Revista: CCCSS Contribuciones a las Ciencias Sociales
ISSN: 1988-7833


INTER-RELAÇÃO METAFÓRICA ENTRE O ALPINISMO E A METODOLOGIA DA PESQUISA: RESENHA DO FILME “NO CORAÇÃO DA MONTANHA”

Autores e infomación del artículo

Guilherme Moreira Caetano Pinto*

Miguel Archanjo de Freitas Júnior**

Bruno Pedroso***

Universidade Estadual de Ponta Grossa, Brasil

E-mail: prof.guilhermecaetano@gmail.com


Resumo:
O presente trabalho objetiva resenhar o filme “No coração da Montanha” (título original Cerro Torre: Schrei aus Stein), lançado em 1991. A referida obra relata a trajetória dos alpinistas Roccia Innerkofler e Martin Sedlmayr na escalada do monte Cerro Torre. O filme aborda um esporte pouco explorado em longas-metragens, e, ao cinematografá-lo, põe em evidência o enfrentamento de dois alpinistas que utilizam estratégias distintas para chegar no topo da montanha Cerro Torre. O decorrer da obra dá destaque as diferentes escolhas feitas pelos dois alpinistas, sendo possíveis aproximações com o caminho percorrido por pesquisadores na área acadêmica. O desfecho da obra transmite a mensagem de que o pesquisador é como um alpinista: deve utilizar-se de um planejamento preciso e cauteloso que o permita escalar, um por vez, todos os degraus da pesquisa científica para conquistar sua “agulha de pedra”, atingindo assim, o topo da carreira.
Palavras-chave: Filme, Metodologia Científica, Alpinismo.

Abstract:
The present work aims to review the film “No coração da Montanha) (original title Woorisaengae Choigoeui Sugan), released in 1991. This work relates the trajectory of the Climbers Roccia Innerkofler and Martin Sedlmayr in the climb of Mount Cerro Torre. The film focuses on a sport that has not been much explored in feature films, and by cinematographying such sport, it evidences the confrontation of two climbers who use different strategies to win Cerro Torre. The work's underscores the different choices made by the two climbers, being possible approximation with the road of researches in the academic area. The work´s conclusion conveys the massage that the researcher is like a climber: he must use careful planning that allows him to climb, one at a time, all the steps of scientific research to win his “Cerro Torre” thus reaching the top of the career.

Keywords: Movie, Scientific Methodology, Alpinism.

Resumen:
Este trabajo tiene como objetivo recensionar la película “No coração da Montanha” (título original Woorisaengae Choigoeui Sugan), puesta en marcha en 1991. La referida obra relata la trayectoria de los escaladores Roccia Innerkofler y Martin Sedlmayr en la escalada del Cerro Torre. La película aborda un deporte poco explorado en la cinematografia, y, en tal realización, pone en evidencia la confrontación de dos escaladores que utilizan diferentes estrategias para llegar a la cima de la montaña Cerro Torre. El curso del trabajo desta las diferentes elecciones hechas por los escaladores, siendo posibles aproximaciones con el camino recorrido por los investigadores en el área académica. El resultado de la producción pone en evidencia el mesaje de que el investigador es como un escalador: debe usar una planificación cuidadosa que le permita escalar, uno por uno, todos los pasos de la investigación científica para conquistar su ‘Cerro Torre”, alcanzando así el topo de la carrera.

Palabras clave: Película, Metodología Científica, Montañismo.

Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Guilherme Moreira Caetano Pinto, Guilherme Moreira Caetano Pinto y Bruno Pedroso (2019): “Inter-relação metafórica entre o alpinismo e a metodologia da pesquisa: resenha do filme “No Coração da Montanha””, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (noviembre 2019). En línea:
https://www.eumed.net/rev/cccss/2019/11/alpinismo-metodologia-pesquisa.html
http://hdl.handle.net/20.500.11763/cccss1911alpinismo-metodologia-pesquisa

  1. Apresentação técnica do filme (tema e construção do problema)

Parte 1 – Apresentação técnica do filme
O longa-metragem “No coração da montanha” (título original Cerro Torre: Schrei aus Stein 1), lançado na Alemanha em 1991, foi dirigido pelo premiado cineasta alemão Werner Herzog. Além deste, a produção do referido filme contou com a participação do produtor de cinema canadense Richard Sadler e de Henry Lange, produtor de cinema francês. Auxiliaram ainda no processo de construção, o alpinista italiano Reinhold Messner, mentor da ideia que originou o filme, além da equipe de roteiristas formada pelo canadense Robert Geoffrion e os alemães Walter Saxer e Hans-Ulrich Klenner.  
A obra em exame, cuja duração é de 105 minutos, apresenta em sua sinopse o gênero drama. No entanto, é inegável a característica de documentário da obra. Em diversos momento, no intuito de reforçar uma característica dramática com ares de documentário, o filme utiliza-se de exposições narrativas, depoimentos e de biografia.
O enredo do longa metragem discorre sobre a tentativa de conquistar a montanha Cerro Torre, reconhecida como uma das mais perigosas do mundo e que ainda não havia sido conquistada, localizada no território argentino da região da Patagônica, bem como as divergências sobre o primeiro atleta a atingir tal feito. Neste sentido, há o retrato de uma disputa entre o velho mestre (Roccia) e a estrela do Alpinismo (Martin) no pico mais difícil da terra. O velho mestre representa um experiente e consagrado alpinista, respeitado por sua longa trajetória esportiva. Por sua vez, o a estrela do Alpinismo representa uma estrela promissora, que recentemente conquista bons resultados em competições da modalidade.
O público alvo desta obra são, a priori, os praticantes da modalidade de alpinismo e, de forma secundária, praticantes de esportes radicais. Para atingir estes públicos, o filme faz uso de imagens de escaladas reais de alta qualidade, algo que proporciona a visualização de belas paisagens naturais bem como, por diversas vezes, cenas com alto grau de tensão que prendem a atenção espectador.

Parte 2 – Apresentação dos personagens

  1. Roccia Innerkofler, interpretado por Vittorio Mezzogiorno, é considerado o melhor alpinista do mundo. Seu currículo apresenta o feito de ter chegado ao topo de todas as montanhas acima de 8.000 metros. No filme, Roccia representa a figura do velho mestre. Ao observar as conquistas de Roccia apresentadas no filme, verifica-se uma proximidade nos resultados com os do alpinista italiano e mentor da obra Reinhold Messner, que também foi primeiro alpinista a escalar o Monte Everest sem o uso de oxigênio e  chegar ao topo do mesmo monte de forma solitária. Tais fatores reforçam que, ao menos em parte, o personagem principal Roccia foi baseado no alpinista italiano Reinhold Messner.
  1. Martin Sedlmayr, interpretado por Stefan Glowacz, é um alpinista alemão considerado uma estrela do alpinismo atual. Seu currículo ostenta o título de campeão mundial de alpinismo. No filme, Martin representa a figura da estrela promissora.
  1. Ivan Randanovitch, interpretado por Donald Sutherland, é um jornalista mundialmente conhecido. Ivan apresenta-se como um fã do alpinismo que busca, por meio do seu trabalho, dar visibilidade à modalidade. No filme, Ivan é responsável pelas narrativas.
  1. Derik Fleming, de San Diego na Califórnia, é um alpinista americano que foi finalista do campeonato mundial de escaladas. No filme, Derik tem papel secundário.
  1. Katharina, interpretada por Mathilda May, era secretaria da equipe de escalada e tinha uma relação afetiva ocasional com Roccia. No filme, Katharina protagoniza o enredo romântico apresentado na obra em exame.
  1. Hans Adler, interpretado por Hans Kammerlander, era alpinista da equipe comandada por Roccia, sendo seu parceiro em diversas de suas expedições. No filme, Hans apresenta-se como um coadjuvante que desafia a liderança e hierarquia.
  1. Fingerless (alcunha cujo significado é “sem dedos”), interpretado por Brad Dourif, era um nativo da região do monte Cerro Torre que aparentemente apresentava confusão mental. No filme, Fingerless é uma figura em certo ponto mística que reforça a visão de que o Cerro Torre era algo amaldiçoado.
  1. Indianerin, interpretada por Chavela Vargas, trata-se de uma senhora indígena que aparentava ter confusão mental. No filme, Indianerin reforça a visão dos nativos sobre a montanha, vista por eles como algo místico. 
  1. Steven Brownsteiean, interpretado pelo ator Georg Marischka, é um produtor de televisão de Nova Iorque, nos Estados Unidos. No filme, Steven representa o interesse televisivo por megaproduções esportivas.

