Observatorio Economía Latinoamericana. ISSN: 1696-8352


MAPEANDO O OURO BRANCO: A ESPECIALIZAÇÃO ESPACIAL DA COTONICULTURA BRASILEIRA

Autores e infomación del artículo

Aurélio Carlos Lopes da Silva *

Alexandre Magno de Melo Faria **

UFMT, Brasil

aureliokarlos@gmail.com.

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Resumo: O presente artigo tem como objetivo identificar os municípios brasileiros especialistas na cotonicultura, com referência à safra 2012. Os dados de valor da produção foram obtidos no IBGE e os dados de PIB municipal na Fundação Getúlio Vargas. Foi utilizado o método do Quociente Locacional (QL), selecionado os municípios com QL>1 como especialistas. Ademais, foram identificados os espaços produtivos que figuraram no 1º quartil e classificados como de elevada concentração produtiva em cotonicultura. Os resultados indicaram produção de algodão em 17 estados da federação e em 354 municípios. A região Nordeste concentra 47% dos municípios produtores, mas apenas 17% dos espaços especialistas (QL>1) são dessa região. Os espaços mais especialistas estão na região do Planalto Central, utilizando o bioma cerrado como suporte, com 92% dos municípios no 1º quartil. Em termos absolutos os estados de Mato Grosso e Bahia são os mais representativos e quanto à concentração de espaços com QL>1 de destacam Mato Grosso e Goiás. Nos municípios do 1º quartil, destaca-se Mato Grosso. Conclui-se que a região Nordeste a produção está baseada em empreendimentos que não conformam de forma preponderante a base produtiva local, apesar de estar presente em muitos municípios. Na região Centro-Oeste e Oeste da Bahia a cotonicultura representa importante empreendimento para a formação do PIB municipal. Conclui-se que as políticas de desenvolvimento local devem observar as idiossincrasias de cada conjunto de municípios cotonícolas, aqueles mais relacionados à uma base social no Nordeste e aqueles vetores de maior dinamismo econômico no Centro-Oeste.
Palavras-chaves: cotonicultura, municípios, PIB, Quociente Locacional.

Abstract: Abstract: This article is intended to identify Brazilian municipalities that are experts in cotton industry, with the reference to 2012 harvest. The information on production value was obtained from the Brazilian Institute of Geography and Statistics and the information on GDP of the municipalities from the Getúlio Vargas Foundation. The Location Quotient (LQ) was used in this work, having selected municipalities with LQ>1 as experts. Besides, this research identified productive zones that appeared in the first quartile and they were classified as highly concentrated cultivators in cotton industry. The results demonstrated cotton production in 17 states of the federation and in 354 municipalities. 47 % of the producing municipalities are concentrated in the Northeast region but only 17 % of the expert zones (LQ>1) are in that region. The most qualified expert zones are situated in the region of Central Plateau using the Cerrado biome as a support with 92 % of the municipalities in the first quartile. In absolute terms the states of Mato Grosso and Bahia are the most representative in relation to the concentration of the zones with LQ>1 that detaches Mato Grosso and Goiás. Among the municipalities of the first quartile stands out the state of Mato Grosso. The conclusion is that in the Northeast region the production is based on ventures that fail to live up primarily with local production base, in spite of being present in various municipalities. In the Central-West and West of Bahia cotton industry represents an important venture for the formation of the GDP of the municipalities. Hence, one may conclude that, local development policies must observe idiosyncrasies of each unit of the municipalities - cotton cultivators, the ones that are more connected with a social base in the Northeast and those vectors of greater economic dynamism in the Central-West.
Key-words: cotton production, municipalities, GDP, Location Quotient.


