ANTECEDENTES DO CAPITALISMO

ANTECEDENTES DO CAPITALISMO

Carlos Gomes

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2.6 – ESTRUTURA SENHORIAL

A estrutura senhorial significa uma estrutura sócio-económica caracterizada pela existência duma classe aristocrática dominante vivendo do produto do trabalho dos camponeses e dos artesãos, dependentes dos membros dessa classe ou duma instituição (por exemplo um mosteiro) ou do Estado no seu conjunto.

Geralmente, o domínio senhorial era gerido sob uma forma de economia fechada associada a uma estrutura centralizada, mas dependente do desempenho de funções administrativas, militares ou judiciais, realizadas por pessoas ou entidades ligadas ao poder estatal. Os senhores que possuíam a terra exerciam também o seu poder sobre as pessoas que aí viviam. Este poder conferia o direito de detenção de privilégios políticos, jurídicos e militares e o direito de exercício de funções públicas em seu próprio nome.

Podem observar-se numerosas características comuns às várias formas de organização social fundadas na estrutura senhorial. O poder é exercido por uma aristocracia dinástica assistida por uma casta ou classe burocrática. Importantes recursos, já anteriormente descritos, são mobilizados: para sustentar os domínios senhoriais e acumular riquezas, para fins militares (exércitos, obras de defesa, fortificações, expedições de conquista), realizar obras duradouras para fins económicos (hidráulicas, celeiros, estradas) ou para fins ideológicos ou ostensivos (túmulos, templos, palácios).

Nas pequenas unidades de exploração o produtor directo, ao contrário do servo e do escravo, é estimulado a produzir e a aproveitar a sua capacidade de aumentar a produtividade do trabalho agrícola. Estes factores fazem com que se torne mais vantajoso para o senhorio entregar a terra às famílias camponesas e, em contrapartida, receber um maior quinhão da produção agrícola e apropriar-se, a par da renda em trabalho, duma renda fundiária em espécie, que se torna a forma dominante. O senhorio deixa de desempenhar qualquer papel no processo de produção, mesmo ao nível de organização, e torna-se num parasita social. A alternativa possível era o crescente uso do arrendamento ou o cultivo da sua reserva territorial com trabalho assalariado.

Uma das características dos regimes senhoriais consiste na importância que neles assumem categorias especializadas de artesãos e mercadores. Numerosos artífices trabalham directamente para a aristocracia na produção de símbolos de prestígio, materiais e manutenção dos palácios e templos. Os mercadores, ao serviço das classes dominantes, servem de intermediários pela mão dos quais passam os excedentes sob a forma efémera de bens sumptuários ou duradouros. Contudo, jamais se puderam destacar como classe independente e sair da tutela do regime senhorial.

A influência do mercado leva-nos a admitir a existência duma correlação entre o desenvolvimento do comércio e o declínio da servidão. Em certa medida, essa correlação existiu, mas as excepções foram bastante frequentes. Nem sempre o senhorio decidiu cancelar ou afrouxar as obrigações dos seus servos e substituí-las por uma relação contratual. O crescimento do comércio trouxe por consequência a formação duma comunidade mercantil que se infiltrou nos domínios senhoriais. Sobreveio uma circulação crescente do dinheiro através da troca que afectou a auto-suficência da economia senhorial. A presença do mercador incentivou a tendência progressiva para permutar produtos excedentes e desenvolver a produção para o mercado. Desenvolveu-se uma inclinação crescente para arrendar a propriedade senhorial ou pagar a prestação de serviços por dinheiro, utilizar no cultivo a mão-de-obra assalariada, factores que tiveram como consequência o crescimento do mercado e das transacções monetárias.

A transformação das relações senhoriais em relações capitalistas na agricultura surgem quando os rendeiros se tornam grandes proprietários e aparecem os jornaleiros sem terra a transformarem-se em trabalhadores assalariados. Uma burguesia mercantil cresceu em riqueza e influência, conquistando certos privilégios, surgiu mais em posição de parceira do que de antagonista da nobreza e acabou por se fundir parcialmente com a mesma. O desenvolvimento das cidades e do comércio influenciou a economia senhorial a integrar-se no circuito mercantil. O papel do comércio na desagregação da sociedade senhorial foi determinante. Com o desenvolvimento das relações mercantis e do poder central assiste-se a uma progressiva dissolução da estrutura senhorial, agravada pelo surgimento das cidades com um grau considerável de autonomia local, política e económica.

