Revista: CCCSS Contribuciones a las Ciencias Sociales
ISSN: 1988-7833


OS USOS DA ÁGUA E O PAPEL DOS COMITÊS DE BACIA: UM ESTUDO DE CASO

Autores e infomación del artículo

Fernanda Matos*

Ivan Beck Ckagnazaroff**

Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil

fcmatosbh@gmail.com


Resumo

O foco deste trabalho é analisar o perfil dos representantes membros comitês de bacia hidrográfica, constituídos para influenciar a tomada de decisão em torno das políticas públicas de águas. Os comitês atuam como “Parlamento das Águas”, onde são discutidos e elaborados os planos de gestão dos recursos hídricos em seus territórios. Para tanto, foi realizado inicialmente o levantamento do quantitativo de comitês e o número de participantes no estado de Santa Catarina, na sequência foi realizada a aplicação de um Survey, convidando os membros a responderem as questões elencadas. Os membros são eleitos por seus pares, para representar, além dos interesses de seu grupo/segmento social, defender os interesses públicos e contribuir para a gestão dos recursos hídricos. Observou-se que os representantes dos comitês, neste estado, sem sua maioria são do sexo masculino, das classes média e alta, possuem alta escolaridade, entretanto, 62% dos respondentes consideram que os assuntos tratados são compreendidos parcialmente ou não compreendem pelos participantes, indicando, assim, a necessidade de ampliar a capacitação sobre os assuntos deliberações.

Palavras-chave: Comitês de Bacia; Recursos Hídricos; bem público; política; água; Brasil

Abstract

The focus of this paper is to analyze the profile of the representative members of river basin committees, constituted to influence decision-making around public water policies. The committees act as a “Water Parliament”, where water resource management plans in their territories are discussed and prepared. To this end, the survey of the number of committees and the number of participants in the state of Santa Catarina was initially carried out, followed by the application of a Survey, inviting members to answer the listed questions. Members are elected by their peers, to represent, in addition to the interests of their group / social segment, to defend public interests and contribute to the management of water resources. It was observed that the representatives of the committees, in this state, without their majority are male, of the middle and upper classes, have a high level of education, however, 62% of the respondents consider that the subjects treated are partially understood or do not understand by the participants, thus indicating the need to expand training on deliberative matters.

Keywords: Basin Committees; Water resources; public good; policy; Water; Brazil

resumen

El objetivo de este documento es analizar el perfil de los miembros representativos de los comités de cuenca, constituidos para influir en la toma de decisiones en torno a las políticas públicas de agua. Los comités actúan como un "Parlamento del Agua", donde se discuten y preparan los planes de gestión de los recursos hídricos en sus territorios. Con este fin, se realizó inicialmente la encuesta sobre el número de comités y el número de participantes en el estado de Santa Catarina, seguida de la aplicación de una encuesta, invitando a los miembros a responder las preguntas enumeradas. Los miembros son elegidos por sus pares para representar, además de los intereses de su grupo / segmento social, defender los intereses públicos y contribuir a la gestión de los recursos hídricos. Se observó que los representantes de los comités, en este estado, sin que la mayoría sean hombres, de las clases media y alta, tienen un alto nivel de educación, sin embargo, el 62% de los encuestados considera que los temas tratados son parcialmente entendidos o no entienden por los participantes, indicando así la necesidad de ampliar la capacitación en asuntos deliberativos.

Palabras clave: Comités de cuenca; Recursos hídricos; Bien público; política; Agua; Brasil

Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Fernanda Matos e Ivan Beck Ckagnazaroff (2020): “Os usos da água e o papel dos comitês de Bacia: um estudo de caso”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (febrero 2019). En línea:
https://www.eumed.net/rev/cccss/2020/05/usos-agua-comites.html

//hdl.handle.net/20.500.11763/cccss2005usos-agua-comites

Introdução

Como estabelecido pela Política Nacional de Recursos Hídricos (Brasil, 1997), os Comitês de Bacia Hidrográfica são fóruns de decisões no âmbito das bacias hidrográficas. Estes destinam se a atuar como “Parlamento das Águas”, ou seja, são organismos colegiados consultivos e deliberativos para a gestão dos recursos hídricos na respectiva escala hidrográfica. Eles se caracterizam pela: descentralização do poder de decisões; integração das ações públicas e privadas e; participação de todos os setores sociais. A sua constituição está prevista na Lei nº 9433/1997 com vista ao estabelecimento de espaços de interação entre o poder público e atores da sociedade e mercado, estando principalmente voltados à promoção de articulação política no âmbito local. Em outras palavras, à eles são atribuídos a promoção dos debates das questões relacionadas aos recursos hídricos na totalidade da bacia hidrográfica. Portanto, a instalação dos comitês de bacias é atividade primordial para o bom andamento da gestão das águas.

Suas principais competências, conforme estabelecido em Lei, no âmbito de sua área de atuação, são: I) promover o debate das questões relacionadas a recursos hídricos e articular a atuação das entidades intervenientes; II) arbitrar, em primeira instância administrativa, os conflitos relacionados aos recursos hídricos; III) aprovar o plano de recursos hídricos da bacia;  IV) acompanhar a execução do plano de recursos hídricos da bacia e sugerir as providências necessárias ao cumprimento de suas metas; V) propor ao conselho nacional e aos conselhos estaduais de recursos hídricos as acumulações, derivações, captações e lançamentos de pouca expressão, para efeito de isenção da obrigatoriedade de outorga de direitos de uso de recursos hídricos, de acordo com os domínios destes; VI) estabelecer os mecanismos de cobrança pelo uso de recursos hídricos e sugerir os valores a serem cobrados; VII) estabelecer critérios e promover o rateio de custo das obras de uso múltiplo, de interesse comum ou coletivo.

Os Comitês são compostos por membros titulares e suplentes, sendo sua estrutura paritária constituída pelo poder público estadual cujos territórios se situem, ainda que parcialmente, em suas respectivas áreas de atuação: o poder público municipal; os usuários de água de sua área de atuação e; representantes das entidades civis de recursos hídricos com atuação comprovada na bacia (ANA, 2011).

