Tesis doctorales de Economía


O SETOR IMOBILIÁRIO INFORMAL E OS DIREITOS DE PROPRIEDADE: O QUE OS IMÓVEIS REGULARIZADOS PODEM FAZER PELAS PESSOAS DE BAIXA RENDA DOS PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO

Krongnon Wailamer de Souza Regueira


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5.2 A CRÍTICA CONTUNDENTE DE PAUL MATHIEU

A primeira crítica que teve uma maior repercussão, inclusive com respostas ríspidas por parte de De Soto, partiu de Paul Mathieu, no Forum for Development Studies, realizado na Noruega em 2002. MATHIEU (2002, p.367) inicia seu trabalho afirmando que possui alguns pontos em comum com De Soto no que tange às políticas e projetos de desenvolvimento das zonas rurais:

Hernando de Soto´s publications have offered some fundamental insight into rural development policies and projects. To me, the most important point is the following: the poor need access to the world of written and legal information in order to improve their position in society, to be able to invest some of their assets more freely and more effectively, and eventually, if these investments are successful, to generate more wealth and income. Another important point that has already been studied by some social science scholars during the last ten years is that property is first and foremost a social relationship and, consequently, land tenure issues deal first with meanings rather than things or legal rights.

Para MATHIEU (2002), cujos trabalhos anteriores também focaram a questão fundiária, o acesso à terra e a segurança jurídica são dois temas de suma importância para as camadas mais pobres que residem na área rural. Em primeiro lugar, o acesso à terra, quando encaminhado de forma segura e respeitando as leis existentes, oferece uma boa base para que se obtenha o retorno sobre todos os investimentos realizados na propriedade. Por último, os direitos de uso da terra fundamentados em costumes locais, estão se tornando problemáticos e inseguros devido principalmente à escassez de terras e ao maior envolvimento dos produtores no mercado internacional de produtos primários.

Após ressaltar os pontos em comum com o trabalho de De Soto, MATHIEU (2002) destaca alguns itens nos quais discorda, e coloca duas questões fundamentais:

(1) Será que os informais possuem habilidade, competência e estão preparados e dispostos a se tornarem empresários se os seus ativos forem incorporados ao sistema legal de propriedade? Para Mathieu, nem todos os pobres dos países em desenvolvimento reúnem tais características, o que invalida parte das premissas de De Soto.

(2) Os títulos de propriedade sobre a terra não representam uma condição suficiente ou necessária para que tenha início o processo de criação de um mercado de terras, assim como não garantem a expansão do investimento na agricultura.

Não basta apenas a legalização dos ativos que pertencem aos empresários informais para que a economia alcance um alto grau de desenvolvimento, como destaca MATHIEU (2002, p.368): “Investment, growth of agricultural production, rural markets of factors and the future distribuition of land assets interlinked; economic, social and political processes represents particular interests and can have specific consequences in these processes”. É quase um consenso entre os autores, como afirma ADELMAN (2000), que apenas um único fator não pode provocar isoladamente o crescimento da economia.

Em seu livro introdutório de economia, MANKIW (1999) ilustra os dez princípios básicos da ciência econômica. O princípio quatro explica que as pessoas respondem aos incentivos. Os agentes econômicos reagem a cada restrição imposta, seja pelas leis do mercado, pela legislação formal ou informal. EASTERLY (2004, p.10) analisa de que forma empresas privadas, funcionários do governo, indivíduos e mesmo os doadores de ajuda financeira reagem a incentivos:

[...] pesquisas mostram que nem sempre, no nível individual, o crescimento econômico da sociedade é compensador para funcionários do governo, doadores de ajuda, empresas privadas e grupos familiares. Freqüentemente os incentivos os conduzem a outras e improdutivas direções.

Para MATHIEU (2002, p.368) as relações de poder entre os diversos grupos são de fundamental importância para explicar qualquer mudança mais profunda que venha a ocorrer:

Experience shows that power relationships and State institutions (and their relations with the rural and non-rural elites) play a central role in these processes. [..] These decision makers who intervene in this formalization process are political players and they have vested interests in land ownership.

NORTH (1981, 1990) destaca a importância dos grupos de interesse, e demonstra que quando maior a força dos governos em estabelecer leis que resultem em desestímulo à criação de riqueza, mais ineficiente será a estrutura de direitos de propriedade. Ao se referir ao sistema político sugerido por North, GALA (2003, p.97) afirma que: “Um sistema político ideal seria aquele que produzisse uma estrutura de propriedade que maximizasse o produto econômico de uma sociedade”. A crítica de Mathieu é pertinente, principalmente em países cujas elites possuem seus representantes em todas as esferas públicas e governamentais, inclusive no poder judiciário, e que utilizam todos os mecanismos possíveis para defender seus interesses.

