Revista: CCCSS Contribuciones a las Ciencias Sociales
ISSN: 1988-7833


UM CONCEITO PRÁTICO DE CULTURA PARA TODAS AS SITUAÇÕES

Autores e infomación del artículo

Roberto Rigaud Navega Costa*

Tatiane dos Santos Navega Costa**

Uniamérica - Foz do Iguaçu, PR, Brasil

E-mail: ramosnavega@gmail.com


Resumo:
O presente artigo tem como objetivo criar uma ferramenta útil para o trabalho de todos que têm de raciocinar utilizando a categoria cultura. Esta categoria tem recebido um conjunto enorme de definições e, ao invés de estar contribuindo com o avanço das discussões, tem se apresentado como um empecilho linguístico. Toda vez que temos que citar cultura temos que definir sob o ponto de vista de quem, qual autor sustenta seu ponto de vista. Tal atividade deixa mais obstáculos a um acordo, e pretendemos facilitar o entendimento entre as partes. Para alcançarmos nosso fito, nos utilizamos de um texto fluido que visa apresentar as motivações do tema, suas origens, e enquadrá-lo numa versão de fácil compreensão, afim de abarcar o máximo de leitores possível, e que eles possam compreender e aplicar em seu dia a dia, e em seus textos, o exposto abaixo. Não se trata, portanto, de uma pesquisa, mas de uma reflexão filosófica a respeito do tema, utilizando-nos de nossa vivência. Esperamos, ao final do texto, que o leitor tenha compreendido nossos motivos, nossas ideias, e que possa, a partir delas, ter uma compreensão melhor da realidade, utilizando-se de mais esta ferramenta conceitual, um dos conceitos mais citados, e ao mesmo tempo um dos mais incompreendidos. A ideia foi simplificar a discussão, mas dela o leitor poderá complexificar à vontade, pois terá um porto seguro onde atracar suas teses.
Palabras clave: cultura, conceitos, civilizaçãol.

Resumen:
Este artículo pretende crear una herramienta útil para el trabajo de todos los que tienen que razonar utilizando la categoría de cultura. Esta categoría ha recibido un gran conjunto de definiciones y, en lugar de contribuir al avance de las discusiones, se ha presentado como un impedimento lingüístico. Cada vez que tenemos que citar la cultura, tenemos que definir desde el punto de vista de quién, qué autor sostiene su punto de vista. Dicha actividad deja más obstáculos para un acuerdo, y tenemos la intención de facilitar el entendimiento entre las partes. Para alcanzar nuestra meta, utilizamos un texto fluido que tiene como objetivo presentar las motivaciones del tema, sus orígenes y enmarcarlo en una versión fácil de entender, con el fin de llegar al mayor número de lectores posible, y que puedan comprender y aplicar en su día a día, y en sus textos, el expuesto a continuación. No es, por tanto, una investigación, sino una reflexión filosófica sobre el tema, utilizando nuestra experiencia. Esperamos, al final del texto, que el lector haya comprendido nuestros motivos, nuestras ideas y que, a partir de ellos, pueda comprender mejor la realidad, utilizando esta herramienta conceptual, uno de los conceptos más citados, y Al mismo tiempo uno de los más incomprendidos. La idea era simplificar la discusión, pero a partir de ella, el lector puede complejizarse a voluntad, porque tendrá un refugio seguro donde colocar sus tesis.
Palavras Clave: cultura, conceptos, civilización.

Abstract:
This article aims to create a useful tool for the work of all who have to reason using the culture category. This category has received a huge set of definitions and, instead of contributing to the advancement of the discussions, has presented itself as a linguistic impediment. Whenever we have to cite culture we have to define from the point of view of who, which author sustains his point of view. Such activity leaves more obstacles to an agreement, and we intend to facilitate understanding between the parties. In order to reach our goal, we use a fluid text that aims to present the motivations of the theme, its origins, and frame it in an easy-to-understand version, in order to reach as many readers as possible, and that they can understand and apply in their day by day, and in its texts, the exposed one below. It is not, therefore, a research, but a philosophical reflection on the subject, using our experience. We hope, at the end of the text, that the reader has understood our motives, our ideas, and that, from them, can have a better understanding of reality, using this conceptual tool, one of the most cited concepts, and same time one of the most misunderstood. The idea was to simplify the discussion, but from it the reader can complexify at will, because it will have a safe haven where to stake their theses.
Keywords: culture, concepts, civilization.

Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Roberto Rigaud Navega Costa y Tatiane dos Santos Navega Costa (2019): “Um conceito prático de cultura para todas as situações”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (noviembre 2019). En línea:
https://www.eumed.net/rev/cccss/2019/11/conceito-pratico-cultura.html
http://hdl.handle.net/20.500.11763/cccss1911conceito-pratico-cultura

1 - Introdução:

Não há homem que viva isolado, e no contato entre seres humanos utilizamos uma infinidade de códigos, e tais códigos têm de ser comuns a ambos os humanos que se comunicam. Tal compreensão é dada por um aprendizado, e este aprendizado em comum é, por vezes, chamado de cultura. Assim, grupos culturais se formam ao compartilhar uma mesma linguagem, e têm, por vezes, origens comuns.
Mas com o passar dos anos, e com a enxurrada de textos sobre o homem e a sociedade, divididos em várias disciplinas, o conceito de cultura sofreu uma inflação de significados, se tornando algo que polissêmico, e dificultando para quem precisar utilizá-lo com uma determinada intensão. Então passamos a ter um problema quando citamos cultura. Para facilitar este trabalho tentaremos clarificar o assunto, e partiremos da vida comum até chegarmos ao conceito.
Assim, como o conceito de cultura carrega, atualmente, uma carga muito pesada de significados, dados ora por pesquisadores independentes, ora por escolas de pensamento, que propagam estes pensadores, pretendemos aliviar esta carga simplificando o problema até chegarmos a um conceito de partida, de onde possa haver algum ponto de apoio a novos raciocínios, sejam científicos ou cotidianos.
Para produzir o texto a seguir abrimos mão intencionalmente de repassarmos toda uma bibliografia gigantesca, pois já sabíamos de antemão que o trabalho seria hercúleo, e que só atrasaríamos os resultados pretendidos. Sabendo de antemão aonde queríamos chegar, bastava que refizéssemos a trilha de raciocínio que havíamos percorrido para chegar lá, e que convidássemos o leitor a percorrer conosco tal trajeto. Mas, para consulta citaremos algumas obras úteis ao final, na bibliografia.
A estrutura do texto é simples, em primeira pessoa do singular, não há seções especiais, pois o texto é melhor absorvido sem ressaltos ou pausas, sendo curto e direto, não levando o leitor a malabarismos lógicos, ou a ter que consultar fontes extras no caminho. Serve também como teste de um modo mais simples de se fazer um artigo, com menos salamaleques, que podem dificultar o leitor, e afastá-lo do que importa, a saber, as ideias que o texto tenta transmitir.

