Revista: CCCSS Contribuciones a las Ciencias Sociales
ISSN: 1988-7833


MERCADO DE AÇÕES SOCIOESPACIAIS: A FEIRA COMO PRODUÇÃO DO ESPAÇO DE ESTRATÉGIAS, SIGNIFICADOS, PARTICIPAÇÃO, CONTEXOS E INTERAÇÃO NO BAIRRO VILA C NO MUNICÍPIO DE FOZ DO IGUAÇU, PR

Autores e infomación del artículo

Exzolvildres Queiroz Neto*

Gilson Batista de Oliveira**

Universidade Federal da Integração Latino-Americana, Brasil

Email: queiroz.neto@unila.edu.br


Resumo
O trabalho analisa o processo de planejamento e gestão do projeto de extensão intitulado Feira Popular da Produção Familiar na Vila C em Foz do Iguaçu, PR. O objetivo primordial foi articular a participação dos atores sociais e uma cadeia econômica curta contemplando agricultores urbanos, artesãos e processadores de alimentos caseiros com vistas ao desenvolvimento local.
Palavras-chave: Desenvolvimento territorial; desenvolvimento local; gestão de projetos; tomada de decisão.

Abstract
The work analyzes the process of planning and management of the extension project entitled Popular Fair of Family Production in Vila C in Foz do Iguassu, PR. The main objective was to articulate the participation, the social actors and a short economic chain contemplating urban farmers, craftsmen and processors of homemade food with a view to the local development.

Keywords: Territorial development; local development; project management; decision-making.


Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:
Exzolvildres Queiroz Neto y Gilson Batista de Oliveira (2019): “Mercado de ações socioespaciais: a feira como produção do espaço de estratégias, significados, participação, contexos e interação no bairro Vila C no município de Foz do Iguaçu, PR”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (julio 2019). En línea:
https://www.eumed.net/rev/cccss/2019/07/mercado-acoes-socioespaciais.html

