Revista: CCCSS Contribuciones a las Ciencias Sociales
ISSN: 1988-7833


O PENSAMENTO SISTÊMICO DE BERT HELLINGER COMO INSTRUMENTO PARA O DESENVOLVIMENTO DA HUMANIDADE

Autores e infomación del artículo

Maira Fernanda dos Anjos Santos*

Mariana dos Anjos Santos**

Heitor Romero Marques***

Universidade Católica Dom Bosco, Brasil

E-mail: mairafas@gmail.com


RESUMO

O trabalho apresenta referencial qualitativo e objetiva reflexões acerca do desenvolvimento humano destacando o desenvolvimento local na concepção sistêmica. Diante do caos social experimentado pela sociedade com a desestruturação de ambientes saudáveis e equilibrados, pensar no desenvolvimento humano tem sido valoroso para a promoção do bem-estar social em todas suas esferas. O surgimento de metrópoles superpopulosas, com crescimento desorganizado e acelerado; práticas abusivas ao meio ambiente deteriorando o ecossistema; excesso do uso de tecnologias; sobrecarga de atividades laborais associadas ao aumento de determinadas patologias; descontrole Estatal dos índices de violência e demais distúrbios do século XXI, são alguns exemplos que vem favorecendo o desequilíbrio do sistema. Nessa conjuntura, questiona-se o atual padrão sociocultural e a lógica do pensamento fragmentado que os gerou e suporta, impactando no desenvolvimento da humanidade. É essencial intentar para compreensão do comportamento de um sistema na sua universalidade, em que haja interação das partes entre si, somando todos os núcleos da inserção do indivíduo para o seu bom desempenho. Posto isso, o desenvolvimento local se faz notável por possibilitar meios de construção do viver bem, versado de modo endógeno, enfatizando o potencial da pessoa e os instrumentos existentes na comunidade/grupo para evolução do ser humano.

Palavras-chave: Desenvolvimento Humano. Desenvolvimento Local. Sistêmica.

ABSTRACT
The present paper presents qualitative referential data and aims to raise questions on human development, mostly on systemic local development. The analysis on Human development is a key point to promote social well-being, due to recent social disorders caused by the destruction of fundamental social environments that are essential to keep individuals in harmony. The fast and unorganized emergence of metropolises; deterioration of ecosystems caused by abusive actions against natural environment; excessive use of technology; high quantity of Laboral activities that are linked to the increase of certain pathologies; the loss of violence control by the state and others disturbs of the XXI century are some of the facts that are contributing to the imbalance of the systemic. Therefore, this paper seeks to question the nowadays socialcultural patterns and the logics of fragmented based thoughts which have created and still supports those patterns and impacts directly on humankind development. It is essential to comprehend the systemic in its entire universe by analyzing the interaction of its parts so real harmonic commitment of all individuals in their singularity can be reached, which leads them to explore the maximum of their abilities. Given this, local development is remarkable because it enables the construction of a good life, based on a inside out construction that emphasizes on people's potentials as well as on existing instruments in the community (group) for the evolution of the humankind.

KEYWORDS: Human development. Local development. Systemic.

Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Francielli Martins, Maira Fernanda dos Anjos Santos, Mariana dos Anjos Santos y Heitor Romero Marques (2019): “O pensamento sistêmico de Bert Hellinger como instrumento para o desenvolvimento da humanidade”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (noviembre 2019). En línea:
https://www.eumed.net/rev/cccss/2019/11/pensamento-bert-hellinger.html
http://hdl.handle.net/20.500.11763/cccss1911pensamento-bert-hellinger