Parte 3 - Acontecimento 1 – final do campeonato mundial de escaladas em parede artificial e seu potencial mercadológico           
No início da obra em exame ocorre a apresentação da temática do alpinismo ao espectador e dos protagonistas do filme. Ivan Randanovitch relata que busca um evento que dê destaque mundial ao alpinismo. Para isto, organizou um campeonato e persuadiu o amigo Roccia Innerkofler, a participar como comentarista. Há a exposição de uma imagem de amizade entre os protagonistas Roccia e Ivan. Para vencer o campeonato, o atleta deveria conseguir ser o primeiro a subir até o topo da parede de escalada artificial montado no local da competição. Em seus comentários Roccia tece uma crítica sobre o evento e, de forma enfática, afirma que os atletas não teriam grandes chances em uma montanha real.
A decisão do campeonato resulta na apresentação de outro protagonista da trama, que é Martin Sedlmayr. Na disputa final, realizada em Munique (Alemanha), Martin enfrenta o alpinista americano Derik Fleming. A decisão apresentou requintes de tensão e suspense em relação ao vencedor. Derik sofre um desequilíbrio próximo ao topo da estrutura e Martin, através de movimentos precisos, consegue completar a subida, tornando-se pela segunda vez o campeão mundial.
Neste ponto da obra, há o início da construção de uma dialética entre o alpinismo indoor, realizado sob uma parede de escala, com o Alpinismo a céu aberto realizado nas montanhas reais. Neste contexto, faz-se uma alusão à diversidade de delineamentos da pesquisa apontadas por Gil (2008).
Efetuar pesquisas em laboratórios, tais como a pesquisa experimental, que efetua o controle das variáveis e a observação dos efeitos (GIL, 2008), ou estudos teóricos, tais como a pesquisa bibliográfica e documental, que utilizam da análise de material já elaborado (GIL, 2008), é algo difícil. No entanto, tal qual a parede de escalada, trabalha-se em um ambiente com maior grau de controle e previsibilidade.
Por outro lado, quando se efetua um levantamento de campo (Survey), caracterizado pelo questioidnto direto ao público alvo do qual o comportamento se deseja conhecer, ou quando busca-se um estudo de campo em que há o intuito de um aprofundamento das questões propostas pertinentes à realidade de um determinado público (GIL, 2008), torna-se como escalar uma montanha a céu aberto, em que não há controle e previsibilidade durante sua execução.
Neste sentido, a escalada em céu aberto exige do alpinista paciência, experiência e flexibilidade no planejamento, visto que como evidencia o filme em trechos que serão descritos a seguir, não há como efetuar uma escalada em condições imprevisíveis com hora marcada para entregar seu produto final. Tal cenário aproxima-se das pesquisas científicas em que se vai a campo, nas quais de acordo com Gil (2008), há a necessidade de que o planejamento seja flexível e sofra constante ajuste.

