Revista: CCCSS Contribuciones a las Ciencias Sociales
ISSN: 1988-7833


DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS AO DIREITO PROCESSUAL PENAL

Autores e infomación del artículo

Cristiano Elias *

Alex Pereira Bühler**

Faculdade de Direito do Sul de Minas - FDSM, Brasil

ctse@fdsm.edu.brail.com


RESUMO:

A irradiação dos Direitos Fundamentais, individuais e sociais, causada pela evolução do Estado Liberal de Direito para o Estado de Direito Social, sempre motiva a necessidade de reforçar o ideal constitucionalista de tornar cada vez mais eficazes os direitos instituídos na Constituição Federal de (1988) do Brasil. É refletindo sobre os Direitos Fundamentais, individuais e sociais, que este artigo objetiva reforçar a importância de serem preservadas as garantias e liberdades constitucionais para uma Dignidade Humana plena, cujo dever de preservação e defesa compete ao Estado perseguir, com a aplicação de todos os seus meios e recursos principalmente sobre a área que mais avilta o indivíduo, o Processo Penal.

Palavras-chave: Dignidade Humana; Direitos Fundamentais; Direito Processual Penal; réu.

ABSTRACT: The irradiation of individual and social rights caused by the evolution of the Liberal State of Law to the Social State of Law always motivates the need to reinforce the constitutionalist ideal of making each more effective the rights established in the Federal Constitution of 1988 of Brazil. It is reflecting on individual and social fundamental rights that this article aims to reinforce the importance of preserving the constitutional guarantees and freedoms for a full human dignity, whose duty of preservation and defense is the responsibility of the State to pursue, with the application of all its means and resources mainly on the area that most demeans the individual, the criminal process.
Keywords: Human dignity; fundamental rights; criminal procedural law; defendant.

Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Cristiano Elias y Alex Pereira Bühler (2020): “Dos direitos fundamentais ao direito processual penal”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (mayo 2020). En línea:
https://www.eumed.net/rev/cccss/2020/05/direitos-fundamentais-penal.html

//hdl.handle.net/20.500.11763/cccss2005direitos-fundamentais-penal

INTRODUÇÃO

Os Diretos Fundamentais foram irradiados com a evolução do Estado Liberal de Direito para o Estado de Direito Social.
Contemporaneamente, esta classe de garantias e liberdades encontra-se assentada na maioria das Constituições dos Estados modernos que por isso são caracterizados como Estados de Direitos Sociais, mesmo que tal definição não conste expressamente na Magna Carta tal designação.
Porém, não basta somente constar normativamente os Direitos Fundamentais na Constituição de um país para que haja a sua consagração. Sempre haverá a necessidade de ser reforçado o ideal constitucionalista, de Direitos Fundamentais, para que seja tornado real o Estado de Direito e Bem-estar Social a ser efetivado em sua plenitude.
Esta necessidade de Direitos Fundamentais está sempre presente no meio social e político de um Estado Constitucional moderno e torna-se pungente sempre que emerge uma ideologia contrária à sua adoção. Principalmente quando o tema está relacionado aos direitos processuais do réu em um calamitoso sistema penal.
É neste âmbito, que na sociedade brasileira há uma potencial crítica em face dos Direitos Fundamentais dos réus, frequentemente acentuada em consequência da “sensação de impunidade” causada pela morosidade processual nas ações penais, no sentido de que os réus no processo penal não fazem jus pleidnte às garantias fundamentais.
Estas críticas são muito comuns na sociedade brasileira, tanto que recentemente o Supremo Tribunal Federal foi elogiado por aqueles que sentem a sensação da injustiça, ao decidir que o réu deve ser preso após seu julgamento pela justiça de 2º grau.1 Em contrapartida, principalmente por juristas, o Supremo Tribunal Federal foi duramente criticado sobre o argumento que as garantias constitucionais fundamentais dos réus foram fortemente infringidas. 2
Destacada essa contradição de críticas que pairam entre o senso comum e o conhecimento jurídico, quanto da preservação de direitos fundamentais processuais do réu, procurasse aqui o verdadeiro sentido deste trabalho, qual seja: Reforçar o valor dos direitos fundamentais, individuais e sociais, enquanto garantias constitucionais para uma dignidade humana plena, cujo dever de preservação efetiva cabe ao Estado concretizar, com a aplicação de todos os seus meios e recursos disponíveis.
O presente trabalho conceitua os Direitos Fundamentais, como bases que identificam à existência de um Estado de Direito Social a ser construído pelo Estado Brasileiro. Demonstra que o Brasil está compromissado normativamente com a efetivação dos Direitos Fundamentais através de sua Constituição e da agregação de diplomas internacionais e faz uma reflexão sobre as dificuldades para a efetivação desta classe de direitos.
Por último é destacado como os Direitos Fundamentais devem estar presentes no processo penal, cuja responsabilidade é do Estado e do Poder Judiciário tutelar os Direitos Fundamentais do réu para impedir um retrocesso nas garantias e liberdades constitucionais do acusado.
Utilizou-se da pesquisa bibliográfica e normativa legal do Brasil para a produção deste artigo.

1. DIREITOS FUNDAMENTAIS, BASES DO ESTADO DE DIREITO SOCIAL

A evolução do Estado Liberal de Direito para o Estado de Direito Social implicou na ampliação das garantias e liberdades a serem proporcionadas ao indivíduo e à sociedade pelo Estado garantidor. Da mesma forma que no Estado Liberal de Direito o foco estava direcionado para os direitos individuais que atingiram status constitucional, igualmente, no Estado de Direito Social foi acrescentado ao rol constitucional as garantias e liberdades sociais com o mesmo reconhecimento.
Nesta mesma direção, encontrasse na doutrina que:

“[...] o Estado de Direito não é mais considerado somente como um dispositivo técnico de limitação de poder, resultante do enquadramento do processo de produção de normas jurídicas; é também uma concepção que funda liberdades públicas, democracia, constituindo-se como o fundamento subjacente da ordem jurídica.” 3

