Revista: CCCSS Contribuciones a las Ciencias Sociales
ISSN: 1988-7833


NO USO DA LÍNGUA JOPARA: uma relação de poder, verdade e resistência

Autores e infomación del artículo

Marlene Niehues Gasparin*

Universidade Estadual do Oeste do Paraná, Brasil

E-mail: marlenegasparin@hotmail.com


RESUMO: Graças às pesquisas sobre os estudos das línguas, existe cada vez mais a necessidades de refletir e pensar sobre as línguas como forma de contribuir e subsidiar para o reconhecimento e visibilização de diferentes línguas como práticas sociais reais, ativas e funcionais, em diferentes contextos sociais. Pensando nisso, apresento, neste trabalho, uma breve reflexão, por meio do pensamento de Foucault no que concerne a relação de poder e verdades, sobre o uso da língua jopara, língua politicamente não oficializada, porém, muito utilizada e legitimada no jornal ‘La Crónica’, que circula na região de Cidade do Leste, no Paraguai, como língua do povo, língua carregada de significados e expressões que visa à aproximação de um público maior.
Palavras-chave: La crónica - Língua jopara - Relação de poder - Prática social
ABSTRACT: Thanks to research on language studies, there is an increasing need to reflect and think about languages ​​as a way of contributing and supporting the recognition and visibility of different languages as real, active and functional practices in different contexts. With this in mind, I present in this paper a brief reflection, through Foucault's thought regarding the relationship of power and truths, about the use of the Jopara language, a politically unofficial language, but widely used and legitimized in the newspaper 'La Chronicle ', which circulates in the Eastern City region of Paraguay, as the language of the people, a language laden with meanings and expressions aimed at bringing together a larger audience.
Keywords: The chronicle - Jopara language - Power relationship - Social practice

RESUMEN: Gracias a la investigación en estudios de idiomas, existe una creciente necesidad de reflexionar y pensar sobre los idiomas como una forma de contribuir y apoyar el reconocimiento y la visibilidad de los diferentes idiomas como prácticas sociales reales, activas y funcionales en diferentes contextos sociales. Con esto en mente, presento en este trabajo una breve reflexión, a través del pensamiento de Foucault sobre la relación de poder y verdades, sobre el uso de la lengua jopara, un lenguaje políticamente no oficial, sin embargo, ampliamente utilizado y legitimado en el periódico 'La Crónica ', que circula en la región de Ciudad del Este, en Paraguay, como el idioma de la gente, un lenguaje cargado de significados y expresiones destinadas a acercar a un público más amplio.
Palabras clave: La crónica. Lengua jopara. Relación de poder. Practica social

Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Marlene Niehues Gasparin (2019): “No uso da língua jopara: uma relação de poder, verdade e resistência”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (noviembre 2019). En línea:
https://www.eumed.net/rev/cccss/2019/11/uso-lingua-jopara.html
http://hdl.handle.net/20.500.11763/cccss1911uso-lingua-jopara