Portanto, parte-se do pressuposto que o pleno funcionamento dos comitês e o exercício ativo dos representantes dos diferentes segmentos podem contribuir para assegurar o acesso sustentável à água de qualidade, em quantidade adequada à manutenção dos meios de vida, do bem-estar humano e do desenvolvimento socioeconômico. Ou seja, promover a segurança hídrica deve ser o foco principal daqueles que realizam a gestão dos recursos hídricos. E para que isso aconteça, a atuação dos membros dos comitês se mostra relevante, pois são eles que representam os múltiplos interesses envolvidos na gestão dos recursos hídricos. Assim, a partir de dados quantitativos, analisamos a composição dos comitês, especificamente os perfis socioeconômicos, questionando-nos se eles realmente possuem a síntese de representação de todos os interessados na melhor gestão das águas das bacias hidrográficas do estado. Este artigo se divide em quatro partes. Na primeira, ponderamos sobre bem público e os usos destes recursos pelos diferentes segmentos econômicos. Na parte subsequente, faz-se breve exposição das questões metodológicas para desenvolvimento da pesquisa. Na terceira parte abordarmos a composição e o perfil socioeconômico dos membros de comitês de bacias hidrográficas do Estado de Santa Catarina. E por fim, apresentamos as considerações finais.

Bem público de que público?

Para os povos andinos, a água é muito mais que um recurso hídrico: é um ser vivo, que dá vida e ânimo ao universo; provem de Wirakocha, deus criador do universo, que fecunda Pachamama (a Mãe Terra), e permite a reprodução da vida; a água é um elemento de reciprocidade e complementaridade, pois possibilita a integração dos seres vivos, a articulação da natureza e da sociedade humana; a água é um direito universal e comunitário, pois “é de todos e de ninguém”; a água se comporta de acordo com os ecossistemas, as circunstâncias e as conjunturas, sem seguir normas rígidas; a água é um ser criador e transformador, que segue leis naturais, conforme os ciclos das estações e das condições do território; a água é a recreação na diversidade do espaço e do tempo, nas organizações comunitárias, na participação da população, permitindo a autodeterminação das comunidades, em discussão e diálogo permanente com a natureza. (Iriarte e Prado, 2009, p. 41, citando Condesan, 2004)

O conceito de um bem comum, filosoficamente, é algo vago, e comumente visto como um ideal normativo de caráter amplo, e de difícil aplicação. Na concepção tradicionalista, bem comum era uma expressão utilizada para a defesa de interesses particularistas, na qual esse ‘comum’ parte do ‘eu’ e a defesa dos ‘meus interesses”, ou que “considero’ o bem (Dahl, 2012), mas, no exercício dos muitos conselhos existentes e comitês de bacia, pode-se, num ideal (visão romântica e esperançosa), pensar na possibilidade de produção de pertencimento a um mundo comum, ou uma visão de bem comum ampliada. E ainda, a construção dessa vida democrática e das relações de pertencimento é revestida de um conteúdo simbólico.

O filósofo grego Aristóteles, em sua obra “Política” (2005, p. 94), afirma que a finalidade do Estado é a felicidade na vida. Segundo ele, viver bem, de forma livre e independente, “é viver venturoso e com virtude. É necessário, portanto, admitir em princípio que as ações honestas e virtuosas, e não apenas a vida comum, são a finalidade da sociedade política”.

Outro ponto de vista sobre os fins do Estado repousa sobre a ideia de bem comum. A elaboração desse conceito tem origem na teologia católica, em particular com São Tomás de Aquino (1227-1274). De acordo com essa origem, a ideia de bem comum constitui um status no qual se alcança a satisfação de todos os desejos da comunidade e seus membros. Em síntese, o “bem comum” não é o bem de todos – como se “todos” fossem uma unidade real –, mas o conjunto de condições apropriadas para que todos – “grupos intermediários” e pessoas individuais – alcancem seu “bem particular" (Dias, 2008).

A epígrafe escolhida para iniciar este estudo nos chama à atenção para as inúmeras questões que se relacionam com o tema água, tanto nos aspectos físicos quanto simbólicos. Apesar de citar a cultura dos povos andinos, apresenta muitos elementos que se referem à vida de outros povos e culturas.

A “água é o sangue do nosso planeta”, lembra Selborne (2001, p.45), sendo o elemento basilar para a “bioquímica de todos os organismos vivos”. Os ecossistemas da Terra são sustentados e interligados pela água, que promove o crescimento da vegetação e oferece um hábitat permanente de muitas espécies, criando também um ambiente propício para o ser humano. Outro ponto é que, sem ela, nenhuma forma de vida sobreviveria. O corpo humano é composto de água, entre 70% e 75%. Na média, a proporção de água no corpo humano é idêntica à proporção entre terras emersas e águas na superfície do planeta.

Ao longo da história, foi um fator decisivo para o desenvolvimento das civilizações, bem como das vilas e cidades, uma vez que os povos se fixaram junto a fontes naturais para a produção de alimentos, favorecendo, assim, a evolução social e cultural. Ou, como apontam Basualto et al. (2009, p. 95), a fonte de água significou o núcleo, o ponto de encontro, de convivência e comunicação dos povos. As representações culturais das águas variam segundo as culturas, as religiões, o hábitat em que se desenvolveram, sua maior ou menor disponibilidade e sazonalidade. As comunidades ribeirinhas amazônicas e pantaneiras vivem ao sabor das cheias e vazantes, expandindo sua vida social durante o período de estiagem e restringindo-a durante a subida das águas. Ao percorrer as cidades, pode-se perceber a incorporação do elemento natural ao ambiente construído pelo homem, como fontes (os chafarizes das cidades históricas mineiras, os monjolos e rodas d’água), pontes, aquedutos e barragens, dentre outros, que são partes do patrimônio cultural. Está presente também no paisagismo, valorizando a paisagem com espelhos d’água e lagos urbanos.