Sobre este contexto compreende-se de Ingo Wolfgang Sarlet 4 que, a relação entre Estado de Direito Social e Direitos Fundamentais é estreita e está consagrada na maioria das constituições contemporâneas. Mesmo na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, apesar de não constar expresso em termos o Brasil como um Estado de Direito Social, segundo o autor esta ausência não é capaz de afastar o entendimento majoritário da doutrina segundo o qual, o Estado brasileiro está implicitamente alicerçado em bases constitucionais que o caracterizam como um Estado de Direito Social. Isto é verificável através da observação de vários direitos fundamentais, individuais e sociais, cujos princípios estão estampados na Constituição de (1988) em seu Título I, como por exemplo, a Dignidade da Pessoa Humana, os valores sociais do trabalho, a construção de uma sociedade livre justa e solidária, além de várias outras previsões de direitos, individuais e sociais, dispersos no texto da Magna Carta, ao encargo do Estado. Infere-se ainda de Sarlet 5 que, no Estado de Direito Social a regra é a mesma, os Direitos Fundamentais, individuais e sociais, constituem requisitos essenciais para as liberdades e garantias da igualdade de oportunidades, inerentes à sistemática da democracia, em um Estado de Direito Social não apenas formal, mas com justiça material.
José Afonso da Silva 6 ressalta também que, na existência digna do ser humano, um dos fatores essenciais para as condições de sua vida em sociedade é a agregação dos direitos fundamentais sociais no Estado de Direito. Isto porque, os Direitos Fundamentais Sociais transformam a realidade permitindo aos cidadãos, através da participação política, definirem seu destino arraigado nos valores de um Estado Democrático de Direito, nos seus elementos constitutivos e em sua ordenação jurídica. As origens advêm do encontro dos ideais de um Estado Democrático conjugados com as garantias jurídicas das preocupações sociais, de forma a não sobrepor conceitos e sim aglutinando um conteúdo próprio de valores que mesmo vinculado à legalidade, a busca pela igualdade não é perseguida pela generalidade na norma, mas sim através dela com intervenções estatais que resultem na transformação da situação da comunidade.
A transformação do Estado moderno em um Estado de proteção social segundo François Ost 7 baseou-se inicialmente nas teorias contratualista clássicas de Hobbes, Locke, Rousseau e Kant. A primeira fase tem como marco o século XIX com a proteção minimalista do Estado Liberal, passando posteriormente pelas transformações das experiências dos pós-guerras mundiais do século XX e crises econômicas, cujos efeitos alargaram as funções do Estado de mero garantidor de uma sobrevivência mínima, para a garantia mais ampla de um bem-estar social.
O Estado de Bem-Estar Social ou Wellfare-State 8agregou também as responsabilidades sobre diversas demandas existentes de uma sociedade diversificada de massas culturais e com uma mutação de valores constantes. No processo Histórico segundo Lênio Luiz Streck e José Luis Bolzan de Morais,9 a transformação do Estado está ligada também aos movimentos operários pela luta da questão social como: direitos inerentes às relações de produção, previdência, assistências sociais, transporte, moradia, salubridade pública, saúde e outros, que pressionaram a passagem do Estado mínimo absenteísta para o Estado protetor intervencionista, cujo ideal seria o Estado que independente da situação social do indivíduo tem garantido o direito de ser protegido em face de dependências de curta ou longa duração.
A compreensão deste quadro requer a concepção do contexto político, social e cultural, entre o final do século XIX e início do século XX, no qual o liberalismo foi paulatiidnte transformado pela realidade do fenômeno da industrialização e da urbanização das sociedades de massa e de risco que geraram problemas advindos das necessidades de toda ordem.  Os problemas fundamentais, os quais na época o Estado não estava estruturado adequadamente para enfrentar, compreendiam a necessidade de uma saúde pública, a repressão ao crime e o desenvolvimento da justiça social igualitária. Estando diante de uma nova realidade, os Estados foram forçados a modificar seu aparelhamento para a tomada de uma ação social mais efetiva, o que resultou em uma maior intervenção estatal. Assim, a partir daquela realidade ficou claro que as promessas Iluministas liberais de uma sociedade livre, igual e fraterna não se verificaram e estavam comprometidas a tal ponto que o Estado Liberal, mínimo e garantidor dos direitos individuais já não se sustentava mais restando aclamada a necessidade de intervenção, isso ao mesmo tempo em que o Estado se deparava com as dificuldades de manter o respeito aos direitos individuais e resolver as demandas geradas pelas desigualdades sociais que se formaram.
Neste sentido:

“Num famoso "diagnóstico do nosso tempo", publicado em 1930, o filósofo espanhol Ortega y Gasset proclamou que "o fato mais importante" da época contemporânea foi a ascensão das massas. Não é necessário adotar a interpretação de Ortega y Gasset sobre o significado desse fato para compartilharmos de sua crença na importância do mesmo. Basta olharmos em redor para ver quão radicalmente o advento da sociedade das massas alterou não só o contexto de nossa vida individual como também o sistema político em que nossa sociedade está organizada. Também neste aspecto as décadas finais do século XIX ou, mais amplamente, talvez, os anos entre 1870 e 1914, situam-se como divisor entre o final de um período histórico e o início de outro. Quando foram introduzidos os novos processos industriais em larga escala e surgiram novas formas de organização industrial, requerendo a concentração das populações em tentaculares áreas congestionadas, de fábricas fumegantes e ruas sujas, todo o caráter da estrutura social mudou. Nos novos aglomerados urbanos, uma vasta, impessoal, maleável sociedade de massas nasceu e a cena ficou montada para desalojar os então predominantes sistemas social e político burgueses, bem como a filosofia liberal que os sustentavam, substituindo-os por novas formas de organização política e social.” 10