//hdl.handle.net/20.500.11763/cccss1907mercado-acoes-socioespaciais

1. Introdução

O projeto Feira Popular da Produção Familiar na Vila C foi proposto no ano de 2014 tendo sua origem associada ao protocolo metodológico da disciplina de Planejamento, Elaboração e Avaliação de Projetos vinculada ao curso de Desenvolvimento Rural e Segurança Alimentar da Universidade Federal da Integração Latino-Americana (UNILA). A feira se efetivou no decorrer do ano de 2015 estimulada pela aprovação do projeto em edital da Pró-Reitoria de Extensão – PROEX/UNILA.
O empenho primordial, durante a construção do projeto de extensão, compreendeu três estágios de análise: 1) construção de esquemas gerais sobre as dinâmicas espaciais – processos produtivos (cadeias de valor), interesses de participação dos atores sociais – rede de inter-relações de atores sociais; 2) pesquisa locacional sobre a feira a partir dos esquemas gerais considerando o território do bairro Vila C e 3) a organização do material de caráter específico, geral e de oficinas de qualificação de modo a produzir protocolos de implantação e processos de tomada de decisão confluindo para a construção do regimento da feira (WICINOVISKI e RAGGI, 2015).
Na região Norte do município de Foz do Iguaçu, PR, especificamente, no bairro Vila C e seu território adjacente foram identificados agricultores urbanos, que desenvolvem o cultivo de hortaliças e frutíferas, além de artesãos e empreendedores da pequena indústria de produtos caseiros (pais, doces) e coloniais (WICINOVSKI, 2015). Concomitantemente às informações colhidas com o mapeamento da diversificada produção, inserida no contexto da comunidade da região Norte, foi constatada a latente demanda por uma Feira que pudesse integrar os produtores a uma cadeia curta de distribuição e comercialização, além de proporcionar um lugar de encontro das dinâmicas socioculturais do bairro.
O mercado de ações socioespaciais é uma espécie de modelagem da composição do projeto e implementação da feira, um arranjo espacial produtivo para além do econômico, mas articulado de interações, cooperação e valores socioambientais (WICINOVISKI e RAGGI, 2015).
Esse trabalho aos moldes de um ensaio descortinará, na forma de estudo de caso, o relato de experiências através do processo de planejamento e gestão ao articular a rede de atores sociais, organizações, ações e processos no território. O cerne do texto será o processo de desenvolvimento do projeto, e implementação da feria, respaldado pela participação da comunidade além da identificação dos problemas de tomada de decisão (gestão e planejamento). A feira como modelo de análise permitiu articular conceitos, metodologias, experiências, linguagens (mediação da ação e confiança) e deixou emergir quão complexo é o espaço cotidiano que se configura através das interações socioespaciais e institucionais dos atores sociais no município.
O artigo será estruturado a partir de três pressupostos interdependentes e balizados pelo marco teórico-conceitual. O primeiro pressuposto permeará a importância do enfoque dos arranjos espaciais de estruturas territoriais: a identificação de áreas, instituições, ações dos atores sociais e interações espaciais produzidas através dos usos. O papel da dimensão espacial – lugar, contexto, região e a escala – importante variável que pode influenciar na configuração de estruturas nos moldes da feira. O segundo pressuposto transpassará a importância da interação, na perspectiva do mercado de ações socioespaciais, conjecturando que os atores sociais de um lugar X interagem com os do lugar Y, enquanto os do lugar Z buscam acesso a bens e serviços que eles próprios não podem oferecer. Trata-se de um processo de efeito espacialmente difuso da interação. Por conseguinte, são gerados padrões complexos de movimento: pessoas, informações, conhecimento, bens, ideias e capitais que rebatem no território do município (HAESBAERT, 2014). O terceiro pressuposto contemplará o nexo do nó organizacional – institucional, a importância dos processos de informação, de redes e fatores institucionais (regras, normas, valores) de um contexto.
