Revista: CCCSS Contribuciones a las Ciencias Sociales
ISSN: 1988-7833


A PRODUÇÃO CULTURAL NA PERSPECTIVA DA TEORIA CRÍTICA

Autores e infomación del artículo

Lusvanio Carlos Teixeira*

Nayara Gonçalves Lauriano **

Universidade Federal de Viçosa (UFV) Brasil

E-mail: lusvanio.t@gmail.com


RESUMO
O objetivo deste artigo é apresentar uma exposição reflexiva sobre a concepção de produção cultural na perspectiva da Teoria Crítica. O artigo se organiza na forma de ensaio teórico, dialogando com os principais autores da primeira geração da Escola de Frankfurt, explorando conceitos úteis para se analisar a produção e consumo de bens culturais, como os conceitos de indústria cultural, cultura afirmativa, cultura de massa, mídias de massa, entre outros. Toma-se que num contexto marcado pelo avanço tecnológico e pela racionalização dos processos de produção ocorreram mudanças no papel da arte e da cultura, possibilitando a industrialização cultural. Argumenta-se que considerar a produção cultural como necessidade humana sob uma abordagem positivista, que anseia ser neutra, contribui para a exclusão de problemáticas sociais existentes. Sendo assim, a Teoria Crítica insurge como via para fornecer um quadro teórico necessário para fundamentar discussões acerca da produção cultural.  

Palavras chave: Teoria Crítica; Produção Cultural; Cultura; Escola de Frankfurt

ABSTRACT
This paper's purpose is to present a reflective exposure on the conception of cultural production from the Critical Theory's perspective. The paper is organized as a theoretical essay, talking to the main authors of the Frankfurt School's first generation, exploring useful concepts in order to analyze the production and consumption of cultural goods, such as the concepts of cultural industry, affirmative culture, mass culture, mass media, among others. It is considered that in a context marked by technological advances and the rationalization of production processes, changes occurred in the art and culture role, enabling cultural industrialization. It is argued that considering cultural production as a human need under a positivist approach, which yearns to be neutral, contributes to the existing social issues exclusion. Therefore, Critical Theory insurge as a way to provide a theoretical picture needed to substantiate discussions about about cultural production.

Keywords: Critical Theory; Cultural Production; Culture; Frankfurt School

RESUMEN
El objetivo de este artículo es presentar una exposición reflexiva sobre la concepción de la producción cultural desde la perspectiva de la Teoría Crítica. El artículo está organizado como un ensayo teórico, en diálogo con los principales autores de la primera generación de la Escuela de Frankfurt, explorando conceptos útiles para analizar la producción y el consumo de bienes culturales, como los conceptos de industria cultural, cultura afirmativa, cultura de masas, medios de comunicación, entre otros. Se considera que en un contexto marcado por el avance tecnológico y la racionalización de los procesos de producción, se produjeron cambios en el papel del arte y la cultura, permitiendo la industrialización cultural. Se argumenta que considerar la producción cultural como una necesidad humana bajo un enfoque positivista, que busca ser neutral, contribuye a la exclusión de los problemas sociales existentes. Por lo tanto, la Teoría Crítica surge como una forma de proporcionar un marco teórico necesario para fundamentar las discusiones sobre la producción cultural.

Palavras Llave: Teoría Crítica; Producción Cultural; Cultura; Escuela de Frankfurt

Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Lusvanio Carlos Teixeira y Nayara Gonçalves Lauriano (2019): “A produção cultural na perspectiva da teoria crítica”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (noviembre 2019). En línea:
https://www.eumed.net/rev/cccss/2019/11/producao-cultural.html
http://hdl.handle.net/20.500.11763/cccss1911producao-cultural