1 INTRODUÇÃO

O presente trabalho resulta da exploração/exposição de uma disciplina denominada Dimensão Humana e Solidariedade Ativa no Território, que integra o curso de Mestrado em Desenvolvimento local em contexto de territorialidades, da Universidade Católica Dom Bosco, que contribui com a abordagem do pensamento sistêmico no que se refere ao desenvolvimento humano.
Propõe-se inicialmente um esclarecimento sobre o Pensamento Sistêmico, com o intuito de lidar com a problemática instalada na humanidade, decorrente da instabilidade socioeconômica, escassez de recursos naturais, disseminação da violência, discursos de ódio, dentre outras disfunções, na tentativa de analisar possíveis alternativas que proporcionem o equilíbrio do ser humano em seu contexto.
Esta abordagem se dispõe a ser uma alternativa para o desenvolvimento humano e, portanto, para a evolução do mesmo, em seus mais variados ambientes em que se encontra. A introdução de conceitos do Desenvolvimento Humano na perspectiva da Dimensão Humana e das Leis Sistêmicas polariza tais valores para a discussão da temática, na perspectiva do Desenvolvimento Local.
A metodologia, de cunho revisional, se propôs fundamentar os conceitos abordados no referencial teórico, tomando por base o trabalho de Anton Suitbert Hellinger, mais conhecido como Bert Hellinger. Tem-se por finalidade explorar as informações colhidas pela pesquisa, que lança novas reflexões no que tange ao progresso pela inovação do ser humano, visando o desenvolvimento criativo e sustentável.

2 DESENVOLVIMENTO HUMANO

O homem contemporâneo tem vivenciado uma desenfreada busca pela satisfação pessoal e reconhecimento no seu meio social, resultando na sua própria insegurança e superficialidade das suas necessidades. Nota-se que os dramas, conflitos, guerras, medos e frustrações são em grande parte causados pelas desordens nos microssistemas, que somados, repercutem no todo gerando uma impressão negativa vivenciada em diversos setores.
Compreendem-se como microssistemas todos os agrupamentos primários de um ser humano, dentre eles podem ser destacados o ambiente familiar, as relações conjugais, os grupos de amizades e o meio de trabalho. Dessa forma, a desordem nessas coletividades originárias reflete na construção macro de um sistema social, político, econômico, cultural e ambiental.
Os modos selvagens e desregulados da estruturação dos sistemas que recaem sobre a humanidade, estão conspirando para a instauração de um colapso do século XXI, ao deteriorar o crescimento e a prosperidade social. Isso engloba todos os campos ocupados pelo ser humano, como o familiar, profissional, conjugal, social, político, cultural, econômico, ambiental e ecológico, que em harmonia primam por uma sociedade organizada, desenvolvida e promotora da paz.
Importante salientar que, o desenvolvimento, a tecnologia e o meio ambiente têm a capacidade de se comunicarem para a construção de ambientes saudáveis, promovendo o desenvolvimento setorial de maneira sistêmica. Segundo Bronfenbrenner (1996), as futuras gerações merecem atenção especial por parte dos governantes e cientistas, isto porque, as sociedades estão imergidas num desordenado sistema de relações, com aumento da delinquência juvenil, pobreza, entre outros eventos causadores da disfunção do desenvolvimento.
Essa desarmonização do indivíduo com o meio em que vive tem contribuído para um novo olhar sobre a humanidade, congruentes com a necessidade de buscar conhecimentos e caminhos que ajudem a valorar o ser humano e o seu habitat como um todo. Nesse sentido, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) tem fomentado o desenvolvimento humano para integrar todos os aspectos relativos à expansão social, econômica e sustentável.
O conceito de desenvolvimento humano nasceu definido como um processo de ampliação das escolhas das pessoas, para que elas tenham capacidades e oportunidades para serem aquilo que desejam ser (PNUD). Propõe-se na obtenção por parte das pessoas, comunidades e instituições a capacidade de cooperar de maneira concreta, na construção de uma sociedade próspera, tanto em um sentido material quanto imaterial, este último se constitui em dimensões subjetivas, na perspectiva espiritual, pessoal, relacional, etc.
O Relatório do PNUD de 2014 destaca a necessidade de promover as escolhas das pessoas e proteger os resultados positivos da promoção do desenvolvimento humano. Ele considera que a vulnerabilidade ameaça o desenvolvimento humano - e a menos que seja abordada de forma sistemática, pela mudança de políticas públicas e normas sociais, o progresso não será nem equitativo nem sustentável. Em consonância com isso, Silva & Reis et al (2016, p.114), elucida que:
Donabedian (1980) afirma que a qualidade do trabalho realizado em uma organização é resultado não somente do funcionamento dos processos individuais, mas também de quão bem estes processos se conectam como um sistema. Um sistema em uma organização é um grupo interdependente de itens, pessoas ou processos trabalhando juntos em direção a um propósito comum.
A pessoa exerce diferentes papéis dentro da sociedade e cada um tem suas particularidades, contudo, a importância de se pensar de forma sistêmica se configura justamente em agir de maneira íntegra e una para a atuação de cada um destes papéis, tendo em vista que uma ação em um determinado setor propicia reflexos em outros.
Segundo Dias (2014, p.6) “todo indivíduo está necessariamente envolvido em diversas relações interpessoais. As pessoas com as quais existe um relacionamento mais próximo tornam-se destino umas das outras”. Para tanto, quando se dividem os propósitos de interesse comum em prol de uma comunidade, ocorre uma delimitação do processo que o fragmenta, perdendo assim, a sinergia do sistema.
Para Bronfenbrenner (1996) a reciprocidade é fio de ligação da pessoa com o meio em que habita. A pessoa posta ao desenvolvimento tem a condição de criar e recriar o meio no qual está inserida, assim como o habitat em que se encontra também exerce influência sobre o seu desenvolvimento, havendo portanto, um sistema de troca. Esse mecanismo é marcado pela mútua interação exercida entre a pessoa e a sua ambiência. O desenvolvimento, segundo esse mesmo autor, é intensificado em função do número de diferentes contextos em que a pessoa participa, com atividades conjuntas e relações primárias estabelecidas com indivíduos maduros e experientes.
Aquele que está em conexão com a sua essência propõe-se a cooperar de maneira concreta na construção de uma sociedade próspera. De acordo com Donabedian (1980) apud, Silva & Reis et al (2016, p.114). 
A otimização de um sistema é o processo de orquestração dos esforços de todos os componentes de um sistema em direção ao alcance de um propósito declarado. As pessoas que trabalham em um sistema devem ser encorajadas a operar sua parte na direção comum de todo o sistema. Duas ideias importantes sobre os sistemas são o propósito e a interdependência. Sem um propósito comum não existe sistema.