 Antônio E. Perez-Luño 11 que, conforme o Estado Liberal de Direito evoluiu para a forma de Estado de Direito Social, o significado dos direitos fundamentais, individuais e sociais, foram irradiados com a função de garantia das liberdades existentes, e no decorrer do tempo os direitos fundamentais, individuais e sociais deixaram de ser meros limites para as ações do poder político enquanto garantias negativas, e passaram a definir um conjunto de valores ou fins dirigentes para a ação positiva dos poderes públicos.
No Estado de Direito Social, os direitos fundamentais, individuais e sociais, enquanto deveres de prestações estatais estão baseados na postura ativa estatal. Abstrai-se de Robert Alexy 12 uma importante distinção entre a prestação de direitos fundamentais individuais e direitos fundamentais sociais, o primeiro destinasse a garantir a esfera de liberdade do indivíduo em face da atuação estatal como direitos de defesa: são as ações negativas; enquanto que o segundo visa garantir as prestações estatais para a eficácia dos direitos sociais: são direitos a ações positivas.
Por sua vez, Ingo Wolfgang Sarlet 13 concebe duas responsabilidades do Estado, a responsabilidade de proporcionar o efetivo exercício das liberdades fundamentais, por meio da garantia ao direito de defesa, ações negativas, o que leva a uma postura da não intervenção na liberdade pessoal individual e a responsabilidade de colocar à disposição os meios materiais para a implementação fática e jurídica que possibilitem o exercício das liberdades fundamentais também através do Estado, ações positivas, tudo a partir do princípio que o indivíduo para a conquista e manutenção de sua liberdade carece muito da postura ativa dos poderes públicos.
Ainda corroborando:

“Os direitos fundamentais, na concepção liberal-burguesa, eram compreendi­dos como direitos de defesa do particular contra interferências do Estado em sua propriedade e liberdade. Mais tarde, como consequência natural da transforma­ção do Estado e de suas novas funções diante da sociedade, os direitos fundamen­tais passaram a ser categorizados não mais apenas como direitos de defesa, mas igualmente como direitos a prestações. Isso tem relação com a tomada de consciência de que não bastava garantir as liberdades diante do Estado, sendo necessário dele exigir não só prestações de proteção aos direitos e prestações sociais capazes de efetivamente possibilitar que a liberdade pudesse ser usufruída, como também prestações idôneas a viabilizar a participação dos particulares na reivindicação de proteção e dos direitos sociais e nos próprios procedimentos judiciais voltados à tutela dos direitos. Foi assim, com a descoberta de que a liberdade deveria ser conquistada com a ajuda do Estado, que surgiram, ao lado dos direitos de defesa, os direitos a pres­tações, que foram divididos em direitos de proteção, direitos a prestações sociais e em direitos de participação, esses últimos exigindo organização e procedimentos adequados.” 14

Esta exposição deixa mais destacada uma forma de divisão dos direitos nas categorias de direitos de proteção como prestação em sentido amplo, os direitos de prestações sociais como prestação em sentido estrito e os direitos de participação também como prestação e sentido amplo. Ficou claro que os direitos fundamentais diminuíram sua significação de abstenção estatal e passaram a aglutinar o sentido de exigência de prestações de ações estatais no sentido de disponibilização dos meios necessários á concretização das necessidades de direitos demandadas.
Nesta direção, já não e mais aceitável que o Estado se mantenha em uma postura absenteísta em relação aos direitos fundamentais, individuais e sociais, do Estado deve ser exigido ações mais ativas e efetivas de prestações no sentido de se garantir a efetividade material destes direitos.  

2. O COMPROMISSO DO BRASIL COM OS DIREITOS FUNDAMENTAIS SOCIAIS

No Brasil, a força normativa dos direitos fundamentais sociais está instituída na Constituição Federal de (1988), sob Título II, Dos Direitos e Garantias Fundamentais, art. 5º, § 1º vinculando o Estado à sua aplicação imediata. Porém, apesar da previsão da imediata aplicação dos direitos fundamentais no texto constitucional, vale destacar que a efetividade desses direitos também está condicionada às ações específicas do Estado denominadas, políticas públicas, cuja execução se faz por meio de um demorado e complexo processo democrático, político e orçamentário de pré-estabelecimento de prioridades quantitativas e qualitativas. Apesar de moroso, este processo é necessário e está previsto constitucionalmente para a gestão dos recursos financeiros escassos arrecadados pelo Estado, os quais devem ser necessariamente previstos e alocados nas leis orçamentárias constitucionais, sob pena do gestor público responder por crime de responsabilidade fiscal, caso este infrinja as vedações orçamentárias constitucionais e legais.
No mesmo sentido, encontram-se no corpo da Constituição Federal de (1988) diversos dispositivos que dificultam a efetivação dos direitos fundamentais, por exemplo, condicionando a adoção de novos direitos à existência de prévia fonte de recursos financeiros para sua criação, efetivação e manutenção, como no caso de benefícios previdenciários, de assistência social ou de saúde.
A dificuldade inicial da afetividade dos direitos fundamentais é clara uma vez que os direitos custam dinheiro conforme conclui Holmes e Sustein:

“A Declaração da Independência dos Estados Unidos afirma que ‘para assegurar estes direitos, Governos são estabelecidos entre os homens.’ Por obvia verdade que direitos dependem do governo devendo ser adicionada uma logica corolária, um farto com implicações: direitos custam dinheiro.” 15