Parte 3- Acontecimento 2 – Desafio para subir a Montanha Cerro Torre
O primeiro encontro entre os protagonistas Roccia e Martin ocorre após a competição, em uma entrevista realizada por Ivan com Martin, que é apresentado a Roccia e Katharina. Roccia, ao ser questionado sobre os planos para seu futuro, afirma que pretende subir a montanha de 3.000 metros Cerro Torre, localizada na Patagônia argentina. A montanha Cerro Torre é descrita por Roccia como uma “agulha de pedra”, com superfícies lisas e cuja natureza é imprevisível. Martin, que ouve a tudo atentamente, afirma que poderia subir a montanha, gerando uma discussão com Roccia e um desafio, no qual os dois iriam tentar subir a montanha em uma mesma expedição.  
A consecução deste desafio estabelece um paradigma em relação ao alpinista consagrado e aquele que busca se estabelecer. Esta disputa também ocorre na academia, entre os pesquisadores consagrados e os novos pesquisadores, que ainda buscam se estabelecer. No caso dos alpinistas, superar a montanha Cerro Torre e as montanhas mais altas representam sucesso e prestígio.
Já para os pesquisadores o sucesso está na obtenção de publicações de alto nível e ser bolsista de produtividade, visto que bolsistas de produtividade em pesquisa ou desenvolvimento tecnológico são considerados a elite da ciência brasileira, pois apresentam consideráveis contribuições científicas para diversas áreas do conhecimento, através da publicação de artigos, livros ou orientação de estudantes (OLIVEIRA et al., 2011; SILVA et al., 2011; PICININ et al., 2013).
À luz desta perspectiva, quem detém bolsa de produtividade representa a figura dos estabelecidos, e os demais pesquisadores buscam fazer parte deste grupo para obter o reconhecimento. Este reconhecimento perpassa por escalar sua “agulha de pedra”, local que consagra o pesquisador mas, ao mesmo tempo, tem uma possibilidade de êxito bastante limitada.
            Na sequência do filme, retrata-se que o desafio e a possibilidade de uma história altamente midiática empolgam Ivan, que promete a um jornal um enredo sobre o velho mestre (Roccia) e a estrela do Alpinismo (Martin) no pico mais difícil da terra. A expedição, inicialmente comandada por Roccia, contava a participação de Katharina, Ivan, Martin e Hans Adler. Os personagens passam vários dias no acampamento base de Cerro Torre devido ao mau tempo. A constante hesitação de Roccia em iniciar a escalada gera desconforto e conflitos entre os membros da equipe. Em novo depoimento com característica narrativa e descritiva, Ivan afirma que Roccia parecia um tigre em sua jaula e Martin, por apresentar maior interesse em jogar Xadrez do que em subir a montanha, era uma decepção total.
Em contornos de conspiração, Hans e Martin especulam que Roccia estava com medo de iniciar a escalada, devido ao período de cinco semanas de inatividade no acampamento base. Hans, em confissão a Martin, mostrava-se cansado de ser sempre o número dois da equipe e ambos, em comum acordo, aventam a possibilidade de iniciar a escalada sem Roccia.
O conflito de Roccia e Martin evidência a dificuldade de se trabalhar em equipe, em virtude da divergência de pensamentos. Sobre esta afirmação, Lino et al. (2010) afirmam que muitos pesquisadores da área da enfermagem optam pelo trabalho individual, em virtude da dificuldade de articular suas pesquisas entre os membros do grupo de pesquisa. Isto evidência que dentro da pesquisa científica tal cenário se replica, pois os pesquisadores podem divergir quanto aos métodos.
Este contexto também remete aos problemas existentes no processo de orientação na pós-graduação, que podem impactar na relação orientador-orientado. Leite Filho e Martins (2006) indicam que estudar a relação entre orientador e orientado auxilia na percepção da eficácia da pós-graduação, e que inúmeros fatores contribuem para o sucesso ou falha do processo de orientação. Não obstante, Viana e Veiga (2010) indicam que há divergências entre orientador e orientado em relação a alguns processos dentro do processo de orientação.