1. INTRODUÇÃO

A virada do século XIX para o XX veio acompanhada de diversas invenções, as quais trouxeram grandes alterações no modo de vida das pessoas. A inserção de novas tecnologias, tanto por meio da evolução dos modos de produção quanto do compartilhamento de informações, acabou por reorientar as relações entre os indivíduos, ocasionando um processo de dominação social, alienação e instrumentalização da racionalidade, elementos gerados principalmente a partir do surgimento da mídia de massa. Nesse aspecto, a Escola de Frankfurt, criada em 1923 na Alemanha, insurge como uma tentativa de gerar conhecimento a partir da análise da situação social vivenciada nesse período de transição, de modo a propor uma Teoria Crítica frente ao processo de dominação e alienação, tendo em vista que a Teoria Tradicional vigente mantinha-se neutra frente a uma série de questões.
Com a criação da Escola de Frankfurt, vários estudiosos passaram a discutir uma ampla gama de temáticas, no intuito de sanar lacunas não preenchidas pela Teoria Tradicional. Dentre esses teóricos, alguns se destacaram na análise dos aspectos culturais vivenciados, sendo eles Max Horkheimer, Theodor Adorno, Walter Benjamin e Herbert Marcuse, integrantes da primeira geração da Escola de Frankfurt (Teixeira et al, 2009). Nesse sentido, discorre-se que os teóricos frankfurtianos desenvolviam estudos orientados por uma perspectiva marxista e para esses autores a fuga da dominação social e o caminho para a liberdade só se daria através da razão (Denhardt, 2011).
Nesse aspecto, a Teoria Crítica se encaixa como uma fronte paradigmática do humanismo radical, a qual considera que o ser humano sofre a dominação de uma superestrutura ideológica do meio em que este está inserido, dominação esta que dificulta a interação do homem e sua consciência, perpassando por um processo de alienação que inibe seu desenvolvimento (Drago, 1992). Nesse aspecto, a Teoria Crítica busca refletir e questionar acerca dessa superestrutura e no contexto dos Estudos Organizacionais é utilizada para compreender as formas de mercantilização dos chamados “bens culturais” ou mesmo para analisar as interfaces da cultura de consumo (Maranhão, 2010).
O presente ensaio busca discutir as perspectivas da Teoria Crítica acerca da concepção de produção cultural e fornecer uma quadro teórico acerca desse tema. Nesse aspecto, este ensaio se orienta rumo a trazer luz acerca da seguinte questão: Quais são os conceitos centrais para se analisar a produção cultural sob a perspectiva crítica? Para tanto, busca-se trazer as perspectivas dos principais teóricos da primeira geração da Escola de Frankfurt no que tange a produção de conhecimento acerca de questões culturais, sustentando a tese de que para se analisar a produção cultural pela perspectiva crítica é necessário compreender uma série de conceituações, como: indústria cultural, cultura de massa, mídias de massa, mudança no papel da arte, racionalidade instrumental, dentre outras querelas teóricas. Em termos metodológicos, trata-se de um ensaio teórico, o qual não tem a pretensão de esgotar a questão que o orienta, buscando apresentar uma parte da extensa e relevante literatura dos teóricos em questão.
O texto se divide em alguns de tópicos e subtópicos, na busca por apresentar os aspectos relevantes para se analisar a produção cultural à luz da Teoria Crítica. Para tanto, o tópico a seguir discute a formação da Escola de Frankfurt e relata parte das principais obras dos autores elencados. O segundo tópico reflete sobre o conceito de cultura, a formação de mídias de massa, indústrias culturais e aspectos gerais acerca de cultura na sociedade industrial. O terceiro e último tópico a guisa de conclusões que as discussões apresentadas ensejam.