Na Anatólia, II milénio a. C., a administração das províncias estava nas mãos dos filhos e outros príncipes da família real, que tinham por obrigação manter em bom estado as estradas, os palácios e os templos, As cidades de primeira importância eram governadas por vassalos escolhidos entre os príncipes reais. Os vassalos deviam pagar os impostos à casa real e fornecer os recursos necessários ao exército imperial.

Na China, as relações entre governantes e autoridades regionais deram lugar, nos meados do I milénio de a.n.e. ao enfraquecimento do poder real. Na prática os possuidores temporários das terras transformaram-se em seus proprietários hereditários, o que conduziu a que os camponeses caíssem gradualmente sob o seu poder. Em alguns casos este desenvolvimento levou à fundação de reinos e ao aparecimento de estruturas políticas descentralizadas semelhantes a “estados segmentários”. Nos finais do século II d. C., uma grande parte da população estava colocada sob a protecção dos grandes proprietários fundiários. Estas populações não estavam ligadas à terra mas aos senhores e seguiam-nos para onde fossem. Este tipo de estrutura foi chamado justamente de “economia senhorial”. O problema agrícola adquire uma importância dominante, constituindo, nesta época, um dos mais puros exemplos de Estado agrícola que já mais existiu. No século III d.C., o país transformou-se numa confederação de estados sob a soberania do imperador, que continuavam a preservar uma certa autonomia, transformados no protótipo de estados burocráticos. O império passou a ser governado por funcionários nomeados, substituídos ou demitidos à vontade do governo. Surgiram revoltas que foram esmagadas e a burocracia provincial dominou todo o país. Foi imposta uma reorganização da estrutura do poder em departamentos funcionalmente definidos e em unidades administrativas que dependiam de funcionários nomeados para servir em postos durante um período limitado. Estes funcionários tornavam-se assim burocratas assalariados em lugar de membros duma antiga aristocracia. A longa luta política entre aristocratas transformaram a estrutura do Estado, onde foram retiradas as barreiras do nascimento e os militares atingiram um estatuto social superior. Os novos senhores não praticaram o parcelamento de terras entre os seus subordinados. O sistema de propriedade das terras alterou-se profundamente, uma vez que o senhor que tinha anexado a terra era o governador do novo estado. Os camponeses pagavam uma renda ao senhor pela terra que lhes era cedida que, na sua essência, não se diferenciava do imposto pago ao Estado. A aristocracia entra em declínio e as terras passam para a mão duma nova classe social constituída pelos camponeses ricos e os mercadores. A mobilidade social foi acelerada através de opções políticas, económicas e culturais divergentes que levaram à formação de novas camadas e grupos sociais. A terra permanece durante muito tempo a única forma válida de investimento.

No Império Romano, subjacente ao regime feudal, mas com origens mais antigas e diferentes, prevalecia a forma de organização económica e social chamada senhoralismo, que começou a funcionar quando as grandes quintas dos nobres romanos foram transformadas em propriedades auto-suficientes e os agricultores foram vinculados ao solo pela legislação ou por pressões económicas e sociais.

Entre os astecas está-se perante um sistema de formação senhorial, que possuía uma grande diversidade interna quanto ao seu grau de estruturação e à capacidade de apropriação dum tributo ou duma renda. As funções políticas, religiosas e militares assumiam um papel predominante nas relações de produção. Nas terras pertencentes ao soberano ou nas grandes obras públicas, os camponeses trabalhavam por turnos, coordenados por uma espécie de capatazes. Entre os camponeses e os artesãos predominava o tributo em produtos.

Entre os incas, os senhores recebiam um número variável de dias de trabalho executado pelos habitantes das aldeias. Os turnos de trabalho eram efectuados nas terras controladas pelo senhor que, por sua vez, se obrigava a fornecer aos camponeses as sementes e os alimentos e bebidas cerimoniais, durante o período dos trabalhos. Cada habitante da aldeia devia contribuir com parte da sua energia e não com tributos em espécie. Esta prestação de serviço visava também o cumprimento do serviço militar e a construção de grandes obras públicas. A estas obrigações juntavam-se a fiação e tecelagem pelos habitantes da aldeia e, em particular, das mulheres em benefício do Estado. Além disso, o senhor possuía um determinado tipo de servidores perpétuos que possuíam um estatuto particular, eram desvinculados da sua linhagem de origem para depender e trabalhar exclusivamente para o senhor como autênticos servos