Diante do que expõe a literatura, é nítido que, por vezes, não há concordância entre o orientador e o orientado. Por vezes, similar a rebeldia de Hans e Martin, o orientado apresenta o ímpeto de desejar ser melhor que seu orientador sem estar preparado para isso, julgando que a construção de um trabalho pode parecer mais fácil do que realmente é. Tal qual ocorre no filme e será exposto a seguir, no processo de orientação atitudes impensadas podem colocar em risco a qualidade do trabalho e resultar em uma avalanche de problemas, em alguns casos sem solução.    
Nas cenas seguintes do filme ocorre a apresentação de Fingerless, de forma com que este não ganhasse grande destaque. Roccia e Ivan decidem ir buscar mantimentos que estavam acabando em virtude do longo tempo de espera na base da montanha. Na ausência de Roccia e Ivan, Martin e Katharina são surpreendidos na base da escalada por Fingerless. Este, aparentemente atormentado, afirmava que ninguém chegará ao topo do morro justificando que o Cerro Torre não era uma montanha, era um grito de pedra.
Em mais um relato, Ivan afirma que não sabia o que atormentava Roccia, o medo da montanha ou o ciúme do jovem Martin com Katherina, que apesar de parecer uma secretaria perfeita, com quem tinha um caso ocasional, poderia ser mais do que isso. Neste ponto da obra, evidencia-se uma problemática relacionada ao envolvimento afetivo entre membros da equipe.
No que tange a pesquisa científica, faz-se um paralelo do contexto supracitado do filme com o envolvimento do pesquisador com seu tema de pesquisa. Desde Popper (1902), em seu livro “A lógica das ciências sociais”, tem-se o entendimento de que é necessário o desenvolvimento da crítica sobre seu método de pesquisa e nossas teses. A aceitação do envolvimento emocional do pesquisador com seu tema de pesquisa aproxima-se à métodos qualitativos, enquanto que métodos quantitativos tentam controlar e/ou negam este envolvimento (GÜNTHER, 2006).
O envolvimento emocional, tal qual sugere Norbert Elias (1998) em sua obra “envolvimento e alienação”, pode reduzir a compreensão do pesquisador sobre seus resultados reais, colocando em risco a fidedignidade da pesquisa (PILATTI, 2003). Logo, na consecução de pesquisas científicas é necessário que o pesquisador estabeleça, constantemente, críticas em relação à sua própria pesquisa, a fim de atingir um certo afastamento em relação ao seu tema de pesquisa que permita-o manter o discernimento necessário para o aprofundamento de análises de forma imparcial.
Já no filme é retratado que o relacioidnto afetivo entre membros da equipe prejudicava o relacioidnto entre eles. Sob esta perspectiva, foi possível fazer a aproximação supramencionada.
Hans e Martin decidem, ainda na ausência de Roccia e Ivan, subir a montanha Cerro Torre. Enquanto isso, Ivan e Roccia encontram uma casa e Indianerin, uma senhora indígena interpretada por Chavela Vargas, que aparentava ter confusão mental e dava relatos aleatórios sobre a montanha. Ivan, pressionado por seu chefe, estava prestes a cancelar a expedição quando Roccia decide que vai subir a montanha.
Duas aproximações entre o filme e a metodologia científica chamam a atenção nesta situação. A primeira delas é que, mesmo pessoas com distúrbios, como a senhora indígena que dava relatos aleatórios sobre a montanha, deixam registros em nossas pesquisas. Este fato evidencia que o cuidado com a forma de utilização das fontes durante a pesquisa deve ser redobrado.
A segunda é que, tal qual a função de Ivan, que precisava entregar um enredo da expedição do monte Cerro Torre, por vezes o pesquisador também é pressionado para cumprir prazos, principalmente quando a pesquisa é financiada ou ele busca a manutenção de seu vínculo dentro da pós-graduação, mesmo que nem todas as variáveis dependam do pesquisador.
