ANTECEDENTES DO CAPITALISMO

ANTECEDENTES DO CAPITALISMO

Carlos Gomes

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5.6 – COMÉRCIO EXTERNO

O comércio de exportação e importação tem uma relevância muito especial pelo facto de ser composto por mercadorias de preço mais elevado, dando lugar a maiores margens de lucro. O negócio dirigia-se às camadas com maior poder de compra, em especial à aristocracia que era a grande compradora de objectos de prestígio, especiarias, artigos de luxo ou armas. Os governantes tinham de assegurar o fornecimento dos recursos essenciais às necessidades dos exércitos e aos sectores chaves da economia. Estas trocas internacionais tornaram-se assim uma necessidade, ocupando os comerciantes uma posição privilegiada na sua realização.

O estabelecimento de relações comerciais entre regiões tornou-se imperativo. Tais relações só podiam ser mantidas com paz e amizade e não com conflitos, tornando-se necessário estabelecer convenções, concessões ou interdições. Certos estados acordavam mesmo o fornecimento regular de certas matérias-primas ou a instalação de armazéns comerciais em locais escolhidos dos seus territórios. Estabeleciam-se tratados bilaterais que continham cláusulas a autorizar o comércio, a definir as restrições ou as zonas de monopólio. Com o tempo, fixaram-se regras precisas sobre direitos aduaneiros, arrecadação de impostos ou isenções.

As transacções comerciais externas eram influenciadas por múltiplas diferenças entre diversas áreas, tais como: os produtos objecto da troca; as políticas comerciais, a moeda, os preços; os meios de transporte; as taxas aplicadas pelos diferentes territórios, etc. O comércio externo comportava riscos resultantes de epidemias, bruscas tempestades ou da pirataria. Para evitar o transporte de numerário eram combinados movimentos de fundos decorrentes dos usos comerciais, esforçando-se os mercadores por equilibrar as exportações e as importações. Por vezes, recorriam ao tráfico triangular ou multilateral.

O desenvolvimento do comércio externo conduziu à especialização profissional do viajante comercial, que podia ser um agente do mercador ou seu associado. As suas funções podiam ser definidas através dum documento que determinava as suas obrigações, fixava o valor dos fundos e das mercadorias que lhe eram entregues. O viajante devia ter uma relação das transacções realizadas e dos benefícios conseguidos. De regresso, reembolsava o capital ao seu empregador ou associado e recebia a percentagem fixada dos benefícios acordada entre as duas partes. Estes contratos limitavam-se em geral a um único empreendimento. Por vezes, o mercador sedentário especificava o destino e as mercadorias que deveriam ser trazidas para vender no mercado onde estava sediado.

À medida que o comércio externo se expandiu e as práticas comerciais se tornaram padronizadas surgem associações comercias, verdadeiras companhias com vários sócios, que permitiam fornecer o capital com que os mercadores podiam viajar para o exterior para vender e comprar as mercadorias. Estas companhias mantinham sucursais, tinham os seus próprios navios, carruagens e caravanas. Alguns agrupamentos de artesãos conseguiam exportar directamente os seus produtos para outras regiões, o que implicava alguma especificação e produção suficiente para fornecer o mercado externo.

O papel das cidades como intermediários comerciais aumentou significativamente. As civilizações urbanas dependiam do fornecimento regular de matérias-primas que trocavam por produtos de origem vegetal ou animal. No Mediterrâneo, a excelente localização das ilhas do Mar Egeu encorajou os seus habitantes a exercer actividades marítimas e comerciais, evidenciadas pelo desenvolvimento de importantes centros urbanos mercantis.

O papel desempenhado pelos transportes foi essencial para a expansão do comércio externo. O desenvolvimento das embarcações e de outros meios de transporte, durante os séculos XV e XVI, contribuíram para a rápida expansão de novas rotas oceânicas que possibilitaram, pela primeira vez, relações comerciais intercontinentais. O comércio externo proporcionou então as maiores oportunidades para um rápido progresso comercial, sendo nessa esfera que se formaram as maiores fortunas. Com a expansão colonial registou-se um extraordinário incremento das trocas mundiais. A importância do comércio externo conduziu ao estabelecimento de monopólios estatais, sendo frequentemente confundidas as funções de embaixador e representante comercial.

No Egipto, o comércio externo competia ao Estado, embora os templos realizassem operações comerciais. No III milénio a. C., as rotas comerciais que atravessavam a área entre o rio Nilo e o Mar Vermelho traziam artigos de regiões distantes. O país mantinha por esta via contactos com o mundo asiático.

Nos países do Médio Oriente, situados no itinerário comercial que ligava os países mediterrâneos aos asiáticos, o comércio tornou-se uma importante fonte de riqueza principalmente para as cidades costeiras e para as que se situavam na confluência das rotas terrestres. Estabeleceram-se importantes redes comerciais com diversas regiões que permitiram o acesso a bens de origens muito remotas.