Para os povos indígenas e as comunidades tradicionais, segundo Diegues (2009), a água é um dos elementos centrais da reprodução não somente material, mas também simbólica, estando presente em inúmeros mitos. Segundo Fortes (2007), o simbolismo da água como fonte de vida é mencionado em quase todas as cosmogonias, desde o Gênesis, na Bíblia, até o Alcorão, ou, mesmo, em escritos pagãos, como os do filósofo grego Aristóteles, que cita Thales de Mileto (624-546 a.C.) ao afirmar que a água seria o elemento original ou o princípio de todas as coisas. Entretanto, ao se considerar a apropriação dos rios e da água vê-se uma redução dos seus usos. Os rios favoreceram o desenvolvimento urbano e agrícola, mas esse crescimento ocasiona a ‘morte’ de vários deles, ao transformá-los em meio de escoamento de esgoto. Os rios urbanos sofrem com a poluição, o assoreamento, o mau cheiro (a Lagoa da Pampulha, em Belo Horizonte, por exemplo), o desvio de seus cursos, a destruição das matas ciliares, a mudança de coloração e a incapacidade de uso original de seus recursos (por exemplo, o rio Tietê, em São Paulo)

O documento final da Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável de 2012 (Rio+20), O Futuro que Queremos, reconheceu que “a água está no centro do desenvolvimento sustentável”, mas, ao mesmo tempo, o desenvolvimento e o crescimento econômico criam pressões sobre esse recurso e desafios para a segurança hídrica, para os seres humanos e para a natureza. Assim, pensar na gestão desse elemento vital à vida envolve também discutir os usos da água e os impactos associados à sua utilização, sendo necessário também o entendimento de que problemas de qualidade e de disponibilidade hídrica não dizem respeito somente a sistemas locais, mas também se referem aos demais setores usuários das águas. Assim, nesse tópico, são trazidos alguns apontamentos sobre os usos desses recursos e os impactos associados à sua utilização identificados na literatura, tendo em vista que também são pautas de discussões nos arranjos de governança das águas.

Diretamente relacionado ao uso das águas, um dos fundamentos estabelecidos na Política Nacional dos Recursos Hídricos (PNRH) é o de que a gestão dos recursos hídricos deve sempre proporcionar o uso múltiplo das águas, dentre os quais podem ser citados irrigação, indústria, aquicultura, energia, saneamento, turismo e lazer, dentre outros. Assim, analisar e deliberar sobre os usos múltiplos são duas das funções primordiais dos arranjos de governança que compõem o Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (Brasil, 1997).

De acordo com a publicação Conjuntura dos Recursos Hídricos no Brasil da Agência Nacional das Águas (ANA, 2019b, p.28), a demanda hídrica pelo setor de irrigação foi responsável pela maior parcela de consumo (68,4%), seguida  dos fins de consumo animal (10,8%), do abastecimento humano urbano (8,6%), da indústria (8,8%), do abastecimento humano rural (2,4%) , da mineração (0,8%) e termelétricas (0,2%). Independente do segmento de consumo desse recurso, fazem-se necessários o desenvolvimento e o compartilhamento de soluções tecnológicas e tradicionais para “conservar, captar, transportar, reciclar e salvaguardar”, como argumenta Selborne (2001, p. 24).

Analisando-se os dados da ANA, percebe-se que o agronegócio é o maior consumidor de água, ou seja, somados o consumo de água na cadeia produtiva agrícola e o da pecuária, o total corresponde a 84% do total da demanda hídrica. Nesse sentido, a escassez de água pode impactar a produção nacional de alimentos. Segundo a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA, 2016), o setor agropecuário corresponde a 23% do Produto Interno Bruto (PIB) e representa 48% das exportações totais do país.  Considerando os dados apresentados, constata-se que o Brasil é um grande produtor e exportador de commodities e de água virtual. Esse termo expressa o consumo indireto da água no processo de produção de tudo que se consome, portanto, a comercialização de recursos hídricos indiretos também deve ser levada em consideração pelos governos.

No que diz respeito ao uso da água para irrigação, a publicação da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), em parceria com o Conselho Mundial da Água (WWC), aponta que o uso da água na agricultura permanecerá substancial, e que as áreas irrigadas irão se expandir e, consequentemente, a competição para o uso da água aumentará em todos os setores (FAO, WWC, 2015; ANA, 2019c). Portanto, a quantidade e o acesso aos recursos terra e água, e a forma como são utilizados, são fundamentais para a segurança alimentar. Em outras palavras, satisfazer às necessidades de produção de alimentos implicará na adoção de estratégias para preservar a qualidade do solo e da água para a produção.

A publicação da Agência Nacional das Águas (2016; 2019b) também aponta que a área irrigada no Brasil vem se expandindo, nas últimas décadas, a taxas superiores à área total plantada, contribuindo para aumentar a produção agrícola. Pode-se argumentar que a organização e o planejamento da expansão do setor são fundamentais para que suas necessidades sejam adequadamente consideradas no caso de planos de contingência e possíveis restrições de usos. Nesse sentido, a expansão da agricultura irrigada se tornará uma questão preocupante, tendo em vista o aumento do consumo e as possibilidades de restrições de disponibilidade, qualidade e conflitos pelo uso da água, nas bacias que estão inseridas.

Costa (2008) chama a atenção para o fato de que impactos associados a este setor, uma vez que se o manejo para a irrigação for conduzido de maneira inadequada, podem provocar o aumento da salinidade do solo, induzindo à redução do potencial produtivo do sistema solo-planta. Além desses impactos, podem-se, ainda, destacar o consumo excessivo da disponibilidade hídrica, a erosão do solo, o assoreamento dos corpos d’água, a contaminação dos recursos hídricos devido ao uso de fertilizantes, de pesticidas e de outros agrotóxicos utilizados no armazenamento e no beneficiamento de produtos agrícolas, além de problemas relacionados à saúde pública.