2. ESCOLA DE FRANKFURT: ANTÍTESE DA MODERNIDADE 
Inicialmente conhecido como Instituto de Pesquisa Social (Institut Fuer Sozialforschung), a Escola de Frankfurt (Frankfurt Schule) foi fundada em 1923, a princípio por Felix Weil, um intelectual marxista que na época tinha 25 anos, em conjunto com outros teóricos. O primeiro diretor do Instituto foi Kurt A. Gerlach, posteriormente precedido por Karl Grünberg, Friedrich Pollock e Max Horkheimer, o qual desde sua posse deixou nítido a busca empírica dos pesquisadores da Schule, demonstrando que ali se formava uma nova perspectiva paradigmática, marcada pela junção das frontes do materialismo histórico e da psicanálise.  
A Escola de Frankfurt era formada por um conjunto de filósofos neomarxistas que desenvolviam trabalhos no campo das ciências sociais e que buscaram propor uma Teoria Crítica da sociedade. Maranhão (2010) elucida que o objetivo dos pesquisadores que integraram esse instituto era fortalecer o marxismo como uma linha analítica nos meios acadêmicos que buscam compreender questões sociais. Vilela (2006) discorre que a Escola de Frankfurt insurge na busca por realizar pesquisas empíricas, no intuito de ampliar as bases epistemológicas de análise marxista.  
Com a ascensão do nazismo na Alemanha, seus principais representantes foram para outros países para escapar das perseguições, sendo que muitos deles foram inicialmente para a França, se alocando principalmente em Paris, e outros emigraram para os Estados Unidos, se alocando em várias universidades americanas, principalmente no Institute of Social Research, em Nova York. Em 1950 a Escola foi reaberta em Frankfurt, retomando as atividades de pesquisa e elaboração teórica, continuando a busca que simbolizou sua originalidade, a qual se refere a fomentar a crítica em relação a produção científica e aspectos culturais (Wolf, 2005).  
Nesse sentido, salienta-se que os teóricos frankfurtianos são divididos em gerações, tendo em vista a abertura e reabertura do instituto no período pós-guerra. Na primeira geração, destacaram-se como principais teóricos Adorno, Horkheimer, Benjamin e Marcuse. Na segunda geração, após a reabertura da Escola em Frankfurt, destaca-se Jürgen Habermas como um dos teóricos mais proeminentes dessa geração. A marca do Instituto refere-se à junção de perspectivas filosóficas e sociais, na proposição de uma abordagem crítica dos rumos que a sociedade tomou, vislumbrando transformá-la e criticar o sistema de dominação social vigente (Teixeira et al, 2009). O Quadro 1 ilustra uma série de pensamentos dos teóricos da primeira geração, os quais constituem o foco do presente ensaio.  

Acerca da função da Teoria Crítica enquanto um modus de se fazer ciência, Horkheimer e Adorno (1978) discorrem que a ciência só é válida quando vai além de uma mera duplicação da realidade, e para isso é preciso que ela não seja neutra, mas que ela revista-se de certa criticidade frente ao que busca conhecer. Os autores ressaltam que crítica não quer dizer que seja algo do subjetivo, mas sim da confrontação ou comparação do objeto de análise com seu próprio conceito. Nesse aspecto, Wolf (2005) discorre que através da Teoria crítica esperava-se incitar a crítica em relação à cultura e à ciência, de modo a propor uma forma de reorganizar a sociedade com base na racionalidade, numa alternativa para a superação da crise da razão. 
Assim sendo, a Teoria Crítica se orienta na busca de trazer esclarecimento aos homens sobre o seu papel e sobre o contexto em que estão inseridos, visando nortear o posicionamento crítico e transformador dos mesmos frente às circunstâncias da superestrutura, vislumbrando compreender aspectos não tratados pela Teoria Tradicional. Nesse aspecto, Vilela (2006) destaca que a Teoria Tradicional se caracterizava por seu posicionamento positivista, neutro, que buscava realizar análises universais e muitas vezes desconsiderando o contexto, apenas reproduzindo uma imagem de mundo. A autora sustenta que a Teoria Crítica vinha em contraposição a essa corrente tradicionalista, buscando uma produção científica engajada, não neutra e contextualizada, trazendo perspectivas transformadoras e buscando compreender a dialética das relações sociais e dos efeitos da modernidade.  
Acerca da Teoria Crítica, Horkheimer e Adorno (1978, p.125) discorrem que 

