ANTECEDENTES DO CAPITALISMO

ANTECEDENTES DO CAPITALISMO

Carlos Gomes

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5 – MEIOS MONETÁRIOS E FINANCEIROS

5.1 – DINHEIRO E SUAS FUNÇÕES

O aparecimento do dinheiro não é uma invenção técnica pura e simples nem resulta apenas do incremento das trocas. A passagem da simples permuta para o uso do dinheiro não acontece em geral directamente, mas sim através de fases intermédias cujo conhecimento e compreensão correspondem à natureza da sua função. Quando ocorre a necessidade duma determinação generalizada do valor torna-se imprescindível dispor duma medida que exprima o valor de todas as mercadorias e as torne comparáveis. Esta terceira mercadoria tende a restringir a sua forma específica como bem de consumo ou de produção e a assumir, de forma predominante, a sua função de intermediária na circulação mercantil. A característica específica do dinheiro consiste em distinguir-se das restantes mercadorias na medida em que é directa e universalmente permutável por qualquer uma outra.

Os actos, de venda e compra, em que podem intervir indivíduos diferentes, possibilitam que a troca se separe no espaço e no tempo, podendo conservar-se o dinheiro obtido por um período mais ou menos longo. O dinheiro liberta a troca dos limites estreitos das relações entre apenas dois produtores, para as transformar num fenómeno iminentemente social.

Para o dinheiro surgir na vida económica é imprescindível que estejam preenchidas diversas condições. O processo que leva ao aparecimento do dinheiro é o resultado dum longo processo histórico, que resulta dum nível já bastante elevado do desenvolvimento da produção mercantil e da existência dum intercâmbio regular. Uma espécie particular de mercadorias adquire a forma de dinheiro quando os produtores as admitem como forma unitária e geral de valor. Inicialmente foram diversas as mercadorias empregues como equivalente geral: o gado foi um dos produtos constituído como unidade de medida do valor das transacções; entre outros objectos pré-monetários contam-se os cereais, as barras de sal, as contas de âmbar e de vidro ou as conchas. Os chineses utilizavam, nas grandes operações comerciais ou pagamentos, peças de seda com dimensões regulamentadas, e vestuário de cânhamo. Os “cauris” (conchas dum molusco) espalharam-se um pouco por toda a parte ao sul do Sara, constituindo uma espécie de unidade monetária de toda a África Negra. Os ameríndios da parte setentrional do continente americano usavam como moeda as peles de castor.

À medida que se foi incrementando a troca mercantil, a forma do dinheiro foi-se fixando na prata e no ouro graças às suas propriedades físicas e químicas. O facto de estes metais servirem como meio de troca privilegiado motivou o aperfeiçoamento e o desenvolvimento da tecnologia destinada à sua produção, apesar do fraco consumo. O ouro e a prata também se compravam e vendiam, mas esta função era suplantada pela função de medida de valor de troca de todas as mercadorias. Com o aumento da produtividade no trabalho de produção destes dois metais, o seu valor baixou subindo, por consequência, o preço relativo de todas as mercadorias quando se exprimiam em relação ao ouro e à prata.

Na economia mercantil, o dinheiro cumpre as seguintes funções: 1. medida de valor; 2. meio de circulação; 3. meio de entesouramento; 4. meio de pagamento; 5. meio de acumulação; 6. dinheiro universal. O alcance e a importância relativa de cada uma destas funções indiciam diferentes níveis do processo social de produção.

Como medida de valor, a função do dinheiro consiste em proporcionar um ou mais materiais para expressar o valor de todas as restantes mercadorias. O próprio dinheiro começa por ter um valor, cuja substância é o trabalho despendido na sua produção. Toda a mercadoria expressa o seu valor em dinheiro, o que possibilita a comparação quantitativa entre as diversas mercadorias. O dinheiro pode assim cumprir a sua função de medida de valor face à correlação que se estabelece entre o seu valor e o valor duma outra mercadoria.

Como meio de circulação, a função do dinheiro assenta no facto de servir como intermediário no processo da circulação das mercadorias. O dinheiro circula impulsionado pela própria sequência da troca de mercadorias, desempenhando o papel passivo enquanto a mercadoria desempenha o papel activo.

A função do dinheiro como meio de entesouramento deve-se ao facto de poder constituir uma reserva para a aquisição futura de matérias-primas e outros meios de produção. As moedas de ouro e prata tornavam-se tão raras e de tão acrescido valor que praticamente não chegavam a circular, servindo quase sempre para acumulação sob a forma de entesouramento. Porém, os Estados não podiam pretender beneficiar as suas riquezas e o nível de vida do seu país acumulando simplesmente metais preciosos, sem velar pela expansão simultânea da produção industrial e do comércio.

A retenção do dinheiro podia resultar da venda das mercadorias ou da prestação de serviços e o seu montante guardado com vista à sua aplicação na produção, ou na acumulação e circulação de riqueza. Além do entesouramento estatal, os grandes mercadores passaram a dispor de consideráveis disponibilidades. O entesouramento constituía uma concentração do elemento universal da riqueza que permitia a sua conversão em bens com um valor de troca concreto e uma utilidade específica. Permitia ainda que indivíduos das classes dominantes gastassem dinheiro a troco de objectos de luxo e de prestígio, representativos de poder ou de ociosidade. O comércio de artigos de luxo contribuía para absorver uma parcela do dinheiro da aristocracia.

O dinheiro actua como meio de pagamento quando as transacções de compra ou venda das mercadorias se efectuam a prazo, isto é, com um diferimento do pagamento. O dinheiro só entra então em circulação quando se vence o prazo de pagamento. O vendedor torna-se credor e o comprador devedor. Esta função ultrapassa a esfera da circulação de mercadorias e é cumprida também nas operações de empréstimos, no pagamento dos tributos em dinheiro, dos impostos, das rendas, etc. A importância do dinheiro como meio de pagamento diferido vai-se destacando à medida que o regime capitalista se desenvolve. A acumulação do dinheiro torna-se necessária para poder satisfazer as dívidas nas datas dos seus vencimentos. O entesouramento reduz-se então como forma de enriquecimento e cresce como forma de reserva de meios de pagamento.

A acumulação, pura e simples de dinheiro, não correspondia a uma necessidade económica, pois não predominava ainda, na economia mercantil, a alienação do lucro. A partir dos séculos XV e XVI começa a revelar-se em larga escala a importância do entesouramento monetário no processo de formação do capitalismo. A moeda começa a ser considerada, não apenas como um meio de adquirir objectos úteis mas como um fim susceptível de acumulação e frutificação.

À medida que se desenvolve a produção mercantil ampliada e o comércio externo, os metais preciosos, ouro e prata, passam a desempenhar o papel de equivalentes gerais no mercado mundial. Também o cobre era frequentemente utilizado como medida de valor. O dinheiro cumpre assim a sua função de dinheiro universal nas transacções externas e no sistema de pagamentos entre as diversas comunidades. Cada país necessita dum fundo de reserva tanto para a circulação interna como a circulação universal.