A proposta do desenvolvimento humano com um olhar sistêmico caminha para uma nova abordagem, uma nova acepção, implicando em avaliar as diferentes situações problemas dentro de um todo e, não de forma isolada, haja vista que o aprimoramento das práticas coletivas decorre primeiro da visualização do interior de suas relações para com as conexões exercidas com o meio. Assim, esse processo de integração do sistêmico com o encadeamento do desenvolvimento e crescimento das pessoas, com os produtos e serviços são os alicerces da evolução da espécie humana que têm como premissa elevar a condição do ser humano no campo pessoal e no coletivo.

3 LEIS SISTÊMICAS
           
O Pensamento Sistêmico é proposto aqui como uma “ferramenta” complementar para o desenvolvimento sustentável da humanidade, na medida em que dispõe sobre o funcionamento das relações sociais.
Sobre o tema, Anton Suitbert Hellinger, mais conhecido como Bert Hellinger é a grande referência, pois a partir da observação de dinâmicas grupais unida a várias referências como Escultura Familiar, Psicodrama, Terapia Primal, Análise Transacional e Hipnoterapia foi concebida a consciência sistêmica. Bert Hellinger nasceu em 1925, na cidade de Leimen, Alemanha. Estudou Filosofia, Teologia, Pedagogia e posteriormente se tornou psicanalista. É autor de 84 obras, traduzidas em trinta idiomas. Diante de sua vasta experiência e sabedoria, criou a abordagem Constelação Familiar, baseada nas terapias mencionadas anteriormente (ROGOLL, 2018). Disseminada mundialmente, essa prática estimula a ampliação da consciência, na medida em que revela as origens de questões conflituosas e possíveis soluções para as mesmas.
Em sua vida, chegou a ser enviado para a guerra, se tornando prisioneiro num campo de concentração da Bélgica. Desse local conseguiu fugir e retornar para a Alemanha, onde se tornou membro da Companhia de Jesus, ordem religiosa dos jesuítas. Assim, foi para a África do Sul, onde foi missionário por 16 anos e desenvolveu um trabalho de liderança das escolas da diocese (SILVA, 2017).
Em sua missão na África teve contato com as tribos Zulus e passou a observar atentamente os movimentos da vida do ser humano, por meio das dinâmicas que esses povos realizavam entre si. Essa vivência somada às várias experiências que Bert acumulou durante a sua vida deu origem às leis sistêmicas, que são responsáveis por reger os relacionamentos humanos.
A classificação da lei em “sistêmica” decorre da atuação e repercussão em vários componentes simultaneamente. As ordens descobertas por Bert influenciam diretamente em todos os sistemas com o intuito de manter o bom funcionamento dos mesmos, buscando um equilíbrio original que sustenta essas estruturas.
O respeito e o seguimento dessas ordens da vida permitem a fluidez nos relacionamentos de forma harmônica. Independente do conhecimento das mesmas, elas atuam nos relacionamentos humanos sem limites temporais, espaciais, culturais e religiosos, por serem naturais à existência humana.
O surgimento de conflitos ou questões mal compreendidas pessoais e/ou interpessoais são consequências da transgressão de uma ou mais dessas três leis sistêmicas. Desse modo, a partir da compreensão desses conceitos é possível identificar as desordens dessas situações críticas e visualizar quais caminhos devem ser seguidos para o restabelecimento da paz.
Para se enquadrar dentro dessas leis é necessário o alinhamento da postura frente às demandas, para que surtam efeitos nas questões discutidas. Essas normas, também chamadas de “Ordens do Amor”, são parâmetros para que os indivíduos estejam em sintonia com o seu próprio eu e em correspondência com o meio, permitindo o seu pleno desenvolvimento.
Insta salientar que, a atuação dessas leis ocorre em todos os sistemas que as pessoas estão inseridas. Portanto, a aplicação dessa “ferramenta” em diversas dimensões estruturais é plenamente possível para o desenvolvimento local. O simples conhecimento dessas ordens proporciona uma avaliação individual de postura. E, por meio da atitude concreta de cada um há uma reação no todo, promovendo o desenvolvimento humano de forma irrestrita.
2.1 A primeira lei sistêmica: o Pertencimento
A primeira lei sistêmica dispõe que todo indivíduo tem o direito de pertencer ao clã, independente se sua conduta é boa ou má, aprovada ou reprovada. O grupo de origem que se toma como referência é o da família, tendo em vista que é o primeiro sistema que um indivíduo se vê inserido. Nesse sentido, todos possuem seus lugares e seus espaços devem ser preservados, respeitados e honrados.