uma verdadeira teoria da sociedade tem a responsabilidade de medir, incansavelmente, a sua própria concepção teórica em função da efetividade dessas relações. (...) uma teoria da sociedade em que a transformação não seja apenas uma frase domingueira deve integrar a fatualidade, em toda a sua força de resistência, sob pena de continuar sendo apenas um sonho impotente, cuja impotência só beneficia, uma vez mais, o poder do que está estabelecido. A afinidade da investigação social empírica com a práxis, cujos momentos negativos certamente não são subestimados, fecha uma relação potencial com a realidade, à medida em que se rompeu o círculo da automistificação, para uma ação precisa e eficaz. Finalmente, os seus procedimentos encontrarão legitimação numa unidade de teoria e práxis, capaz de evitar tanto a divagação na liberdade sem freios do pensamento como na vinculação a um ativismo científico de vistas curtas.

Tenório (2016) salienta que a Teoria Crítica tem como enfoque investigativo a observação conectiva entre fenômenos sociais e as leis que orientam o momento histórico onde a sociedade estudada se situa. Trata-se de uma fonte de conhecimentos que vai além de uma ordem positivista de análise, buscando sanar lacunas não preenchidas pela Teoria Tradicional. Horkheimer (1972) salienta que na Teoria Tradicional incorre-se na existência de apenas uma verdade, sustentada na independência entre teoria gerada e homem gerador, característica elementar do positivismo. Na perspectiva crítica não se tem essa idealização de que a teoria independe dos atributos humanos, mas sim, sustenta a necessidade da teoria se inserir em determinada realidade concreta.  
Desse modo, o ponto de partida da Teoria Crítica se encontra na análise das economias de troca, permeando temáticas novas que se referem a dinâmicas sociais características de determinado tempo, tais quais conflitos sociais de sociedades industrializadas, autoritarismo e indústria cultural. A proposta então seria de uma teoria social que acarretasse em uma avaliação crítica da construção de conhecimento científico (Wolf, 2005). A variedade de temas de pesquisa é uma marca dos frankfurtianos, e é a partir dessa dinâmica singular e ao mesmo tempo plural de produção intelectual, que a escola trouxe contribuições, sejam elas em aspectos metodológicos, epistemológicos ou ontológicos (Batista-Dos-Santos, Alloufa & Nepomuceno, 2010).   Além disso, através da Teoria Crítica espera-se que o homem tome conhecimento acerca de sua função enquanto agente histórico dotado de capacidades transformadoras, de modo que esse perceba que possui as capacidades necessárias para produzir melhores condições de vida (Vilela, 2006).
Considerando a cultura como pano de fundo, da Teoria Crítica emergem uma série de conceitos elementares para análise da produção e consumo de bens culturais, sendo objeto direto de uma série de teóricos frankfurtianos, os quais analisaram principalmente o papel da arte e as transformações na sua produção, além do enfoque nas relações de dominação a partir da evolução tecnológica e do processo de industrialização. Uma crítica direcionada aos frankfurtianos refere-se à capacidade de percepção de determinados impasses sociais que não é acompanhada por uma proposta viável para se sair de tal impasse (Lima, 2000).  

3. CULTURA NA SOCIEDADE INDUSTRIAL 

A palavra cultura insurge como uma expressão de variados significados. Migueles (2003, p. 2) adverte que “o termo cultura é apresentado como um imenso ‘guarda- chuva’ sob o qual são abrigados os mais variados fenômenos”, e que “há tantos conceitos quanto usos necessários para eles, e nenhum deles jamais será o conceito ‘certo’ em termos absolutos”. Nesse aspecto, Laraia (2005) discorre que uma das primeiras conceituações desse termo foi realizada por Tylor em seu livro Primitive Culture de 1871, o qual definia o termo Culture como sendo um emaranhado de elementos que inclui os costumes, os conhecimentos, a arte, a moral e tudo aquilo que é adquirido pelo ser humano através de seu convívio em sociedade.  