Do mesmo modo, a pecuária também é agente causador de significativos impactos nos recursos hídricos. Entre os efeitos negativos estão o desmatamento das áreas verdes, incêndios, o  uso inadequado do solo e da água, restrições para a drenagem das águas da chuva, expressivo assoreamento dos rios, bem como a poluição dos mananciais, além do desequilíbrio ecológico ambiental e do surgimento de doenças e pragas, e destinação inapropriada de resíduos de produção (Veschi et al., 2010; Dantas e Sales, 2009, p.6).

Em 2016, a indústria respondeu por 22% do PIB nacional e foi responsável por 55% das exportações, de acordo com dados da Confederação Nacional das Indústrias. O setor responde pelo terceiro maior consumo de água, 8,8% do da vazão consumida, de acordo com a publicação da ANA (2019, p.28). A demanda de água na indústria reflete o tipo de produto e os processos produtivos. No que se refere à utilização, emprega-se a água como matéria-prima, reagente, solvente, agente de limpeza e de resfriamento de máquinas, dentre outros usos.  Logo, alterações no regime hídrico e efeitos de eventos hidrológicos extremos podem afetar a atividade industrial. Por exemplo, situações de escassez desse recurso podem implicar em desabastecimento, mesmo que parcial, comprometendo o processo produtivo.

Os impactos deste segmento variam de acordo com o tipo de indústria e sua localização geográfica. Como apresentam Dantas e Sales (2009, p.10), a água é um dos principais insumos empregados nos processos industriais. Portanto, o local de instalação de uma indústria é escolhido em função da disponibilidade de água, “pois os custos de produção estão a ela diretamente relacionados”, sendo um recurso vital da cadeia da produção industrial, utilizada para processar, lavar e arrefecer o maquinário manufaturador, como informa Selborne (2001, p. 35). O autor ainda acrescenta que os setores industriais que mais consomem água são os fabricantes de alimentos, de papel e de substâncias químicas, além das indústrias de refinação de petróleo e dos produtores de metais.

A demanda hídrica para abastecimento humano urbano (8,6%) e rural (2,4%) representa 11% do volume total. Apesar do baixo percentual, se comparado aos do agronegócio, as publicações da ANA (2016; 2019) alertam para o fato de que o abastecimento humano será fortemente impactado pelas mudanças climáticas. Ou seja, com o aumento da demanda devido ao aumento populacional, da urbanização e da política de abastecimento de água, o balanço hídrico pode também ser afetado pelo aumento da temperatura global. Outro importante dado apresentado na publicação (ANA, 2016, p.48) diz respeito à demanda reprimida para abastecimento da “ordem de R$ 508 bilhões em investimento para universalizar o acesso aos quatro serviços do saneamento (água, esgotos, resíduos e drenagem)”. Essa afirmação pode ser mais bem compreendida a partir dos dados divulgados pelo Ministério das Cidades (2017, p. 66) de que a rede geral de abastecimento de água está disponível para 84,6% dos domicílios brasileiros, ou seja, 15,4% dos domicílios estão fora da rede de abastecimento. No que se refere ao abastecimento urbano, a defasagem de abastecimento equivale a 6,5%, uma vez que 93,5% dos domicílios urbanos têm acesso ao abastecimento de água com canalização interna.

Hernández-Bernal e Souza (2015), por exemplo, analisando os dados divulgados pela Comissão Pastoral da Terra (órgão que registra, desde 1970, os diversos conflitos ocorridos no campo, o que inclui conflitos trabalhistas, conflitos pela terra, conflitos em garimpos, pela água, etc.), apresentam um levantamento sobre os conflitos pela água no Brasil. Os dados específicos sobre conflitos pela água passaram a ser coletados pela Comissão Pastoral da Terra a partir do ano de 2002 (embora os conflitos pela terra já fossem publicados desde 1985, conforme salientam Hernández-Bernal e Souza, 2015, p. 87). Ou seja, é relativamente recente a importância com que as questões que envolvem a problemática da água em nosso país passaram a ser tratadas, apresentando aparente preocupação com aspectos diretamente relacionados às atividades de produção rural, portanto, referentes ao problema do desenvolvimento e da prática agrícola. Embora tenha havido uma mudança ainda em curso, em relação a esses registros, é possível observar que as políticas públicas a eles relacionadas têm produzido poucos resultados, pelo menos quanto à diminuição dos focos de conflito. Desde o início dos registros até 2013, em 11 anos, mais de 304 mil famílias foram atingidas pelos conflitos pela água no Brasil, média de 27,6 famílias/ano. Considerando um recorte temporal ainda mais recente, entre 2010 e 2013, percebe-se relativo aumento de conflitos, uma vez que foram atingidas mais de 125 mil famílias, sendo registrados, em média, 88 conflitos por ano.

Segundo a ANA (2017), estiagens, secas, enxurradas e inundações representam cerca de 84% dos desastres naturais ocorridos no Brasil de 1991 a 2012. Nesse período, quase 39 mil desastres naturais registrados afetaram cerca de 127 milhões de pessoas. Um total de 47,5% (2.641) dos municípios brasileiros decretaram Situação de Emergência (SE) ou Estado de Calamidade Pública (ECP) devido a cheias pelo menos uma vez de 2003 a 2016. Cerca de 55% (1.435) desses municípios localizam-se nas regiões Sul e Sudeste. Quanto a seca ou estiagem, cerca de 50% (2.783) dos municípios brasileiros decretaram SE ou ECP no mesmo período.  A água é um recurso finito, de livre acesso, de múltiplos usos e que tem se tornado escasso, portanto, como apontam Carvalho e Curi (2015, p. 6), é uma fonte natural de conflitos. Tendo em vista que cada agente tenta estabelecer um modelo peculiar de gerenciamento desse recurso, sempre priorizando os seus próprios interesses.