Para citar este artículo puede uitlizar el siguiente formato:

Aurélio Carlos Lopes da Silva y Alexandre Magno de Melo Faria (2018): "Mapeando o Ouro Branco: a especialização espacial da cotonicultura brasileira", Revista Observatorio de la Economía Latinoamericana, (febrero 2018). En línea:
//www.eumed.net/2/rev/oel/2018/02/ouro-branco-brasil.html
//hdl.handle.net/20.500.11763/oel1802ouro-branco-brasil


1. Introdução

Após a abertura comercial na década de 1990, a cotonicultura no Brasil se reestruturou tecnicamente e espacialmente. A produção que até então estava baseada em empreendimentos familiares de pequeno porte nos estados do Paraná, Paraíba, Rio Grande do Norte, Alagoas, Ceará, Piauí e São Paulo entrou em crise em função de sua dificuldade em expandir a escala e de competir em um mercado globalmente em integração. O agronegócio empresarial avançou como o novo vetor produtivo pautado em trabalhadores contratados, elevada tecnificação, utilização de pacotes de insumos industriais e crescente escala de produção tendo como base a concentração fundiária. O empreendimento de base empresarial reduziu custos unitários de produção e elevou a qualidade intrínseca da fibra (BELTRÃO e SOUZA, 2001); (SUZUKI JUNIOR, 2001); (FARIA, 2003); (FARIA e CAMPOS, 2006); (FARIA, PEREIRA e BEDIN, 2007); (FARIA, 2012).
Após um período de crise (1990-1996), a retomada da produção cotonícola a partir de 1997 garantiu a substituição da pluma importada pela produção nacional e a retomada da estratégia exportadora a partir de 1999. Neste contexto, surgem como novos espaços produtores os estados da região Centro-Oeste e a porção oeste do estado da Bahia, utilizando o bioma Cerrado como suporte ecossistêmico da implantação da “nova cotonicultura”. Dentre os diversos fatores que geraram esta reconfiguração estão i) a desvalorização cambial ocorrida nos anos de 1997 e 1999, ii) algumas políticas públicas de incentivo à produção agrícola/cotonícola, como a Lei Kandir em 1996, iii) a MP 1.569 (25/03/1997), iv) a majoração das alíquotas de importação de pluma a partir de 1995 e v) a criação de programas de incentivo fiscal pelos governos regionais, notadamente Mato Grosso, Goiás, Mato Grosso do Sul e Bahia a partir de 1997 (BESEN et al. 1997); (GONÇALVES, 1997); (KUME & PIANI, 1997); (MATO GROSSO, 1997); (REZENDE, NONNENBERG e MARQUES, 1997); (REZENDE e NONNENBERG, 1998); (GOIÁS, 1999); (MATO GROSSO DO SUL, 1999); (IEL, CNA e SEBRAE, 2000); (BAHIA, 2001); (MELO FILHO et al., 2001); (SUZUKI JUNIOR, 2001); (FARIA, 2012).
Após 20 anos de reestruturação produtiva da cotonicultura no Brasil, torna-se interessante refletir se esta atividade produtiva conseguiu se estabelecer e reproduzir-se na nova fronteira agropecuária no bioma Cerrado e em quais municípios se adensou e mantém-se com importante formação do PIB local. Além disso, perceber se as antigas regiões produtoras do Nordeste e de São Paulo/Paraná foram totalmente desarticuladas ou mantêm-se alguns núcleos produtivos. Para isso, esse artigo tem como objetivo geral ranquear os municípios produtores de algodão no Brasil a partir do método QL (quociente locacional). Ademais, como objetivos específicos classificar os municípios com QL>1 como potenciais para desenvolvimento de arranjos produtivos locais (APL’s) e selecionar os espaços classificados no 1º quartil como altamente especialistas e com elevado potencial de arregimentação de forças produtivas na conformação de um possível APL.
O algodão, também conhecido como “ouro branco” nas regiões de Cerrado, é uma atividade relevante para alguns municípios e a identificação destes locais de forte dinâmica produtiva podem auxiliar agentes econômicos, tomadores de decisão, planejadores públicos e trabalhadores a escolher a alocação de seus fatores. Este estudo também pode identificar locais onde a cotonicultura está presente, mas não tem papel estratégico no PIB local, sendo sua atividade marginal na conformação da economia naquele espaço e com caráter mais social, demandando políticas diferenciadas dos agentes públicos.