Nos primórdios da humanidade, pertencer a um grupo era sinônimo de três principais aspectos: sobrevivência, resistência e fortaleza. Por sobrevivência, em razão do grupo se manter organizado para dividir as tarefas que supriam as necessidades básicas. Resistência por potencializarem o ataque ou defesa de animais selvagens. E fortaleza, pois unidos se sentiam firmes para enfrentarem as adversidades. Portanto, sobreviver sozinho significava maior esforço e perigo, diante da natureza feroz que habitava o planeta. Mais do que as características retromencionadas, a união entre os seres humanos garante um bem-estar social e satisfação pessoal, atendendo às expectativas internas e externas próprias do ser humano.
Sentir-se pertencente, isto é, ser parte de um todo, é uma prioridade para o ser humano. A sociabilidade é uma característica proveniente da essência desse ser.  A identificação e o reconhecimento perante a sua comunidade enquadram-no ao padrão buscado inconscientemente de se encaixar em um clã.
Nesse contexto, desenvolve-se a boa e a má consciência, conceituadas por Bert Hellinger. Compreende-se como boa consciência, quando um indivíduo possui ideologias e pratica atos que vão ao encontro do que o grupo em que se faz parte considera como ideal e comunga. Por exemplo, quando alguém segue a mesma religião que a família adota. Dessa forma, desenvolve-se uma sensação de inocência, afastando qualquer peso que uma escolha diversa traria.
Já a má consciência diz respeito à prática de atos contrários pregados no grupo em que se encontra. Um exemplo prático dessa situação é quando uma pessoa que se casa recentemente decide se separar diante de uma adversidade, contrariando todo o grupo familiar que costuma ter casamentos duradouros. Experimenta-se nesse caso uma culpa, criada por não seguir a trajetória percorrida pelo clã costumeiramente.
De modo resumido, apesar de o sistema prezar pela superação dos obstáculos de uma vida conjugal, ao praticar ação contrária do que é comum, mesmo que a pessoa se sinta mais confortável racionalmente em seu íntimo, sua consciência se mantém pesada sistemicamente. E, por vezes, agir com a má consciência, ou seja, seguir sentido oposto ao que foi repassado inconscientemente aos membros os caracteriza como “transgressores”.
Denota-se então que a consciência é uma orientação para os caminhos a serem percorridos por um ser que faz parte de um determinado clã como referência. Para Bert Hellinger (2005, p.62) “A consciência é, em primeiro lugar, um sentimento que nos ajuda a perceber como devemos agir para assegurar a nossa vinculação a um grupo importante para nós”. Contudo, essas consciências, classificadas entre boas ou más, não se limitam ao certo e errado delimitado socialmente. Como demonstração disso, uma pessoa inserida no convívio com criminosos que realiza um roubo ou mata alguém, ela age com boa consciência, para que se sinta incluída no grupo identificador e mantenha o seu pertencimento nele. Mesmo que esses crimes sejam repugnados por uma maioria, o autor dos fatos tende a defender o seu ato e o seu grupo, em razão da vinculação criada com o mesmo.
Explorando essa conjuntura na realidade comunitária surgem diversos exemplos práticos de aplicação dessa lei nos relacionamentos. Seguindo com a ampliação dos sistemas, nas relações entre amigos e de trabalho também ocorre essa necessidade de pertencimento, ao buscar de forma natural um grupo que contemple e compartilhe das mesmas ideias.
Direcionando o olhar dessa questão para dentro de uma comunidade surgem possibilidades de desenvolvimento local. Ao trabalhar essa perspectiva de pertencimento, mesmo que seja para uma pequena parcela de pessoas, estimula-se a união e consequentemente a efetivação de práticas que beneficiam a comunidade. Isso porque quando as pessoas se sentem reconhecidas e identificadas com o grupo, elas tomam força para iniciativas que promovem a expansão do bem-estar pessoal e social.
Ao se regionalizar essa ordem sistêmica há uma série de demandas que podem ser buscadas e alcançadas por diversas aglomerações, que possuem propriedade para lutar pelas suas convicções, tendo em vista que vivenciam as precariedades do ambiente. Os assentamentos, comunidades quilombolas, tribos indígenas e demais coletividades são exemplos práticos desse raciocínio, pois se unem por causas comuns, colocam em prática seus princípios e batalham pela fortaleza dos mesmos.
2.2 A segunda lei sistêmica: a Hierarquia