Além das perspectivas apresentadas, duas outras se destacam: antropológica e sociológica. Na perspectiva da antropologia, “a cultura se produz através da interação social dos indivíduos, que elaboram seus modos de pensar e sentir, constroem seus valores, manejam suas identidades e diferenças e estabelecem suas rotinas” (Botelho, 2001, p. 74). Ou seja, nessa perspectiva, toma-se a cultura a partir dos elementos simbólicos que o homem cria onde se insere. Já a perspectiva sociológica, busca compreender a cultura como “um conjunto diversificado de demandas profissionais, institucionais, políticas e econômicas, tendo, portanto, visibilidade em si própria” (Botelho, 2001, p.74). Ou seja, nessa perspectiva a cultura refere-se à compreensão dos modos de vida e de organização de determinada sociedade.  
A Teoria Crítica analisa as alterações sociais causadas pela inserção de novas tecnologias a partir do capitalismo industrial. Nesse aspecto, uma série de invenções acabou por trazer drásticas mudanças sociais, invenções estas principalmente voltadas para o campo da comunicação, tais quais os jornais, o cinema, a televisão, o rádio, entre outras mídias de massa. Reitera-se que os teóricos da Schule pautavam-se na perspectiva marxista de análise, para tanto é interessante ressaltar que pelo método do materialismo histórico proposto por Marx, consideram-se as invenções e inovações como elementos de caráter social e coletivo, não se toma esse elemento pela perspectiva do indivíduo, mas sim num macro ambiente, compreendendo as alterações geradas no campo econômico e institucional (Rosenberg, 2006).  Nesse contexto, Castells (1999) salienta ser necessário tomar a tecnologia como ponto de partida para se compreender as transformações e revoluções que vem moldando o campo social.  
 Entendidas as perspectivas acerca da cultura, para compreender essa temática à luz da Teoria Crítica traz à baila a perspectiva de Marcuse (2006) acerca do caráter afirmativo da cultura. Esse autor destaca que a sociedade burguesa se dividia em duas perspectivas: a primeira ele sintetiza como civilização, onde ocorrem as interações, o trabalho e a produção de bens materiais, num espaço de liberdades limitadas; a segunda ele chama de cultura, onde se vivencia a partir da moral, da beleza, da verdade, e busca-se a felicidade, a liberdade e o desenvolvimento das capacidades humanas. Nesse aspecto, percebe-se que a segunda perspectiva vai contra a lógica do capitalismo e o autor elucida acerca de uma função afirmativa da cultura, onde se conceitua: 

Cultura afirmativa é aquela cultura pertencente à época burguesa que no curso de seu próprio desenvolvimento levaria a distinguir e elevar o mundo espiritual-anímico, nos termos de uma esfera de valores autônoma, em relação à civilização. Seu traço decisivo é a afirmação de um mundo mais valioso, universalmente obrigatório, incondicionalmente confirmado, eternamente melhor, que é essencialmente diferente do mundo de fato da luta diária pela existência, mas que qualquer indivíduo pode realizar para si “a partir do interior”, sem transformar aquela realidade de fato. Somente nessa cultura as atividades e os objetos culturais adquirem sua solenidade elevada tanto acima do cotidiano: sua recepção se converte em ato de celebração e exaltação (Marcuse, 2006, p. 95-96). 