Esta pressão por cumprir prazos no processo de produção científica, principalmente dentro da pós-graduação, têm sido estudada constantemente. Diversos autores afirmam que há uma tendência de que a produção científica se torne nociva à vida do indivíduo que atua na pós-graduação (ARANTES; LOBO; FONSECA, 2004; LUZ, 2005; LUZ, 2006; PICININ, 2014). Diante disto, torna-se evidente que discussões acerca do processo de avaliação da pós-graduação devem ser constantes, pensando no bem-estar do pesquisador bem como para que não incorra no risco de gerar um produtivismo acadêmico que induza o indivíduo, na ânsia de cumprir os prazos, não manter um rigor metodológico efetivo em suas pesquisas científicas.
Voltando a expor a obra em exame, ressalta-se que durante um período do filme manteve-se um certo suspense sobre o sucesso da expedição de Martín e Hans, a obra em exame mostra que Martin e Hans tiveram alguns percalços em sua jornada, devido ao mau tempo. Roccia, ao retornar a base da escalada, é informado que Hans e Martin haviam decidido subir a montanha e decide ir atrás deles. Em sua busca, Roccia encontra Martin encostado em uma pedra de gelo, e pergunta por Hans sem obter uma resposta. Ao retornar ao acampamento base da escalada Martin, aparentemente assustado e confuso, diz que eles conseguiram atingir o topo da montanha, porém, na descida, houve uma avalanche que tirou a vida de Hans. As cenas seguintes demonstram Roccia em busca do corpo de Hans, porém sem êxito.  
Neste momento, não está claro ao espectador se Martin havia conseguido chegar ao topo da montanha. Roccia acredita que Hans e Martin não conseguiram chegar ao topo. Já Ivan, pressionado por seus superiores para entregar a história que havia prometido ao jornal, questiona se Martin conseguiu chegar ao topo e, após resposta positiva, afirma que ele será um Herói e decide voltar com ele para a Europa. A dúvida sobre o sucesso de Martin na subida do morro esteve presente em seu próprio semblante, que matinha o olhar direcionado para baixo e o rosto abatido, sem apresentar confiança e entusiasmo de quem havia realizado um feito extraordinário.
Ivan, Martin e Katharina voltam para a casa e concedem uma entrevista coletiva ainda no aeroporto. Ivan comanda a entrevista, e nela salienta que Roccia não conseguiu participar da jornada de Martin e que Hans Adler perdeu a vida.  Antes que completasse, os repórteres fizeram várias perguntas colocando em dúvida o feito de Martin. Em sua defesa, Martin afirma que ele e Hans ficaram pouco tempo no cume da montanha, e que as fotos da conquista estavam na mochila de Hans.
Contrapondo as palavras de Martin, o filme esclarece ao espectador o insucesso de Hans e Martin em sua expedição, através de um lapso de memória de Martin do momento da avalanche, que indica que ambos não haviam obtido êxito em sua jornada no momento da avalanche.
Nas cenas seguintes, o filme apresenta o encontro de Roccia, que havia decidido ficar próximo à montanha, e Fingerless. No diálogo entre os personagens, Fingerless explica que perdeu quatro dedos na montanha e que pretende voltar a esta para recuperá-los. Em seguida, afirma ter conseguido subir no topo da montanha motivado pelo propósito de dedicar à sua mãe, chamada de Mãe West. No entanto, Fingerless demonstra confusão, o que deixa o espectador em dúvida sobre a veracidade dos fatos por este contados.
Katharina e Martin passam a viver juntos, e as lembranças sobre a queda ainda são recorrentes na memória de Martin. Em um programa de televisão, Martin é questionado com veemência e acusado de não ter chegado ao topo do Cerro Torre. Acuado, Martin diz que escalará o monte novamente, diante das câmeras.
Este trecho do filme, por si só, justifica a necessidade de uma descrição minuciosa do tópico direcionado à metodologia científica em trabalhos acadêmicos. Martin, por não ser capaz de demonstrar como fez e provar que chegou ao topo do monte Cerro Torre, foi questionado, acuado e fragilizado. Na pesquisa científica, Gil (2008) indica que o procedimento racional-especulativo comum a filosofia, embora detenha mérito indiscutível, não atende os anseios de indivíduos com espírito mais crítico por, muitas vezes, buscar explicações metafísica e absolutistas que não permitem sua verificação efetiva. Em virtude disto desenvolveu-se a ciência.