Isto implica, com base no Princípio do Equilíbrio das Finanças Públicas, previsto no Art. 167, II, da Constituição Federal de (1988), inicialmente que não se pode ter mais despesas que receitas, em outras palavras, num primeiro momento salvo exceção não se pode investir em direitos mais do que se arrecada.
Há também as amarras do Princípio da Legalidade, Art. 37, caput, da Constituição Federal de (1988) que condiciona as ações dos gestores públicos a um enorme arcabouço de normas infraconstitucionais que engessam e dificultam o procedimento das despesas com políticas públicas por parte da máquina estatal.  
Contudo, um argumento para contrabalancear toda uma dificuldade fática e jurídica de gestão inicial para o Estado efetivar os direitos fundamentais, pode ser apreendido das lições de Robert Alexy 16 que, em um dado modelo de direitos sociais sempre há um núcleo essencial de direitos a serem obrigatoriamente satisfeito em condições mínimas, quantitativas e qualitativas, necessárias e indispensáveis à existência de uma vida digna. Salienta ainda o autor que, um dado modelo de direitos sociais não determina qual o rol de direitos pertence ao indivíduo, mas dele consta alguns direitos que são relevantes para a sua existência digna e seu conteúdo, como por exemplo: direitos mínimos existenciais à educação fundamental e média, à moradia, à saúde ao lazer e outros.
Alinhado com este fundamento, de existir um núcleo essencial de direitos sociais para uma existência digna, observa-se que a Constituição Federal de (1988) instituiu a superioridade formal axiológica e material das categorias dos direitos que ela abarca, impondo ao Estado o cumprimento de valores intrínsecos aos objetivos da República do Brasil.
A interpretação desta condição impõe claramente aos Poderes Públicos, principalmente ao Executivo e ao Legislativo, a prestações de ações positivas em editando e executando as leis para a realização dos direitos sociais através das políticas públicas. Neste sentido, ressaltasse que se o Estado for omisso aos seus objetivos e aos direitos constituídos, não se estará vivendo um verdadeiro Estado Democrático de Direito Constitucional, consubstanciado em um implícito Estado de Direito Social Constitucional. 17
Igualmente pode ser compreendido que, uma vez concebida a obrigatoriedade normativa constitucional para o Estado atender e promover os objetivos da República Federativa do Brasil, também transparece a obrigatoriedade estatal de dar efetividade ao Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, garantindo os direitos do homem juntamente com a efetivação das políticas públicas favorecendo o bem-estar social.
A esta altura cabe destacar que os direitos fundamentais não estão limitados ao rol das disposições contidas na Constituição Federal de (1988), haja vista, a previsão constitucional do Art. 5, §2º que assim dispõem: “Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.
Observa-se também que, o Estado Brasileiro além da normatividade das garantias e direitos previstos em sua Constituição ele se comprometeu com o prol de direitos reconhecidos pela Comunidade Internacional através do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, no qual está incluído o rol dos direitos sociais previstos na Declaração Universal de Direitos Humanos de (1948) restando atribuído aos Estados pactuantes à responsabilidade internacional de promover e respeitar os direitos elencados no pacto.
Flávia Piovesan 18 compreende também que esta progressividade não pode ser mais estendida, pois o tempo decorrido já foi o suficientemente razoável para que os direitos já normatizados fossem efetivados no Brasil, a inércia do Estado para implementar as obrigações reconhecidas nos pactos e na Constituição infringe diretamente ao Princípio da Proibição do Retrocesso ou da Inércia no campo da aplicação dos direitos sociais.
Da mesma forma contribuindo para o desenvolvimento dos Direitos, a base afirmativa para o Estado Democrático de Direito Constitucional Brasileiro advém do princípio segundo o qual “todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição”, cujo objetivo é de assegurar o exercício dos Direitos Fundamentais individuais e sociais, a igualdade, a justiça e o desenvolvimento humano como máximos valores de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos.
O papel da Democracia como instrumento redutor das desigualdades foi ressaltado desde a máxima aristotélica, do governo em que o povo domina, mas há algo mais profundo no papel da democracia que é a presença da liberdade onde se pressupõe a igualdade. 19 E para existir liberdade e igualdade compreende-se que o Estado Democrático está para o Estado de Direito no mesmo grau de importância, ambos como princípios fundadores constitucionais conjugados de certa forma tal que não se pode conceber uma Constituição Democrática sem o Direito e vice-versa.

Neste sentido. José Joaquim Gomes Canotilho ensina que:

“[...] os princípios estruturantes articulam-se em termos de complementaridade. Assim, o poder político — ‘domínio de homens sobre homens’ — carece de uma legitimação e justificação que só pode vir do povo, mas a forma democrática exige procedimentos, formas e processos de modo a evitar-se uma ‘democracia sem Estado de direito’ ou um ‘Estado de direito sem democracia’. ‘Acresce que a ‘decisão democrática’ e a ‘forma de Estado de direito’ não dispensam uma medida material — liberdade, igualdade, fraternidade — intrinsecamente informadora da ‘construção de uma sociedade livre, justa e solidária’ (‘CRP, art. 1’).’ ” 20

Coadunando todos esses valores, conclui-se que na democracia brasileira para os agentes, Estado e Sociedade, o orçamento público deve permitir que as receitas arrecadadas, em respeito à capacidade contributiva individual de cada um sejam utilizadas racionalmente através de prestações positivas, em conformidade com os princípios financeiros constitucionais, mas, além disso, deve-se garantir a eficácia dos Direitos Fundamentais Sociais perseguindo permanentemente os objetivos constitucionais da República Federativa do Brasil, cujas ações públicas devem estar perfeitamente alinhadas e sem inversão hierárquica que subordine os Direitos Fundamentais instituídos às decisões políticas restritivas, que não garantam os limites mínimos de direitos existenciais necessários à Dignidade Humana e Social.
Colaborando para este entendimento:

Nas Finanças Públicas, o regime financeiro dos recursos e das despesas, deve estar sujeito à Constituição. Portanto, é ilegítimo qualquer tentativa de inverter a hierarquia das disposições, subordinando os direitos constitucionais à decisões orçamentais. 21