Souza e Carrieri (2011) ilustram acerca dessa perspectiva de cultura, discorrendo que a partir da ascensão de uma nova ética da burguesia quebrou-se a ideia de que determinados indivíduos nasceriam para uma perspectiva de cultura e outros nasceriam para o trabalho. Esses autores sustentam que a cultura passou a ter um caráter universal e passou a exercer uma espécie de dominação de um modo afirmativo, onde a cultura passou a buscar explicar a realidade de modo a não considerar as problemáticas sociais existentes.  
Acerca da função da arte, e aqui tratando arte de forma geral, incluindo música, literatura e as demais formas artísticas, Marcuse (2006) discorre que a arte está ligada à liberdade, podendo cumprir uma função revolucionária desde que ela não se adeque a determinado establishment, cumprindo de alguma forma um papel político, por meio do protesto e de negação frente a ordem estabelecida. Seu papel principal está ligado à sensibilidade, no sentido de representação das sensações da vida e daquilo que não existe, sendo por outro lado utilizada enquanto técnica a partir da sociedade tecnológica, a qual impacta diretamente nos modos de se pensar uma sociedade livre. O autor evidencia que o artista possui uma série de capacidades elementares, tais quais a  

conversão da dor em deleite e prazer, conversão do aleatório em valor duradouro, custodiado na mansão do tesouro da cultura, que em tempos de guerra, é transferida para os subterrâneos, para voltar a luz quando o massacre houver findado (Marcuse, 2006, p. 268). 

Marcuse (2006) discorre que a arte possui certa função substitutiva na medida em que comtempla o belo, se apresentando como uma forma de ilusão, provendo a uma realidade miserável o acesso a uma visão, em partes, utópica daquilo que não é a realidade. Nesse sentido, na conversão da arte em técnica, essa acaba perpassando por uma espécie de instrumentalização e mudança prática em questões que faziam a arte significativa para o desenvolvimento das faculdades humanas. 
Nessa linha, da variedade de análises realizadas pelos frankurtianos, destaca-se a busca por compreender as mudanças ocasionadas pela introdução dos meios de comunicação, sobre o papel da arte, a cultura de massa e o processo de industrialização cultural. Na modernidade, a arte foi perdendo seu valor inicial/original de interação entre o homem e a natureza, ao mesmo passo que era uma forma de expressão e manifestação do ser humano em busca de sua essência, que desenvolvia a si próprio a partir dessa representação. Nesse sentido, a partir da industrialização da sociedade, a arte deixou de ser um produto de caráter autêntico e exclusivo. Sem contar que ela deixou de ocupar os espaços totalmente voltados a sua contemplação, perpassando por um processo de popularização, passando a ocupar espaços comuns. Benjamin (1987) entende, que apesar de uma série de problemáticas, o aumento do acesso popular a arte acabou por democratiza-la.  
Como apresentado, as expressões culturais deixaram de fazer parte de uma perspectiva da transcendência e da imaterialidade, e se tornou uma necessidade, passando a transitar por outras esferas da vida, passando a ser reproduzida em escala na busca por aferir lucros (Souza & Carrieri, 2011). Benjamin (1987) discorre que a partir da reprodutibilidade das obras de arte com o intuito de produção em escala, acabou-se por atrofiar a aura das obras de arte, as quais deixaram de ter uma existência única e passaram a constituir um elemento serial. O autor discorre que a isso é perceptível em várias perspectivas de produção cultural, mas substancialmente destaca-se a produção cinematográfica, onde segundo esse autor não se via uma função social aparente no que era produzido, apenas certa liquidação do valor das tradições e da cultura. 
Nesse raciocínio, é relevante discorrer sobre o processo de fortalecimento da cultura de massa, a qual é marcada por buscar oferecer bens culturais que sejam acessíveis, pautados na utilização de linguagem de fácil compreensão e que não exige um grande raciocínio, sendo uma produção de caráter fragmentado e que vislumbra ensejar nos receptores o interesse em manter-se continuamente informados (Coelho, 1993). Os produtos da cultura de massa reduzem a capacidade crítica e a imaginação de seus consumidores (Adorno & Horkheimer, 2018).  
É nesse entremeio que a conceituação de indústria cultural vem à tona, criado por Adorno e Horkheimer e tratado no livro Dialética do Esclarecimento, de 1944. Horkheimer e Adorno (2006) utilizam tal conceito para especificar o processo de semelhança no conteúdo e na produção de meios até então considerados artísticos, tais quais o cinema, o rádio e os semanários, perpassando por um processo de padronização de seus conteúdos. Nascimento e Marcellino (2015) discorrem que o conceito insurge na busca desses autores por compreender a relação entre a cultura e a lógica capitalista, pela transformação da arte em técnica e pelo comércio de produtos culturais. Nas palavras de Adorno e Horkheimer (2018, p. 3) “o que nós propuséramos era, de fato, nada menos do que descobrir por que a humanidade, em vez de entrar em um estado verdadeiramente humano, está se afundando em uma nova espécie de barbárie”. 
Os autores esclarecem que a ideologia da indústria cultural se expressava de forma mais aparente no rádio e no cinema, e se esgotava na idolatria da própria produção e no controle da técnica, possuindo sempre um caráter comercial que vislumbrava estimular o consumo, sendo um setor extremamente fragmentário (Adorno & Horkheimer, 1985). Farias e Costa (2015, p. 94) compreendem que a indústria cultural seria o instrumento utilizado pelo “modo de produção capitalista para que os indivíduos não reflitam sobre suas condições reais de existência”.  Rüdiger (2004) apresenta uma série de aspectos esquemáticos que são característicos da indústria cultural.

