ANTECEDENTES DO CAPITALISMO

ANTECEDENTES DO CAPITALISMO

Carlos Gomes

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5 – RELAÇÕES FINANCEIRAS

5.1 – ACUMULAÇÃO DE CAPITAL

A acumulação primitiva do capital é um processo histórico que precedeu a formação da produção capitalista, retirou os meios de produção das mãos dos produtores e converteu-os gradualmente em trabalhadores assalariados. Este fenómeno foi acompanhado da ruína de grande parte dos produtores directos, sobretudo agricultores, e da sua transformação em indivíduos despojados dos seus bens, juridicamente livres, mas carentes de meios de subsistência e, consequentemente, forçados a vender a sua força de trabalho.

A acumulação primária caracterizou-se também, não simplesmente pela transferência de propriedade duma classe antiga para uma nova, mas pela transferência do património dos pequenos proprietários para a burguesia em ascensão. As dificuldades económicas, em diversos períodos, de senhorios colocados na posição de vendedores em épocas de crise e arrastados à hipoteca e à dívida facilitaram a compra da terra em condições favoráveis pela burguesia. A queda dos valores da terra foi seguida por um período de crise na actividade agrícola dos proprietários senhoriais. A propriedade mudou de mãos em escala considerável e a burguesia adquiriu novas formas de riqueza. A maior parte dos investimentos em propriedades, pelos mercadores e corretores, tornou-se especulativa. Os mesmos terrenos eram vendidos posteriormente em parcelas. Os primeiros donos da terra urbana vendiam-na ou arrendavam-na por montantes elevados, constituindo assim uma provável fonte de acumulação de capital nos séculos XIII e XIV.

Em síntese, com o processo de acumulação primitiva criaram-se as condições necessárias ao nascimento do capitalismo, através da expropriação das terras e dos meios de produção dos camponeses e dos artesãos, transformados num proletariado que dispõe apenas da sua força de trabalho, e através da expansão de uma classe burguesa que concentra nas suas mãos a propriedade dos meios de produção.

O processo de formação inicial do modo de produção capitalista foi caracterizado por uma forte acumulação de capital sob as suas formas produtiva, comercial e financeira. São diversos os modos pelos quais uma classe pode aumentar a sua posse de riqueza durável, numa fase de acumulação. O método de poupança de renda tem sido encarado como uma forma de acumulação, a par doutros, tais como: alugueis urbanos aumentados; inflação de lucros devido a mudanças monetárias; abertura de alguns canais comerciais; aquisição de um tipo determinado de propriedade quando se torna excepcionalmente barata e realizá-la mais tarde quando o valor do mercado estiver mais alto.

Numa segunda fase de acumulação, como processo de realização, os objectos de acumulação inicial eram realizados ou vendidos para tornar possível um investimento real na produção industrial, adquirir ou criar máquinas, edifícios fabris, matérias-primas e força de trabalho. Eram condições essenciais par o investimento industrial a existência de uma reserva abundante de mão-de-obra, a facilidade de acesso a suprimentos de matérias-primas, de condições para a aquisição de ferramentas e maquinaria.

Por meio da exploração comercial, um excedente ocorria ao capital mercantil à custa dos artesãos urbanos, do produtor camponês e até mesmo à custa do consumidor aristocrata. Uma parte da renda ou da acumulação senhorial passava para as mãos burguesas. O comércio grossista permitia grandes oportunidades de ganho muito superiores à que os produtores ou pequenos comerciantes poderiam atingir.

Seguiu-se a acumulação sucessiva de riquezas monetárias nas mãos de determinados homens de negócios, riquezas necessárias para erigir empresas capitalistas. O capital começou a acumular-se a partir de lucros comerciais ou de valores da terra urbana. Além disso, descortinou-se um novo panorama de aumento próspero através dos frutos da usura praticada, por um lado, contra os pequenos produtores necessitados e, por outro lado, contra a nobreza decadente e as necessidades insaciáveis dos soberanos. No primeiro caso, o desfecho foi a proletarização numa escala sempre crescente. No segundo tipo de transacção, o enriquecimento do usurário corresponde a uma transferência final dos bens da antiga classe dominante para a nova. No capital usurário a forma D-M-D’ é abreviada para D-D’, dinheiro que se troca por mais dinheiro e, portanto, inexplicável do ponto de vista da troca de mercadorias.

