ANTECEDENTES DO CAPITALISMO

ANTECEDENTES DO CAPITALISMO

Carlos Gomes

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8.6 – CONFLITOS E GUERRAS

Os conflitos, não obstante os desastres provocados, levaram a um tipo de comunicação entre vencedores e vencidos que permitiu um melhor conhecimento entre os povos e o contacto com outros instrumentos de trabalho, materiais e novas técnicas úteis ao incremento da produção.

Com o desenvolvimento da agricultura e o aparecimento dos primeiros estados começaram a existir tensões que se traduziam na tentativa de expandir ou impor influências a povos vizinhos menos evoluídos. Num sentido inverso, sociedades tribais, estimuladas pela visão da riqueza de regiões mais desenvolvidas tentavam invadi-las e conquistá-las. Estas lutas e guerras, por vezes intercaladas por relações pacíficas mútuas, marcaram o dinamismo comercial e cultural de diferentes épocas.

A apropriação de excedentes produzidos em comunidades vizinhas ou o acesso a recursos naturais constituíram alguns dos motivos de conflitos. Quando as colheitas eram más, o aumento extensivo da produção era conseguido através da expansão territorial, com o aumento correspondente da população, por meio do saque e da guerra transformada num factor constante da vida da sociedade, da captura de escravos ou através da imposição dum comércio desigual.

A necessidade duma reprodução alargada e da criação de espaços económicas de maior dimensão era, em muitos casos, de difícil concretização através duma via pacífica, o que conduzia a um recrudescimento de conflitos internos e a uma luta encarniçada pela supremacia e pela dominação, quer entre classes com interesses económicos afins, quer entre essas classes e os produtores e trabalhadores a elas subordinados.

À medida que cresce e se acumula a riqueza tornam-se mais frequentes os conflitos bélicos com o objectivo de as ocupações se transformarem em permanentes. Com o aumento da riqueza das classes governantes, mais imperioso se tornou o desejo de conquistar mais poder. Os soberanos travavam frequentes guerras que lhes permitiam alargar a quantidade da terra, apoderarem-se de milhares de prisioneiros e cabeças de gado, anexar minas, estabelecer expedições comerciais. As guerras vitoriosas permitiam a captura de prisioneiros que constituíam o principal recurso de mão-de-obra escrava.

A vitória significava que o vencedor impunha a sua soberania aos vencidos, colocava um dos seus representantes no governo do território ocupado, obrigava o vencido a assinar um tratado de reconhecimento de vassalagem, a pagar um tributo periódico e a prestar o seu concurso com todas as suas forças armadas às operações ofensivas ou defensivas. Um dos objectivos das conquistas era a transformação dos saqueados em povos tributários, mesmo que a ocupação não se tornasse permanente. As questões de política externa eram em geral reservadas ao soberano vitorioso.

A guerra era geralmente considerada, pelos governantes, ora como essencialmente nociva ora como benéfica para a economia do país. As circunstâncias que podiam torná-la nociva eram evidentes: a agricultura sofria com as batalhas e pilhagens, sobretudo quando os exércitos eram compostos de mercenários; o estado de guerra traduzia-se em impostos mais pesados; os combates prolongados e violentos podiam paralisar o comércio e atrasar o desenvolvimento industrial. Por outro lado, a guerra podia ser lucrativa para as classes dominantes. A guerra enriquecia os fabricantes de munições, os mercadores de cavalos, os fornecedores de produtos alimentares e de vestuário. A guerra servia também os interesses das classes comerciais de forma menos directa e os prestamistas quando os governantes tinham necessidade de dinheiro, o que se traduzia em concessões políticas à burguesia. Além disso, a vitória favorecia a ampliação do território, a supressão das barreiras alfandegárias, obrigava a concessões comerciais e abria novos mercados a juntar aos já existentes.

A criação de grandes unidades militares era uma consequência indirecta da expansão do comércio e do crescimento demográfico. A constituição de poderosos exércitos e frotas navais correspondiam às exigências da expansão geográfica e da exploração colonial.

