ANTECEDENTES DO CAPITALISMO

ANTECEDENTES DO CAPITALISMO

Carlos Gomes

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4 – ESTRUTURAS PROTO-CAPITALISTAS

4.1 – EMPRESAS E SOCIEDADES POR ACÇÕES

Uma unidade de produção de bens e serviços não comercializáveis não se pode considerar uma empresa, mas sim uma instituição que tem uma actividade produtiva não mercantil, em geral de utilidade pública, ou de uso comunitário, destinada a produzir bens ou serviços em benefício dos seus próprios membros.

A existência duma produção agrícola ou artesanal independente, de actos isolados de comércio ou de empréstimo de dinheiro, não basta para constituir uma empresa no sentido capitalista. Estas actividades não se reflectem na necessidade de constituição de unidades económicas amplas e organizadas que tenham de reunir no seu seio o conjunto dos diversos factores de produção. É a expansão da exploração agrícola, com a formação de latifúndios, o desenvolvimento da indústria, com a introdução da máquina, dos transportes, sobretudo marítimos, a expansão do comércio, em especial o externo, a concentração e circulação de capitais, que obrigam à criação duma entidade denominada empresa, dotada de novas características.

As primeiras empresas capitalistas, na sua organização e gestão, não diferiam substancialmente das unidades económicas já existentes nas sociedades mercantis. Formaram-se como empresas individuais ou como sociedades, constituídas por capitais geralmente provenientes do círculo familiar e que, posteriormente, se tornaram mais flexíveis e abertas, admitindo capitais e sócios de quaisquer procedências.

Pode-se definir empresa capitalista como uma unidade económica autónoma organizada para aliar um conjunto de factores com vista à produção ou distribuição de bens ou serviços destinados ao mercado, ou seja, comercializáveis. Na medida em que um dos objectivos da empresa é produzir e distribuir mercadorias, estabelece-se uma relação entre a empresa e o mercado que se reflecte na quantidade e qualidade dos produtos, na estratégia de fixação de preços de venda, na oferta e procura a curto e a longo prazo. A instabilidade no decorrer da interacção entre estes factores dá origem a desequilíbrios susceptíveis de provocar crises mais ou menos graves. As empresas distinguem-se então pela sua maior ou menor capacidade de agir.

Na empresa estabelecem-se relações de propriedade que permitem concentrar numa só entidade todos os meios de produção e distribuição, relações de autoridade sobre os trabalhadores que não têm outra alternativa senão vender a sua força de trabalho e relações de repartição de rendimentos gerados pelo processo produtivo entre os trabalhadores, os proprietários e o Estado. A empresa pode exercer uma actividade pública com a finalidade de proporcionar bens sociais básicos ou exercer uma actividade privada tendo como objectivo a criação prioritária de lucros. No primeiro caso, a sua propriedade é de órgãos estatais, seja a nível nacional, regional ou municipal; no segundo caso, pertencem a um ou mais empresários. A empresa privada pode limitar-se a aplicar os lucros obtidos no alargamento da sua actividade, na melhoria da qualidade de funcionamento, ou seja, aumento de eficiência e inovação, ou distribui-los, total ou parcialmente, pelos seus associados.

Entre as empresas industriais há que distinguir a indústria tradicional, que conserva a sua estrutura corporativa, da indústria afectada pela corrente capitalista, voltada para a conquista de mercados mediante uma produção em massa. Em qualquer dos casos, a empresa constitui sempre uma estrutura de organização que reúne e combina, com vista à produção, um certo número de factores, designadamente o trabalhos e os meios de produção. A produção ampliada exige a coordenação de todos os factores do processo económico com o objectivo de satisfazer as necessidades humanas dos diferentes grupos e obter uma mais-valia e acumulação de capital.