3. REFLEXOS DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NO PROCESSO PENAL

Como exposto, o Brasil através da Constituição Federal de (1988) e da agregação de outros diplomas internacionais de Direitos Fundamentais, se comprometeu a garantir vários direitos individuais e sociais incluído neste rol os direitos das pessoas penalmente acusadas, como o direito de defesa e ao contraditório, direito ao devido processo legal, direito à vedação do tribunal de exceção, direito ao princípio da inocência e muitos outros dispersos no arcabouço jurídico brasileiro.
Por efeito, os direitos fundamentais, materiais e processuais, do acusado penal foram elevados ao status constitucional imediatamente na hierarquia normativa superior e reconhecidos como verdadeiros princípios fundamentais dos quais irradiam uma força constitucional a partir da Magna Carta e através das normas inferiores, para os seus administradores e administrados. 22
Mas, nas práxis administrativas estatais e sociais, podem ser constatadas facilmente que a eficácia imediata dos direitos fundamentais do réu, não foi prontamente praticada no mundo real, da mesma maneira como ocorreu no campo normativo. Isto se explica porque existe uma resistência cultural processual penal originária de outras práticas processuais anteriores à Constituição de (1988) e, portanto, anteriores ao próprio Estado Democrático de Direito atual.
Apesar de certa resistência cultural, observa-se que os avanços dos direitos fundamentais no campo normativo processual penal têm influenciando fortemente o mundo real fazendo com que os direitos fundamentais do apenado sejam paulatiidnte admitidos e aplicados em uma dinâmica evolutiva, a qual segue morosa em virtude das deficiências do Estado, na administração de uma realidade fática processual penal pré-existente deixando um estado de coisas aquém do ideal constitucional.
Sobre a problemática entre a constituição jurídica e a constituição real, Konrad Hesse destaca que:

“A Constituição jurídica não está desvinculada da realidade histórica concreta de seu tempo. Todavia ela não está condicionada, simplesmente, por esta realidade. Em caso de eventual conflito, a constituição não deve ser considerada necessariamente a parte mais fraca. Ao contrário, existem pressupostos realizáveis (realizierbare Voraussetzungen) que, mesmo em caso de confronto, permite assegurar a força normativa da Constituição. Somente quando esses pressupostos não puderem ser satisfeitos, dar-se-á a conversão dos problemas constitucionais enquanto questões jurídicas (Rechtsfragen), em questões de poder (Machtfragen). Neste caso, a Constituição jurídica sucumbirá em face da Constituição real.” 23

A diferença entre a realidade brasileira e o ideal da Constituição de (1988) é bastante visível, pois não são poucos os casos e as tentativas de burlar a sistemática do processo penal constitucionalizado. Verifica-se no corpo político e social brasileiro, que sempre houve de tempos em tempos fortes correntes ideológicas que tentam através do processo legislativo, transformar o processo penal brasileiro em um campo de vingança e reparação civil, 24 apoiados em pensamentos que motivam ações contrárias aos direitos fundamentais processuais penais, tudo reforçado pela estigmatização de que o processo penal constitucionalizado dá azo à morosidade na aplicação da pena causando a sensação de impunidade e sofrimento.
Sobre os efeitos do tempo no processo penal, Fabiano Justin Cerveira escreve:

“Percebemos que o processo penal possui seu próprio tempo, não acontecendo na mesma velocidade da sociedade; entretanto, a sociedade da velocidade exige respostas rápidas, com vista à execução pena. Dessa forma, muitas vezes, são atropeladas as garantias do acusado. Assim é necessária uma política de redução de danos decorrentes do processo. Neste sentido destacou-se o direito do acusado em ter um processo dentro do prazo razoável, uma vez que a indeterminação da duração dos juízos penais semeia nos cidadãos uma situação de dúvida que se transforma em um grande sofrimento.” 25