2. Referencial teórico

Com vistas ao desenvolvimento regional, as instituições de governo canalizam esforços no sentido de fomentar atividades produtivas locais que apresentem alguma sincronia com formas de organização socioeconômica, materializadas ou não por estudos técnico-científicos. Especificamente no caso deste estudo, esta base é contemplada pelo conceito de arranjos produtivos locais (APL), tidos como uma estrutura sócio produtiva capaz de gerar sinergia entre diversos segmentos produtivos, inseridos ou não em uma mesma cadeia.
Neste contexto, o conceito de APL definido pela Rede de Pesquisa em Sistemas e Arranjos Produtivos e Inovativos Locais (REDESIST) considera dentre as principais características o senso associativista e cooperativista existente em determinada atividade local, em que os agentes econômicos ali inseridos são especializados na produção de algum produto ou serviço. O conceito abordado define APL como “aglomerações territoriais de agentes econômicos, políticos e sociais – com foco em um conjunto específico de atividades econômicas que apresentam vínculos entre si, mesmo que incipientes” (CASSIOLATO e LASTRES, 2003).
Dessa forma, espera-se o emprego de uma base conceitual semelhante para a definição de políticas de mobilização da referida atividade, visando à operacionalização dos incentivos ofertados pelos diversos níveis do Estado para, com isso, promover o desenvolvimento regional e local. Os fatores que evidenciam a necessidade da aplicação de políticas de incentivo dependem das especificidades de cada região e de cada APL, o que implica a necessidade de formalizar políticas heterogêneas de forma a melhor direcionar os recursos públicos e o fortalecimento institucional da região.
Faz-se necessário identificar os espaços mais dinâmicos ocupados por atividades econômicas relevantes, dos quais se espera a capacidade de engendramento e adensamento desta atividade produtiva, com fortalecimento do tecido social. Como instrumento de identificação da localização (mapeamento) de potenciais arranjos produtivos locais, a ferramenta clássica do QL (quociente locacional) apresenta robustez e facilidade de mensuração.
Um APL pode ser constituído por agentes distintos, ou seja, por empresas produtoras de bens e serviços, instituições públicas e instituições privadas, bem como produtores primários em geral, desde que estejam agindo de forma coordenada e em constante interação. Ainda para Cassiolato e Lastres (2003), o foco em APL permite sanar algumas lacunas da análise regional tradicional que empregam análises setoriais, desconsiderando as especificidades locais das diferentes atividades, tendo em vista que as dinâmicas produtivas variam muito de acordo com a localização.
Um APL para ser competitivo não pode se restringir a um único setor, mas interagir com toda a cadeia produtiva. Necessita incluir técnicas avançadas de gestão em todos os aspectos produtivos, com controle de qualidade, além de atividades ligadas à geração, aquisição e difusão de conhecimento e tecnologia (CASSIOLATO e SZAPIRO, 2002).
Trata-se de um modelo de desenvolvimento que possui praticamente todas as características importantes verificadas no atual cenário competitivo solidificado após a globalização. Sendo assim, a consolidação desta metodologia operacional pode auxiliar na identificação de espaços potenciais para formação de APLs, além de políticas de amadurecimento, enraizamento e adensamento que podem ser utilizadas.
Este estudo, todavia, limita-se apenas a analisar as questões socioeconômicas, considerando a localização e o potencial de formação do APL. As ferramentas aqui empregadas não são capazes de mensurar o grau de associatividade e de difusão tecnológica, assim como seu nível de gestão e competitividade no mercado. Assim, as conclusões permitirão definir apenas a existência de um potencial APL da cotonicultura no Brasil, que caso se confirme, necessitará de estudos mais aprofundados acerca dos fatores informados.

3. Metodologia

De acordo com Santana e Santana (2004), Santana (2004) e Santana (2005), o quociente locacional (QL) permite determinar o nível de especialização de uma determinada atividade no espaço, que dependerá da definição ex ante da tipologia desta região, podendo ser geográfica, política, ecológica, etc. O QL é determinado pela seguinte expressão matemática:

Utilizou-se neste trabalho o Valor Bruto da Produção (VBP) do algodão ao nível municipal em relação ao VBP do município em que se encontra a referida atividade econômica. O numerador apresenta os dados referentes ao município, onde Eij corresponde ao VBP da cotonicultura municipal j e o Ej representa o VBP de todas as atividades que constam na referido município j. No denominador estão representados os dados agregados do Brasil, onde o EiA representa o VBP total da cotonicultura brasileira e o EA o representa o VBP do Brasil. Se o QL for maior que 1 indica que naquele município a cotonicultura é mais relevante para a economia local que a cotonicultura de forma agregada é importante para a economia nacional. Quanto mais distante de 1 for o QL, maior a importância local da atividade. Por outro lado, se o QL for menor que 1 indica que naquela economia local a cotonicultura não tem a relevância que na média do país essa atividade alcança:
[...] os valores obtidos a partir do QL = 1 significa que a concentração de unidades economia local no setor i é idêntica à concentração da economia de referência. Quando QL < 1 a concentração de unidades da economia local no setor i é inferior à concentração da economia de referência, e por fim, quando QL>1 a concentração da economia de referência e, portanto, percebe-se uma concentração do setor ou atividade na economia de referência. São estes os municípios com QL >1 os quais detém maior representatividade em relação a concentração industrial (SANTANA e SANTANA, 2004).

Cabe ressaltar, de acordo com Crocco et al. (2003), que um QL>1 pode apenas indicar uma diferenciação produtiva da atividade, pois pode haver assimetrias entre os espaços, além da alta representatividade de alguns poucos produtores que podem enviesar o resultado. Por isso, utilizou-se a estratificação dos espaços com QL>1 conforme indicado em Coelho e Faria (2014):

Q 1/4 - 1º quartil (superior)
Q 2/4 - 2° quartil (médio)
Q ¾ - 3° quartil (médio inferior)
Q 4/4 - 4°quartil (inferior)

Dentre o conjunto de economias locais com QL>1, estratificou-se em quartis e foi considerado o 1º quartil como a principal referência de especialização produtiva. Desse modo foi possível identificar os municípios com maior potencial econômico de produção e consequentemente com maior potencial de conformação de um APL. Esse mapeamento pode contribuir para possíveis olhares de agentes econômicos, tomadores de decisão, planejadores públicos e trabalhadores a escolher a alocação de seus fatores.
Os dados do VBP da cotonicultura foram obtidos na Pesquisa Agrícola Municipal (PAM) do IBGE (2016) para todos os 5.570 municípios das 27 unidades da federação. Os dados do PIB foram obtidos na Fundação Getúlio Vargas (FGV, 2016) para todos os 354 municípios com produção de algodão e para o PIB agregado do Brasil. Foi definido o ano-base de 2012 e função do ajustamento defasado do PIB.

4. Resultados e discussão

A partir de dados do IBGE e FGV foram identificados 354 municípios produtores de algodão no Brasil, conforme Tabela 1 que foi ordenada pelo número decrescente absoluto de municípios cotonicultores por mesorregião. Como o Brasil tem 5.570 municípios, a cotonicultura está presente em apenas 6,3% destes espaços administrativos.
Na região Nordeste encontra-se a maior concentração de municípios cotonicultores, com 167 locais onde esta atividade é desenvolvida, o que significa que esta atividade está presente em 9,3% dos municípios nordestinos. Estes 167 locais produtores representam 47% de todos os municípios cotonicultores brasileiros. Contudo, apenas 17% destes municípios apresenta uma cotonicultura com QL>1, sendo considerados diferenciados. Na média, em 83% dos municípios cotonicultores nordestinos, a produção de algodão tem peso abaixo da média nacional na formação do PIB local. Esses dados põem indicar que a produção de algodão tem um caráter mais social, mais de arregimentação de força de trabalho do que de geração intensiva de renda. Dados históricos revelam que a cotonicultura nordestina tem caráter familiar e de pequena escala produtiva.
A região Centro-Oeste apresenta a segunda maior concentração de municípios cotonicultores, com 93 espaços onde o algodão está presente (Tabela 1), com uma importante representatividade, pois está presente em 19,9% dos municípios. Os 93 locais produtivos conformam 26% dos municípios brasileiros cotonicultores, mas com uma diferença marcante em relação ao Nordeste, considerando que 91% dos municípios desta região tem QL>1, indicando que a formação do PIB local tem forte relação com a cotonicultura. A história recente da expansão da cotonicultura no Centro-Oeste ao final dos anos 1990 parece indicar que o lócus de um empreendimento de grande escala, intensivo e com peso relevante na formação do PIB local realmente se localiza na área de expansão do Cerrado.

