POLÍTICA CAMBIAL E MACROECONOMIA DO DESENVOLVIMENTO
Paulo Gala
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archivos en pdf comprimidos ZIP. (167 pags., 1359 Kb) Política cambial como ferramenta
de desenvolvimento
Num trabalho sobre o tema, Williamson (2003) propõe um “development
approach” para a taxa de câmbio, ressaltando a importância da utilização
do câmbio como ferramenta para a promoção do desenvolvimento. Defende
esta postura com base nos trabalhos de Bela Balassa. Um câmbio
competitivo seria importante para o desenvolvimento econômico pois
estimularia a indústria de exportações de bens não tradicionais,
especialmente as manufaturas. Ao tornar rentável a produção de bens não
“commodities” para o mercado mundial, um câmbio competitivo seria capaz
de desencadear dinâmicas de desenvolvimento evitando o conhecido
problema da “Dutch Disease”. Países ricos em recursos naturais teriam
dificuldades em desenvolver uma indústria exportadora de manufaturas por
conta do excesso de fluxos de divisas e apreciações cambiais decorrentes
das exportações de “commodities”. Williamson (2003) cita o contraste
entre o fracasso da Venezuela e o sucesso da Indonésia na administração
das reservas de petróleo. A Venezuela é hoje o único país
Latino-Americano que tem piores níveis de renda per capita do que há 50
anos. A Indonésia cresceu de forma acelerada e sustentada nos últimos 20
anos até a crise de 1997.
Ainda nesse registro, Frenkel (2004) analisa os impactos da apreciação
cambial no aumento do desemprego na América Latina nos anos 80 e 90.
Além do tradicional canal macroeconômico de curto prazo, onde uma
desvalorização expansionista aumenta a renda e
o emprego, o autor destaca a importância dos impactos de um câmbio
relativamente desvalorizado no desenvolvimento econômico de longo prazo
por conta de estímulos ao setor de bens comercializáveis. Apresenta
também um argumento pouco explorado pela literatura, um terceiro canal
de impacto do câmbio real no nível de emprego. Um câmbio real apreciado
induziria uma substituição de trabalho por capital em países em
desenvolvimento. Ao tornar o preço de não comercializáveis,
especialmente trabalho, caros em relação aos comercializáveis, como
máquinas por exemplo, a apreciação do câmbio real poderia aumentar o
desemprego pois estimularia a substituição de um fator de produção caro
por outro barato. Encontra importantes evidências empíricas a esse
respeito para Brasil, México, Argentina e Chile. Defende a prática de
“real exchange rate targeting” ou metas de câmbio real e discute as
pré-condições macroeconômicas, ou “policy mix”, necessários para a
implementação de uma estratégia do gênero.
Outros trabalhos também mencionam a importância da política cambial em
processos de crescimento. Rodrik (2000) trata dessa questão antes de
discutir os impactos de arranjos institucionais e abertura da conta
capital para países em desenvolvimento. De acordo com o autor, seria
importante investigar as possíveis conseqüências positivas de uma
depreciação do câmbio real sobre o crescimento de longo prazo de
economias emergentes. Após ressaltar os casos de sucesso do Chile
(meados dos anos 80), Turquia (início do 80), Índia (início dos 80 e
desde 1994), Uganda (desde 1986), e Ilhas Maurício (meio dos 80),
conclui: “there can be little question that these countries would have
been far worse off if they had given up on the exchange rate as a policy
tool” (Rodrik 2000, pg.9). No estudo “Growth Accelerations” em conjunto
com Hausman e Pritchett (2004) encontra resultados empíricos importantes
a esse respeito. Ao analisar um total de 80 transições de baixo para
alto crescimento em países em desenvolvimento desde os anos 60, encontra
m a depreciação do câmbio real como um fator importante para o início do
processo (Hausman et al 2004, pg.16). No trabalho “Growth Strategies”,
enumera algumas das vantagens de um câmbio competitivo na promoção da
indústria de bens comercializáveis para depois concluir, “a credible,
sustained real exchange rate depreciation may constitute the most
effective industrial policy there is” (Rodrik 2004,pg.23).
Destacando as principais caracterítiscas atuais da economia mundial,
Dooley et al (2003) analisam a estratégia recente da China e de alguns
países asiáticos de crescimento com câmbio subvalorizado. Segundo os
autores, a rota de “export-led growth” seguida pelos asiáticos replica o
arranjo de Bretton Woods quando o marco alemão, a lira italiana e yen
japonês foram fixados em níveis subvalorizados para ajudar na
reconstrução do pós-guerra.
Ao tornar a moeda local altamente competitiva, um câmbio relativamente
desvalorizado tem contribuído para grandes taxas de investimento e
crescimento na China. Essa estratégia teria sido funcional para o
desenvolvimento de toda a região do leste e sudeste asiático nos últimos
20 anos. Nos termos de Dooley et al (2005), ao contrapor a id éia de
“Bretton Woods Revival” à visão convencional: “The first obvious
departure from the conventional analysis is the observation that Asian
real exchange rates are not market-determined prices but are heavily and
successfully managed by Asian governments. As noted above, the
conventional analysis assumes this troublesome fact will soon go away.
We argue that this policy behavior will eventually go away but is a
central feature of Asian development policies and will not dissipate for
a long time” (Dooley et al 2005, pg.5).