1 INTRODUÇÃO
Considerando as discussões que atravessam diversas maneiras de compreensão das práticas sociais situadas, como forma de fazer uma reflexão do geral para o local, o trabalho propõe, por meio do pensamento de Foucault no que diz respeito à relação de poder e verdades sobre recursos linguísticos situados, apresentar uma breve análise das práticas linguísticas, bem como as estratégicas linguísticas que visam à adesão ao público, presente no jornal popular ‘La Crónica’ que circula na região do departamento de Alto Paraná, mais especificamente, em Cidade do Leste, no Paraguai. Sobre o uso da língua a que me refiro aqui, trata da língua jopara, língua híbrida resultante da mistura das línguas espanhola e guarani, recorrente no repertório linguístico da população paraguaia, mais especificamente, dos que vivem nos contextos rurais (GASPARIN, 2016).
O pensamento do filósofo Michael Foucault nos propicia momento de construção e desconstrução de saberes que nos permitem olhar, com mais criticidades, para as diferentes práticas discursivas que circulam em nossos meios, dados e reproduzidos como ‘verdades’ que regem nossas diversas práticas sociais.
Considerando as diferentes contribuições teóricas filosóficas dadas pelo autor, este trabalho foca e discute os conceitos do saber, poder e políticas no campo linguagem. Assim, como forma de delinear minha reflexão dentro desse amplo campo que subjaz às linguagens de forma geral (concepção de língua, língua materna, língua estrangeira, língua global, língua adicional, etc.) aqui, me detenho às dinâmicas das relações de poder que diz respeito ao uso, a intervenção e a aplicação da língua jopara como recurso linguístico utilizado em um jornal bastante popular em Cidade do Leste.  
Para as reflexões, o trabalho apresenta três momentos, a princípio irei apresentar uma breve discussão no que se refere à língua jopara, em seguida, abordarei, por meio de algumas imagens retiradas do jornal, exemplos de uso dessa língua na prática social mais ampla e, por último uma breve consideração.
2 A LÍNGUA JOPARA: BREVE CONTEXTUALIZAÇÃO
Os discursos em relação ao uso e projetos de revitalização da língua guarani pelo Estado e o uso da língua jopara, pela maioria da população, respondem a diferentes fatores sociais politicamente construídos. Tais discursos, principalmente para a revitalização e mantimento da língua guarani padrão, são atravessados pelo ‘imaginário’ nacional e, de certa forma, pela política de um mercado linguístico, dentro de um traçado de ‘fronteiras históricas’ (VEYNE, 2011), configurado constantemente neste contexto da globalização e das trocas simbólicas.
Nos textos de Foucault como em o “Poder e saber” (2006); “Ordem do discurso” (2006) e “Arqueologia do saber”(2007), o autor discute e sintetiza as relações de poder que atravessam os diferentes discursos e saberes e de como, na sociedade (moderna), esses fatores estão interligados, criando e reproduzindo ‘verdades’ no tempo (VEYNE, 2011).
Ao tratar do termo ‘poder’, Foucault (2006) enfatiza que, por meio das reflexões sobre as relações de poder que emergem nas práticas sociais diversas, é possível compreendê-las para melhorar o entendimento da vida em sociedade, já que, essa relação de poder aparece em múltiplas práticas sociais. Ademais, propõe a desvinculação de um modelo de poder vertical (político Estatal) e passa a adotar a concepção de que o poder está em todas as relações, em seus mais diversos discursos. Para o filósofo, o estudo sobre as relações de poder não busca ver quais são as ações ou práticas produzidas nos ‘parelhos de Estado’, mas ver como, na vida do dia a dia, nas relações entre famílias, entre pessoas, entre médicos, ou seja, entre todas as mais diversas práticas sociais existe a ‘inflação de poder’ entendendo que, essa inflação não tem origem única, por exemplo, somente do Estado, Burocracias, etc.
Ademais, em a “Ordem do discurso” (2006), o autor reflete sobre como os discursos se reproduz nas sociedades exercendo, por meio de uma relação de poder, controle, limitando e criando regras admitidas como legitimas. Para ele, em toda a sociedade a maneira como o discurso é produzido, é controlado, selecionado, organizado e redistribuído ‘por certo número de procedimentos que tem por função conjurar seus poderes e perigos, dominar seu acontecimento aleatório [...]’. Sendo assim, deve ser postulado questioidntos sobre que tipo de discurso é produzido, de quem o faz e como o faz, pois cada procedimento responde a um sistema ou práticas já estruturadas e direcionadas.
O discurso, por mais que pareça ser bem pouca coisa, os fatores que o permeiam o atingem e revela sua ‘ligação com o desejo e com o poder’, além do mais, não funciona somente para traduzir as lutas e os sistemas de dominação, mas aquilo pelo qual se luta, o poder pelo qual se quer apoderar. Assim, o discurso não é uma mera articulação de uma relação lógica de palavras que se aplica para gerir um significado, mas é um instrumento ou ferramenta que busca reproduzir certos imaginários, tanto de quem articula como do receptor, de crenças dadas socialmente que podem ser ressignificados constantemente já que são ‘externos’, ou seja, são encadeamentos de outros discursos já existentes e dados como verdades e saberes construídos.
E, para Foucault (2007), o saber é também, o espaço em que o sujeito pode tomar posição para falar dos objetos de que se ocupa em seu discurso sendo também ‘um campo de coordenação e de subordinação dos enunciados em que os conceitos aparecem, se definem, se aplicam e se transformam’, isto é, um saber é definido ‘por possibilidades de utilização e de apropriação oferecidas pelo discurso’ (FOUCAULT, 2007, p. 204). Conforme o autor, ao tratar do discurso, é necessário fazer um levantamento da história, analisar as relações políticas, históricas e sociais, percorrer um campo indefinido de relações buscando entender como o discurso está legitimado e reproduzido considerando e se baseando nos pensamentos em que o sujeito está inserido de acordo com seus interesses. 
Todavia, o conhecimento se dá de acordo com as relações de poder, isto é, o conhecimento não é algo intrínseco do homem, mas sim, algo inventado. Assim,