Apesar das dificuldades fáticas na aplicação dos direitos fundamentais no processo penal, subsiste ainda um reforço à sua consecução uma vez que no contexto processual penal brasileiro o julgador está submetido a muitos princípios constitucionais que garantem e sistematiza o alinhamento do papel estatal como protetor da Dignidade Humana, princípio a partir da qual o processo penal deve ser percutido e qualquer tentativa de subverter essa sistematização passa a ser um ato eivado de inconstitucionalidade e desumanidade, ainda segundo Norberto Bobbio,26 “o ordeidnto jurídico constitui um sistema normativo no qual não podem coexistir normas incompatíveis, o que tornaria o incoerente a unidade do ordeidnto”.
Em reforço, Fabiano Justin Cerveira27 ressalta que, a Dignidade da Pessoa Humana é uma qualidade intrínseca do ser humano, irrenunciável e inalienável que constitui o reduto intangível de cada indivíduo e neste sentido as restrições dos direitos e garantias fundamentais podem ocorrer tendo como limite a intangibilidade imposta pela Dignidade da Pessoa Humana.
Não há como duvidar que juridicamente o processo penal esteja normativamente constitucionalizado e humanizado e para tanto, o Estado e a sociedade deve primeiramente reconhecer o processo penal como um local no qual o acusado passará a exercer seu direito fundamental de defesa para provar sua inocência e não o contrário; o processo penal também deve ser considerado, sem dúvidas, como um local no qual o acusado será considerado inocente até seu julgamento final e assim não passe a padecer pelas deficiências Estatais que causam a morosidade na aplicação da justiça. Nesta esteira, coadunando com os ideais de um Estado de Direito Social infere-se de Ingo Wolfgang Sarlet 28 que, o Estado material de direito transcende o Estado formal de direito sob o império da lei, garantindo a expressão dos procedimentos e formas vinculados na organização do poder e competência do Estado, como também determinando valores, direitos e liberdades fundamentais, para o delineamento das metas da atividade estatal.
Ocorre que, a atividade estatal para a garantia de direitos fundamentais de caráter social muitas vezes está limitada por circunstâncias consubstanciadas pelas deficiências goveridntais de ordem executivas, que deixam a desejar no atendimento da crescente demanda de políticas públicas de forma duradoura, fato que leva os cidadãos e réus atingidos a judicializarem seus direitos confirmando o Poder Judiciário como órgão concretizador de direitos através de suas decisões vinculantes. Este efeito, segundo Fabrício Dreyer de Avila Pozzebon, 29 teve como consequência a transformação do Estado Liberal de Direito em Estado de Direito Social diante das exigências de se ter um Estado Material de Direito alicerçado em princípios jurídicos fundamentais obrigando à consecução da uma realidade jurídica substancialmente “justa”.
A esta altura, cabe ressaltar que a questão não é tão simples e que a judicialização de direitos fundamentais pode remeter seus efeitos sobre o princípio da separação dos poderes, modelo de Estado idealizado por Montesquieu, provocando atritos e tensões significativas dos Poderes Executivo e Legislativo sobre o Poder Judiciário. No entanto, em Ingo Wolfgang Sarlet, 30 encontra-se um forte argumento para aliviar este conflito de separação de poderes, segundo o qual a garantia dos direitos fundamentais está alicerçada na proteção jurídica dos direitos que será mediada pelo ‘Direito’ previsto na Constituição e, portanto, é constitucional a intervenção do Poder Judiciário, desde que observado a limitação constitucional para a atuação do Poder Judiciário, isto é intrínseco à condição existencial das liberdades fundamentais, cuja aspiração vai ao encontro do ideal de um Estado Constitucional Democrático de Direito.
No mesmo sentido, em reforço dos Direitos Fundamentais através judicialização das políticas públicas, pode ser defendido que a atuação do Poder Judiciário como poder garantidor é uma questão social, na obra de Clarissa Tassinari,31 a autora ainda define que a dimensão da judicialização não depende do desejo do órgão judiciário, e sim é derivado de uma série de fatos alheios à jurisdição, cujo ponto inicial encontrasse na ineficiência do Estado em implantar as políticas que acabam por baterem nas portas do judiciário, fato esse inerente a uma sociedade de massas.
A partir destas preposições em conjunto com as normas constitucionais fica patente a competência do Poder Judiciário no Estado Democrático e Social de Direito às ações judiciais prestacionais que garantam e eficácia dos direitos fundamentais. Além disso, a jurisdição confere eficácia à natureza material do Estado de Direito, que para tanto necessita de um rol processual para o acesso à justiça reduzindo a distância entre a materialidade e a formalidade de um Estado de Direito. Conjuntamente, o juiz como órgão da justiça, na seara processual tem o dever de zelar e proteger os direitos fundamentais constitucionais e jamais seria admissível sua renúncia diante da violação ou ameaças destes direitos sobre os quais jurou compromisso de bem defendê-los, tomando o cuidado de sempre aferir a distinção entre vigência e validade de uma determinada lei processual confrontada com a constituição.   
Segundo Luigi Ferrajoli, 32 não se pode confundir vigência com validade, a vigência não induz que a norma seja válida, para ser válida a norma deve necessariamente preencher os requisitos de formalidade e substancialidade do direito, já para ser vigente a norma necessita somente preencher os requisitos de formalidade.
Igualmente, no processo penal constitucionalizado, os direitos fundamentais sociais exercem sua força imperativa vinculando o juiz a observar e a atuar em pleno sentido de preservar a ordem da segurança penal estando incluído nesta os ideais do Estado de Direito Social em favor das garantias fundamentais dos direitos do acusado. O juiz deve sempre garantir que os direitos dos réus sejam materialmente eficazes fazendo com que os acusados sejam verdadeiramente representados no processo preservando com isso a sua dignidade através do pleno acesso à jurisdição. Fabrício Dreyer de Avila Pozzebon 33 disserta que, um dos maiores desafios do Estado Democrático Social e de seu Poder Judiciário é equilibrar a ‘Justiça Social’ respeitando os direito e garantias fundamentais individuais na sistemática de um processo legalmente instituído, de forma a manter a dignidade humana necessária na qual o indivíduo possa continuar a desenvolver suas liberdades sem o abuso da interferência estatal, mesmo que o réu não tenha um defensor constituído.
Poder ser dito que há uma essencialidade no Estado Democrático Social de Direito para os direitos fundamentais penais, há a necessidade de se ter de um juiz garantidor que não só preze pela legalidade formal, mas que também projete a validade da materialidade dos direitos fundamentais segundo os princípios constitucionais e da Dignidade da Pessoa Humana ao fazer a justiça. O Poder Judiciário deve ser um órgão distante de projeções tendenciosas políticas a que estão sujeitos os demais poderes do Estado, uma vez que é o órgão responsável por policiar e proteger o Direito analisando a realidade formal e material nos casos concretos e garantindo a consecução da justiça, sempre respeitando os seus limites Constitucionais.
Refletindo sobre o drama da possibilidade de um erro na decisão da jurisdição,  Pietro Calamandrei 34 escreve:

“Sei de um químico que, quando em seu laboratório destilava venenos, acordava sobressaltado à noite, lembrando com terror que um miligrama daquela substância bastava para matar um homem. Como pode dormir seus sonos tranquilos o juiz; que sabe ter em seu alambique secreto aquele toxico sutil que se chama injustiça, de que uma gota, escapada por erro, pode bastar não apenas para tirar a vida, mas, o que é mais terrível, para dar a toda uma vida um tormentoso sabor amargo, que nenhuma doçura nunca mais poderá consolar?”

Enfim, para evitar isso, não se pode mais admitir um processo penal não alinhado aos ditames dos direitos fundamentais, individuais e sociais, da pessoa.