O mérito do projeto foi articular estrategicamente a práxis, os atores sociais no território ao contemplar fatores econômicos, socioculturais, histórico-geográficos, políticos e administrativos municipais.
Vislumbra-se como relevante para a dinâmica dos municípios, na contemporaneidade brasileira, repactuar relações, reconstruir espaços públicos, canais institucionalizados de demandas coletivas, além de estabelecer contratos sociais e territoriais (na condição de uma construção social e de participação). As feiras podem ser um espaço de diálogo, reconstituição de processos e ações de desenvolvimento local a partir do sistema do lugar (SANTOS, 2002).
O texto no formato de uma árvore analítica terá em seu eixo condutor a implementação do projeto Feira Popular da Produção Familiar, mas os ramos confluirão e serão tributários de conceitos, análises e constatações, a partir do contexto da Vila C, que emergiram durante as oficinas preparativas e formativas. O amálgama das análises ocorrerá através dos conceitos de atores sociais, interação, rede, ação, escala, estrutura e arranjo espacial de estrutura territorial quando serão encadeados os pressupostos estabelecidos.
Ademais, a partir do território de abrangência do projeto, três eixos foram norteadores para a composição dos elementos metodológicos e do marco teórico-conceitual do trabalho: 1) o processo de construção do projeto sua efetivação e dimensão geográfica; 2) a ênfase na participação da comunidade e fatores de uma cadeia produtiva curta; 3) os aspectos institucionais e os problemas que permearam a construção da proposta e a práxis no que se refere ao planejamento, gestão e participação1 . Nesta fase, durante o ano de 2014, foram mapeados os possíveis produtores e artesãos no bairro Vila C e região na porção norte do município de Foz do Iguaçu.
Na composição do estudo de caso fazem parte elementos prospectados através de observação participante durante os encontros e, posteriormente, a execução do projeto. Os resultados serão apresentados na forma de um relato de experiências. O método de estudo de caso permitiu abordar os processos organizacionais e institucionais do contexto da feira (YIN, 2005). As análises não se constituirão em uma abordagem corográfica, mas de investigação do contexto e de suas variáveis institucionais, organizacionais e geográficas bem como do processo de tomada de decisão e dos problemas constatados. O material analisado (roteiros de entrevistas e gravações), cujos resultados serão parcialmente apresentados neste trabalho, tem origem no mapeamento e nas reuniões através das entrevistas semiestruturadas e observação participante que antecederam a implementação da feira (LAKATOS, 2003 e RICHARDSON, et al, 1999). As reuniões, no período compreendido entre os meses de março e julho de 2015, de caráter prospectivo-consultivo-formativo contaram com a presença média de 20 (vinte) pessoas interessadas em participar do projeto que, também, foram entrevistadas ao longo dos encontros.
As análises dos resultados são alicerçadas pelo marco teórico-conceitual havendo inserções das experiências apreendidas ao logo da concretização do projeto através da observação e do diálogo participativo com os atores sociais.