2 - O que é, afinal, Cultura

Hoje, voltando para casa após ir ao mercado comprar pão e café, me peguei pensando sobre coisas às quais gostaria de discutir com outras pessoas, mas que creio que não são de interesse geral, e que provavelmente não venham a interessar a quase ninguém. No entanto eu – mesmo assim – gostaria muito de discutir. Fui estimulado por textos que estou lendo no momento, alguns obrigatórios – que são em geral bem ruins – e outros de meu interesse particular.
Lidando com temas ligados à cultura, por interesse e por obrigação, já que participo de uma pós-graduação em Sociedade, Cultura e Fronteiras, ganhei uma certa percepção, uma impressão, conforme tive de repassar uma certa quantidade de bibliografia. E tal impressão se aprofundou, mais e mais, chegando a emergir definitivamente neste texto aqui. Como um corpo que fora jogado em um lago e que agora, após a putrefação, viesse à luz para que eu pudesse fazer a autópsia.
Pode não ser uma imagem agradável, mas descreve bem a sensação de se ter uma impressão mental e não poder trabalhá-la a contento. Só que neste momento tomei a resolução em dar cargo de tal trabalho, utilizando minhas ferramentas, um tanto escassas (devo admitir), mas que são as que tenho à minha frente agora. Utilizarei o pouco que sei de conceitos e o muito de reflexão que empreendi para tentar compreender o mundo onde nasci.
Lembro de uma ocasião onde eu e mais dois colegas de trabalho estávamos em um curso da empresa, e não nos víamos a algum tempo. Nos cumprimentamos e trocamos amenidades, até que um deles começou uma conversa paralela com o outro. Falaram usando palavras em português, mas com um contexto que eu não pude compreender, numa tonalidade diferente. Não era forçado, como quando tentamos falar outro idioma, sequer era como a linguagem de travestis, cheia de gírias, era o bom e velho português, mas num jeito irreconhecível para mim.
Citei este fato para mostrar, com um exemplo, o que ocorre conosco diariamente: não temos a compreensão dos fatos que nos cercam, não temos todas as informações para decodificar o mundo, não sabemos quais são as variáveis a analisar em cada caso. Acredito que nos movamos no mundo muito mais com acúmulo de experiências do que com uma clara visão de um quadro geral. Imitamos aos demais, e como eles ainda estão vivos o que eles fazem, e pensam, deve servir para eu me manter por aqui também.
O problema é quando começamos a necessitar de mais explicações, e não só mais, mas melhores explicações, pois já há um conjunto bem abrangente de explicações do mundo, no entanto elas têm um quê de frágeis, de improvisadas ou excessivamente ideológicas. Indo desde os textos religiosos aos textos marxistas, temos uma imensa quantidade de edifícios conceituais, uns amarrados aos outros, para tentar dar legitimidade a cada uma de suas partes.
Mesmo assim parece pouco, pois basta um vento contrário, uma nova descoberta, um novo modelo, conceito ou paradigma, para que toda uma estrutura conceitual venha a ruir, e passar a abrigar apenas seus antigos defensores, obcecados por um sonho doce e a lembrança de quando eles tinham certeza de tudo, e de quando todos os ouviam e respeitavam. Vivendo nesses escombros, mausoléus de cadáveres insepultos, eles bradam por mais reconhecimento.
E se pudermos voltar ao assunto, poderemos verificar o que afinal me instigou, ou incomodou mesmo, a fazer este texto. O que estava à minha frente, como a pedra de Drummond, era o conceito de cultura. Hoje tive a percepção mais clara do problema ao ler a respeito de história cultural, campo da história que tenta jogar luz na cultura como sendo algo a se considerar no processo de descrever a história (como o próprio nome já sugere).
Quando o autor de tal livro começa, como todo historiador, a contar a história desta abordagem ele faz um apanhado do surgimento, evolução e de qual é o panorama atual de seu campo de atuação. Isto nos dá uma boa ideia de como é esta ciência e quais são os seus maiores expoentes no momento, como eles pensam, o que consideram importante, e qual é o grau de desenvolvimento dos estudos.
Mas, como eu já estava um pouco perturbado com o andar dos estudos, me postei à soleira da porta desta aula de História Cultural, e pude ver com um pouco mais de distância o movimento que o pensamento a respeito do tema fez para se desenvolver. Pude notar como cada contribuição de um novo player em tal campo jogava a bola para lá ou para cá, e quem a pegava depois do passe.
Esse movimento me mostrou algo que eu ignorava, mas que já estava postado ao meu lado, e que pode ser o que me incomodava a muito tempo, a saber, o fato de não haver uma definição de cultura. Não me entendam mal, sei que muitos autores têm definição do que seja cultura, mas a palavra surgiu antes de o conceito estar pronto. Daí a polissemia de explicações de algo que todos têm alguma impressão do que seja, mas que não abarcamos ao todo.
Algo me sugere que a palavra já existia – há quem fale em kultur, do alemão – e que conforme a necessidade as pessoas foram vestindo de explicações convenientes para formar, cada um a seu turno, um conceito para chamar de seu. Daí para termos uma enorme quantidade de explicações que não se encaixam, ou que procuram desviar para um lado e eclipsar um outro, foi um pulo. Principalmente num momento onde a palavra Cultura tenta se imiscuir em tudo.
Mas, afinal, o que é cultura? Se ela é todas as coisas que dizem que ela é, como pode ela ser algo que se contradiz assim, ou que tem características tão diversas?