As demandas concorrentes pela água impõem decisões difíceis quanto à sua alocação e limitam a expansão de setores críticos para o desenvolvimento sustentável, em particular para a produção de alimentos e energia. A competição pela água – entre “usos” e “usuários” da água – aumenta o risco de conflitos localizados e das desigualdades serem perpetuadas no acesso ao recurso, com impactos significativos nas economias locais e no bem-estar humano. Uma retirada excessiva é, frequentemente, o resultado de modelos antigos de uso de recursos naturais e de governança, em que a utilização de recursos para o crescimento econômico tem regulação deficiente e é realizada sem controle adequado (UNESCO, 2015). Ademais, permanecem enormes incertezas sobre a quantidade de água necessária para atender à demanda de alimentos, energia e outros usos humanos, e para sustentar os ecossistemas. Essas incertezas são exacerbadas pelo impacto das alterações climáticas. A gestão de recursos hídricos é responsabilidade de muitos tomadores de decisão, nos setores público e privado. A questão que se coloca é de como a responsabilidade compartilhada pode ser transformada em algo construtivo e ser elevada a um ponto de convergência em torno do qual os diversos interessados possam se reunir e participar coletivamente em tomadas de decisão informadas.

A Política Nacional de Recursos Hídricos (PNRH) foi instituída tendo como objetivo principal assegurar a disponibilidade de água em padrões de qualidade adequados aos respectivos usos, buscando a prevenção e o desenvolvimento sustentável pela utilização racional e integrada dos recursos hídricos. Alguns de seus princípios foram: o reconhecimento da água como bem público, finito e vulnerável, dotado de valor econômico e; adoção da bacia hidrográfica como unidade de planejamento descentralizada e participativa. Segundo a PNRH, os Estados, assim como o Distrito Federal, são responsáveis pela gestão das águas sob seu domínio, devendo, então, elaborar legislação específica para a área, organizar o Conselho Estadual de Recursos Hídricos e garantir o funcionamento dos comitês de bacia em sua região. Cabe aos os Poderes Executivos do Distrito Federal e dos municípios promover a integração das políticas locais de saneamento básico, de uso, ocupação e conservação do solo e de meio ambiente com as políticas federal e estaduais de recursos hídricos (Brasil, 1997). Portanto, os Comitês de Bacia Hidrográfica são fóruns de decisões no âmbito das bacias hidrográficas para a gestão dos recursos hídricos na respectiva escala hidrográfica. E à eles são atribuídos a promoção dos debates das questões relacionadas aos recursos.

Bobbio (1986), em seu trabalho “O Futuro da Democracia”, já advertia que um processo democrático é caracterizado por um conjunto de regras que estabelecem quem está autorizado a tomar as decisões coletivas e com quais procedimentos. O autor ainda destaca que mesmo as decisões de grupo são tomadas por indivíduos (o grupo como tal não decide). Por isto, afirma o autor, “para que uma decisão tomada por indivíduos (um, poucos, muitos, todos) possa ser aceita como decisão coletiva é preciso que seja tomada com base em regras que estabeleçam quais são os indivíduos” autorizados a tomar as decisões vinculantes ao grupo, o arranjo representativo e as ações oriundas deste.

Materiais e Métodos

A postura epistemológica adotada para o desenvolvimento do projeto é de natureza interpretativa. O desenho da pesquisa deste trabalho parte da perspectiva que podemos analisar as organizações de bacia como arranjos de governança compostos por diferentes atores que possuem atribuições de mediar, articular, aprovar e acompanhar as ações para o gerenciamento dos recursos hídricos de sua jurisdição. Tendo em vista que essas instâncias, à partir da atuação dos representantes, têm como atribuição legal deliberar sobre a gestão da água fazendo isso de forma compartilhada com membros da sociedade civil organizada, cuja atuação seja relacionada aos recursos hídricos na área de interesse; dos usuários de recursos hídricos tais como abastecimento urbano, indústria, captação e diluição de efluentes industriais, irrigação e uso agropecuário, hidroeletricidade, hidroviário, pesca, turismo, lazer e outros usos não consuntivos; do poder público Estadual;  e poder público Municipal (Prefeituras e associações e consórcios municipais).

Entende-se que a partir dessa perspectiva é possível analisar e discutir se os organismos de bacia são capazes de incluir sujeitos que estão tradicionalmente pouco inseridos em espaços de decisão. É uma pesquisa de tipo exploratório e descritivo na qual procurou-se a partir de uma primeira exploração das informações disponíveis, descrever as características do fenômeno de gestão de recursos hídricos possibilitado pelos comitês de bacia do Estado de Santa Catarina, com vista a identificar: quem são os atores que participam dos processos de formulação das políticas das águas no nível de bacia hidrográficas?

No que se refere aos procedimentos necessários à obtenção de dados, na primeira etapa recorreu-se ao levantamento da quantidade de Comitês de Bacia Hidrográfica no Estado e a quantidade de membros em cada organismo. À medida que iam sendo obtidos esses dados, já na segunda etapa da pesquisa foram realizados os contatos e envio de questionários por meio eletrônico para os representantes dos Comitês de Bacia Hidrográfica (CBH) abrangidos. Este processo de apuração e obtenção das respostas foi realizado entre os meses de Novembro/2017 e Fevereiro/2019. Os sujeitos da pesquisa foram compreendidos como “atores sociais” com o potencial para protagonizar o processo de formulação, implementação e avaliação das ações voltadas para à política de águas, expressando as demandas sociais. Para analisar as respostas recebidas foram excluídas as consideradas duplicidades e as incongruentes, resultando na obtenção de uma amostra de 34% dos assentos. O Estado de Santa Catarina possui 17 comitês constituídos, criados entre os anos de 1993 e 2010, compostos em média por 40 membros, entre titulares e suplentes, perfazendo a um total de 712 membros. Os quais estão divididos entre representantes do poder público (estadual e municipal), da sociedade civil organizada e dos usuários das águas das bacias.  