Uma condição essencial da acumulação de capital é que o capitalista tenha conseguido vender as mercadorias e transformar o dinheiro assim obtido em capital. A acumulação de capital resulta da transformação de grande parte da mais-valia em capital e do seu emprego para voltar a produzir, em vez de o capitalista o aplicar apenas no seu consumo individual. Na realidade, a mais-valia destinada à produção decompõe-se em meios de produção e em capital variável. É um mecanismo pelo qual o capital aumenta, ou seja, ultrapassa o nível da reprodução simples, ou da sua amortização, e assume a característica duma reprodução alargada. Os factores que contribuem para aumentar a mais-valia incrementam a acumulação do capital A tendência fundamental deste processo tem como consequência um desenvolvimento das forças produtivas, uma concentração do capital entre um número de proprietários cada vez mais restrito e uma alteração da composição orgânica do capital.

A acumulação ampliada de capital é uma categoria qualitativamente diferente da acumulação primitiva. É um processo que acompanha a formação do trabalho assalariado e a formação do capital. Pressupõe a existência de mais-valia e esta, por sua vez, a existência da produção capitalista. Na acumulação extensiva o crescimento do capital efectua-se por vagas sucessivas num campo alargado, sem alteração significativa das condições de produção. Na acumulação intensiva o crescimento do capital é acompanhado de uma transformação rápida do processo de produção, de que resultam importantes ganhos de produtividade pela utilização de novos meios técnicos.

A nível estatal, os instrumentos de política governamental desempenharam um papel importante na formação da acumulação de capital, designadamente através de meios de coacção directa. Tiveram grande influência, na reunião de grandes capitais na mão dum número reduzido de indivíduos, os empréstimos estatais, o sistema tributário, a política proteccionista e as leis estatais que limitavam os salários dos operários e estabeleciam prolongadas jornadas de trabalho. Entre as influências poderosas que promoviam a acumulação burguesa estavam o crescimento das instituições bancárias. A colecta de impostos era uma actividade suplementar muito lucrativa dos mercadores.

A introdução da máquina revelou-se duma importância decisiva como fonte de acumulação acelerada de capital por causa dos extraordinários lucros que ajudou a produzir. Este efeito atraiu, para as áreas de produção mais favorecidas, uma grande parte do capital adicional estimulado pelos novos investimentos.

As crescentes necessidades financeiras do Estado conduziram à formação da dívida pública que se tornou numa das mais poderosas alavancas da acumulação de capital. A dívida do Estado impulsionou as sociedades por acções, o comércio com títulos negociáveis, a agiotagem ou o jogo da Bolsa. Com as dívidas do Estado surgiu um sistema de crédito internacional que frequentemente esconde uma das fontes da acumulação original.

Os lucros fáceis, auferidos com o comércio exterior, o tráfico de escravos e a expansão das comunicações terrestres e marítimas, originaram, numa fase inicial, uma relativa pouca atenção ao crescimento da indústria. O investimento em empreendimentos industriais ocorre numa fase posterior com a expansão dos mercados coloniais. A popularidade crescente das sociedades por acções demonstrava a disponibilidade de fundos para investimento e, bem assim, a vontade de investir nessa forma de acumulação de riqueza.

Concluindo, o objectivo da produção capitalista é a procura do maior lucro possível e quanto maior for o capital mais elevados são os lucros, pelo que a acumulação é um dos meios para atingir esse fim. Esta característica distingue o capitalismo dos anteriores sistemas.

Na Europa, século XVI, as regulamentações laborais, as novas leis alfandegárias, a modernização da indústria têxtil e a formação de companhias comerciais foram colocadas ao serviço do objectivo último que foi a acumulação de capitais e o reforço do papel do Estado.