***

Quando a Antropologia começou a ganhar corpo, seus participantes encantaram o mundo nos trazendo um grande conjunto de fatos pitorescos, fotos de lugares exóticos, grupos humanos desconhecidos, com costumes bizarros para os civilizados. Foi um sucesso, e os livros tiveram uma larga aceitação entre as camadas cultas (olha a cultura aí) da Europa e América do Norte, todos ávidos por novidade.
Mas, como tudo o que é bom dura pouco, e como o mercado logo se encheu de profissionais prontos para descrever os aborígenes pelo globo afora, logo tudo estava descrito e reescrito, não havendo mais nada para se falar a respeito dos exóticos outros. Não fazia sentido enviar mais antropólogos para viver em um local já descrito, e bem, por outros profissionais, seria contraproducente, dispendioso, e o público não gosta de reprises.
Isto descrito acima me lembra quando uma das missões dos navegadores, principalmente portugueses e espanhóis, era encontrar o bíblico Jardim do Éden, local que para os cristãos havia sido a moradia de Adão e Eva, e onde estes podiam conviver com seu criador. Este fato não é absurdo, se pensarmos que àquela época eram os séculos XV e XVI, e que a grande parte da Europa se constituía de Cristãos devotos.
Além disto, para auxiliar na busca, correu pela Europa, no século XII um manuscrito assinado por um certo Presbítero Johanis (Preste João), que afirmava ser um rei cristão a guardar tal jardim a muito buscado. Munidos da certeza de que tal lugar existiria, e com a confirmação por escrito de Prestes João, não havia dúvidas de que os navegadores encontrariam tão divino lugar e que poderiam ficar cobertos de glória por tal feito.
Mas, o tempo foi passando e nada foi descoberto. Nem sinal de Preste João, nem sinal do Éden, apenas milhares de locais e milhões de bons selvagens rousseaunianos, prontos para barganhar com os navegadores, ou para matá-los caso houvesse uma boa oportunidade, como no caso de Fernão de Magalhães, que é célebre por ter encontrado um estreito que ligava os oceanos Atlântico e Pacífico, e de ter encontrado um arquipélago que viria a ser as Filipinas, e que morreu a flechadas em uma praia tropical.
Após se ter circum-navegado o globo todo, de se ter ido de ilha em ilha, selva em selva, buraco após buraco, e nada terem encontrado que pudesse ser nosso presbítero ou ser o Jardim do Éden, chegou-se a uma criativa solução: o paraíso não está no mundo, está em outro lugar, a saber, o céu. Assim, temos um exemplo de criatividade para que pudéssemos manter um discurso e uma prática, no caso religiosa, por mais alguns séculos.
O mesmo se deu com os antropólogos que, quando viram seu objeto de estudos já todo bem descrito e pesquisado, tiveram de se reinventar, pois já eram muitos e precisavam manter sua atividade econômica, já que viviam disso. O seu objeto, então, passou a ser o meio urbano e seus habitantes. Mas até este objeto se exaure em algum momento, e já se providenciou uma plêiade de alternativas, todas articuladas com o selo do pós-modernismo.
Assim se faz com conceitos como os da cultura, eles servem até ao ponto onde se esgarçarem, e então temos que providenciar uma nova roupagem para eles, para podermos ainda brincar com a categoria de análise, para podermos ainda ser os que dizem o que é e o que não é cultura. Por isto há tantas definições, já que não há Éden podemos localizá-lo onde for mais conveniente, como não há mais aborígenes, passamos a outro objeto – como se a ciência fosse a mesma quando mudamos desta forma.
Este tipo de maleabilidade, de plasticidade, de truque, não parece condizer com a realidade, parece padecer de um vício de contradição, pois uma coisa não pode ser A e não-A ao mesmo tempo. Ou a cultura é algo com tais e tais características, ou não é, não pode ser um quadro em branco para escrevermos o que quisermos conforme nossa necessidade, conforme a moda, conforme a ideologia a que nos vinculamos.
Portanto parei de procurar e de tentar catalogar definições a respeito de que seria a cultura, pois vi que tal definição nos escapa a cada momento, nos deixando apenas como catalogadores de conceitos, leitores enfastiados de textos repetitivos ou contraditórios entre si. Todos procurando seu naco de conceito, puxando a brasa para sua sardinha, enquanto procuram um lugar ao sol.
Tentarei, a seguir, formar uma imagem de conceito para a cultura, algo que não deve servir para muita coisa, pois não surge do âmago da academia, e sim da simples observação de um conjunto de observações esparsas no texto, mas que pretendo estabelecer como sendo meu conceito particular de cultura, e que terá como característica não depender, diretamente, do conceito estabelecido por outro autor.
Não tenho a pretensão de criar nada novo, pois creio que algo assim já deve ter sido feito, ou que o conceito que eu vier a esmiuçar seja bem próximo de algum outro que já exista, pois não dá para se criar nada do nada, e não é minha pretensão inovar, e sim dar parâmetros a meu discurso. Assim, sempre que eu disser cultura saberei do que estou falando, e quem me acompanhar nesta obra saberá também, e saberemos do que falamos uns aos outros.