CONCLUSÃO

Houve na evolução da organização estatal uma ampliação das responsabilidades a serem proporcionados ao indivíduo e à sociedade pelo Estado garantidor, na mesma dinâmica as garantias e liberdades sociais foram ampliadas e elevadas ao patamar normativo constitucional, no qual já se encontrava os direitos individuais.
O Estado Liberal de Direito evoluiu para a forma de Estado de Direito Social e no decorrer do tempo, os Direitos Fundamentais, individuais e sociais, têm deixados de ser meros limites para as ações do poder político, como garantias negativas, e passaram a definir um conjunto de valores ou fins dirigentes para a ação positiva dos poderes públicos.
Neste sentido concebem-se duas responsabilidades do Estado, a primeira e a responsabilidade de efetivar as liberdades fundamentais, por meio da não intervenção na liberdade privada, e a segunda responsabilidade é colocar à disposição dos indivíduos os meios materiais necessários ao exercício das liberdades fundamentais também através do Estado, tudo partindo do princípio que, o indivíduo para manter sua liberdade depende de uma postura ativa dos poderes públicos por ele ser a parte mais fraca.
Conclui-se desta primeira parte que, já não e mais aceitável que o Estado se mantenha em uma postura absenteísta em relação aos direitos fundamentais sociais, e do Estado deve ser exigido ações mais ativas e efetivas de prestações, no sentido de se garantir a efetividade material desta categoria de direitos.
Ressaltou-se que apesar da previsão normativa da aplicação dos direitos sociais no texto constitucional, a efetividade dos direitos fundamentais sociais está condicionada às ações específicas do Estado, cuja execução se faz por meio de um demorado e complexo processo democrático, que apesar de moroso, este processo é necessário e está previsto constitucionalmente para a correta gestão dos recursos financeiros escassos arrecadados pelo Estado. Mas apesar das dificuldades, compreende-se que sempre há um núcleo essencial de direitos a serem obrigatoriamente satisfeito pelo Estado em condições mínimas, quantitativas e qualitativas, necessárias e indispensáveis à existência de uma vida digna.
Para a sociedade compreende-se que não é mais concebível a omissão do Estado brasileiro na efetivação dos Direitos Fundamentais Sociais devendo o mesmo empregar todas as suas forças para custear a progressividade de implementar os Direitos Fundamentais já definidos na Constituição e nos diplomas elencados.
Conclui-se que na Democracia brasileira para os agentes, Estado e Sociedade, o Estado deve utilizar racionalmente seus recursos através de prestações positivas e em conformidade com os princípios constitucionais, mas para, além disso, deve o Estado garantir a eficácia dos direitos fundamentais, individuais e sociais perseguindo permanentemente os objetivos constitucionais da República Federativa do Brasil, cujas ações públicas devem estar perfeitamente alinhadas e sem inversão hierárquica que subordine os Direitos Fundamentais às decisões políticas restritivas, que não garantam os limites mínimos de direitos existenciais necessários à Dignidade Humana e Social.
Como efeito da evolução da organização estatal, os direitos fundamentais do acusado penal foram elevados ao status constitucional e reconhecidos como verdadeiros princípios fundamentais a serem seguidos pelos seus administradores e administrados.
Contudo, há na realidade brasileira certa dificuldade de natureza cultural e de conjuntura estatal que torna moroso os avanços dos direitos fundamentais na área penal fazendo com que haja uma realidade fática e processual penal pré-existente, muito diferente do ideal da constituição jurídica.
A diferença entre a realidade e o ideal da Constituição de (1988) se verifica no corpo político e social brasileiro, com fortes correntes ideológicas que tentam transformar o processo penal brasileiro em um campo de vingança e reparação civil. Há ideologias que motivam ações contrárias aos direitos fundamentais penais, tudo reforçado pela estigmatização de que o processo penal constitucionalizado dá azo à morosidade na aplicação da pena causando a sensação de impunidade e sofrimento.
Para conter os efeitos das ideologias contrárias aos direitos fundamentais do réu, o julgador encontrasse vinculado aos princípios constitucionais que sistematizam o alinhamento do papel estatal como protetor da Dignidade Humana, princípio a partir da qual o processo penal deve ser percutido e qualquer tentativa de subverter essa sistematização passa a ser um ato eivado de inconstitucionalidade e desumanidade.
Com a evolução do Direito não há como conceber o retrocesso nos direitos do réu, o Estado e a sociedade devem primeiramente reconhecer o direito fundamental de defesa e do contraditório; o processo penal deve ser considerado um local no qual o acusado será inocente até seu julgamento final transitado em julgado para que não padeça pelo sofrimento da morosidade na aplicação da justiça.
Aqui cabe ressaltar que a questão não é tão simples e a falta dos direitos fundamentais, individuais e sociais, motiva a sua judicialização, cujos efeitos repercutem sobre o princípio da separação dos poderes, provocando atritos e tensões significativas dos Poderes Executivo e Legislativo sobre o Poder Judiciário.
No entanto, está compreendido que a judicialização dos direitos fundamentais está garantida pela Constituição de (1988), art. 5º, XXXV e, portanto, é constitucional a intervenção do Poder Judiciário, desde que observado a sua competência constitucional. Este permissivo constitucional é intrínseco à condição existencial das liberdades fundamentais, cuja aspiração vai ao encontro do ideal de um Estado Constitucional Democrático de Direito.
No mesmo sentido, defende-se que a atuação do Poder Judiciário como poder garantidor é uma questão social, que não depende do desejo do órgão judiciário, e sim é provocado por uma série de fatos alheios à jurisdição, cuja motivação inicial é a ineficiência do Estado em implantar as políticas públicas.
A conclusão é que a jurisdição confere eficácia à natureza material do Estado de Direito, que para tanto necessita de um rol processual constitucionalizado para o acesso à justiça reduzindo a distância entre a materialidade e a formalidade de um Estado de Direito.
O juiz por sua vez como órgão da justiça na seara processual tem o dever de zelar e proteger os direitos fundamentais constitucionais e jamais será admissível sua renúncia diante da violação ou ameaças destes direitos sobre os quais jurou compromisso de bem defendê-los, além do quê, os direitos fundamentais sociais vinculam o juiz a observar e a atuar em pleno sentido de preservar a ordem da segurança penal em favor das garantias fundamentais dos direitos do acusado.
Por fim conclui-se que há uma essencialidade no Estado Democrático Social de Direito para os direitos fundamentais penais; há a necessidade de se ter de um juiz garantidor que não só preze pela legalidade formal, mas que também projete a validade da materialidade dos direitos fundamentais seguindo os princípios constitucionais e a Dignidade da Pessoa Humana ao fazer a justiça.