A hierarquia é responsável por manter a ordem nos relacionamentos, promotora do respeito, paz e cordialidade na estrutura do sistema. Bert Hellinger (2007, p. 37) leciona que “cada grupo tem uma hierarquia, determinada pelo momento em que começou a pertencer ao sistema. Isso quer dizer que aquele que entrou em primeiro lugar em um grupo tem precedência sobre aquele que chegou mais tarde. Isso se aplica às famílias e também às organizações”.
Na prática, o respeito a essa ordem promove que cada um ocupe apenas o seu lugar e não se sobrecarregue com aquilo que não lhe pertence. Essa lei direciona a vida ao determinar o que compete a cada um, além de zelar pelo respeito à hierarquia e a sabedoria daqueles que vieram antes, ou seja, de quem possui maior acúmulo de experiências.
Novamente, é preciso observar e compreender as dinâmicas criadas no seio familiar, por se tratar de um sistema micro que reflete diretamente no sistema macro vivido socialmente. Zelar pela hierarquia familiar que os pais possuem sobre os filhos significa ordenar as relações e fortalecer os caminhos a serem percorridos por cada um.
Para compreender o surgimento dessa lei, basta observar que em qualquer grupo alguma liderança se manifesta. Essa característica envolve ditar regras e fiscalizar o cumprimento das mesmas. Em decorrência disso surgem os líderes que propõem tais diretrizes, a fim de garantir a existência e a harmonia nos relacionamentos.
Retornando ao início da humanidade, desde a Pré-História observa-se que para manter a sobrevivência grupal necessita de ordem. Essa aptidão natural de indivíduos orienta uma coletividade em diversos aspectos básicos, respondendo a perguntas que surgiam diante de questões apresentadas. A título de exemplificação, os líderes planejavam e direcionavam “o que fazer?”, “como fazer?”, “quando?”, “para onde?”, dentre outras tratativas.
Essa ordem está presente em diferentes ambientes, como no âmbito do trabalho. Numa organização profissional se encontra a divisão de cargos, tarefas e regramentos determinados por superiores. Dessa forma, todos os cooperados desse sistema se sentem aliviados e focados por saberem o que necessitam fazer para a produtividade da empresa e possuem conhecimento dos limites das suas ações, para que não cause prejuízos.
Restringindo a nível regional de uma cidade, por exemplo, existem os líderes de bairro. Esses membros são responsáveis por serem os porta-vozes daquela população, direcionando quais demandas possuem prioridade naquele espaço. Assim, observa-se também que a representatividade por meio de uma liderança é uma característica marcante para que haja o alcance daquilo que é fundamental para o meio.
Além desses proveitos, a ordem protege os indivíduos de conflitos devastadores para a existência humana. Nesses moldes, Bert (2005, p.13) dispõe: “Assim, a ordem jurídica estabelece limites à vontade pessoal de extermínio e protege os indivíduos e os grupos contra as irrupções dessa vontade. Quando esses limites deixam de existir, como acontece na guerra, ou quando o poder da ordem desmorona, como nas revoluções, irrompe de novo a vontade arcaica de extermínio, com suas terríveis consequências”.
Vislumbra-se que a hierarquia é essencial para o desenvolvimento humano. Ela propõe a ordem nos relacionamentos humanos, determina o alcance de metas, define as tarefas, promove a cooperação social e respeito entre os indivíduos, além de garantir a sobrevivência humana. Essas reações espontâneas possuem um propósito, que é a prosperidade na vida, em todos os seus contextos.
2.3 A terceira lei sistêmica: o Equilíbrio entre o Dar e o Receber
Discorrendo sobre esse equilíbrio vislumbra-se um fluxo de troca genuíno entre as partes. Em todos os relacionamentos essa ordem deve ser mantida de forma espontânea, sem expectativas, exigências e julgamentos. Dessa forma, cria-se uma harmonia entre as polaridades, estabelecendo um vínculo saudável.
A maioria dos relacionamentos desenvolve uma troca proporcional. Há uma limitação naquilo que se pode dar, consistente no que cada um recebeu. Por consequência, não há como exigir aquilo que o outro não recebeu, se tornando impraticável entregar aquilo que não possui. Retornando ao sistema de referência do ser humano, no meio familiar os pais dão aos filhos aquilo que eles receberam e os filhos recebem e retribuem na medida do possível.
Nessa relação impera uma questão peculiar, pois há um desnível originário desencadeado pelo motivo dos pais serem superiores aos filhos. A fundamentação para isso é decorrente do maior bem da humanidade praticado pelos pais: a concepção da vida. Logo, por mais que os filhos retribuam com a propagação da geração, se realizem ou deixem legados, ainda assim são considerados pequenos nessa relação, pois não há qualquer ato que seja capaz de retribuir a vida na mesma proporção.