***

Há muitos modos de se esfolar um gato, mas teremos que escolher um apenas para podermos falar sobre cultura. Vou trilhar um caminho já feito antes, e vou começar a dizer o que não é cultura, para assim, podermos dizer o que é. Este é um truque velho, mas teremos um lucro ao final do exercício, pois ao buscarmos um único conceito ganharemos dois. Se o leitor tiver um pouco de paciência logo verá do que se trata.
Há um embate entre franceses e alemães a respeito de qual conceito melhor descreve um povo, para os autores alemães a kultur descreveria melhor, já para os autores franceses a civilization seria a escolha correta. Tal diferença vem de encontro a visões de mundo diferentes, oriundas dos povos em questão, pois para um alemão haveria uma identidade comum, atrelada ao idioma e à terra, que conferiria coesão, já para os franceses a vida citadina, universalizante, herança dos antigos romanos, definiria melhor os povos.
Se pensarmos em cultura como algo que se cultiva, objeto de culto, algo atrelado à terra, algo que se planta, nasce, cresce, se desenvolve, para em tempo certo ser colhido, temos uma imagem que remete a um certo cenário, um certo ritmo, um certo arranjo, a um conhecimento prévio do que se fazer para atingirmos um resultado, e esta ideia é a que queremos atrelar ao conceito.
Já a palavra civilização remete a uma ideia de cidade, de vida em comum, de troca de mercadorias, vivências, troca de tecnologia, idiomas distintos, um ritmo mais acelerado, prazos mais curtos, necessidade de competir por oportunidades, diferenças de posição, diferenças de localização no espaço, diferenças de renda, disputas políticas, arranjos espaciais desiguais, moda, etc.
A principal distinção, a se saber, entre cultura e civilização, é a de tempos. Se pensarmos em uma cultura sempre pensamos em uma tribo de índios, ou africanos em choças, ou em um tirolês de suspensórios, mas nunca em um empresário saindo de um carrão com um celular na mão e uma secretária fazendo anotações. E qual é o motivo disso? Nós já temos um conceito prévio do que seja cultura, e ele está ligado a grupos humanos isolados ou do passado.
Quando um egípcio antigo (da época dos faraós) nascia, ele tinha um conjunto de informações a receber que era muito próximo do conjunto de informações recebido pelos seus pais, pelos seus avós, seus vizinhos, seus compatriotas, e seria praticamente o mesmo que ele iria transmitir a seus filhos. É como se houvesse uma plantação dos mesmos gêneros agrícolas, como se fosse um mesmo cultivo, uma mesma cultura, mas que é plantada nas mentes de cada um dos membros daquela comunidade.
E mesmo se houver contato com outras culturas, que passariam pelo mesmo processo de transmissão de aprendizado, tal contato, se não fosse violento, seria absorvido e repassado homogeneamente a cada geração subsequente. Se houvesse violência, os membros deste grupo atacado manteriam o que já haviam absorvido de seu grupo e teriam de aprender a lidar com a nova realidade, mas sem perder suas raízes, sua cultura original.
Foi assim que surgiu o Candomblé no Brasil, algo de cada região, de onde vinham os escravos africanos, foi reunido num conjunto de ideias que reproduziram um modo de manter, e disseminar, práticas religiosas vindas das culturas originais de cada grupo envolvido no processo. Pois, cada um dos envolvidos traziam em si as sementes de um conhecimento que era cultivado na África, há muitas gerações, e puderam fazer brotar em novo solo parte desta mesma cultura.
Vemos aqui que cultura é algo que se cultiva, que se planta, que se cuida, que se reproduz de um membro do grupo para outro, algo que demora séculos para tomar forma, tomar identidade, para podermos dizer que tal ou qual grupo tem tal ou qual características. Estas características levam muito tempo para se desenvolver e se fixarem como práticas que distinguem um mesmo grupo.
Assim, podemos citar a cerâmica marajoara, que é bem diferente da de outros grupos de índios – sim, vou usar o vocabulário corrente, índio – que povoam, ou povoaram a região da floresta amazônica. Na África temos os Dogons com uma cerâmica igualmente distinta da de seus vizinhos, pois não é feita moldando-se o barro em uma peça diretamente, mas fazendo-se “minhoquinhas” de barro, e somente após eles formam a peça que desejam, ligando tudo alisando lateralmente.