(...) uma análise causal, em compensação, consistiria em procurar saber até que ponto as mudanças políticas, ou os processos econômicos, puderam determinar a consciência dos homens de ciência - o horizonte e a direção de seu interesse, seu sistema de valores, sua maneira de perceber as coisas, o estilo de sua racionalidade [...] (FOUCAULT, 2008, p.183).

O conhecimento social materializados nos documentos e materiais reconhecidos como “textos científicos” (FOUCAULT, 2012, p. 22) que, de certa forma, é responsável por manter os valores discursivos dados como oficiais, dispõe de estratégias de legitimação e validação transformando-os em discursos como expressão social de uma grande ‘verdade’ em que, para o autor, a verdade é, “[...] o conjunto de procedimentos que permitem a cada instante e a cada um pronunciar enunciados que serão considerados verdadeiros”. Esses ‘efeitos de verdade’ em algum são perfeitamente aceitos, onde o procedimento dos discursos ‘verdadeiros’ é regulado e denominados de ‘domínios científicos’ (FOUCAULT, 2006, p. 233).
Com base na ideia de que, para Foucault, os discursos ou a formação discursiva mantêm relação de poder e de verdades, é importante salientar que, os discursos sobre a representação da língua jopara, utilizada pela maioria da população paraguaia, principalmente os que vivem em regiões rurais, no Paraguai, são representados por estereótipos negativos como sendo língua dos mais pobres e língua que prejudica o processo de ensino competente nas duas línguas oficiais do país, o guarani e espanhol (LUSTIG, 1996; PENNER, 2012:2010). Considerando as relações das políticas linguísticas do Paraguai sobre o ensino das línguas oficiais no país percebe-se que a escolha política recai muito sobre a ideia de Língua-Nação-Estado. Isso é possível ver nos livros didáticos disponibilizados pelo Ministério da Educação, que vêm divididos em dois momentos, o primeiro e que concentra maior parte dos conteúdos, escritos em língua espanhola e, na outra parte, na língua guarani e que circundam o discurso de formar sujeitos competentes nas duas línguas.
As diferentes vozes enunciativas sobre as determinadas línguas seguem o reflexo das ‘verdades’ constituídas dentro de um determinado contexto. O valor atribuído às línguas tem relação com seu poder representativo e seu funcioidnto político nos limites do Estado o qual legitima um campo de saber.
As políticas de línguas no Paraguai têm, atualmente, uma política linguística oficial centrada na revitalização da língua guarani, revitalizar no sentido de recriar e reproduzir a língua em diferentes/todos os setores públicos e privados, a fim de visibilizar e manter a língua, de forma institucionalizada, enaltecendo o ideal nacional linguístico da nação paraguaia 1. Essa legitimação da língua em termos de Estado-Nação permite que o papel da língua jopara esteja numa esfera menos privilegiada, considerada como ‘língua das margens’ (MOITA LOPES, 2008).
Os discursos modernistas ainda perpassam as concepções de língua, principalmente quando olhamos para línguas de fronteiras, para a diversidade, a mobilidade linguística, etc. Assim, para Foucault (2006; 2007), as práticas discursivas formam saberes e se formulam a partir de questões de poder e suas relações com as formas de controle na sociedade, isto é,  “[...] o enunciado está além da língua [...] já que ele é condição necessária para a língua [...] nele “se cruzam os domínios da gramaticalidade, da lógica e dos atos de fala [...] dando-lhe um suporte material e um referencial” (ARAUJO, 2008, p. 62)
Considerando que a língua guarani, embora, frente à língua espanhola, ocupa uma posição desprestigiada em termos de mercado/capital linguístico, ela representa e enaltece o ‘nacionalismo’ isto é, a identidade nacional desde tempos mais remotos, enquanto que a língua espanhola tem um papel mais promissor, carrega um valor econômico mais ascendente, tendo em vista que, é considerada como sinônimo de educação formal e ascensão social (MELIÀ, 1988:2010:2012; LUSTIG, 1996; PENNER, 2012:2010; PERES, 2001, entre outros), assim, à medida que a língua espanhola e  guarani, embora representem papéis diferentes pela sociedade e seus falantes, a língua jopara, línguas de outros grupos indígenas, etc. são geralmente discriminadas e lançadas a estereótipos ou preconceito linguístico, tanto em âmbito nacional como regional.