Já nos relacionamentos conjugais, proveniente dos ensinamentos de Bert Hellinger, a satisfação e estabilidade desse relacionamento decorrem principalmente devido às ações mútuas. Aquele que realiza algo para o outro se posiciona como credor, enquanto aquele que recebe se coloca como devedor. Destarte, as trocas constantes desses papéis de credor/devedor promovem o engajamento no relacionamento, pois há um equilíbrio natural. 
Observa-se que essa troca entre cônjuges decorre de um exercício de ambos. Dessa forma, eles se posicionam no mesmo nível, sem superioridade para com o outro. Se uma parte realiza ações demasiadamente, esta se coloca numa posição de superioridade com relação ao outro, que só recebe.  O considerado polo passivo, muitas vezes não possui mais condição para retribuir na mesma medida, por ter recebido acima daquilo que se tem para dar. Assim, não há equilíbrio e a tendência é o rompimento dessa relação.
Sobre o tema Bert assevera (2007, p.193) “Quando, num relacionamento, um parceiro dá mais e recebe menos que o outro, o relacionamento fracassa. Portanto, na terapia de casal, a primeira medida é descobrir quem dá mais e quem recebe mais, e então reequilibrar o dar e o tomar. Nesse assunto, cada um sabe de imediato se dá ou recebe mais”.
No aspecto profissional, o equilíbrio é fundamental para manter a ordem e prosperidade da organização. Os cooperados de uma empresa devem ser reconhecidos na mesma proporção de seus esforços. Isso desencadeia o almejado reconhecimento pessoal e profissional, diante da contribuição fornecida ao trabalho, influenciando diretamente na produção, aquisição de lucros, inovação, resultados, alcance de metas, enfim, no próprio sucesso do negócio.
Uma importante consideração nesse viés é acrescentada por ao ponderar sobre a capacidade atual do trabalho estar diretamente vinculada ao equilíbrio emocional do cooperado (REIS, 2018). Assim sendo, além do equilíbrio no fluxo de trocas profissionais deve haver o equilíbrio emocional pessoal, para que se mantenha ou amplie o rendimento. Essa circunstância, conforme Reis (2018) leciona ocorre devido “a empresa ser a somatória dinâmica das relações interdependentes dos sistemas de seus setores e colaboradores”.
As próprias relações comerciais praticadas há séculos são baseadas nesse equilíbrio entre o dar e o tomar, ao observar que enquanto um vende um produto e percebe remuneração, o outro adquire o bem e repassa o valor estipulado. Caso haja alguma interrupção nesse fluxo de troca, surge o direito de se socorrer ao amparo jurídico.
Em decorrência disso, criou-se um instrumento judicial com o objetivo de materializar o equilíbrio buscado nos relacionamentos: a sentença. Quando as partes não se sentem capazes de chegar a um consenso, essas repassam a um terceiro imparcial a capacidade de decisão. Contudo, salienta-se que as partes são as únicas por saberem o que retoma esse equilíbrio por realmente terem consciência de como se dá as dinâmicas naquela relação. Logo, o empoderamento das mesmas é a melhor forma de alcançar resultados satisfatórios, como se observa na mediação.
Em resumo, nota-se que a realização de ações para com os outros os coloca num status de débito, provocando uma compensação natural pelo que foi recebido. Dessa forma, a busca pelo equilíbrio é intrínseca ao ser humano, para manter sua consciência leve e retornar ao campo da inocência. Nesse sentido, Bert Hellinger explica (2007, p.167) que:
Quando recebo algo de alguém ou o tomo para mim, por mais belo que seja, tenho um sentimento de desprazer. Sinto isso como uma pressão, até que eu, por minha vez, pague ou dê algo de igual valor. Essa dívida é por mim vivenciada com obrigação de dar. Dizemos então, por exemplo: “Sinto-me em dívida com essa pessoa.” Quando, pressionado pelo sentimento da dívida, pago ou dou algo de igual valor sinto-me livre da pressão dessa obrigação. Essa sensação de estar desobrigado eu experimento como leveza e liberdade. E também quando me recuso a receber alguma coisa, para não me sentir obrigado, sinto leveza e liberdade. Essa inocência é cultivada pelos que se afastam da sociedade e também pelos que se dedicam a ajudar sem receber. Mas ela nos torna solitários e pobres.
Em vista disso, a realização de atos benéficos ao próximo estimula quem os recebeu a retribuir ou propagar o que foi experimentado. O conhecido ditado “gentileza gera gentileza” se coloca em prática nessa perspectiva, propiciando o desenvolvimento da humanidade nos diversos sistemas que o ser humano se vê inserido. A compensação pelo bem recebido equilibra os relacionamentos e promove o pleno desenvolvimento.