Esta ciência, ligada ao meio acadêmico, exige dos pesquisadores uma descrição detalhada de seus procedimentos metodológicos, a fim de tornar a pesquisa replicável e, também, de fundamentar que os achados em determinada pesquisa sejam coerentes. Segundo Hoppen e Meirelles (2005) uma descrição insuficiente dos processos metodológicos reduzem a qualidade de pesquisas científicas. Diante isso, o pesquisador que incorre neste erro torna-se uma espécie de “Martin”, tendo suas teses refutadas e pesquisas não são aceitas, por falta de comprovação de veracidade de tais elementos.
A busca por uma prova incontestável de que subiu ao Cerro Torre leva Martin, por intermédio de Ivan, negocia a sua subida com cobertura de uma agência que representa o grupo saturno, um consórcio internacional presente em 85 países do mundo. O contrato é de dois anos. Cria-se o slogan “Para cima, juntos!”, o que gera ares de mega produção em sua escalada, algo que outrora havia sido criticada por Roccia e, de certa forma, gera na obra um conflito sobre o potencial motivador do esporte. Acerta-se a participação de Martin em eventos, fotos, e um show de duas horas sobre a escalada, cuja produção contará com a ajuda do produtor Steven Brownsteiean, de nova Iorque, interpretado pelo ator Georg Marischka.
A equipe de televisão, contando com dois helicópteros e diversas câmeras ao longo do monte Cerro Torre, estava preparada para registrar o início da escalada de Martin, porém, de forma surpreendente, acabam filmando o início da jornada de Roccia. Ao ser informado disto, Martin também inicia sua escalada. Enquanto Martin escala por um lado, Roccia realizava o trajeto pelo paredão norte. Pelo lado norte, é visível uma maior quantidade de gelo na parede da montanha, e uma subida vertical. A subida de Martin encontra, na parede da montanha, uma situação onde há uma maior presença de rochas. Também se caracteriza por uma subida extremamente vertical.
Fica evidenciado neste trecho do filme que ambos os alpinistas escolheram estratégias diferentes. Na pesquisa científica, os pesquisadores também exploram possibilidades metodológicas distintas, que são fruto de sua experiência profissional, do estilo de cada pesquisador e da área em que este pesquisador tem vínculo.
Ambos os alpinistas enfrentam uma tempestade e decidem adotar estratégias diferentes. Roccia decide encontrar um lugar entre o gelo, prende a corda de segurança e tenta se proteger da tempestade. Seu corpo é coberto pelo gelo durante a tempestade. Martin tenta continuar a subida e sofre duas pequenas quedas, porém é salvo pela corda de segurança.
Os ventos diminuem e Roccia reinicia a subida. Em clima de suspense, as cenas seguintes apresentam imagens de Roccia e Martin próximos ao topo, não sendo possível prever a definição de quem conseguiria chegar primeiro ao topo de Cerro Torre. A ousadia na proposta de filmagem consegue transmitir uma adrenalina ao espectador, próxima a que atrai os praticantes da modalidade de alpinismo para o esporte. 
As cenas finais amplificam os contornos do gênero Drama da obra em exame, bem como amplificam o suspense. Martin, mais próximo do cume da montanha, sofre uma queda e não consegue atingir o topo. Roccia observa a cena, continua sua subida e, com dificuldades, alcança a glória ao atingir o ápice da montanha.
Observa-se que o Roccia supera Martín e vence o desafio de escalar o monte Cerro Torre. De forma análoga, pode-se identificar Martín como um pesquisador negligente aos procedimentos metodológicos, e Roccia como um pesquisador mais atento a estas questões.
Assim como Martin, muitas vezes o pesquisador não consegue atingir o objetivo planejado. Hoppen e Meirelles (2005) indicam que pesquisas científicas como qualidade baixa e média estão relacionadas ao baixo rigor metodológico no desenho da pesquisa e na validade dos instrumentos.