As percepções dos atores sobre o organismo de gestão das águas

A pesquisa proposta teve como objetivo analisar o perfil dos atores imbuídos na gestão estadual das águas, especificamente, nos comitês de bacia hidrográfica – CBH do estado de Santa Catarina. A composição de um comitê de bacia deverá refletir os múltiplos interesses com relação às águas da bacia. De forma geral, são três os interesses que se expressam nas bacias: dos usuários diretos de recursos hídricos (sujeitos ou não à outorga de direito de uso); dos poderes públicos constituídos (municípios, estados e União) na implementação das diferentes políticas públicas; e das organizações civis na defesa dos interesses coletivos e com o olhar dos interesses difusos. Em resumo, “esse conjunto de representações deve buscar reunir os antagonismos dos interesses sobre a água, porém, o uso dos recursos hídricos deve ser sustentável de modo a assegurar condições não só para as atuais gerações, mas também para as futuras’’ (ANA, 2011).

Em linhas gerais, pode se dizer a definição das características que qualificam o representante como o mais adequado para defender os interesses de determinado segmento é realizada entre os seus pares em assembleias setoriais, convocadas mediante publicação de edital dos comitês para escolha dos representantes. Esses representantes são geralmente credenciados por uma comissão eleitoral e, depois de cumprida a etapa de apresentação dos documentos comprobatórios estabelecidos pelo comitê, eles se encontram aptos para participar do processo de escolha dos membros do colegiado.

Dos respondentes do questionário de pesquisa, 75% são representantes titulares, e os demais (25%) são suplentes. No que se refere ao setor de representação: 27% dos respondentes pertencem ao segmento dos usuários de água; 14% do poder público municipal; 29% da sociedade civil; 21% do poder público estadual; e 8% do poder público federal. Importa realçar, que no caso da sociedade civil e dos usuários de água, essa representação está relacionada a entidades constituídas, e, nesse sentido, não existe espaço para a participação individual.

A partir da pesquisa realizada, quando se observa o perfil dos representantes de acordo com o sexo, percebe-se ainda uma diferença significativa (25%) entre o percentual dos membros do sexo masculino (62,5%) e do sexo feminino (37,4%), o que denota a necessidade de incentivar e promover a participação de mais mulheres, objetivando incluir as diferentes narrativas e visões sobre o tema. Dentre os segmentos de representação, o que apresentou maior equilíbrio de distribuição foi o da sociedade civil.

Sobre a faixa etária dos representantes nos comitês de bacia (CBHs) no estado de Santa Catarina, a maior composição dos membros está entre a faixa de 51 a 60 anos. Individualmente esta categoria recebeu o maior número de indicações 28%, percebe-se que mais da metade, 50% dos representantes possuem menos de 50 anos, mostrando relativo equilíbrio entre as faixas etárias: 31 a 40 anos, 21%; 41 a 50, 27%, de 61 a 70, 11%; até 30 anos, 11% e com mais de 70 anos, 3%.

Ao ser analisado o grau de escolaridade dos que atuam nesses espaços chama a atenção o fato de 95% dos integrantes dos comitês possuírem grau superior completo. Os dados mostram ainda que no que se refere à escolaridade os extremos estão situados no nível fundamental com 0,7% e no nível de doutorado com 11% de representantes. No que se refere à escolaridade, a pesquisa encontrou um perfil altamente escolarizado dos representantes, tendo em vista que 79% ingressaram em cursos de pós-graduação.

Além disso, os comitês de bacias são espaços em que predomina a especialização dos atores por áreas de formação destacando-se os cursos de Engenharia (28%), seguido pelas áreas de Ciências Sociais Aplicadas com 22%. Na sequência foram citadas as áreas de Ciências Agrárias (22%); Ciências Biológicas (15%); Ciências Exatas (5%); Antropologia (4%); Multidisciplinar (2%); Ciências da Saúde (2%), Linguística (1%).

No que se refere à distribuição dos recursos os resultados do estudo mostram em relação à renda familiar, que de forma geral, entre os representantes, cerca de 82% ganham acima de R$ 4.001,00. Ao se agrupar por categorias, observa-se que 17,5% possuem rendimentos acima de R$ 12.001,00; 30,6% ganham entre 8001 a 12000 reais; 34,4% de 4001 até 8000; 13,1% recebem entre 2501 até 4000; 3,3% possuem rendimentos de 1501 até 2500; e apenas 1,1% recebe de 900 a 1500.  Dos representantes que possuem os rendimentos mais elevados, observou-se que apenas 2,1% são do sexo feminino. Em uma análise comparativa percebe-se que não apenas as mulheres são ainda minoria nos organismos de bacia, mas também pertencem aos grupos com as rendas familiares mais baixas.

Os resultados encontrados indicam, majoritariamente, um perfil com renda acima da média do país, se comparado como o valor do salário mínimo estabelecido (R$954,00). Esses dados corroboram com os apontamentos de Santos Junior et al., (2004, p. 37), que o perfil dos representantes constitui uma espécie de elite de referência, ou de uma comunidade cívica portadora de uma cultura associativa, caracterizada por um perfil socioeconômico superior e por maior grau de informação e de capacitação técnica e política, se comparada à média da população em geral. Ao serem desagregados pelo setor de representação, observa-se que os dados mostram um perfil de alta renda, sendo que este é mais acentuado entre os representantes do segmento de usuário e do poder público estadual.

Perguntamos também aos representantes sobre o tempo de participação e representação em comitês de bacia, e observamos que 14% participam há menos de 1 ano da composição do comitê; 46% de 1 a 5 anos; 20% de 6 a 10 anos; 13% de 10 a 15 anos; 6% de 16 a 20 anos; 1% participam há mais de 20 anos.  Considerando que a experiência participativa dos atores representantes, tanto do ponto de vista individual, quanto do ponto de vista das organizações civis representadas nos comitês do Estado, representa um diferencial importante para assegurar a concretização do potencial que se espera dos arranjos de governança no que diz respeito ao processo decisório das políticas públicas das águas, os resultados da pesquisa permitiram constatar uma fraca inserção dos representantes dos comitês de bacias em outros organismos colegiados relacionados à gestão de recursos hídricos. Ao ser questionado se os representantes dos comitês de bacia participam também de outros organismos colegiados relacionados à gestão de recursos hídricos 16,76% dos respondentes informaram que participam e 83,24% disseram que participam apenas do Comitê de Bacia no qual fazem parte. Considera-se que ao participarem de outros organismos colegiados (por exemplo, o Conselho Estadual de recursos Hídricos; Fórum Nacional de Comitês de Bacia; Fórum Estadual de Comitês de Bacia, dentre outros) que também debatem recursos hídricos os representantes de comitês do Estado podem ampliar a integração e articulação para troca de experiências e aprendizado com outras esferas de participação. O mesmo pode ser considerado em relação a participação no Conselho Nacional de Recursos Hídricos e no Fórum Nacional de Comitês de Bacias.