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A ocorrência dos conflitos, desordens e desequilíbrios vividos socialmente remete ao ser humano em sua essência. Um ser desestruturado age de acordo com aquilo que é sentido, portanto, os distúrbios que impactam o pleno desenvolvimento humano são meras exteriorizações do caos vivido internamente.
No teor desse trabalho foi citado como referência em todos os tópicos o sistema de origem do indivíduo: a família, pois, esse clã é responsável por nortear o ser humano. Sua composição traz à tona a força necessária para guiá-lo em busca da prosperidade. Sendo o primeiro e principal sistema, a relação desencadeada no mesmo reverbera nos próximos.
Dessa maneira, ao observar que o indivíduo faz parte de um sistema e que todos estão conectados, à medida que um realiza um ato em benefício do próximo, esse ecoa e se propaga, alcançando diversas estruturas sociais. Assim, os sistemas micros que compõem os sistemas macro são as peças fundamentais para as mudanças e melhorias.
Nota-se que a abordagem sistêmica trata profundamente sobre os aspectos da dimensão humana. Inserida em todos os sistemas que o ser faz parte, potencializa seus efeitos positivos decorrentes do respeito às leis sistêmicas ao considerar o desenvolvimento de forma dinâmica.
Na medida em que um cidadão se fortalece em sua família, seu desempenho profissional aumenta, sua vida conjugal tende a prosperar, suas relações sociais se ampliam, promovendo um bem estar coletivo. Logo, o desenvolvimento humano depende de movimentos em agrupamentos menores que refletem diretamente no todo.
Os conflitos experimentados pelo ser humano existem nas suas mais variadas relações, e as contribuições da teoria sistêmica de Bert Hellinger para a dimensão humana pode influenciar diretamente sob as possibilidades e perspectivas de alcance irrestrito para o pleno desenvolvimento humano.