Estas diferenças não são estabelecidas do dia para a noite, mas podem desaparecer muito rápido com o auxílio do contato com outros costumes. Dessa forma muitas culturas têm sido perdidas, sim perdidas, com o contato com hábitos exteriores aos dos membros de um grupo cultural, que passam a exercer sobre este uma pressão para a mudança. Tal mudança pode ser lenta, ajudando na assimilação, mas pode ser traumática e apagar tudo o que havia antes.
A esta mudança eu dou o nome de civilização. O efeito visível é o da mudança de hábitos. E a mudança invisível é a morte daquela cultura a tantas gerações estabelecida. Assim, cultura e civilização estão opostas por ritmos distintos, pelo que produzem, e pelos efeitos que geram em seus replicadores. Enquanto o tempo da cultura é de décadas, séculos, o da civilização pode ser de dias, semanas, meses, ou poucos anos.
Assim, o que é cultura para um grupo pode ser civilização para outro, dependendo se tal comportamento, código ou prática, tem origem no grupo ou não. Ou seja, ópera é cultura para europeus, mas é civilização para brasileiros, pois não surgiu ou cresceu no Brasil, e sim na Europa. Nada contra a ópera, mas fica mais evidente e fácil classificar se um conteúdo é autóctone, ou não, em um certo grupo.
Ao mesmo tempo há um conjunto de considerações que poderemos fazer a respeito desta classificação, por exemplo, se a cultura demora para ser estabelecida tudo o que se inventou, desde tecnologia, moda, música, mídia, conceitos, etc., não é cultura? E a cultura clássica, a cultura universitária, não são cultura? E as novas seitas religiosas, as tribos urbanas, os costumes implementados pelos avanços tecnológicos?
Bom, se seguirmos a lógica que estamos desenvolvendo chegaremos à conclusão de que nenhum destes exemplos citados no trecho anterior têm ligação com a cultura, de acordo com o conceito de cultura que adotamos a partir de agora, pois não foram cultivados, não formam um conjunto coerente e repassado de conhecimentos ou hábitos. Nada foi plantado nas mentes, nada foi identificado com um grupo original.
Assim, a tecnologia, a técnica, a moda, a mídia, principalmente a digital, constituem inovações, que mesmo na duração de uma vida surgem e caem no desuso rapidamente, não fincam raízes em nada e não são transmitidas a uma nova geração. A própria lógica de sua existência é o fato de serem efêmeras, de serem bens de consumo, de durarem enquanto ainda dão lucro. Tanto que sempre compramos algo sabendo que seu substituto já está chegando nos próximos meses às lojas mais próximas.
Já a chamada cultura clássica, como adiantei no exemplo da ópera, é cultura para os povos que puderam desenvolvê-la, aprendê-la, transmiti-la para as gerações seguintes. Para os demais grupos humanos que as receberam ela é uma intrusão em seu ritmo, ela toma o lugar do que já havia lá, e pode significar uma substituição da cultura correspondente ao mesmo tipo de atividade.
Pense num chinês han do século XIX, quando passou a frequentar uma sala de concertos, após seu grupo cultural ter desenvolvido todo um conjunto de instrumentos musicais, ter composto para eles, de ter uma infinidade de canções em seu idioma, que lhe remetiam e confirmavam sua visão de mundo particular. Ele agora, por melhor que a orquestra seja, está passando por um processo civilizatório, está substituindo o cultivado pelo enxertado.
A própria cultura universitária tem este viés civilizatório, torna o mundo mais uniforme, enxerta um conjunto de conhecimentos, até então desconhecidos para indivíduos de um certo grupo humano, e quebra uma corrente de pensamentos até então estabelecida. A função de tal atividade é mesmo esta, a de universalizar o conhecimento, de tentar conhecer tudo e de tentar difundir tudo o que se conhece, mas ao custo de homogeneizar tudo no processo.
Daí para frente, sempre que uma família não consegue mais transmitir os conhecimentos que recebeu e que balizaram sua vida, a cultura está fadada ao desaparecimento. O que resta dela será apenas um conjunto fragmentado pelo tecido remendado da civilização. Cada um dos participantes de tal grupo de humanos passará por uma série interminável e cada vez mais veloz de mudanças, que vão metamorfoseando sua percepção de mundo e lhe negando um conjunto coerente do mesmo.
O que a cultura forma como único, a civilização transforma como homogêneo; o que a cultura leva séculos para construir, a civilização leva anos para pasteurizar; o que a cultura foi, jamais será novamente, e o que a civilização será é impossível ter certeza, pois sua lógica é regida por um processo muito acelerado, com muitas variáveis aleatórias, com tensões, globalizações, fragmentações, adesão e repulsas à inovação.