Além de estarem relacionados com a qualidade da pesquisa, os fatores acima mencionados podem fazer com que o pesquisador não atinja seu objetivo. Entre os fatores que podem levar o pesquisador ao insucesso estão: O uso de métodos de investigação inadequados; a falta de rigor no desenho da pesquisa; a negligência das variáveis de confusão; a falta de planejamento e o estabelecimento de um cronograma de ações; e a ausência da delimitação de um estado da arte sobre a temática escolhida. Além disso, é necessário em todos os momentos efetuar ajustes dentro do processo de construção do trabalho.
Durante a tempestade, Martín continua a subida, comete erros e sofre quedas, não conseguindo interromper sua jornada e delimitar uma nova estratégia. O pesquisador, caso incorra no mesmo risco, também pode estar fadado ao insucesso.
Por outro lado, Roccia, durante a tempestade, interrompe a subida e espera a tempestade passar, adotando uma estratégia diferente. Além disso, após a primeira expedição, Roccia compra uma casa perto da montanha, e passa um longo período colhendo informações sobre o monte e o observando, como se estivesse estudando o comportamento. Quando Roccia decide subir a montanha, ele a conhecia exatamente como ela era.
Neste aspecto, o pesquisador que atinge seus objetivos, na maioria das vezes, é aquele que consegue interromper seu trabalho, tecer uma crítica sobre seus métodos, e avançar na busca por seus resultados. Além disso, através de seu referencial, busca aprimorar seu conhecimento sobre a temática estudada, se expondo a diversas informações desconhecidas que o faça avançar em suas concepções. Isto, por vezes, facilita o processo de construção do trabalho e permite que o pesquisador consiga escalar sua “agulha de pedra”.  
O desfecho da obra surpreende o espectador, visto que ao caminhar sobre o gelo, Roccia encontra uma estaca fixada com uma foto e o nome de Mãe West, indicando que Fingerless foi, de fato, o primeiro a atingir o topo de Cerro Torre.
Em caráter semelhante à história fictícia apresentada pelo filme, a conquista da montanha Cerro Torre gerou diversas controversas entre os alpinistas. A suposta primeira conquista do cume do Cerro Torre, em 1959, por o alpinista italiano Cesare Maestri e seu parceiro, o austríaco Toni Egger, que faleceu durante a descida. A ausência de provas sempre deixou incertezas sobre a veracidade destes fatos (BEELER, 2003).
O desfecho surpreendente da obra faz alusão a importância da documentação dentro das pesquisas científica e, indiretamente, está ligada com a importância de um desenho metodológico adequado de uma pesquisa. A estaca com uma foto e o nome de Mãe West não deixa dúvidas que Fingerless subiu ao topo da montanha e, ao mesmo tempo, Martin não retirou informações suficientes de Fingerless quando encontrou com ele.
Da mesma forma, uma pesquisa com rigor metodológico, documentada, sem ignorar pesquisas com temáticas semelhantes ao objeto de estudo, e com uma coleta de dados coerente, também fará com que o pesquisador tenha maior probabilidade em lograr êxito na consecução dos objetivos propostos. 
Em suma, o filme “No coração da Montanha” apresenta como temática central o alpinismo e, ainda que não seja seu objetivo, permite o debate sobre questões de ética e quanto aos procedimentos metodológicos dentro da pesquisa científica. Ao longo de seu enredo, absorve-se uma mensagem clara de que o pesquisador é como um alpinista: deve utilizar-se de um planejamento preciso e cauteloso que o permita escalar, um por vez, todos os degraus da pesquisa científica para conquistar sua “agulha de pedra”, atingindo assim, o topo da carreira.

Referência
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*Doutorando em Ciências Sociais Aplicadas. Professor na Universidade Estadual de Ponta Grossa – prof.guilhermecaetano@gmail.com
** Doutor em História. Professor na Universidade Estadual de Ponta Grossa – mfreitasjr@uepg.br
*** Doutor em Educação Física. Professor na Universidade Estadual de Ponta Grossa – mfreitasjr@uepg.br
1 Em tradução literal, “Cerro Torre: Grito da Pedra” faz alusão à visão poética com que a montanha é vista, abordada no decorrer do filme.


Publicado: 12/11/2019



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