2. Breves elementos históricos de Foz do Iguaçu e a dimensão periurbana da Vila C

A configuração espacial do município de Foz do Iguaçu é complexa, multifacetada, permeada pela dinâmica da fronteira com o Paraguai e a Argentina, além do marco da construção e inserção da Usina Hidrelétrica de Itaipu na estrutura do município e da região. Para além dos marcantes aspectos turísticos que caracterizam o município é possível, de acordo com a Lei do Plano Diretor (PMFI, 2006), identificar, sucintamente, três ciclos histórico-econômicos que influenciaram a configuração socioespacial de Foz do Iguaçu: a) 1° Ciclo (1870 a 1970) - Extração de Madeira e Cultivo de Erva-Mate; b) 2° Ciclo (1970 a 1980) - Construção da Usina Hidrelétrica de Itaipu – teve início em 1974 e repercute até a contemporaneidade, especificamente, na região da Vila C. A construção da hidrelétrica atraiu grande contingente de mão-de-obra, tanto operacional quanto especializada. Na região da Vila C é patente a influência da dinâmica da construção da usina e a sua perene repercussão no arranjo espacial do bairro e das relações sociais; c) 3° Ciclo (1980 a 1995): turismo de compras coincidindo com o término das obras e o início de operação de Itaipu quando intensifica o comércio de compras no Paraguai, cuja atividade fica designada como “sacoleiros 2”. Os ciclos são estruturas didáticas que não terminaram, em si, mas fazem parte de uma convivência de rugosidades espaciais classificadas por Santos (2002) como estruturas e elementos espaciais que não deixam de existir, mas coexistem ao longo do tempo de uma forma ou de outra.
Foz do Iguaçu, na contemporaneidade, passa por um redimensioidnto dos processos de desenvolvimento contando com duas universidades públicas uma estadual e outra federal, além de faculdades em diversas áreas do conhecimento. O acelerado crescimento urbano, durante o processo de construção da barragem da usina de Itaipu, causou distorções e desequilíbrios observados também no âmbito regional provocando mudanças profundas e irreversíveis na estrutura fundiária e no ambiente devido à formação do lago. A conclusão das obras demarcou uma virtual finalização do 2° ciclo econômico, iniciando no município uma tendência de estabilização da taxa de crescimento populacional, bem como de reestruturação das atividades econômicas (PMFI, 2006). O bairro Vila C, com outros 34 bairros, forma a região Norte do município de Foz do Iguaçu, local onde residem, aproximadamente, 38.209 pessoas segundo dados levantados em 2013 pela Diretoria de Informações Institucionais da Prefeitura Municipal. É importante ressaltar que a Vila C, como bairro, está fragmentada em duas áreas Vila C “Velha” e Vila C “Nova” que juntas formam o “conjunto C” (WICINOVSKI, 2015).
O conceito de região admitido, neste trabalho, permite criar uma dimensão locacional para o entendimento dos processos e dinâmicas. Não devemos nos cingir a fatores de região econômica ou de zoneamento que constam no próprio Plano Diretor (PMFI, 2006). O bairro – Vila C – que surge nos anos de 1970 é a representação espacial das ações e estratégias na composição de uma “vila operária” que alocaria a mão-de-obra mais abundante e com qualificações diversas empregada na construção da hidrelétrica (WICINOVSKI, 2015).
A localização da Vila está inserida numa configuração espacial que denominamos de periurbana ou interface rural-urbana, permite a ocorrência de vários agricultores urbanos e pequenas agroindústrias. No bairro há uma dinâmica urbana-rural que subverte a lógica das políticas públicas setoriais, mesmo do planejamento em termo do Plano Diretor (PMFI, 2006), e expõe demandas territoriais complexas quando, nos referenciamos em Allen (2006) a partir da sua construção teórica sobre o conceito de periurbano.
A interface periurbana do bairro em questão, uma dimensão territorialmente importante, apresenta principalmente questões de sustentabilidade e condições ambientais (inter-relacionando local de moradia e os locais de trabalho) que afetam a capacidade de sustento e qualidade de vida da população que habita estas áreas (ALLEN, 2006). A despeito de sua composição social heterogênea e de rápidas transformações esta interface periurbana da Vila C é habitada por famílias normalmente de menor poder aquisitivo, desde aquelas que vivem de serviços de base urbana até pequenos agricultores atingidos pelos processos dinâmicos da utilização da terra e das mudanças do mercado, além do uso agrícola dos terrenos urbanos e mesmo da formação do lago de Itaipu (WICINOVISKI, 2015).
A Vila C é uma região intersticial ou de interconexão no município de Foz do Iguaçu onde as populações transitam por “zonas de ambiguidades” ou “zonas híbridas” e carecem de uma análise mais apurada. O projeto de extensão agregou o conceito de interface periurbana à temática da feira para demonstrar como elementos da produção – vinculados à agricultura urbana e a pequena agroindústria – podem descortinar a complexidade do zoneamento clássico do uso e ocupação do solo no município apresentados na Lei n◦ 115 do Plano Diretor (PMFI, 2006) e a possibilidade da composição de cadeias produtivas locais. A população dessa região intersticial é particularmente vulnerável aos impactos e aspectos negativos dos sistemas rurais e urbanos adjacentes. Os habitantes acabam expostos aos problemas de realidades ambíguas, pois, em muitos casos não conseguem valer-se de bens e serviços públicos como saneamento, coleta de lixo mais efetiva, vias em boas condições de trânsito, mobilidade, correspondentes bancários ou transporte eficiente.
O espaço da Vila C, com seu conjunto de paisagens, é o palco onde se conflagram as diversas ações que produzem as formas e as estruturas das reminiscências dos ciclos econômicos, enredados pelo discurso do desenvolvimento, com repercussão nas diversas escalas do território do município de Foz do Iguaçu na contemporaneidade.