3 JORNAL LA CRÓNICA: A LÍNGUA JOPARA COMO VOZ SOCIAL

Entendendo a força discursiva que se dá na escolha da organização enunciativa, apresento, a seguir, exemplos de discursos que circulam no jornal popular ‘La Crónica’ em Cidade do Leste, no Paraguai analisando as estratégicas linguísticas que visam à adesão ao público. O sujeito jornalista, ou o grupo, instituído por uma ‘ordem de discurso’, filtra e seleciona as informações ou os corpus e os tornam públicos. Embora, a função seja fazer uma leitura ‘transparente’ dos fatos destituídos de coerções políticas, os conteúdos apresentados respondem a certa relação ideológica e de poder, considerando sempre, quem produz, o meio de produção e a posição do sujeito leitor. A identidade jornalística responde e colabora com as práticas mais diversas das esferas da vida social.   
Em razão do dito acima, entendendo o papel da mídia como grande suporte de circulação de ideias, a adesão ao público se dá pelo jogo de linguagem que são articuladas nos enunciados. O que se sobressai, no jornal, não é uma mera ‘mistura’ entre as línguas, mas sim, os valores ideológicos e simbólicos que remetem a uso da língua de forma mais informal, espontânea que se torna mais próxima da população em geral, considerando também como um produto com características sensacionalistas (SANTOS, PIRES SANTOS e SILVA (2016). Este jornal se diferencia de outros jornais do país que utilizam somente a língua espanhola nas formulações linguística dos enunciados visando um público determinado, ao qual é atribuído fontes de maior credibilidade.  
Ademais, são exemplos de fatos que representa a verdade de um a população em que a língua jopara é escolhida como uma ponte de interação e identidade. Essa identidade, de certa forma, constitui a vida vivida das pessoas e se torna mais legitimada quando circula numa esfera jornalística e popular. Essas ‘dimensões discursivas’ por meio das ‘práticas linguísticas de margens’, seus conflitos, suas práticas reais, etc. são fatores de ‘resistência’ (FOUCAULT, p. 232) a um discurso dominante de ‘uma língua, uma nação, um estado’, já que a língua jopara é deslegitimada no nível oficial de língua. 
O jopara é visto como um guarani mal-falado, ‘ñe`ê tavy’ (língua bizarra), um produto mal gerado, horrendo que se diferencia do guarani “puro” e do espanhol standard (LUSTING, 1996 e PENNER, 2012). Porém, sabendo dessas diferentes colocações, percebe-se o quão recorrente é o uso da língua nos diversos setores sociais, principalmente na esfera cotidiana do maior grupo da população.
Entende-se, então, que o jopara é fruto de uma larga formação do processo histórico e social do Paraguai, não estando restrito seu uso a um espaço geográfico, como no caso do portunhol (regiões de fronteira – Brasil/Paraguai, Brasil/Uruguai ou Portugal/Espanha). O jopara se mostra como sistema linguístico empregado por uma comunidade, sendo assim considerada como língua, língua do povo, cuja existência e emprego são inegáveis,
[...] essa língua não é ensinada na Escola, nem empregada na redação das Leis e tão pouco nos jornais de referência, ela encontra seu espaço na fala das pessoas na rua, nas casas durante as refeições, nos bares em encontros informais, entre outros (PIRES SANTOS e SILVA (2016).