Mesmo tendo sido eleitos por uma ampla maioria, os políticos tendem a defender os interesses daqueles que financiaram suas campanhas. Estas elites não deixariam os políticos tomadores de decisões fazerem algo que provocasse redução nos benefícios, políticos ou pecuniários, que almejam obter. Os políticos sabem que, se contrariarem os interesses daqueles que o apoiaram, é bem provável que percam apoio, tanto político como financeiro, na próxima eleição. Desta forma, os políticos, apesar de eleitos pelo voto popular, tendem a traçar seu comportamento em prol da defesa dos interesses dos grupos que os apoiaram (TULLOCK et al., 2005).

Ao analisar a estrutura fundiária da África, MATHIEU (2002) enfatiza três características que, por sua natureza, dificultariam a implantação das medidas propostas por De Soto:

- A terra é um fator escasso, negociada em um mercado imperfeito, muitas vezes informal, confuso e desregulado. Quando existe alguma forma de regulação, esta se dá através de instituições fracas ou de pouca credibilidade;

- No mercado de terras, a demanda é consideravelmente maior do que a oferta, porém ambas freqüentemente estão profundamente arraigadas em relações sociais, que não são tão visíveis, como práticas econômicas aceitáveis;

- As partes diferem em sua capacidade de agir de forma estratégica, haja vista que possuem diferentes competências e capacidade para entender e praticar as regras em mercados com alto grau de imperfeição.

Conforme sugere MATHIEU (2002), esta junção de mercados fracos e imperfeitos, as restrições provocadas pela diversidade cultural existente em uma mesma região e a forma como os agentes lidam com as regras, põem em cheque muitas das afirmações de De Soto. Em muitos destes países, uma família pode ocupar uma área por décadas, com a terra sendo distribuída entre os herdeiros sem que haja nenhuma documentação comprovando a propriedade da mesma ou a forma como se deu a transação. Cada nação africana possui uma diversidade étnica e cultural significativa, com línguas, religiões e costumes diferentes. Torna-se complicado criar uma regra geral que se pretenda ser seguida da mesma forma por todas as tribos, sendo que muitas delas são inimigas seculares, já tendo inclusive travado guerras sangrentas (MATHIEU, 2002).

Os direitos de propriedades, caso fossem aplicados, ficariam restritos aos membros da própria tribo ou às pessoas que mantivessem boas relações com esta, pois uma pessoa de uma tribo rival dificilmente seria aceita como proprietária naquela região. A impessoalidade que caracteriza as trocas de direitos de propriedade não estaria presente nesta situação. Países latino-americanos possuem, com maior freqüência, uma unidade lingüística e religiosa, havendo pouca margem para a ocorrência de tais fatos. Contudo, no continente africano, as dificuldades relatadas por Mathieu são freqüentes, o que reduz o sucesso das idéias De Soto, caso estas venham a ser aplicadas.

Em um estudo sobre o controle da propriedade pelas famílias nas áreas rurais da Etiópia, FAFCHAMPS e QUISUMBING (2002, p.48-49) mostraram a influência da religião e do casamento na distribuição das terras e na intra-alocação de riqueza nas famílias. Os costumes de cada etnia chocam-se com as leis, e a mulher é marginalizada na sociedade etíope, assim como na maioria dos países africanos:

Contrary to advanced economies where patrimonial laws regarding the control and ownership of assets within households are relatively and well known, poor countries are characterised by a mix of state and customary legal systems which singularly complicate analysis. This is particular true of patrimonial law where legal principles inherit from colonial times or introduced by enlightened elites often conflict with traditional practices and customs, especially in rural areas. The end results in a complex and opaque system in which the rules determining the ownership, control e disposition of productive assets within household vary with location, ethnicity, and religion with the same country.

A Etiópia foi escolhida, segundo os autores, por ser o terceiro país mais populoso da África, por sua diversidade étnica, com cerca de 85 grupos diferentes e pela diversidade religiosa, onde todas as principais religiões do planeta estão representadas. Como relata MATHIEU (2002), existem sistemas de crenças locais baseados em espíritos que governam todas as coisas . Este é um pequeno exemplo das dificuldades de implementação das idéias de De Soto, que propõe a criação de um novo sistema jurídico, que incorpore o que existe de melhor nas regras utilizadas pelos informais juntamente com o que pode ser aproveitado na lei criada pelas elites. Espera-se que em países com tantas etnias e costumes diferentes, dificilmente encontrar-se-ão regras informais homogêneas que possam ser aplicadas a todas as tribos sem a criação de conflitos. As idéias de De Soto poderiam ser aplicadas mais facilmente em países onde houvesse uma certa homogeneidade étnica e cultural, mas dada a diversidade de algumas culturas, como a africana e a asiática, a implementação das mesmas apresenta uma série de obstáculos.