3. O arranjo espacial no território: ação, estrutura, atores sociais e instituições

Haesbaert (2014) operacionaliza, conceitualmente, o espaço geográfico em quatro dimensões: o território é o espaço de poder e de uso, a paisagem o espaço de representação, o ambiente uma configuração espacial da interação sociedade-natureza e o lugar (contexto) o espaço vivido. O conceito de região permeará a construção textual ou árvore de ideias – será uma dimensão abstrata – trazendo um efeito de articulação espacial de processos e ações.  A região é a dimensão onde ações e fluxos perpassam o espaço rompendo a inércia de estruturas e seus elementos (SANTOS, 2002).
A feira, por exemplo, será considerada uma espécie de função articuladora de modelagem espacial cuja existência ocorreu, eminentemente, pela interação e a sua materialidade só foi possível pela presença na e da região a partir de um arranjo espacial e do conjunto de paisagens do território do bairro Vila C.
Claval (2007) explana que as paisagens constituem um objeto de estudo fascinante. Daqueles que vivenciam o lugar informa sobre os sonhos, os projetos, as vicissitudes e necessidades atuais. A paisagem, por sua vez, deve ser compreendida na região e, por isso, abrange as ações dos atores e a produção social de significados.
Santos (2002) trata a função dos elementos do espaço como resultado da ação cuja interação supõe interdependência funcional entre atores sociais (pessoas, grupos, comunidades, organizações públicas e privadas) e os fatores naturais. Cada ação não constitui um dado independente, mas o resultado do próprio processo social (cidade, município, rural). Surgem como resultado da ação localidades nodais no sistema espacial, no território, a partir de movimentos circulatórios – as feiras são um bom exemplo –, mas também dinâmicas ambientais, migração, políticas públicas, processos de planejamento e gestão, informações, comunicação, fluxos da internet (ambiente virtual) –  que aproximam as diversas escalas da matriz espacial gerando novos fluxos, ações, contradições e recomposições. As matrizes espaciais, de acordo com Duarte (2002), resultam da inter-relação de espaço – território – lugar.
Os elementos do espaço, como variáveis, estão submetidos às variações quantitativas e qualitativas de cada escala espacial. Santos (1997) argumenta que os elementos do espaço devem ser considerados variáveis, como o nome indica, variam e mudam de valor segundo o movimento da História (tempo). O valor representa a qualidade intrínseca de cada elemento, que não está nele próprio, e permite analisar a representação quantitativa. Cada elemento do espaço pode adquirir novas qualidades, ao longo do tempo, o que incide sobre a quantidade. Portanto, cada elemento do espaço tem um valor diferente segundo o lugar em que se encontra. A especificidade do lugar pode ser entendida também como valorização específica (ligada ao lugar) de cada variável e das interações desencadeadas gerando arranjos espaciais, no território, sempre distintos.
O valor faz parte dos aspectos institucionais dos lugares e variam de acordo com as trajetórias históricas dos atores sociais (DOUGLAS, 1998).  Neste texto, a expressão ator social (indivíduos, comunidade, organizações públicas e privadas). Entretanto, este conceito depende da articulação das estruturas, ações e estratégias que cada ator social faz no âmbito do território.
Giddens (2000) considera que a ação não remete, somente, às intenções, mas à capacidade do ator social em fazê-la através das estratégias. As ações individuais ou coletivas são racionais caracterizadas por múltiplas racionalidades desempenhadas ao longo dos processos de tomada de decisão a partir de um contexto.
Para Morin (2011, p. 80) “a estratégia luta contra o acaso e busca a informação.” Em um cenário do arranjo espacial no município o problema da ação se coloca aos diversos níveis desde a estrutura administrativa da prefeitura (corpo técnico) e as demandas dos atores sociais em termos de políticas públicas. Ainda segundo Morin (op cit, p. 81) “a ação supõe a complexidade, isto é, acaso, imprevisto, iniciativa, decisão, consciência das derivas e transformações.” Cogitando que os atores sociais apresentam comportamento racional (múltiplas racionalidades), na organização de suas preferências, e que as ações produzem complexidade é impossível para qualquer ator social, agente territorial, analista ou organização deter todas as informações (QUEIROZ NETO, 2011).
Logo, é possível pressupor, a partir da Pesquisa (2015), que a ação e os atores sociai podem influenciar na composição do arranjo espacial cotidiano da seguinte forma: 1) Ação: a) nível de participação nos processos e decisões; b) formas de construção de estratégias; c) atuação a partir do nível de informação disponível; d) configuração das estruturas em rede; e) habilidade em avaliar os custos e benefícios institucionais das ações. 2) Atores sociais: a) preferências individuais e coletivas; b) possibilidade de processar informações no nível institucional; c) eficiência de seleção criteriosa para a tomada de decisão e d) qualidade dos recursos (sentido amplo) disponíveis e possibilidade de acesso. O problema do nível de organização da informação no projeto foi o fulcro para a tomada de decisão.