Assim, a língua jopara retrata o cotidiano da maioria da população, já que, em diferentes contextos, seja por qualquer cidadão que, devido à linguagem regrada e que em algum determinado momento monitora o uso da língua formal, não deixa de estar inserido e compartilhando do mundo e dá prática linguística do jopara. A insistência do uso da língua representa um tom emotivo e de maior expressividade por parte dos seus falantes, assim, o jopara permanece presente em muitos lares, entre grupos de amigos, conversas informais, etc. 
Basta acessar a página do jornal – La crónica – que é possível perceber os diferentes efeitos de sentidos produzidos pelos jogos de linguagens utilizadas na exposição das informações. O jornal se apresenta como ‘El gran diário de la gente’, traz notícias relacionadas aos esportes, notícias do mundo, notícias nacionais e locais, entretenimentos, etc. É possível comprar impresso ou também ler o diário pela internet. As características marcantes do jornal é o uso constante da língua jopara, nas principais manchetes, como forma de expressar, muitas vezes, um efeito de humor. O jornal enfatiza as notícias policiais, os casos de homicídio, roubos, etc. com um efeito bastante sensacionalista e apelativo que prende o público leitor com informações mais exploradas e abrangentes onde os personagens das notícias são considerados e tratados como marginais, delinquente e ‘desviantes’ (SANTOS, 2016). 
O modo como as estratégias discursivas são anunciadas respondem às questões que direcionam esse dito como, quem enuncia, para quem está direcionado, onde, como, que situação essa prática pretende gerar, pois, considerando todos esses pontos é que os enunciados correlacionam os diferentes efeitos de sentido na produção efetiva do discurso, então, considerando todas essas condições de produção, por que a língua jopara nesse lugar?
Assim, para Santos (2016), expressando o cotidiano, o jornal aspira reproduzir a ordem social pela crença na ilusão da transparência da linguagem, veiculando classificações estigmatizadoras. Assim, esse espaço utiliza-se de uma linguagem voltada a este público, a língua jopara, que, na visão do jornal, melhor expressa os fatos narrados, já que é a língua do seu possível leitor.
Nos excertos abaixo, evidencia-se esta prática de mistura da linguagem. A análise recai sobre os títulos porque estes, além de darem orientação sobre o conteúdo do texto, têm o objetivo de despertar o interesse do público leitor (SANTOS, 2016).

Ni que heladera: ro’y congeló voi las ropas [Que nada de geladeira: o frio congelou mesmo a roupa] 2. Olhando para as palavras destacadas, reconhecemos a produção do jogo de linguagem na articulação do enunciado. Notamos uma linguagem bastante informal/coloquial e expressiva. Uma das características desse jornal é o seu esforço em aderir a uma linguagem conotativa que provoca no leitor um efeito de sentido de humor. 
De modo que estas práticas linguísticas ‘ferem’ o repertório linguístico padrão de ambas as línguas oficiais do pais, desvinculando-se do chamado ‘competência linguística’ regido pelo estatuto das leis de línguas do país, estando articuladas na língua jopara parece representar o lado não convencional do uso da línguas, uma vez que, embora não legitimada, faz parte constituinte da vida vivida do dia a dia do maior número da população paraguaia.