Por outro lado, dado que a dinâmica política que caracteriza o estabelecimento dos arranjos tem um papel importante na atuação dos representantes nos espaços de decisão das políticas das águas, os dados da pesquisa mostram que além de participar do comitê de bacia, 43,86% dos atores representantes indicaram que também participam ou são membros de outros organismos colegiados, como por exemplo: conselhos de educação e de saúde. A participação dos representantes em comitês de bacia em outros organismos colegiados pode contribuir para a articulação e integração da temática recursos hídricos em outras políticas públicas. As diversas formas de participação são importantes para a construção de uma sociedade democrática. Algumas formas de participação são apenas consultivas, enquanto os comitês de bacia diferem de outras formas de participação previstas em outras políticas públicas, pois têm como atribuição legal deliberar sobre a gestão da água fazendo isso de forma compartilhada com representantes da sociedade civil e dos usuários, e do poder público.

Considerando que o processo decisório do comitê deve decorrer de amplo processo de articulação e negociação, devendo ser embasado por estudos técnicos para subsidiar as decisões políticas. É, portanto, um processo comunicativo de opinião e formação da vontade que precede o momento da tomada de decisão. Nesse sentido, considerando que o processo decisório do comitê deve decorrer de amplo processo de articulação e negociação, devendo ser embasado por estudos técnicos para subsidiar as decisões políticas, perguntamos a percepção dos representantes se os assuntos tratados no Comitê são facilmente compreendidos por todos os representantes, e se a linguagem utilizada nas reuniões é facilmente compreendida e apropriada por todos os representantes (Gráfico 1), perguntamos a percepção dos representantes se os assuntos tratados no Comitê são facilmente compreendidos por todos os representantes, e se a linguagem utilizada nas reuniões é facilmente compreendida e apropriada por todos os representantes.

Apesar de que a maioria dos participantes possuem alto nível de escolaridade, os resultados pode indicar a necessidade de capacitação no que se refere à gestão dos recursos hídricos, tendo em vista que 62% dos respondentes consideram que os assuntos tratados são compreendidos parcialmente ou não compreendem pelos representantes. No que se refere aos assuntos tratados alguns dos respondentes indicaram a necessidade de maior entendimento sobre a legislação das águas e as atribuições de um comitê de bacia, ou seja, o papel do organismo colegiado e a forma como ele, representante, se insere neste espaço, suas funções ou a profundidade dos temas que estão sendo discutidos, e as implicações do comitê na região da bacia hidrográfica. Em outro dado, 44% dos membros consideram que a linguagem utilizada durante as reuniões é apenas parcialmente compreendida, o que pode indicar a necessidade de se repensar a forma de apresentação dos temas nas reuniões dos colegiados. Para este tópico foram indicados a necessidade de conhecimento dos termos técnicos utilizados.

Todas as atribuições do comitê pressupõem ampla discussão e acordos entre as partes envolvidas. No entanto, as discussões não são um fim em si mesmo, e o comitê só tem sentido quando consegue exercitar de forma plena suas atribuições legais. Questionou-se também aos representantes quantas horas em média, por mês, ele dedica-se às atividades ligadas ao Comitê de bacia. Os resultados mostram que quase a metade dos representantes (59%) dedicam menos de cinco horas por mês em atividades relacionadas aos comitês de bacias. Na sequência, 29% dos representantes indicaram que se dedicam de seis a dez horas por mês; 6% dedicam entre 11 a 15 horas; 4% entre 16 a 20 horas; e 3% dedicam-se mais de 21 horas por mês às atividades do comitê. Este dado, de forma isolada, parece não ser significativo, porém quando observamos conjuntamente com as informações com apreensão dos assuntos abordados no âmbito dos comitês, pode-se se sugerir que mais horas de dedicação poderiam ampliar o entendimento dos representantes acerca dos temas recorrentes ao ser representante.

Considerações Finais

A importância da água para a manutenção da vida, proteção da saúde humana e a melhoria de sua qualidade de vida é constatação indiscutível e de amplo reconhecimento. A gestão das águas, como um bem de domínio público, apresenta-se como um dos maiores desafios colocados para a sociedade nos últimos tempo, dada sua fundamental importância na vida humana e no meio ambiente, é o elo que liga todos os aspectos do desenvolvimento humano. E por esta razão buscamos apresentar a relevância dos recursos hídricos nos diversos setores econômicos.

Neste estudo tivemos como objetivo analisar o perfil dos representantes membros de comitês de bacia hidrográfica no Estado de Santa Catarina, considerando que estes espaços são compostos por diferentes atores que possuem atribuições de mediar, articular, aprovar e acompanhar as ações para o gerenciamento dos recursos hídricos de sua jurisdição. Os Comitês são órgãos colegiados que possuem atribuições normativas, consultivas e deliberativas, que têm por objetivo promover o planejamento e a tomada de decisões acerca dos usos múltiplos dos recursos hídricos no âmbito da bacia hidrográfica, região compreendida por um território e por diversos cursos d’água. Acredita-se que o pleno funcionamento dos comitês e o exercício ativo dos representantes dos diferentes segmentos deveriam contribuir para assegurar o acesso sustentável à água de qualidade e em quantidade adequada à manutenção dos meios de vida, do bem-estar humano e do desenvolvimento socioeconômico. Ou seja, promover a segurança hídrica deve ser o foco principal daqueles que realizam a gestão dos recursos hídricos.