REFERÊNCIAS

BRONFENBRENNER, U. (1996). A ecologia do desenvolvimento humano: experimentos naturais e planejados. (M. A. Verríssimo, Trad.) Porto Alegre: Artes Médicas. (Trabalho original publicado em 1979)
HELLINGER, Bert. Conflito e paz: uma resposta. São Paulo: Cultrix, 2005.
______, Bert. As ordens do amor: um guia para o trabalho com constelações familiares. São Paulo: Cultrix, 2007.
______, Bert. Bert Hellinger. Vida. Home page. Disponível em: https://www.hellinger.com/pt/pagina/bert-hellinger/vita-bert-hellinger/. Acesso em 10 de novembro de 2018.

MERCURI, Isabela. Terapeuta realiza sessões de 'Constelação Familiar' para resolver problemas entendendo relações familiares. Disponível em:

http://www.olhardireto.com.br/conceito/noticias/exibir.asp?id=15472&noticia=terapeuta-realiza-sessoes-de-constelacao-familiar-para-resolver-problemas-entendendo-relacoes-familiares Acesso em 11/03/19
REIS, Otávio Augusto Teixeira dos. Gestão organizacional sistêmica.In: Workshop de Sistêmica. Campo Grande, MS, 2018.
ROGOLL, Rüdiger. I congresso internacional Hellinger de Direito Sistêmico, 22 e 23 de junho. 2018. São Paulo, SP. Apresentação sobre Bert Hellinger e a história da constelação familiar. São Paulo, SP: Shopping Frei Caneca, 2018.
SILVA, Alais da & REIS, Almerinda Luedy. Triple aim: estratégias para melhorias nos sistemas de saúde. Revista ACRED - ISSN 2237-5643 v. 6, n. 11 (2016)
SILVA, Maria Inês Araújo Garcia. Era uma vez um jovem alemão: a história sobre Bert Hellinger. 2017.  Disponível em: https://iperoxo.com/2017/06/27/era-uma-vez-um-alemao-bert-hellinger/. Acesso em 10 de novembro de 2018.


*Universidade Católica Dom Bosco. mairafas@gmail.com Aluna bolsista pela CAPES do Programa de mestrado em Desenvolvimento local da Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), especialista em Educação-Inclusiva (Faculdade de Selvíria) e Dermato-Funcional aplicada a Cirurgia Plástica (UFMS). Graduada em Fisioterapia pela Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal (UNIDERP),acadêmica do Curso de Direito da Universidade Católica Dom Bosco(UCDB).
** Universidade Católica Dom Bosco. marianjos-27@hotmail.com Bacharel em Direito pela Universidade Católica Dom Bosco (UCDB).
*** Universidade Católica Dom Bosco. heiroma@ucdb.br Doutor em Desarrollo Local y planteamiento Territorial (Complutense), Mestre em Educação –formação de professores (UCDB), Especialista em Filosofia e História da Educação (FUCMT), Graduado em Pedagogia (FUCMT), Licenciado em Ciência Naturais (FUCMT)

Publicado: 04/11/2019

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