Mesmo dentro de uma tribo existem formas de discriminação, sendo a de gênero muito comum em alguns países. As tentativas de modificar as leis para reduzir as discriminações sofridas pelas mulheres esbarraram nas tradições e costumes locais, tornando-se inócuas (FAFCHAMPS; QUISUMBING, 2002, p.50):

[...] in spite of considerable political turmoil over the last decades, legal reform has only had a limited impact on local traditions regarding patrimonial issues. For example, the 1960 Civil Code gave women more rights than their contemporaries in the United States or Unites Kingdom. However, the civil code maintained the age-old tradition of dispute settlement by personal arbitrated, normally older man within the family or community selected by the disputants. The arbitrators, unfamiliar with or unsympathetic to the new laws, continued to apply old customary laws. […] The major exception is the distribution and control of land for which the Ethiopian state has played a dominant role through the centuries.

Não seria nada fácil tentar combinar os diversos sistemas informais baseados em costumes e tradições com o código legal, ainda que muitos destes costumes tenham se modificado com o passar do tempo em decorrência do maior contato com as regiões mais urbanizadas. Os costumes arcaicos persistem nas regiões mais afastadas, dificultando qualquer tentativa de aceitação repentina de um código formal de leis.

KRUECKEBERG (2004, p.4) cita os conflitos que surgem com são concedidos títulos de propriedade, e também ressalta as dificultadas enfrentadas por mulheres solteiras e mulheres com crianças no mercado imobiliário da África do Sul: “Single women and women with children are often not welcome and have to make special rental arrangements as lodgers.“

Em alguns países ainda prevalece o sistema de castas. Na Índia, pessoas consideradas como pertencentes a uma casta inferior, como os dalits , não podem casar ou manter contato físico com outras de uma classe considerada superior. Os dalits moram em lugares mais afastados, com pouca infra-estrutura e, até a década de 50, eram obrigados a utilizar sinos para que as pessoas percebessem a sua chegada e pudessem se afastar. Menos de 31% dos dalits têm energia elétrica em suas casas, mais de 50% vivem abaixo da linha da pobreza e 85% não possuem terras. Aos dalits são destinados os piores trabalhos , e o governo indiano, para protegê-los, estabelece um sistema de cotas onde lhes é reservado um percentual de empregos públicos (RITS, 2005).

Um país que adota costumes segregacionistas termina por cercear a liberdade de grupos ou etnias considerados inferiores que possuem, pela sua própria condição social, reduzido poder de barganha. Estes grupos discriminados dificilmente terão acesso à propriedade nas mesmas condições que as castas consideradas superiores e, mesmo dispondo de propriedades, ainda assim o escasso poder de barganha que possuem reduzirá suas possibilidades de obter uma maior renda. É pouco provável que os brâmanes, classe considerada superior, composta por sábios, filósofos e educadores, aceitem transacionar em condições de igualdade com os dalits. Tanto na Etiópia como na Índia, as idéias de De Soto, teriam seus efeitos potenciais consideravelmente reduzidos, em decorrência de costumes e tradições locais.

As mudanças nas regras informais ocorrem com muita lentidão e demoram a ser percebidas pela sociedade, ao contrário das mudanças nas regras formais, como enfatizou NORTH (1981, 1990). Em países com altas taxas de analfabetismo, as mudanças ocorrem de forma mais lenta, principalmente em lugarejos mais afastados das cidades e dos mercados (MATHIEU, 2002).

As mudanças nas leis sem as modificações dos costumes e regras informais terão um caráter inócuo e de alcance reduzido. As mesmas regras informais que garantem a existência de um grande setor imobiliário que funciona à margem de todo o sistema legal, também irão dificultar a passagem para um sistema que pretenda abolir a informalidade. O mundo da informalidade, operando à margem da lei, movimentando uma considerável soma em recursos e abrigando grande parte da população dos países em desenvolvimento só sobrevive porque existe uma estabilidade institucional, mesmo que as regras não estejam codificadas e sejam diferentes em cada comunidade.