O setor da água apresenta características intrínsecas que o tornam altamente sensível e dependente de um sistema de governança de vários níveis. A água está ligada de maneira transversal a múltiplos setores, lugares e pessoas e, também, a escalas geográficas e temporais distintas. Na maioria dos casos, as fronteiras hidrográficas e os perímetros administrativos não coincidem. Os dados apresentados permitem traçar um panorama do perfil dos representantes membros de comitês estaduais de bacia hidrográficas no Estado. Em sua maioria, os representantes são do sexo masculino, das classes média e alta, possuem alta escolaridade. Espera-se que esses arranjos de governança devam ser capazes de incluir todos os indivíduos nos processos deliberativos e decisórios, independente das posições de poder que ocupem nas relações sociais. Desse modo, percebe-se a necessidade de uma participação mais equilibrada das mulheres e dos jovens nos comitês de bacia, e consequentemente na gestão dos recursos hídricos. A participação diversificada pode possibilitar a adoção de melhores alternativas e práticas na gestão das águas. E, para que isso ocorra, os comitês de bacia hidrográfica são fundamentais, tendo em vista que são as instâncias onde se possibilita o encontro das experiências, capacidades, conhecimentos e vivências de seus vários representantes.

Quando se trata do perfil participativo, nota-se que, apesar de a maioria representantes é membro entre 1 a 5 anos organismos de bacia (46%), o que pode indicar alta rotatividade entre os representantes. Apenas 16% indicaram participar de arranjos deliberativos sobre recursos hídricos, mas 43% possuem experiência colegiados de outras temáticas, indicando, assim, alguma experiência neste tipo de atividade. A desinformação ou falta de conhecimento por parte de alguns representantes é um ponto que enfraquece o processo do intercâmbio de ideias e um justo equilíbrio na participação dos membros nos Comitês de Bacia. Deve-se ressaltar que a participação de todos os atores envolvidos, de todos os setores da sociedade, constitui um elemento importante e que pode promover a equidade na gestão da água. Outro ponto a ser considerado é que a transparência e o desenvolvimento institucional são fundamentais para permitir e facilitar que a participação possa desenvolver uma governança efetiva e melhores possibilidades de ação frente à variabilidade climática e todos os impactos a ela associadas.

Os fundamentos da gestão da água, como nos lembra Correio e Barp (2014, p.204), requer uma visão sistêmica das funções gerenciais (planejamento, organização, direção e controle ou avaliação), e integra uma perspectiva mais abrangente, no qual faz-se necessário um processo que promova o “desenvolvimento coordenado e o gerenciamento dos recursos hídricos para maximizar o resultado econômico e social de forma equitativa sem comprometer a sustentabilidade vital dos ecossistemas”. Tendo em vista que essa gestão deve ser integrada, pois abrange “a terra e a água; bacia hidrográfica e ambiente costeiro; águas superficiais e subterrâneas; quantidade e qualidade da água; montante e jusante; desenvolvimento econômico, social, humano e institucional” ou seja, todos os elementos da água no meio ambiente, sobretudo o urbano e seus “efeitos econômicos da cadeia produtiva da água”.

Buscou-se contribuir para os estudos sobre a participação em comitês estaduais de bacia hidrográfica, adotando como caso de análise o Estado brasileiro de Santa Catarina. Ao apresentar o perfil dos representantes membros, este estudo pode ser utilizado na comparação com a realidade de outros estados e contribuir no campo da implantação da política de recursos hídricos no país. Observou-se também a possibilidade de desenvolvimento de outros estudos mais aprofundados buscando as possíveis razões pela baixa participar das mulheres e jovens nos comitês de bacia.

Os diferentes usos desse recurso são promovidos pela atuação conjunta e articulada de diversas políticas públicas e a falta de boa governança nessas políticas públicas, a qual se traduz em políticas ineficazes, fiscalização precária, instituições fracas e corrupção, e a ausência de infraestrutura adequada e reduzidos investimentos para a capacitação de recursos humanos contribuem para o sistemático alastramento dos problemas de qualidade da água. Desse modo, a poluição hídrica e a sua escassez são, em grande medida, desafios sociais e políticos, e determinantes de como as pessoas, constituintes de uma sociedade coletiva, administram esses recursos hídricos e os seus benefícios associados (ANA, 2011a).

Considerando as informações levantadas sobre os usos dos recursos hídricos e de que os setores apresentados estão aumentando o consumo, percebe-se que o olhar deve-se voltar para os comitês de bacia e sua ação, e quem são os membros que o compõem. A atuação deles pode resultar em uma maior influência na formulação das políticas públicas das águas, de modo que elas atendam aos interesses e necessidades da coletividade.

Como reflexão, no que se refere-se aos usos dos recursos hídricos pelos diferentes segmentos, ficam ainda alguns questionamentos: haverá redistribuição do percentual de demanda de consumo de água? E, ainda, como apresentados nos estudos sobre os impactos das mudanças climáticas que poderão causar alterações significativas na qualidade das águas, haverá água para todos? Essas são questões difíceis de serem respondidas, mas nesse cenário de caos de disponibilidade hídrica, parece evidente o aumento da competição pela água e a tendência de ampliação dos conflitos entre setores, tais como, a irrigação e outros usos da água, como o abastecimento urbano e a geração de energia. Em períodos considerados críticos, serão necessárias medidas para manter as prioridades legais de uso, que dizem respeito ao abastecimento humano e dessedentação animal, e ajustar os interesses dos diferentes usuários. Entretanto esses apontamentos nos apresentam outros problemas: a redução da disponibilidade ou a piora na qualidade da água imporá custos adicionais a todos os setores usuários, ou seja, o comprometimento dos cursos de água aumenta os custos e os riscos para as operações industriais, por exemplo. Logo, podemos dizer que o aumento do custo de produção, elevaria os preços dos produtos, podendo reduzir a competitividade da indústria brasileira poderia contribuir para o fechamento de unidades fabris e saída de empresas do país?

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*Doutora em Administração. Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil
** PhD em Administração. Professor Titular, Universidade Federal de Minas Gerais, Brasil

Recibido: 15/05/2020 Aceptado: 21/05/2020 Publicado: Mayo de 2020

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