A partir das análises das entrevistas e acompanhamento das oficinas, durante a execução do projeto Pesquisa (2015), é factível conjecturar como os atores sociais percebem o ambiente institucional e os problemas: a) os atores sociais são racionais quando tomam decisões, esta consideração pode ser prescritiva ou descritiva; b) os atores sociais fazem escolhas dentro de um contexto ou nexo nodal (organizacional – institucional). As escolhas podem ser do tipo: aleatória, trivial ou reflexiva. As ações podem conduzir a comportamentos e respostas estereotipadas; c) as escolhas são feitas com base no conhecimento (sentido amplo). Somente, em situações excepcionais pode um tomador de decisões apreender, assimilar e interpretar todas as informações de um ambiente; d) a informação é avaliada de acordo com critérios preestabelecidos e vivenciados. As escolhas habituais são estabelecidas a partir de referenciais anteriores, mas as refletidas ocorrem pela ponderação das informações estruturais do contexto, as variáveis socioespaciais. Portanto, o nível de acesso à informação é primordial para a tomada de decisão tendo em vista a complexidade das estruturas e varáveis nos arranjos espaciais.
Giddens (2000) discorre sobre o termo estrutura ou estrutural como: inter-relações institucionais (regras, normas, significados, valores) e recursos (alocação) inseridos na reprodução social. As estruturas seriam conjuntos de regras e recursos isoláveis no espaço-tempo de cada sistema social e das práticas sociais. Santos (2002) versa que se os espaços são sistemas e também estruturas. Cada estrutura segundo o autor evolui quando a totalidade evolui. Ainda, a estrutura é uma rede de relações, uma proporção de fluxos e estoques. As inter-relações entre os elementos do espaço são qualitativas e o valor delas se manifesta a partir dos sistemas (diversas constituições a através das ações). Cada sistema é condicionado pelos processos, formas, conteúdos, ações, funções e se manifesta na escala do espaço em questão (contexto). De acordo com Santos (2002) cada sistema funciona em relação ao sistema maior como um elemento enquanto este próprio é, em si mesmo, um sistema. Douglas (1998) considera fundamental observar o modo como os atores sociais e as instituições (normas, regras, valores) criam situações e condicionantes ao mesmo tempo que se inventam e produzem suas realidades sociais.
O arranjo espacial, no território, considerando os conceitos de estrutura, sistema e ação pode ser pensado em três variáveis: 1) a área – determinada pelo número de variáveis que formam o sistema espacial a partir do lugar e a região; 2) a rede – expressa a forma de interação entre as diversas escalas e partes do sistema espacial e 3) a causalidade – características das variáveis independentes e dependentes. Logo, o conceito de lugar se torna fundamental, nesta análise, mas é necessário ressaltar que o processo que explica o lugar, somente, faz sentido em conexão com as diversas escalas e suas variáveis. Não é possível explicar o lugar por ele mesmo, mas pelas inter-relações dos atores sociais. Para Freire (1987, p.29) a percepção das inter-relações dos fatos de uma realidade está relacionada “a forma de perceber os fatos que não é diferente da maneira de relacioná-los com outros, encontrando-se condicionada pela realidade concreta, cultural, em que se acham os homens.”
Assim de acordo com Santos (1997) o valor de cada elemento (produção, organização da informação, acesso, mobilidade, organizações públicas e privadas) é uma representação da interação. Logo, cada elemento do espaço se manifesta em determinado contexto e surge a partir da articulação da interação de diversas outras escalas no território do município, no bairro Vila C e especificamente na feira. A construção social produz o espaço com suas variáveis qualitativas e quantitativas. Dá junção dos processos sociais e o próprio espaço resultante se configura a estrutura socioespacial (SOUZA, 2013).
Assim, é possível dimensionar os efeitos das ações e processos desde o nível da paisagem, do lugar, do território e da região. Os elementos espaciais que surgem no arranjo socioespacial dependem da construção social, da escala ou de políticas e ações de escalas. Os elementos do espaço apresentam uma dimensão nodal – nexo organizacional e institucional – formando redes delineadas pelas ações dos atores sociais e influenciadas pelos movimentos entre lugares, pessoas, informações, ideias, bens e serviços. A dimensão nodal envolve a representação dos padrões de movimento ou fluxos. Alguns tipos de movimento ocorrem em várias direções, virtualmente livres: emissões de sistemas de comunicação e informação, tráfego aéreo. Entretanto, muitos outros movimentos são canalizados ao longo de rotas, canais de fluxos ou redes. De acordo com Santos (2002), o fluxo pressupõe dinâmica, concomitantemente, contenção, inércia, fluidez, instabilidade, incerteza e irreversibilidade do tempo. Por ser dinâmico suplanta os diversos limites e fronteiras gerando uma perspectiva de múltiplas territorialidades no mesmo território (HAESBAERT, 2014).
Construir redes compreende estabelecer padrões para o movimento – fluxo de ações e ideias, por exemplo a partir de uma base física – um contexto. O nó (dimensão nodal) classificamos como nexo – organizacional (informação, acesso, ações) e institucional (normas, regras, valores). Na perspectiva do texto consideraremos a feira como fator de nó – uma das dimensões de escala da interação – o contexto (lugar) e sua região. Portanto, o arranjo espacial e sua configuração contempla a estrutura de localidades, o contexto, o lugar e, fundamentalmente, a região onde se distribui a estrutura de nós e as redes.
A feira é estrutura ao articular, processos, ações e dinâmicas, sendo um laboratório para análise dos elementos socioespaciais em suas diversas representações e dimensões. Como forma permite a compreensão de processos e estratégias dos atores territoriais. O contexto da feira – ou local para locação de serviços já existentes – acabou por se tornar o lugar privilegiado e teve uma região de abrangência em torno da qual foram geradas ações de participação e estratégias para o desenvolvimento local. Para a execução do projeto de extensão, ao se optar pelo bairro Vila C e região, antes de buscar uma decisão locacional ótima e racional contemplou-se a tomada de decisão participativa considerando os efeitos locacionais de produção já existentes.