O acesso à terra nos países em desenvolvimento vem se modificando em virtude dos financiamentos realizados pelos países desenvolvidos e projetos de agências internacionais de cooperação e desenvolvimento. Ao financiarem os países mais pobres, os órgãos de fomento exigem mudanças institucionais e modificações em relação à questão fundiária. A intervenção destes financiadores e consultores pode influenciar, direta e indiretamente, quem ganha e quem perde e, sobretudo, como e quanto os mais pobres ganharão ou perderão. As diferenças entre os grupos e os indivíduos em termos de sua capacidade de atuar estrategicamente gera importantes conseqüências na sociedade quando as regras do jogo estão sendo modificadas.

Os elevados níveis de analfabetismo dificultam a assimilação do mundo dos documentos escritos e legalizados, mesmo para advogados e juristas, pois as regras nem sempre são claras. MATHIEU (2002), traçando um paralelo com um provérbio africano , afirma que as elites (crocodilos) entendem facilmente o funcionamento das leis e sabem tirar partido quando estas sofrem mudanças, porém os peixes pequenos nem sempre estão conscientes de tal mudança. DE SOTO (2001) afirma que alguns estudiosos do tema consideram os habitantes dos países em desenvolvimento menos capazes de assimilar as mudanças na legislação, e com isso, poucos benefícios poderiam ser obtidos com tais alterações na estrutura de direitos de propriedade. De Soto não considera o baixo nível de escolaridade, sobretudo nas áreas rurais, como um obstáculo para a implantação e o bom funcionamento de um arcabouço jurídico que regularize os ativos imobiliários nas mãos dos informais.

Ao não considerar o baixo nível educacional dos informais, De Soto superestima sua capacidade de assimilação e adesão às novas regras. A pouca educação escolar associada às normas informais, permeadas de tabus e preconceitos, torna o processo de conversão do capital morto em capital vivo bem menos eficaz. Neste caso existirá um tipo de informação assimétrica que não ocorreria em outro contexto, ou seja, caso os proprietários de imóveis informais possuíssem maior nível médio de escolaridade e pudessem entender melhor, ou buscar mecanismos para compreender as mudanças na lei.

Existiriam algumas pré-condições, segundo MATHIEU (2002), para que as idéias de De Soto pudessem alcançar os resultados almejados no que diz respeito à melhoria do padrão de vida das pessoas mais pobres, que residem em imóveis não legalizados:

(1) O Estado deve ser capaz e, simultaneamente, desejar constituir novas instituições que controlam a questão fundiária e que sejam amplamente acessíveis a toda a população, incluindo os mais pobres e não-alfabetizados;

(2) É necessário que a maioria dos pobres, e não somente uma pequena parte deles esteja capacitada e queira aderir de forma bem sucedida ao sistema dos direitos e instituições legais;

(3) O Estado deve possui funcionários qualificados para implementar o novo regime de administração fundiária e se manter estável, firme e dedicado ao interesse da maioria. Desta forma, o Estado será capaz de alterar as regras do jogo em relação ao acesso à propriedade legal da terra, fazendo com que estas sejam aplicadas.

Assim, para MATHIEU (2002), a teoria de De Soto só é valida se e somente se estas três condições estejam simultaneamente presentes. Destarte, o investimento nas áreas rurais poderia ganhar um grande estímulo, beneficiando a população pobre com aumento na sua renda.

Um outro aspecto que MATHIEU (2002, p.370) destaca é a ênfase que De Soto dá na generalização dos direitos de propriedade, sem analisar as pré-condições existentes para que a propriedade da terra possa ser formalizada:

The question of access to the information, institutions and procedures of formalization is indeed fundamental, as De Soto rightly stresses, but the conditions to make this information simpler and widely accessible are far more complicated than just simplifying the law and procedures. Without the right conditions – cultural, social, political (governance and accountability, human resources, etc. – the simplifications procedure will not ensure greater wealth for all and may not benefit to the majority of the rural poor.

Em suas duas obras, De Soto busca convencer seus leitores de que a implantação de um sistema de leis eficiente, que garanta o fácil acesso à propriedade para todas as classes sociais, principalmente aquelas de menor poder aquisitivo, não enfrentará grandes obstáculos. Tal raciocínio apresenta falhas, pois não considera a influência das instituições pré-existentes. Não apenas a criação de uma boa lei, mas também a fiscalização e aplicação da mesma para todos os indivíduos, sem discriminação, é condição fundamental para que o desejado aumento de renda dos menos favorecidos possa ser alcançado.