Um dos problemas básicos da empresa capitalista assenta na formação do mercado de trabalho que pressupõe uma mudança radical nas relações de trabalho. Isto implica a expropriação alargada dos produtores individuais, o adestramento dos potenciais operários na disciplina de trabalho, papel este que foi assumido pelas leis e pelo aparelho repressivo. Na empresa capitalista distinguem-se: os empresários, detentores do capital; os directores e técnicos, ocupados com a organização e gestão; os assalariados, fornecedores da sua força de trabalho.

A empresa pode adquirir um grau de especialização semelhante ao que tem acontecido com a generalidade das actividades económicas, por ramos a agrupar as que produzem as mesmas mercadorias ou por categorias económicos que se incorporam nos sectores: primário, correspondente à agricultura; secundário, correspondente à indústria; sector terciário, correspondente ao comércio e serviços.

A empresa pode ser categorizada pelo seu tamanho de acordo com o critério utilizado: número de trabalhadores, volume de negócios, posição no mercado, localização dos seus clientes, campo de acção territorial, etc. As pequenas empresas requerem uma despesa inicial insignificante na medida em que o capital fixo não desempenha ainda um papel muito importante. Uma mesma empresa pode ser constituída por várias unidades simples situadas em locais diferentes, isto é, dispor de diversos estabelecimentos. Nas grandes empresas levantam-se problemas específicos de gestão e de organização, de concepção, de comando e de execução. As decisões importantes tendem a ser tomadas por um colectivo de pessoas e não apenas por um indivíduo isolado, pois a especialização torna-se indispensável e ninguém possui os elementos necessários e suficientes para decidir.

Algumas empresas de maior dimensão revelaram tendência para se constituírem sob a forma de sociedades anónimas, obtendo o direito de emitir acções, ampliando deste modo consideravelmente o seu capital. Deram início a novas formas de actuação no mercado, formando consórcios ou participando de cartéis. O seu objectivo fundamental era maximizar os seus benefícios, planificar as suas actividades e estudar a melhor forma de seleccionar os seus investimentos e obter maiores lucros. As sociedades anónimas ajudaram a mobilizar capital a uma escala e maleabilidade até então desconhecida.

No século XV constituíram-se as primeiras sociedades por acções como instrumento eficaz de expansão comercial e marítima. Ao contrário das sociedades comerciais antecedentes, qualquer indivíduo fosse ou não comerciante, podia investir na sociedade através da subscrição de acções nominativas. As acções eram transformadas em capital permanente, podendo ser negociadas pelos seus subscritores iniciais. Não era, porém, permitido o levantamento dos fundos investidos. Este tipo de organização comercial possibilitava a drenagem da poupança e dotava as sociedades de poderosos recursos em capitais, superiores aos das anteriores sociedades comerciais. A responsabilidade dos comparticipantes era limitada e era admitida a transferência das “partes” ou acções. A sociedade podia continuar, sem ter de se renovar quando desapareciam quaisquer dos sócios. Foi instaurado o princípio de gestão comum confiada aos dirigentes e a possibilidade duma planificação futura, requisitos indispensáveis a uma grande empresa. Nestas sociedades participavam membros da alta nobreza e da burguesia.

Na Europa Ocidental, no século XVII já proliferavam sociedades por acções, formadas pelo ingresso de pessoas não intervenientes nos negócios mas participantes nos resultados, estabelecidas para expedições temporárias para uma viagem ou para um empreendimento colonial. A actuação das sociedades por acções, de estrutura nitidamente capitalista, manifestou-se nas indústrias de extracção mineira e nas metalúrgicas, que representavam a maior concentração de mão-de-obra e o mais amplo investimento de capitais conhecidos até à revolução industrial. A partir de finais do século, o sistema de reunião de capitais por subscrição de acções foi usado nas empresas particulares, como a banca, industria transformadora e, em geral, nos empreendimentos que exigiam avultados investimentos. Estas sociedades alargaram consideravelmente a escala da produção e facilitaram a formação de grandes empresas que não podiam ser constituídas com base no capital individual. Muitas associações de comerciantes foram ultrapassadas por companhias por acções, algumas caracterizadas pelo seu particular empenhamento no comércio colonial.