3.1 Os níveis de interação: a organização do arranjo espacial no território

O nível mais imediato de interação ocorre na dimensão dos contextos (o caso da feira), são múltiplos os elementos espaciais que interagem, podem ser denominados também de sistemas do lugar onde se dão as estratégias tendo como base escalar o município.
Compreende-se a interação – na dimensão do arranjo espacial no território – em quatro níveis: 1) reciprocidade – ação entre os atores sociais; 2) complexidade – qualidade e quantidade das interações; 3) totalidade – as partes não se sobrepõem ao todo e 4) escala – a abrangência das interações no arranjo do sistema espacial.
A interação se tornou mais complexa ao longo da história à medida que ampliaram os avanços tecnológicos de circulação e informação. Surge a interação espacial difusa pela divisão do trabalho (diferenciação pela variável econômica de lugares ao longo do tempo) confluindo para uma sociedade espacialmente diferenciada. Logo, a divisão do trabalho seria um fator de padronização de uma ampla rede de contextos (SANTOS, 1997).
Massey (2009, p. 111) analisa que os “lugares, em vez de serem localização de coerência, tornam-se focos do encontro e do não-encontro do previamente não relacionado e assim essenciais para a geração do novo.” Logo, os arranjos espaciais apresentam distintas temporalidades e territorialidades, novas configurações e desencadeiam novos processos sociais. No bojo dos processos da divisão do trabalho surgem interdependências inter e intra-setoriais no que tange aos aspectos econômicos. Aqui é possível inserir a dimensão econômica na forma de cadeias produtivas longas ou curtas que foram trabalhadas no projeto a partir do portfólio do mercado de ações socioespaciais.
Para Scarabelot e Schneider (2012) as cadeias longas apresentam uma complexa gama de agentes e escalas que se articulam, basicamente, pela variável econômica cujos processos e ações se dão numa configuração muito ampla às vezes na escala internacional. As cadeias curtas, por outro lado, são formadas por atores sociais locais e regionais tendo por referencial a dimensão de proximidade ou redes de interação que se formam no contexto. Nas cadeias longas os atores sociais (pequenos produtores de alimentos, agricultores, artesãos) possuem pouco controle dos processos – por exemplo distribuição e comercialização –  quando expostos a escalas fora de seus contextos. Em contrapartida, nas cadeias curtas as etapas de produção – distribuição – comercialização podem diminuir os custos, transferir e diminuir os impactos das externalidades.
O território, com o seu arranjo espacial, é um sistema aberto e sensível aos fluxos (circulação, comunicação, informação, comercialização) o que nos conduz ao conceito de externalidade: a interdependência entre os sistemas e subsistemas, por exemplo de uma cadeia produtiva. As externalidades produzem efeitos complementares e substitutos. Os efeitos complementares podem ser vislumbrados positivamente e os substitutos podem exercer, temporariamente, a função de um efeito complementar gerando a entropia do sistema (HAESBERT, 2014, PIERUCCINI e CORRÊA, 2017).
O processo de interação atinge o seu arcabouço mais amplo e fluido com sistemas complexos de múltiplas variáveis: circulação (movimentos diversos, fluxos de capitais e conhecimento), redes (canais de movimento, incluindo o espaço virtual), nós (nexo organizacional e institucional), hierarquias (estruturas das dimensões de localização) e superfície (difusão espacial). Especificamente em relação a feira – por sua dimensão espacial - compreendemos que o capital social é basilar como fator do nexo nodal ou como possibilidade de gerar circuitos virtuosos de processos ou uma arena política de participação (WESENDONCK, 2017).
Considerando Putnam (2006) a dimensão nodal pode ser subdivida em organização estrutural e funcional. 1) A organização estrutural abrange os seguintes aspectos: a) fronteira – espaços de contatos entre os atores sociais e territoriais; b) rede (canais de comunicação e circulação) – transferência de fluxos; c) entrepostos nodais – espaços de armazenagem de fluxos e d) as características dos elementos do espaço (permitem classificar, quantificar e qualificar). 2) A organização funcional admite os seguintes fatores: a) fluxos – circulam pela rede e os entrepostos; b) tomada de decisão – transformam as informações em ações e dão vazão aos fluxos; c) tempo (prazos) – o momento de realização da ação e operações; d) retroação – dá suporte à tomada de decisão.
A qualidade da interação, sua dimensão de escala, depende de fatores muito mais amplos, para além dos econômicos. Pode estar relacionada ao capital social no arranjo espacial imediato. As qualidades são variáveis em cada lugar: confiança, cooperação, participação, acesso à informação, bens e serviços públicos, nível de organização da comunidade, mobilidade e localização que podem ser tornar mais escassas ou não dependendo da escala.