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** Professor Titular do Programa de Pós-Graduação e do Curso de Graduação da Faculdade de Direito do Sul de Minas - FDSM. Secretário Titular do Conselho Diretor da Fundação Sul Mineira de Ensino - FSME. Doutor em Direito Penal da Universidade de São Paulo - USP. Mestre em Direito do Estado da Universidade de São Paulo - USP. Advogado.
** Mestrando em Direitos Constitucional pela Faculdade de Direito do Sul de Minas - FDSM. Especialista em Direito Tributário das Empresas da União dos Cursos Superiores - UNISEB. Advogado.
1 Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, atualizada até a Emenda 12/2016, Art. 5º, XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;
2 Esta limitação pode ser conferida preliminarmente segundo as competências elencadas para cada órgão do Poder judiciário segundo a Constituição Federal de (1988)
3 STRECK, Lênio Luiz; MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência política & teoria geral do estado. 8 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2014, p. 94.
4 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais na perspectiva constitucional. 3. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2003, p. 67-68.
5 Id.
6 SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 9 ed. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 68-70.
7 OST, François. O tempo do direito. Lisboa: Piaget, 2001, p. 336-338.
8 Também podem ser encontradas as denominações como, Estado Providência ou Estado Social.
9 STRECK, Lênio Luiz; MORAIS, José Luis Bolzan de. Op. cit., p. 154.
10 BARRACLOUGH, Geoffrey. Introdução à história contemporânea. 2 ed. Tradução de Álvaro Cabral. Rio de Janeiro: Zahar, 1973, p. 120.
11 PEREZ-LUÑO, Antônio E. Los derechos fundamentales, Madrid: Tecnos, 2005, p. 21.
12 ALEXY, Robert. Teoria dos direitos fundamentais. Tradução de Virgílio Afonso da Silva. 2 ed. São Paulo: Malheiros, 2015, p. 442-444.
13 SARLET, Ingo Wolfgang. Op. cit., p. 271-272.
14 MARINONI, Luiz Guilherme. Técnica processual e tutela dos direitos. 3 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 119.
15 HOLMES, Stephen; SUSTEIN, Cass R. The cost of rights. Why liberty depends on taxes. New York: Norton, 2000, p. 15.
16 ALEXY, Robert. Op. cit., p. 512.
17 O Estado deve perseguir os objetivos constitucionais em suas ações para que não se avilte a Constituição tornando-a inócua, nas palavras do Ferdinand Lassalle: “Pois o mesmo acontece com as constituições. De nada serve o que se escreve numa folha de papel, se não se ajusta à realidade, aos fatores reais e efetivos de poder.” (O que é uma constituição? Tradução de Gabriela Edel Mei J. São Paulo: Pillares, 2015. p. 88).
18 PIOVESAN, Flávia.  Direitos humanos e o direito constitucional internacional. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 178.
19 Segundo Pinto Ferreira, é pressuposto que quanto mais democrático o Estado mais se terá igualdade. (Comentários à Constituição Brasileira. São Paulo: Saraiva, 1989. p. 37).
20 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional. 6 ed. Coimbra: Livraria Almedina, 1993, p. 347.
21 CORTI, Horacio Guillermo. Critica y defensa de la supremacia de la constitución. La ley, Buenos Aires, 1997-F, 1033. p. 10 Disponível em: <http://www.derechoshumano s.unlp.edu.ar/assets/files/documentos/critica-y-defensa-de-la-supremacia-de-la-constitucion-2.pdf>. Acesso em: 10ago2016.
22 No mesmo sentido expressado por Ferdinand Lassalle, a Constituição como lei fundamental irradia seu ordeidnto não somente a partir de si, mas também, a partir das outras leis comuns do país. (A essência da constituição. 6 ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001. p. 9)
23 HESSE, Konrad. A força normativa da constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1991, p. 25.
24 Em nota, Fabrício Dreyer de Avila Pozzebon exemplifica o caso do art. 387, IV da Lei 11.719/08 que alterou o Código de Processo Penal Brasileiro, prevendo a fixação de um valor de indenização mínimo à vítima de danos, a ser fixada por arbitragem, sem ouvir do acusado restando assim prejudicados o contraditório e a ampla defesa, mas ressalta o autor que o fundamental nesta questão é a natureza do direito civil sendo exercido inadequadamente na seara penal. (A efetividade dos direitos fundamentais no processo penal. Revista Direito & Justiça v. 37, n. 1. Porto Alegre: PUCRS, 2011. Disponível em: <http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/fadir/article/viewFile/9550/6593>. Acesso em: 01out2016. Nota de fim número 22. )
25 CERVEIRA, Fabiano Justin. A violência do tempo no processo penal: em busca de redução de danos. 2007. 22 f. Dissertação (Mestrado em Ciências Criminais) - Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2007, p. 8-9. Disponível em: <http://tede2.pucrs.br/tede2/handle/tede/4952> Acesso em: 15out2016.
26 BOBBIO, Norberto. Teoria do ordeidnto jurídico. 8. ed. Brasília: Universidade de Brasília, 1996, p. 71-81.
27 CERVEIRA, Fabiano Justin. Op. cit., p. 8. Disponível em: <http://tede2.pucrs.br/tede2/handle/tede/4952> Acesso em: 15out2016.
28 SARLET, Ingo Wolfgang. Op. cit., p. 64.
29 POZZEBON, Fabrício Dreyer de Avila. Op. cit. Disponível em:      <http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/fadir/article/viewFile/9550/6593>. Acesso em: 01out2016.
30 SARLET, Ingo Wolfgang. Op. cit., p. 64.
31 TASSINARI, Clarissa. Jurisdição e ativismo judicial: Limites da atuação do judiciário. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013. Versão e-book Kindle, comercializado pela Amazon Serviços de Varejo do Brasil Ltda.
32 FERRAJOLI, Luigi. Derechos y garantias – la ley más débil. Tradução de André Ibánes e Andréa Greppi. Madri: Trotta, 1999, p. 21.
33 POZZEBON, Fabrício Dreyer de Avila. Op. cit., p. 8. Disponível em:            <http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/fadir/article/viewFile/9550/6593>. Acesso em: 01out2016.
34 CALAMANDREI, Pietro. Eles, os Juízes, Vistos por um Advogado. Tradução de Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 1996, p. 347-348.

Recibido: 12/04/2019 Aceptado: 25/05/2020 Publicado: Mayo de 2020

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