A região Sudeste apresenta 21% dos municípios cotonicultores do Brasil e importantes 58% dos seus 73 municípios tem QL>1 (Tabela 1). Esta atividade está presente em apenas 4,3% dos municípios desta região. Apesar de ser uma região de elevada densidade econômica, a importância da cotonicultura em alguns municípios revela que esta atividade se mantém com certo grau estratégico na formação do PIB local, mesmo concorrendo com outras atividades. A importância do algodão para os municípios de São Paulo e Minas Gerais está acima da média nacional, pois o QL>1 ao nível de Brasil atinge 46% dos municípios produtores e o Sudeste apresenta um índice de 58%.
Abaixo da média estão as regiões Sul e Norte (Tabela 1). Representam apenas 5% e 1% respectivamente dos municípios cotonicultores nacionais, sendo que no Sul 41% dependem mais fortemente da cotonicultura e no Norte 50% apresentam QL>1. Apesar de apresentar alguma importância local, a cotonicultura está presente em um reduzido número de municípios que não indica uma atividade sistêmica nessas regiões, pois no Sul está em 1,4% dos municípios e no Norte em apenas 0,9%.
Na Tabela 2 pode-se visualizar os municípios por estados, ordenados de forma decrescente pelo percentual de municípios com QL>1. Dos 17 estados com municípios cotonícolas, apenas 11 apresentam economias locais com QL>1 da cotonicultura. O estado de Mato Grosso apresenta o maior percentual de municípios produtores que tem QL>1, com 100% dos 44 municípios cotonícolas apresentando forte participação da produção de algodão no PIB local. Esses dados reforçam os trabalhos de Faria (2003), Faria e Campos (2006), Faria, Pereira e Bedin (2007) e Faria (2012) da concentração da produção cotonícola em Mato Grosso desde o final da década de 1990, permanecendo com essa estrutura até 2012. Os trabalhos que indicam o bioma Cerrado como suporte para a nova cotonicultura empresarial também se confirmam na safra 2012, pois no Cerrado de Goiás 97% dos municípios cotonícolas apresentaram QL>1.
No Cerrado do Maranhão também há uma importante diferenciação, pois dos apenas três municípios cotonícolas daquele estado, dois apresentam QL>1. Em Mato Grosso do Sul o caso é similar, pois 63% dos seus municípios apresentam QL>1, todos em bioma Cerrado. Em Minas Gerais, 62% dos municípios produtores apresentam QL>1 e também estão localizados no bioma cerrado. Completam a lista dos municípios com QL>1 os estados de São Paulo, Tocantins, Paraná, Bahia, Piauí e Rio Grande do Norte. Pela elevada complexidade da economia brasiliense, a produção de algodão não tem preponderância na economia do Distrito Federal.
Interessante que dos 73 municípios cotonícolas nos estados de Alagoas, Ceará, Paraíba, Pernambuco e Sergipe não apresentam em nenhum deles QL>1, sendo que até o final da década de 1980 esse era um dos principais lócus de produção de algodão no Brasil. Em que pese a região nordestina apresentar o maior número de municípios onde se produz algodão, é exatamente a região com menor número de locais diferenciados. Em número absoluto, a Bahia tem 20 municípios diferenciados, seguida do Piauí com cinco, Maranhão com dois e Rio Grande do Norte com apenas um município com QL>1.
Conforme Crocco et al. (2003), um QL>1 pode apenas indicar uma diferenciação produtiva da atividade. Desta forma, foram estratificados os municípios com QL>1 em quartis e selecionou-se apenas o 1º quartil como referência para a indicação de potenciais APL’s. Na Tabela 3, ordenada de forma decrescente pelo percentual de municípios do estado que constam no 1º quartil, tem-se que dos 11 estados que apresentaram QL>1 para ao menos um município, apenas seis contam com economias locais ligadas à cotonicultura no 1º quartil. No 1º quartil dos locais com QL>1, tem-se 36 municípios que representam apenas 10% dos espaços que produzem algodão no Brasil. Esses resultados indicam aos agentes econômicos e tomadores de decisão quais são as economias locais com forte ligação com a produção cotonícola, sendo considerados especialistas em cotonicultura.