Alguns conceitos são elementares para se entender a indústria cultural, como a racionalidade instrumental, padronização dos Bens Culturais e a massificação de culturas. Acerca da racionalidade instrumental, incorre-se que esta representa a perspectiva racional da existência (Souza & Carrieri, 2011), a utilização do pensamento voltado à obtenção de lucros, com foco nos fins. Giovinazzo Jr. (2007) discorre que essa racionalidade vigente tem como caraterísticas a predominância de necessidades falsas, impostas socialmente, e uma fragmentação na formação cultural da população, o que repercute na alienação e na falta de autonomia dos indivíduos. Para Adorno e Horkheimer (2018), por mais que o indivíduo tente reagir a essa condição de alienação, ele encontra-se impotente frente ao sistema.  
A relação entre a indústria cultural e a cultura de massas se dá, segundo Nascimento e Marcellino (2010), pela dominação pregada pela indústria cultural através da padronização de produtos culturais, os quais passaram a ser produzidos em escala visando o consumo das massas, padronização esta que trata as pessoas como se todas tivessem as mesmas necessidades. Nesse aspecto, Adorno e Horkheimer (2018) sustentam que os produtos culturais parecem mostrar diferenças, mas essas diferenças não trazem uma característica original a esses produtos, conforme elucidam: 

as distinções enfáticas que se fazem entre os filmes das categorias A e B, ou entre as histórias publicadas em revistas de diferentes preços, tem menos a ver com o seu conteúdo do que com sua utilidade para a classificação, organização e computação estatística dos consumidores (Adorno & Horkheimer, 2018, p.58). 

            Wolf (2005) discorre que na era da indústria cultural, o indivíduo não decide mais de forma autônoma, ele é um ser manipulado e objeto de uma sociedade, deixando de ser sujeito de suas decisões. O autor salienta que os produtos culturais são estratificados de acordo com critérios de estética direcionados para um sistema produtivo, onde as novidades apresentadas nas produções são sempre representações diferentes de produções iguais, orientado por um sistema de trabalho com fases definidas em cada elemento, onde um romance é elaborado vislumbrando um dia se tornar um filme e assim por diante, de modo que “a máquina da indústria cultural gira sem sair do lugar” (Wolf, 2005, p. 76).
A sociedade encontra-se interligada a padrões da indústria cultural, onde a diversão está ligada a concordar com esses padrões, e significa não ter esforço reflexivo para o consumo dos produtos culturais que são oferecidos constantemente (Adorno & Horkheimer, 2018). Elementos como a padronização e a repetitividade, que são característicos da indústria cultural, transformam a cultura de massa presente na modernidade num instrumento de controle psicológico, que não permite aos indivíduos a emancipação, mas os levam a se orientar por uma obediência aos valores dominantes (WOLF, 2005).
Por fim, pensando-se na produção de bens culturais, esta se constitui numa necessidade humana (Souza & Carrieri, 2011), e na perspectiva da Teoria Crítica incorre-se na necessidade de compreender o contexto em que os bens culturais são produzidos, sendo que a Teoria Crítica consiste na análise crítica desse contexto marcado pelo avanço tecnológico e racionalização dos processos (Adorno & Horkheimer, 2018).

