ANTECEDENTES DO CAPITALISMO

ANTECEDENTES DO CAPITALISMO

Carlos Gomes

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2.2 – ESTRUTURA RURAL

A povoação era, e é, uma comunidade rural de homens que viviam dentro do mesmo território, unidos por uma linguagem comum e por um carácter peculiar de cultura e modo de vida, arreigados a hábitos, costumes e tradições. Os povoados apresentavam uma autonomia considerável obtendo a maioria dos seus alimentos e materiais, de construção e outros, nos terrenos circundantes. Nos locais onde a utilização do arado era mais frequente, os povoados tornaram-se mais relevantes. Muitos povoados estavam localizados na planície ou erigidos em elevações com defesas naturais. Em geral, localizavam-se na proximidade de rios ou ribeiros, que constituíam uma fonte de abastecimento de água e de movimentação de moinhos.

Em algumas regiões, os povoados desenvolveram-se, expandiram-se em número e tamanho, transformando-se em aldeias com áreas específicas para habitação, para actividades produtivas, mercantis, religiosas e dotadas de muralhas para a sua segurança. As aldeias ocupavam um dado território, incluindo um ou mais campos, com recursos naturais essencialmente agrícolas, habitado por famílias ligadas umas às outras, e governadas por um chefe, coadjuvado ou não por um conselho de anciãos. Algumas vezes a aldeia inclui um templo ou um edifício de culto, podendo estar protegido por uma muralha.

Nas comunidades agrícolas, com os avanços conseguidos a nível cultural e tecnológico, a aldeia tornou-se a forma mais elementar de organização produtiva. A organização do trabalho envolvia um misto de cooperação e de coerção com muito pouco espaço para a iniciativa individual. As operações agrícolas mais importantes mobilizavam quase todos os habitantes das aldeias. O trabalho tinha então de ser feito em comum devido ao sistema de campos abertos e ao facto de as parcelas dum camponês individual estarem espalhadas pelos campos. O mesmo acontecia com a utilização da parelha do arado que necessitava de vários bois. A colheita era igualmente efectuada em comum. As aldeias ou as casas familiares compreendiam edifícios destinados a fins económicos, como o armazenamento. Este tipo de organização reflecte as circunstâncias locais que permitem uma intervenção das chefias na produção e distribuição dos produtos agrícolas.

Dentro da aldeia, a unidade económica doméstica é constituída por um número variável de células familiares ligadas por relações de parentesco ou vizinhança, dentro do qual se estabelecem determinas relações de produção. Quando a unidade familiar de produção agrícola é realizada fundamentalmente pelo camponês, sua mulher e filhos, denominava-se “casal”. As famílias camponesas trabalhavam independentemente os seus talhões, mas os principais trabalhos agrícolas, como as sementeiras e as ceifas, faziam-se em geral colectivamente.

A aldeia conserva velhas tradições e traços dum colectivo único, estabelece contactos fáceis com outras comunidades, defende os direitos dos seus membros. A aldeia tornou-se uma unidade social, económica e administrativa, com uma estrutura relativamente simples e uniforme. As relações entre os habitantes exigia o estabelecimento de hábitos e regras comummente aceites, interpretadas por um concelho de anciãos, cabendo ao chefe da aldeia, ao sacerdote ou ao juiz a responsabilidade de garantir o seu respeito. Em alguns casos, os habitantes livres participavam nas assembleias, defendendo as questões da vida comunitária e elegendo o chefe da aldeia. À medida que se afirma o poder do Estado, o chefe torna-se um representante desse poder.

A aldeia assenta essencialmente na agricultura, embora alguns habitantes possam ser artesãos, a subsistência ser assegurada também pela caça e, nas zonas costeiras ou fluviais, pela pesca. Em algumas regiões, o desbaste de florestas permitiu o aproveitamento do solo e a sua conversão em terreno fértil. Em muitas áreas, as comunidades agrícolas eram quase inteiramente auto-suficientes. Com a produção de excedentes alimentares, estes passaram a ser utilizados na realização de trocas entre comunidades diferentes para obtenção de bens de consumo, matérias-primas, artefactos e utensílios.

As famílias rurais aplicam o seu trabalho, como produtores, por vezes, com o emprego de alguns jornaleiros, no cultivo de cereais, produtos hortícolas, frutos e outros produtos, ou na criação de animais. Competia-lhes melhorar as terras cultiváveis, desbravar matagais e convertê-los em terrenos de cultivo, preparar vinhas, olivais, etc. Quando possuem gado, as pastagens eram predominantemente de utilização comum por diversas famílias. Como unidades de produção, apenas possuíam uma quantidade limitada de instrumentos de trabalho muito simples, cabendo-lhes também, em regra, a construção de meios de produção fixos, como moinhos ou fornos, que ficavam na posse do domínio senhorial. Os pastos, as carroças, os poços mantinham-se, em geral, na posse colectiva da aldeia. Em algumas regiões, as unidades de produção eram casas multifamiliares, ou seja, unidades familiares alargadas e constituídas por vários núcleos, ajudando-se os camponeses uns aos outros de acordo com um tipo de relações recíprocas.

