo crescente o seu alcance territorial.

Já nos últimos séculos do I milénio d.C., o islamismo favoreceu o modo de vida sedentário, a fixação urbana foi encorajada, sendo fundadas e construídas grandes cidades onde se localizavam as actividades dos mercadores e dos artesãos e se tinha de prestar uma maior atenção à agricultura. Os seus moradores viviam em zonas demarcadas segundo os grupos étnicos, de origem regional ou religiosa. Os grupos sociais mais destacados da sociedade urbana eram: os governadores, que representavam a autoridade central; os escribas que desempenhavam tarefas administrativas e fiscais; os oficiais que procediam às colectas de impostos; a polícia que mantinha a ordem pública; o exército ainda constituído por elementos das tribos árabes; os mercadores que desempenhavam um papel fundamental; os cambistas que aferiam o valor exacto das moedas e serviam como verdadeiros auxiliares das autoridades; os eruditos que podiam ser homens religiosas ou de ciência. Em suma, as cidades funcionavam como acampamentos permanentes para o exército e como centros administrativos, comerciais e de povoamento. As novas cidades criadas pelo mundo árabe funcionavam como centros administrativos das regiões conquistadas e detinham a responsabilidade da manutenção da lei e da ordem. As actividades sociais, económicas, religiosas e intelectuais eram levadas a cabo sob a égide de Estado islâmico.

Na Europa do século XIII, a maioria dos governos das cidades fundamentava o seu poder sobre o poderio das guildas ou da aristocracia local. O apogeu adquirido pelas cidades europeias reflecte as mudanças ocorridas com a expansão do comércio e a expansão demográfica. Estabeleceram-se entre as cidades importantes relações através do comércio externo, da criação de mecanismo de câmbio, crédito e compensação monetária, da utilização frequente de meios de transporte rodoviário e sobretudo marítimo. Com a “revolução comercial” foram os mais ricos mercadores que passaram a dominar os conselhos municipais, embora mesmo nas economias das cidades mais avançadas a importância do comércio e da produção de artigos manufacturados fosse insignificante em comparação com a agricultura e a pecuária. O crescimento urbano começou em primeiro lugar nas cidades portuárias mas não ficou a elas confinado por muito tempo. Com a expansão colonial, no século XVI, as cidades europeias foram beneficiadas com o aumento de densidade populacional e um desenvolvimento industrial e comercial a que se juntou o apoio agrícola dado pelas zonas rurais circundantes. As oportunidades de trabalho e a prosperidade pressentida nos meios urbanos, motivou a imigração dos camponeses, normalmente submetidos a condições difíceis de trabalho nos campos, e também uma imigração de longa distância, proveniente de outros países. As cidades aparecem como centros de poder, núcleos habitacionais de ricos e poderosos que incluíam, além dos monarcas e seus cortesãos, os homens de negócios, a oligarquia das corporações, os membros profissionais e empregados especializados, que muitas vezes desempenhavam altos cargos nos governos locais.

No Norte de África, século XVI, a vida urbana era controlada pela aristocracia, por uma classe de comerciantes diversificada (árabes, berberes, africanos) e por um conjunto de ideólogos com o apoio do pluralismo religioso. Entre as costas ocidental e oriental de África, situadas a sul do Sara, encontravam-se cidades mercantis que viviam literalmente do comércio e cuja função económica consistia em unir as diferentes regiões com os mercados mediterrâneos e orientais. A cidade, protegida por fortaleza, tornou-se o mercado onde os camponeses podiam trocar os seus produtos entre si próprios e por artigos dos artífices instalados na fortaleza. Na África Ocidental fundaram-se várias cidades cuja rápida expansão se ficou a dever à sua localização nos pontos de intersecção das rotas comerciais. Eram importantes mercados que gozavam de relações comerciais privilegiadas com todos os pontos da região. Na África Oriental, as cidades da costa conheceram um desenvolvimento constante, mas não influenciaram profundamente os territórios do interior e não formaram um império dominado por um poder político, pois encontravam-se em perpétuo estado de hostilidade recíproca. A influência islâmica conduziu ao estabelecimento de várias cidades com população mista, inclusive de origem árabe. A maioria destas cidades conquistou a independência como cidades muçulmanas.

Na região Andina, o armazenamento de alimentos constitui a base da subsistência e da reprodução do sistema urbano. Cada cidade possuía armazéns comunitários e estatais que garantiam alimento e vestuário para a comunidade e seus funcionários. No I milénio a.n.e., a urbanização torna-se perfeitamente definida, estabelecem-se zonas diferenciadas dos núcleos de tipo rural. Surge um processo de desintegração do modo de vida exclusivamente rural, os centros urbanos predominam, canalizando a actividade económica da sociedade para as cidades e organizando, à escala regional, poderosos e centralizados esquemas tributários.

A Meso-América presenciou, por volta do ano 700 d.C., portanto, muito antes da colonização, a ascensão e apogeu de Teotihuacan, que era uma das maiores cidades do mundo. Surgiram na época centros urbanos de densidade populacional apreciável, estabelecidos como centros políticos e administrativos de grupos de aldeias mais pequenas e dependentes. Acentuou-se a diferenciação social do trabalho dentro das comunidades rurais e urbanas, daí resultando a formação duma extensa rede de trocas de produtos manufacturados e matérias-primas a actuar numa vasta área. Surge uma convergência entre interesses económicos, cultos religiosos e feiras multifacetadas que envolveram diversas actividades, desde a redistribuição de bens à festa popular e à peregrinação religiosa. Tudo isto implicava uma organização de tipo urbano. As cidades eram centros dum grande número de povoamentos rurais. O estatuto de cidade ocorre: com instituições políticas, administrativas e religiosas elaboradas; clara hierarquização social; arquitectura pública planeada; uma classe de artesãos altamente especializados; redes de comércio inter-regional; conquistas intelectuais complexas.