3 - Conclusão:

            Abordamos acima o problema da definição do conceito de cultura, e tentamos estabelecer um conceito simples, descrevendo no processo um conceito articulado ao de cultura, o de civilização, que nos ajudou, por contraste a fundamentar o primeiro. Buscamos ganhar, assim, dois conceitos pelo preço de um, e ao mesmo tempo ganharmos melhor compreensão do processo de formação de um e de outro.
Ao final do texto esperamos ter deixado claro qual o conceito de cultura queríamos defender, e qual foi a sua gênese em nossa mente, guiando o leitor a fazer as considerações que nós fizemos durante o processo. Assim, expusemos nosso modo de raciocínio, e oferecemos ao leitor um meio de aderir ou de refutar, por argumentos, as nossas conclusões.
            Consideramos que nosso objetivo, o de definir o conceito de cultura, foi atingido a contento, pois conseguimos descrever o que entendemos por cultura, e o que queremos comunicar quando usamos tal conceito. Colateralmente pudemos, por oposição, definir o que entendemos por civilização, e o que estamos tentando comunicar quando usamos esta categoria de análise em algum texto ou discussão. Esperamos estabelecer este método em futuros textos.
            De qualquer forma não consideramos o problema encerrado, pois alguém pode encontrar uma definição melhor, ou apontar algum erro neste texto, e poderemos estabelecer um diálogo prolífico, com o intuito de alargar o entendimento tanto do tema, quanto da metodologia aplicada, pois entendemos que não há como ver todas as faces de um problema e que erros fazem parte do processo de aprendizado de cada um de nós.
            Acreditamos, que para alargar os horizontes desta discussão poderia ser feita a catalogação e a comparação dos conceitos de cultura, para avaliarmos a abrangência de cada um deles, agrupá-los em conjuntos de ideias, de tempos, de ideologias, de escolas de pensamento, alcance, interesse, a qual campo da ciência pertence, para daí termos um panorama mais abrangente do tema.

Bibliografia Recomendada:

BURKE, Peter. O que é História Cultural? Trad. Sergio Goes de Paula 2ª ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora. 2008.

CERTEAU, M. A Invenção do Cotidiano: Artes do Fazer. Petrópolis, RJ: Vozes, 1994.

CLIFFORD, A Experiência Etnográfica - Antropologia e Literatura no século XX. Rio de Janeiro: Editora UFRJ. 1998. (Org. José Reginaldo Santos Gonçalves).

DA MATTA, Roberto. O Ofício de Etnólogo, ou como ter “Anthropological Blues”. In: Edson de Oliveira Nunes (Org.). A aventura Sociológica. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.

GEERTZ, Clifford. A Interpretação das Culturas. Rio de Janeiro: LTC, 2008.

___________________. Nova Luz sobre a Antropologia. Rio de Janeiro: Zahar, 2001.

VELHO, Gilberto. Observando o Familiar. In: Edson de Oliveira Nunes (Org.). A aventura Sociológica. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.

WHYTE, William Foote. Sociedade de Esquina: a estrutura social de uma área urbana pobre e degradada. Tradução de Maria Lucia de Oliveira. Rio de Janeiro, Jorge Zahar, 2005.


* Bacharel em Filosofia; Mestrando no PPG em Sociedade, Cultura e Fronteiras, Unioeste - Foz do Iguaçu, PR, Brasil. Email: ramosnavega@gmail.com; Correspondências: R Sérgio Roncato, 644, Foz do Iguaçu, PR, Brasil, Cep 85869-090.
**Pedagoga; Psicóloga; Psicopedagoga; Docente do Ensino Superior – Uniamérica - Foz do Iguaçu, PR, Brasil. Email: navegapsicologia@gmail.com; Correspondências: R Sérgio Roncato, 644, Foz do Iguaçu, PR, Brasil, Cep 85869-090.


Publicado: 08/11/2019

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