Embora conservando certos hábitos comunitários, a aldeia era formada na base de relações de produção numa perspectiva classista. A economia colectiva transformou-se em propriedade individual de exploradores locais, senhoriais ou estatais. A família camponesa dispunha das condições básicas dos meios de trabalho, com excepção das parcelas de terra e das instalações fixas, que eram pertença das entidades senhoriais a quem era paga uma renda. Esta condição limita a sua capacidade como produtora independente. Uma parte do seu tempo de trabalho vai parar às mãos do senhorio sob a forma de parte da colheita dos produtos cultivados. O trabalho é repartido entre o trabalho na terra cultivada por conta própria, na produção de bens necessários à sua subsistência e reprodução da sua força de trabalho e entre o trabalho gratuito nas terras do domínio senhorial.

Nas aldeias integradas na sociedade senhorial vivem: os servos, que constituem a maioria da população; os camponeses livres, minoria que possui pequenas parcelas de terra; os artífices, cuja existência não obsta a que as famílias dos camponeses executem uma certa produção artesanal; alguns mercadores. Embora o território pertencesse ao domínio senhorial, os membros das aldeias conservavam as pastagens comuns, a floresta e a terra não cultivável comum, assim como outros aspectos da vida colectiva.

O desenvolvimento da agricultura e do artesanato, e o inevitável aumento da população, modificou radicalmente o carácter dos antigos aglomerados. Alteraram-se as suas dimensões e algumas aldeias tornaram-se não só centros de zonas agrícolas mas também de artesanato e comércio. Chegado o ponto de rotura do equilíbrio em que os recursos já não satisfazem a população, a aldeia teve que se abrir ao mundo exterior e quebrar a sua autarcia.

Com o despontar da economia mercantil, algumas destas famílias rurais adquiriram os seus próprios terrenos agrícolas. Esta forma deu azo a diferenças no estatuto económico dos produtores individuais e à possibilidade de alguns deles poderem adquirir meios para explorar outros produtores duma maneira directa, aparecendo assim uma diferenciação social entre os próprios camponeses.

A economia de aldeia estava destinada a alterar-se face às influências do mercado e a encaminhar-se para uma agricultura de tipo capitalista, com o crescimento da diferenciação de classes entre os camponeses. Os mais abastados podiam arrendar mais terras aos latifundiários, equiparem-se com gado de trabalho e instrumentos agrícolas eficientes. Os camponeses mais pobres não podiam fazer o mesmo, pois achavam-se menos equipados e se arrendassem terra tinham de entregar grande parte do produto ao senhorio ou prestar uma certa quantidade de trabalho gratuito. Além disso, necessitavam de animais de tracção, equipamento e sementes para trabalhar a terra.

O uso do ferro na produção de instrumentos agrícolas aumentou a produtividade do trabalho. Próximo das regiões urbanas espalharam-se práticas agrícolas desenvolvidas no contexto da utilização do ferro, surgiram comunidades rurais com economias baseadas na cultura de plantas de grande produção. A procura de solos bem humedecidos possibilitou a junção de comunidades em vilas agrícolas, a extensão da horticultura, um complexo de produções artesanais, amplamente ligada pela tecnologia e pelo comércio a vizinhos mais evoluídos e a estruturas urbanas.

Na sociedade africana actual, nos meios rurais, a organização ainda repousa essencialmente na reunião dum certo número de aldeias numa colectividade única sob a autoridade dum chefe comum. Um aglomerado de aldeias, em redor duma maior, podia constituir um reino e manter uma organização social e política semelhante à de outras comunidades.

Na África Ocidental, por vezes, o impulsionador sócio-económico era a grande família patriarcal reunida num agregado comum. A autoridade encontrava-se em geral nas mãos dos mais idosos, mas os governos geridos por anciãos eram temperados por assembleias de carácter democrático com funções consultivas e, com frequência, também deliberativas.

Na África Subsariana, século XVI, a aldeia ainda formava a unidade residencial por excelência e era também a estrutura básica política e social. No seu interior as funções governamentais baseavam-se essencialmente nos laços de parentesco. As aldeias vizinhas mantinham toda a espécie de relações com as outras em redor, estavam frequentemente ligadas por laços estreitos, quer porque utilizavam os mesmos mercados quer porque adoravam divindades protectoras comuns. Os problemas respeitantes a várias aldeias resolviam-se nas assembleias das aldeias ou em conselhos de federações de aldeias, presididas pelos responsáveis das linhagens. Como unidade territorial e residencial, a aldeia é um dos alicerces do edifício político. A necessidade de protecção poderá ter levado as aldeias a formarem federações e assim darem origem a territórios senhoriais ou submetidos a chefias.

Na África do Sul, no mesmo século, a mais pequena unidade de importância administrativa não era a família mas a aldeia, onde a figura proeminente era o chefe. A aldeia era também uma unidade económica, onde se atribuía a terra e se produziam praticamente todos os alimentos, utensílios e outros bens e serviços de que necessitava. Cada aldeia tinha o seu próprio gado, que assegurava o fornecimento de leite e carne, e os seus próprios campos. O chefe controlava a distribuição e uso da terra e coordenava as actividades agrícolas. Um conjunto de aldeias formava uma vila, sob a liderança dum chefe de vila, que a representava perante o chefe do território ou rei, conforme o caso. Em alguns povos, quase todos os assuntos de interesse público eram motivo dum debate em assembleia popular. Em ocasiões importantes era convocada toda a comunidade. Em todas as regiões o chefe dispunha dum ou mais feiticeiros profissionais na qualidade de “médicos” da comunidade.

Por volta do ano 1200 a.n.e., a vida de aldeia totalmente sedentária estabeleceu-se em toda a região conhecida por Mesoamérica, dando origem às primeiras sociedades complexas com a estratificação como princípio de organização social e com uma estrutura política hierárquica.