Para fazer uma transição suave do sistema extralegal para o sistema legal e formal, seria necessária a substituição do atual sistema, que MATHIEU (2002) considera muito complexo, pouco acessível e, freqüentemente, não adaptado às necessidades dos informais. Este sistema atual seria substituído por um outro, cujos procedimentos legais sejam simultaneamente simples, de fácil acesso e legítimos para os seus beneficiários. Para que tal sistema seja bem sucedido, será necessário, utilizando a metáfora de Hernando de Soto, que a maioria das pessoas esteja capacitada a atravessar a ponte que separa o mundo da informalidade do mundo da propriedade legalizada. Conforme ressalta MATHIEU (2002, p.370), as leis criadas para regularizar a propriedade imobiliária devem incorporar procedimentos que davam sustentação ao outrora setor extralegal: “In order do ensure (cross the bridge) this, the legal sector must be build on the same ‘social contract’ as the one that is effective, stable and meaningful in the extralegal sector”. Neste ponto o pensamento de Mathieu e De Soto converge.

O simples transplante de leis bem sucedidas em outros países desenvolvidos para resolver o problema da informalidade não funcionaria adequadamente, e o próprio De Soto reconhece esta limitação. É necessário incorporar o conjunto de instituições existentes na economia informal ao novo sistema legal. A despeito das restrições às quais os imóveis informais estão sujeitos, os seus detentores vêm ao longo dos anos criando regras informais que garantem o seu funcionamento.

As leis formais podem ser modificadas com relativa rapidez, porém as normas informais mudam com maior lentidão. As tentativas de transplantar legislações que alcançaram êxito em países desenvolvidos não foram bem sucedidas nos países latino-americanos, como demonstra NORTH (1997, p.25):

Since it is the norms (informal) that provide the essential ‘legitimacy’ to any set of formal rules of another society, revolutionary change is never as revolutionary as its supporters desire, and performance will be different than anticipated. More than that, societies that adopt the formal rules of another society (for example, the adoption by the Latin America countries of constitutions similar to the United States of America) will have very different performance characteristic than the original country because both the informal norms and the enforcement characteristics will be different. Them implication is that transferring the formal political and economic rules of successful Western market economies to Third World and Eastern European economies is not a sufficient condition for good economic performance.

A terra está se tornando cada vez mais escassa na África, fazendo com que o seu valor aumente e diversos grupos se engajem em disputas, tornando o caminho para a ponte que liga os mercados informais ao mundo formal extremamente tortuoso, em virtude dos conflitos existentes entre estes grupos. Desta forma, mesmo na ausência de mercados organizados e instituições sólidas estas terras são negociadas em valores monetários. Para MATHIEU (2002, p.371), esta situação confusa não é compatível com a harmonia provocada pelas mudanças institucionais apregoadas por De Soto:

In many rural areas, there is no longer one broadly agreed social contract organizing exchange, interactions and (supposedly) self-enforcing rules on land transactions, but competing and contradictory social contracts (that of the community, and that of the market and competition between individuals), a plurality of competing and unclear norms and meanings between which some people are able to ‘manage confusion’ and act strategically, while others are not, or very much less. The problem to tackle seriously is thus that ‘extralegal law’ itself is, in most of contemporary Africa, no longer stable or homogeneously meaningful for the groups that compete for land and local level.

Paul Mathieu encerra seu trabalho com uma série de medidas, todas elas já discutidas aqui anteriormente, acrescentando uma última observação. A maior parte da obra de De Soto centra-se na discussão sobre os direitos de propriedade, porém MATHIEU (2002) acredita que o foco deveria se concentrar primordialmente nas transações, haja vista que seria muito mais realista montar um aparato que facilitasse e organizasse o registro e a formalização das transações realizadas pelos agentes. Operações como venda de terras, arrendamento, herança e penhor deveriam ser registradas para que fossem evitados problemas futuros quanto surgissem questionamentos a respeito do(s) legítimo(s) proprietário(s) de uma determinada área. O registro de tais operações seria mais importante do que a tentativa de formalização de todos os direitos referentes às ocupações fundiárias existentes. Sendo assim, MATHIEU (2002) propõe que esta abordagem deveria ser apoiada e estimulada por organismos de cooperação internacionais, através de projetos bem elaborados.

Este último ponto merece uma ressalva. Não é possível dar ênfase demasiada às transações sem saber se as mesmas podem ser legitimadas. Seria necessário que desde a formalização da primeira transação houvesse a definição clara dos direitos de propriedade, e que estes pudessem ser intercambiados pelas partes envolvidas no processo. Iniciar um processo de registro das transações, sem a garantia total sobre a titularidade dos direitos de propriedade, geraria um clima de incerteza que reduziria o valor dos ativos, uma vez que no futuro os mesmos poderiam vir a serem reclamados por outro(s) suposto(s) proprietário(s).


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