Vacuna contra la varicela oikoite he’i (Vacina contra a varicela funciona muito bem, dizem): a língua guarani é mais intensificada e recorrente nos títulos das notícias com o intuito de dar maior ênfase à publicação e chamar a atenção dos seus leitores. Nesse enunciado, a escolha pelo uso de léxicos da língua guarani, faz o papel de se aproximar mais do leitor comum. O efeito de sentido produzido pela palavra ‘oikoite’ é mais marcante uma vez que provoca maior impacto do que produzido na língua espanhola, assim, a redação atrai o leitor por meio da empatia e sensibilidade despertadas mediante as escolhas das palavras.
Omoperô en Brasil buses paraguayos [‘pelaram’ ônibus paraguaios, no Brasil]. O enunciado informa que ônibus paraguaios foram assaltados no território brasileiro. Neste enunciado, além d o registro da língua jopara, há também o jogo de linguagem produzido na organização sintática do enunciado que chama a atenção do leitor com o uso da palavra no início da frase ‘omoperô’ tendo por tradução ‘pelaram’ ao invés do uso de eufemismos como ‘limparam, assaltaram, etc’. Em tal escolha lexical, podemos inferir que chama a atenção pelo termo provocativo, sabendo, assim que, a reprodução de uma palavra não é aleatória, ela tem força na relação fora do campo do discurso, nas condições sociais, nos grupos sociais, etc. (SANTOS e SILVA, 2016).
Paraguayo oho a Rusia, laburó, se enamoró há omendáma katu [Paraguaio foi à Rússia, trabalhou, se apaixonou, casou-se prontamente]. Novamente, o estilo de linguagem, com contornos livres, abre possibilidades ao uso de novas palavras dando maior ênfase à língua coloquial. O jogo de linguagem também é bastante visível nas redações, as quais procuram se aproximar do mundo social e cultural dos seus leitores com uma forma de linguagem mais expressiva, menos regrada e formal.
Percebeu-se, então, que a redação dos títulos das matérias apresentadas pelo jornal ‘La crónica’ deixa evidente a escolha linguística que os redatores utilizam, por meio de jogos de linguagem, para manter e conquistar o maior público possível estendendo-se para o uso da língua jopara, a língua que possui maior espaço nas relações de comunicação entre as pessoas.
A articulação das línguas nos discursos legitimados nos documentos e na mídia, responde a uma memória coletiva do que seja a ‘representação social da língua’ dado por um fenômeno da memória, que, segundo Navarro (2011), não se trata da capacidade cognitiva, em que os indivíduos têm para se lembrar de algo; ele abarca o conjunto das formulações que circula na forma de um já-dito, cujos elementos atravessam, constituem e se inscrevem no fio do discurso (intradiscurso) dos sujeitos. Para tanto, existem aspectos ou elementos da historicidade que determinam a produção de um enunciado ou discurso e dos sentidos dele decorrentes e, visto isso, existem resistências a diversos “mecanismos de controle” (FOULCAULT, 1998).
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante dos excertos que visibilizam a prática ativa do uso da língua jopara, é possível perceber que essa língua vem tomando espaço dentro da sociedade e é uma língua que não pode passar despercebida, pois é a língua mais recorrente nas falas da população. Segundo Lusting (1996, p. 2), é necessário tomar uma rigorosa percepção científica do fenômeno jopara como valoração cultural e social, de maneira que esse fenômeno linguístico seja reconhecido, devido ao fato de que está sempre ligado às práticas sociais da maioria dos paraguaios, está presente nas rádios, nos jornais, nas músicas tradicionais, nas predicações religiosas, até mesmo nos reclamos políticos que tendem a ganhar “la simpatia de las masas populares”.
Ao trazer ou marcar a língua guarani nas organizações frasais e discursivas, de certa forma, serve para adicionar um valor emocional, bem como um valor histórico e identitário, como uma carga valorativa que representa a população paraguaia. Assim, com estes breves exemplos, observa-se a grande importância de olhar para o nosso redor e procurar enxergar o mundo das línguas como mutáveis e dinâmicas, que faz parte constituinte da nossa sociedade.
As sequências linguísticas formuladas funcionam como estratégias de legitimação da língua frente a uma realidade local e situacional, onde os signos ou línguas como dizeres são autorizados nessa formação discursiva para garantir seu espaço usando mecanismos de poder gerando legitimidade e desencadeando um processo de (re)construção de identidades.
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* Mestre em Sociedade, Cultura e Fronteira, pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE).
1 http://g1.globo.com/mundo/noticia/2012/08/paraguaios-lutam-para-preservar-lingua-guarani.html – (acesso em: 19-05-2019)
2 As palavras destacadas pertencem à língua guarani.


Publicado: 14/11/2019



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