Ainda sobre esse ponto, Dornbusch et al (1995) discutem o comportamento
da taxa de câmbio na literatura atual. Definem uma “disequilibrium view”
do funcionamento do mercado de câmbio em contraposição à visão
“monetarista” ou “clássica”, onde a formação e a determinação do nível
da taxa de câmbio tenderiam a ser caracterizados como endógenos e de
equilíbrio. Ao assumir a hipótese de razoável rigidez de preços e
salários, os autores conferem autonomia, mesmo que limitada, para as
autoridades monetárias na determinação do nível do câmbio real via
administração do câmbio nominal. Uma má administração do câmbio nominal
e real resultaria em situações de sobrevalorização ou desalinhamento e
crises. Destacam ainda neste trabalho a responsabilidade do governo na
determinação do nível do câmbio real, “this paper contends that the real
exchange rate is a variable that is significantly influenced by policy,
not in all cases (Argentina discussed below is an exception), but in
many. Policymakers might be misled to yield to real appreciation and
financing de ficits, but ultimately the country will pay with a collapse”
(Dornbusch et al 1995, pg.250). O livre funcionamento do mercado cambial
não leva necessariamente a uma posição ótima do câmbio real em termo s
de equilíbrio interno e externo. A taxa de câmbio corrente pode assumir
valores “incorretos” do ponto de vista de dinâmicas de crescimento,
emprego e endividamento externo.
Nestas abordagens, a hipótese de rigidez de preços e salários é
fundamental. Para que não se observe o que Corden (1977, pg.31) chama de
“real wage resistance”, o salário nominal deve se ajustar de maneira
lenta em relação ao nível de preços e, no limite, apresentar rigidez
para baixo, ou seja, “nominal wage resistance”. Ao definir um nível de
câmbio nominal, na presença de rigidez de salários nominais, o governo
acaba por definir indiretamente um nível de câmbio real. Depreciações e
apreciações nominais têm, portanto, efeitos reais. Sobrevalorizações
cambiais resultam de apreciações nominais excessivas não acompanhadas de
quedas de salário nominal ou de aumentos de salários nominais não
acompanhados por depreciações nominais (ver a respeito Dornbusch 2000,
pgs. 103-104).
A abordagem de desequilíbrios no mercado cambial ressalta o problema das
apreciações sem contrapartidas de aumentos de produtividade, ou seja,
sobrevalorizações. A abordagem de “real exchange rate targeting”, por
sua vez, defende a prática de câmbios competitivos levando-se em
consideração os níveis de produtividade. Defende, assim, uma relativa
desvalorização do câmbio real, dados os níveis de renda per capita. Para
tanto, as políticas fiscal e, principalmente, a monetária devem ser
conduzidas no sentido de colaborar com as metas informais de câmbio
real. Ambas admitem, entretanto, que num processo de crescimento
sustentado de renda per capita e aumentos de produtividade a apreciação
cambial será inevitável.
Trabalhando nesse registro, Frenkel (2004) e Frenkel e Taylor (2005)
demonstram, dentro de um “framework” macroeconômico, a possibilidade de
administração de uma taxa de câmbio subvalorizada num regime de câmbio
flutuante. Concentram a discussão nas dificuldades de administração do
câmbio nominal em economias abertas e concluem que, a partir de um
desenho adequado de política econômica, um regime de “real exchange rate
targeting” é viável. A questão a se ressaltar aqui é que haveria uma
assimetria na administração cambial, sendo a manutenção de uma
sobrevalorização muito difícil, mas de uma subvalorização possível.
O principal custo de se manejar o câmbio na presença de liberdade de
fluxos de capital aparece na perda da autonomia para definir a taxa de
juros de curto prazo e controlar os agregados monetários. Se as
autoridades monetárias optarem por um câmbio fixo ou uma âncora cambial,
os agregados monetários e, portanto, as taxas de juros passarão a ser
definidos pelos fluxos de capital. Numa fuga de capitais, a conversão da
base monetária em ativos externos causará uma contração de liquidez com
decorrente aumento das taxas de juros. No sentido inverso, um excessivo
fluxo de capitais causará um aumento de liquidez (na ausência de
esterilização) com decorrentes quedas nas taxas de juros. Na ausência de
controles de capital, a política cambial não pode operar de forma
independente da política monetária como afirma o conhecido conceito de
trindade impossível.
No curto prazo, sob condições normais e sem controles de capital, os
níveis da taxa de câmbio nominal e real são fortemente influenciados
pela paridade câmbio juros. Quanto maior a taxa de juros doméstica, dada
uma expectativa de desvalorização cambial e risco país, mais apreciados
serão os níveis da taxa de câmbio nominal e real. Assim, quanto maior
for o desejo das autoridades monetárias de utilizar o câmbio como
instrumento de política econômica, maior será a necessidade de controle
do fluxo de capitais. Como destaca Corden (2002), China e Índia são hoje
dois importantes exemplos de países que controlam capitais e ganham
graus de liberdade no manejo da política cambial e monetária. Esses
controles teriam sido particularmente importantes na crise asiática,
tendo no limite contribuído para baixos níveis de especulação nos seus
mercados cambiais, ajudando a evitar as crises dos anos 90 (Corden 2002,
pgs.219-220).
Para concluir esta breve introdução, vale mencionar que todos os autores
citados acima partem de um pressuposto importante que também será
utilizado neste trabalho: a razoável autonomia do governo na
determinação do nível da taxa de câmbio nominal e real a partir da
escolha de um determinado “policy mix”. Sabe-se bem hoje da
inviabilidade da prática de câmbios fixos sobrevalorizados, como
demonstraram as experiências latino-americanas dos últimos anos. Porém,
a proposta de uma meta de câmbio real relativamente desvalorizado,
dentro de uma flutuação administrada, parece ser possível como vê m
mostrando alguns exemplos asiáticos. Cabe ressaltar, entretanto, que uma
proposta de subvalorização cambial pressupõe algum outro país adotando a
posição inversa. A estratégia de crescimento com câmbio competitivo não
é possível se adotada simultaneamente por países em desenvolvimento e
desenvolvidos.