Essa identificação pode indicar a formação de arranjos produtivos locais. Aproveitar a conformação inicial a partir de forças de mercado poderia abreviar o tempo para o adensamento de atividades correlacionadas ao algodão e fomentar o amadurecimento do APL em direção à formação de aglomerações produtivas mais complexas. Dos 36 municípios considerados como especialistas, 23 estão em Mato Grosso. Esses 23 municípios representam 64% dos espaços no 1º quartil e 52% dos espaços cotonícolas mato-grossenses1 . Dada a dispersão espacial dos espaços especialistas, os resultados indicam que o maior potencial de impulso para arranjos produtivos locais encontra-se em Mato Grosso. Na sequência aparecem municípios na Bahia2 , Goiás3 , Mato Grosso do Sul 4, Piauí5 e Maranhão6 .

Esses resultados indicam aos agentes econômicos os locais onde podem-se instalar empreendimentos ligados ou correlacionados com a atividade cotonícola, capazes de se tornar um polo nos cinco estados com grande potencial de formação e adensamento dos arranjos produtivos ligados ao algodão. Para complementar este estudo, são necessárias informações de logística e infraestrutura para aumentar o estoque de informações aos tomadores de decisão.

5. Considerações finais

Os arranjos produtivos locais são oportunidades de dinamizar economias de menor porte e distantes dos grandes centros de polarização. Uma das oportunidades deriva da identificação de arranjos existentes no tecido sócio produtivo, ligados à produção de uma mercadoria já estabelecida e que conta com alguma infraestrutura de fornecimento de insumos e de processamento do produto principal do APL.
Neste contexto, a cotonicultura é uma das atividades potenciais, pois o Brasil participa ativamente do mercado de algodão em pluma ou semielaborado. Para tal, foram identificados 354 municípios brasileiros onde a produção de algodão estava instalada na safra 2012. Para qualificar estes espaços foi utilizado o QL como ferramenta e os dados indicaram que 164 economias locais mantinham forte dependência do algodão na formação do PIB. Os estados do Centro-Oeste apresentaram a maior concentração produtiva, com destaque para Mato Grosso e Goiás. Os estados nordestinos apresentaram 167 municípios cotonícolas, mas apenas 28 com QL>1, indicando que o algodão pode ter importância na arregimentação social da força de trabalho, mas é economicamente frágil nas economias locais.
Quando se consideram apenas os municípios do 1º quartil entre aqueles com QL>1, o estado de Mato Grosso responde por 64% de todas as economias locais especializadas em produzir algodão, sendo o mais importante lócus potencial de formação e adensamento de arranjos produtivos locais. Os resultados também indicam os municípios potenciais para se tornarem polos cotonícolas em Goiás, Bahia, Maranhão, Piauí e Mato Grosso do Sul. Conclui-se que os resultados desta pesquisa podem orientar os agentes econômicos, tomadores de decisão, trabalhadores e planejadores públicos na definição de políticas econômicas em um espaço fortemente heterogêneo, onde vicejam condições diferenciadas de reprodução social e do capital.

6. Referências bibliográficas

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* Bacharel em Ciências Econômicas (UFMT). Contato: aureliokarlos@gmail.com.
** Bacharel em Ciências Econômicas (UFMT), Mestre e Doutor em Desenvolvimento Socioambiental (NAEA/UFPA), Pós-doutor em Gestão e Economia (UBI/Portugal). Docente da Faculdade de Economia da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT), Campus Cuiabá. Contato: dr.melofaria@gmail.com.
1 Santo Antônio do Leste, Sapezal, Novo São Joaquim, Pedra Preta, Guiratinga, Alto Garças, Campo Verde, General Carneiro, Juscimeira, Ipiranga do Norte, Diamantino, Campos de Júlio, Campo Novo do Parecis, Itaúba, Santa Rita do Trivelato, Poxoréo, São José do Rio Claro, Tapurah, Paranatinga, Tabaporã, Nova Ubiratã e Porto dos Gaúchos.
2 São Desidério, Riachão das Neves, Formosa do Rio Preto, Correntina e Jaborandi.
3 Perolândia, Chapadão do Céu e Panamá.
4 Costa Rica e Chapadão do Sul.
5 Baixa Grande do Ribeiro e Santa Filomena.
Tasso Fragoso.

Recibido: 16/02/2018 Aceptado: 23/02/2018 Publicado: Febrero de 2018

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