Na Grécia, o Estado favorecia os cidadãos que preferiam uma ocupação no serviço militar como mercenários. No século VII a.n.e., os gregos procuraram apoderar-se das melhores terras da África Setentrional, acolhendo imigrantes e obrigando os povos locais a procurarem terras menos produtivas ou a dividirem entre si os territórios percorridos pelos nómadas. No Egipto, durante o domínio grego, a carga imposta aos produtores egípcios deixava-os reduzidos aos mínimos meios para a sua própria subsistência. Tudo era tributável, desde os produtos agrícola até ao trabalho dos artesãos e às transacções comerciais. O descontentamento das populações originou um estado de guerra permanente com levantamentos populares, greves de camponeses seguidas da sua fuga para longe das suas aldeias.

No Império Romano, os lucros provenientes da guerra iam parar a um estreito círculo de chefias militares e governadores. A remuneração dos exércitos através da atribuição de terras foi, em grande parte, responsável pelas terríveis guerras civis verificadas nos últimos tempos da República. No Norte de África, então sob ocupação romana, formou-se um movimento de natureza social e política que incluía sectores da população rural, trabalhadores jornaleiros, escravos em fuga, aliados a tribos berberes, que organizou vários levantamentos. A luta travada dirigia-se principalmente contra os proprietários das grandes explorações agrícolas, representantes governamentais e membros destacados do clero católico.

Na China, no século XIV, o esgotamento económico levou o campesinato a uma revolta declarada contra o domínio estrangeiro, acabando as forças mongóis por serem derrotadas por sublevações, que embora descoordenadas, se espalharam por todo o território chinês. A reunificação do país promoveu a assimilação dos diferentes povos e a reintegração da economia chinesa. No século XVIII, os conflitos com os países ocidentais tornaram-se evidentes e concentraram-se em três áreas:

1. O conflito entre a política de portas fechadas, praticada pelos chineses, e o desejo de expansão por parte dos europeus que tentavam invadir a soberania chinesa;

2. Os conflitos provocados pela ignorância dos governos chineses em relação mundo exterior, que consideravam as actividades comerciais normais como um favor concedido a países estrangeiros;

3. O conflito provocado pela importação ilegal de ópio, enviado por mercadores ingleses e que deu lugar à Guerra do Ópio contra a Inglaterra.

Na África, século XVI, houve uma intensificação de guerras numa escala e com efeitos mortíferos até então desconhecidos, devido à utilização de armas de fogo. Estas guerras envolveram os reinos africanos, invasões marroquinas, árabes e turcas. Algumas destas guerras estavam relacionadas com a expansão comercial e a expansão do islão. Seguiram-se invasões provenientes de países europeus com objectivos de colonização. É difícil ter uma ideia das perdas na produção económica, originadas por estas guerras. As campanhas militares mobilizaram trabalhadores utilizados para matar outros trabalhadores ou impedi-los de realizar um trabalho produtivo. Desapareceram muitas aldeias, abandonadas pelos seus habitantes, que foram massacrados ou tiveram que fugir aos ataques inimigos para não serem capturados e vendidos como escravos a árabes ou europeus.

Na América do Norte, século XVIII, a partilha das colónias motivou prolongadas guerras entre os países colonizadores, ficando a Inglaterra com o domínio total, apenas contestado pelas populações nativas. Na América do Sul, a população andina continuava a ter consciência da sua identidade étnica e da sua importância histórica, pois povos, como os incas, constituíam a memória dum passado histórico que deveria ser reabilitado. Este facto ganhou maior evidência com as rebeliões que atravessaram o século, particularmente a rebelião de Tupac Amaru, Registaram-se contínuas revoltas que tiveram como causa a carga fiscal, o desenvolvimento duma ideologia messiânica e a consciência, por parte dos seus chefes, do papel que tinham de desempenhar. Por vezes, à população andina juntaram-se mestiços e até espanhóis.

Na Oceânia, século XVI, em algumas ilhas do Pacífico, onde as populações e as pressões motivadas pelos recursos eram maiores, eram comuns as guerras em larga escala com mobilização de exércitos e algumas vezes de barcos.