No Sudeste Asiático, II milénio a.C., funcionava já uma rede de comércio marítimo abrangendo o Mar da China e a costa leste da Índia e que se deve ter desenvolvido a partir das comunidades piscatórias costeiras. O comércio marítimo de longa distância, desenvolvido no I milénio a.C., ligava os portos meridionais chineses ao Oceano Índico e era efectuado por mercadores indianos e iranianos.

Na Grécia, os comerciantes criaram entrepostos comerciais e o comércio helénico conheceu uma grande expansão graças à colonização. As cidades gregas ultrapassaram o quadro assente na agricultura e ocuparam, durante algum tempo, uma posição no comércio externo altamente favorável.

A unificação política crescente dos países mediterrâneos, conduzida pelo Império Romano, deu origem à deslocação de algumas rotas marítimas e a utilização de novos portos. Porém, Roma baseou o seu comércio externo nas importações que transformaram a Itália num país parasita, vivendo dos tributos extorquidos aos povos vencidos. O comércio de longa distância encontrava-se basicamente na mão das cidades de Veneza e Génova. O comércio internacional ligou, através de rotas comerciais por via terrestre e por via marítima, a Índia a Roma, desenvolvendo-se intensas transacções entre as duas regiões. Roma importava artigos caros e exportava mercadorias de menor valor insuficientes para manter o equilíbrio da balança comercial, o que motivava uma inevitável a exportação de moeda. Este comércio diminuiu com declínio do Império Romano e a insegurança crescente das rotas. Porém, enquanto durou, desempenhou um grande papel histórico e cultural.

No início da nossa era existia um importante comércio entre o Próximo Oriente e os centros produtores e distribuidores da Ásia. Na China, a extensão da via terrestre possibilitou o crescimento das permutas com as comunidades da Ásia Central. As exportações e importações chinesas seguiam pela via terrestre da Rota da Seda até Roma, por onde decorria uma activo comércio intercontinental, virtualmente monopolizado pelos comerciantes iranianos. Nas transacções praticadas pelas tribos nómadas asiáticas eram utilizados também itinerários menos frequentados.

No florescente comércio de longa distância do século X, os mercadores muçulmanos ocupavam um lugar de grande destaque no comércio internacional. O desenvolvimento desse comércio deveu-se em parte à localização geográfica que permitia controlar as rotas do comércio internacional. Mas o factor mais importante que contribuiu para a prosperidade desse comércio talvez se deva à atitude favorável do Islão em relação ao comércio e ao aumento da procura de bens de primeira necessidade e de produtos de luxo na nova sociedade urbana. No século XI, Meca transformou-se numa cidade caravaneira, que combinava as peregrinações com as feiras. As suas actividades comerciais estendiam-se desde o comércio local até ao grande tráfego internacional.

Na China, o comércio externo por via marítima fazia-se com a presença de comissários nos barcos, os quais acumulavam as funções de superintendentes, encarregados dos fundos, inspectores alfandegários ou de polícia. Desde o século X que os geógrafos chineses tinham conhecimento das margens do “mar ocidental”. No séc. XVII, com o fim de encorajar o comércio externo, o governo chinês estabeleceu postos alfandegários e ordenou a redução ou isenção dos impostos aplicados aos navios mercantes estrangeiros. No século seguinte, o comércio externo desenvolveu-se de facto.

Desde o princípio do I milénio a.C. que os reinos árabes mantinham relações regulares com a costa oriental de África, sem contudo penetrarem no interior. No século I d.C., as populações da África Oriental mantinham contactos comerciais com o Médio Oriente e regiões do Índico. Estes laços multiplicaram-se desde o século VII quando parte da população se converteu ao islamismo e os portos de Zamzibar e Melinde se transformaram em centros de comércio. Nas cidades costeiras instalaram-se árabes e persas que em conjunto com as populações locais deram origem à civilização suaíli que nasceu, se desenvolveu, prosperou e decaiu graças ao comércio. Intensificou-se nesta época o tráfego aurífero transportado por via terrestre desde o planalto do Zimbabwe até à costa de Moçambique. O crescimento uma comunidade comercial nativa nas regiões do interior foi lento e parcial, sendo o comércio com a costa conduzido através de muitos intermediários. Existia uma simbiose regional entre a costa e o interior no seio da qual se procedia à troca de bens e alimentos. Este intercâmbio assentava na distribuição de produtos naturais, designadamente sal e ferro, na abundância de peixe e na dissemelhança de nichos ecológicos observados tanto na agricultura como na pecuária. Cidades caravaneiras situadas no norte de África eram pontos de partida do comércio com a África negra. No negócio transdesértico os verdadeiros senhores não eram os mercadores negros, mas os príncipes berberes do Magreb, que organizavam as caravanas, reuniam as mercadorias e as entregavam por intermédio dos seus agentes ou dos vendedores locais. Só eles conheciam o custo dos produtos, os preços de compra ou venda, o valor do ouro e dos escravos, os custos aproximados do transporte e dos seus riscos; só eles estavam em condições de calcular razoavelmente as margens de lucro e as modalidades de troca a realizar em seu favor. O comércio transariano revestiu-se da maior importância, assistindo-se ao despontar de verdadeiras comunidades mercantis. Este tráfego cedo fez despertar uma especial vocação de certos grupos étnicos para os negócios. Os chefes, senhores do ouro e de escravos, participaram laboriosamente no comércio, que manipulavam em proveito próprio. Na África Setentrional, século VI d. C., o comércio e a economia monetária revelavam grande vitalidade. A cidade de Cartágo tornou-se a maior potência comercial do oeste mediterrânico, posição que manteve durante vários séculos. A classe dos comerciantes tornou-se tão poderosa que frequentemente lhe era confiada a direcção dos negócios políticos.