4. GUISA DE CONCLUSÕES: CULTURA NO OLHAR DA TEORIA CRÍTICA

O presente ensaio buscou apresentar e discorrer acerca de uma série de conceitos considerados centrais para se analisar a produção cultural a luz da Teoria Crítica. Nesse aspecto, foi realizada uma construção acerca da base de formação da Teoria Crítica e uma resumida apresentação de alguns dos teóricos responsáveis pela criação dessa teoria, os quais integraram a conhecida Escola de Frankfurt.
Tendo em vista o embate teórico disposto, após visualizada e apresentada a perspectiva de cultura, percebe-se que a riqueza das reflexões dos frankfurtianos está em analisar de forma empírica e se posicionar de forma crítica frente ao fenômeno da industrialização e respectivo processo de racionalização dos processos e das relações. Nesse aspecto, a teoria vem oportunamente ocupar espaços não preenchidos pela Teoria Tradicional, e inaugura dessa forma uma nova fronte paradigmática para gerar conhecimentos e reflexões no campo social, questionando a superestrutura de dominação que ocorre por vias da industrialização cultural.
Conforme se buscou defender durante a construção do texto, para se compreender a produção cultural na perspectiva da Teoria Crítica é necessário compreender a indústria cultural, a qual compreende um conceito cunhado por Adorno e Horkheimer na busca por capturar o contexto em que se instituiu a produção em escala de bens culturais e os resultados desse processo, compreendendo também a perda da individualidade na cultura da “massa sem rosto” e sem personalidade, e a instituição de uma racionalidade voltada para os lucros independente dos meios, onde uma massa atingida por mecanismos de alienação mantém em funcionamento as engrenagens  da máquina capitalista.
A produção e o consumo de bens culturais, como visualizado neste ensaio, é uma necessidade humana e apresenta uma gama complexa de relações que precisam ser compreendidas. Nesse aspecto, é necessário pensar de forma substantiva acerca desse setor e refletir acerca das possíveis contribuições que a Teoria Crítica fornece. Conforme visto no decorrer do ensaio, a lógica da mercantilização dos bens culturais acaba por influir em certa diminuição da liberdade e autonomia dos indivíduos.
Para abordagens teóricas futuras, discorre-se acerca da relevância de se refletir sobre bens culturais e artísticos que induzem ao desenvolvimento do pensamento crítico, da manifestação social e da emancipação. Considerou-se que para analisar a produção cultural a partir da lente da Teoria Crítica, é necessário compreender aspectos relacionados a industrialização e massificação da cultura e as alterações ocorridas em seu papel no decorrer do avanço da sociedade industrial. Por fim, argumenta-se que considerar a produção cultural como uma necessidade humana sob uma abordagem positivista que anseia ser neutra contribui para a exclusão de problemáticas sociais existentes. Sendo assim, a Teoria Crítica insurge como via para fornecer um quadro teórico necessário para fundamentar futuras discussões acerca da produção cultural.  

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*Graduado em Ciências Contábeis e mestrando em Administração pela Universidade Federal de Viçosa (UFV) E-mail: lusvanio.t@gmail.com
Nayara Gonçalves Lauriano Graduada em Administração pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) e mestranda em Administração pela Universidade Federal de Viçosa (UFV) E-mail: nayaralauriano@gmail.com


Publicado: 07/11/2019

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