Os navegadores portugueses ao chegarem à costa oriental de África observaram a existência dum comércio florescente em que se negociava o ouro, o ferro, o marfim, tecidos de algodão, seda, escravos, porcelanas, etc. Em meados do século XV os primeiros entendimentos com os chefes africanos para o estabelecimento de trocas comerciais pacíficas ocorreram sem qualquer plano prévio ao sabor da maior ou menor habilidade dos capitães e negociantes.

Em África, no século XVI, a proximidade da Europa, e o seu renascimento económico, teve implicações directas no sistema de comércio mediterrâneo. A intensificação deste comércio estendeu-se também ao mundo árabe oriental, bem como aos países do Sara, o que permitiu aos países do norte de África juntarem-se aos circuitos económicos internacionais e contribuiu para o crescimento económico, a consolidação das estruturas dos estados e o alargamento da sua base social. A Europa instalou um grande número de postos de comércio, adaptando os mercados domésticos tradicionais e sujeitando-os a regras comerciais estabelecidas. Esta política teve um impacto decisivo sobre as economias locais na sua interacção com os padrões vigentes no Mediterrâneo. A África Ocidental caracterizou-se pelo aparecimento dum comércio costeiro atlântico, baseado sobretudo na troca de escravos, ouro e marfim por armas de fogo, tecidos, ferro, álcool, bugigangas e outros produtos. Na África Oriental, as navegações árabes desceram até Moçambique, onde estabeleceram rendosas trocas comerciais com as populações que procuravam escoar os seus próprios produtos.

Na Arábia, século XVI, o comércio externo incluía as suas próprias importações e exportações e as mercadorias em trânsito que passavam pelos seus portos, através do Mar Vermelho que era o principal canal de comércio, o que motivou uma intensa luta pela supremacia entre as forças otomanas e europeias. Este trânsito permitia receber um enorme montante de rendimentos como direitos alfandegários.

Sob a protecção otomana, em meados do século XVI, os países do Médio Oriente começaram a receber mercadorias indianas, através de rotas de caravanas, revivendo em grande escala o comércio de especiarias. As cidades recuperaram a prosperidade doutros tempos, conseguindo mesmo expandir-se. Tinham, porém, de partilhar os seus lucros com o Império Otomano que lhes impunham uma pesada carga fiscal. Os privilégios comerciais concedidos às nações europeias facilitaram a expansão comercial, utilizando-se o sistema de troca directa ou o pagamento em moedas de prata.

Na Europa, século XIV, o comércio longínquo era particularmente lucrativo quando se tratava de artigos de luxo, tanto transportados por terra como pelos grandes rios. A expansão dos países ibéricos abriu o Atlântico nos séculos XV e XVI aos fluxos do comércio com países exóticos e deslocou o eixo das economias mercantis para uma posição oceânica. No século XVI, o controlo do comércio no Oceano Índico, exercido pelos holandeses, baseava-se num sistema de “passes”, com emissão sujeita a pesados tributos, aplicado por rápidos navios armados que patrulhavam os mares, confiscando os navios que não tivessem obtido permissão ou que transportavam mercadorias proibidas. Os navios com canhões montados e velocidade elevada representavam um novo fenómeno no Oceano Índico. Na Europa, século XVIII, a procura externa exercia uma forte influência sobre o desenvolvimento do comércio, devido ao espectacular crescimento do novo colonialismo, instituído nas Américas no século anterior, ao processo de integração do mundo asiático na órbita dos interesses europeus e à alteração da estrutura do comércio com as colónias, baseado num conceito de pacto colonial que as subordinava aos interesses dos colonizadores. Na Europa as relações inter-regionais envolviam a quase totalidade do continente europeu, em parte motivada pela procura de minérios. Na Europa Setentrional, existia um comércio por troca directa com os afamados fornecedores de peles.

O comércio com a América Central e regiões adjacentes desempenhou um papel determinante na troca de ideias e de técnicas. Bens e serviços gerados nos centros de produção da América do Sul eram distribuídos em todas as regiões periféricas nos mercados e por mercadores que transportavam as mercadorias através de grandes distâncias. Na América do Sul, no século XVIII, as leis que liberalizaram o comércio proporcionaram a abertura de novas rotas marítimas e de novos portos espanhóis e, ao mesmo tempo, intensificou-se o comércio entre algumas regiões americanas.

Na Oceânia, século XVI, a vida económica envolvia mais do que a produção de subsistência. A maioria das comunidades estava empenhada no comércio de utensílios, artefactos decorativos e simbólicos. As rotas de comércio aborígene abarcavam o continente.