3.2 A importância da escala geográfica como variável qualitativa da interação e do território

            A noção de escala pode ser emprestada da cartografia, da geografia e da física, por conseguinte a que interessa ao trabalho é a de ocorrência de um fenômeno em sua dimensão socioespacial.  Não são aproximações hierárquicas dentro da noção de escala, mas da pertinência dos fenômenos vinculados ao arranjo espacial e aos processos de interação.
Ricouer (2007, p. 221) considera que “observamos de uma escala para outra uma mudança do nível de informação em função do nível de organização”. Logo, os moradores de um mesmo município transitam por níveis de organizações estruturais e funcionais, considerando a dimensão nodal, diferenciados a partir dos diversos níveis institucionais e do acesso às informações disponíveis. Considerando os agricultores urbanos ou artesãos a capacidade de organizarem a produção para um possível mercado depende do acesso as informações de comercialização e distribuição, por exemplo.
Castro (2006 e 2009) trabalha o conceito de escala como repercussão da dimensão da pertinência dos fenômenos gerados pela inter-relação dos elementos do espaço geográfico. Por conseguinte, tão importante como saber que os objetos mudam com a dimensão é saber exatamente o que muda e como. Não se trata, somente, de uma medida de proporção dos processos, mas de uma medida dos espaços de pertinência dos processos.
Green, Schweik e Randolph (2009) consideram a escala um conceito complexo, pois, trata de elementos quantitativos, mas com repercussões qualitativas em termos de dimensão e expõem as qualidades das inter-relações dos elementos e atores sociais no território. A escala deve ser entendida em uma perspectiva espacial, a proporção da ocorrência dos eventos e a inter-relação dos diversos eventos. Em termos do projeto, a feira seria a dimensão da interação de variáveis no e do espaço. A escala geográfica, portanto, se distingue da escala cartográfica por demonstrar, para além da perspectiva de distância, os efeitos das inter-relações. Os efeitos se estruturam pela interação dos processos e ações no território podendo desencadear dinâmicas de desenvolvimento local.
Neste sentido, o projeto da feira – mercado de ações – ao longo do processo de organização e execução apresentou aos atores interessados diferentes níveis de organização e informação considerando a dimensão nodal (nexo organizacional – institucional) do bairro Vila C e região, as redes e interações que aproximariam a produção dos potenciais consumidores. O projeto partiu do pressuposto de estimular a construção de uma cadeia curta de produção e consumo na perspectiva de uma rede – canais de comercialização e socialização considerando a escala mais imediata.
A mudança discreta da escala não é a de simples proporção dos fenômenos, mas da pertinência de determinados fenômenos que ocorrerem em um lugar (CASTRO, 2006 e VAINER, 2002). Esta consideração articula o sistema de produção a partir de elementos básicos, como as atividades econômicas, os terrenos disponíveis para plantio, o tipo de conhecimento requerido, a possível falta de acesso à informação ou a própria subtração desta, seja pelos processos de planejamento-gestão ou da ausência de políticas públicas para o segmento de produtores urbanos (agricultores, artesãos).

4. Do projeto à prática: o caso da Feira da produção familiar no bairro Vila C

O processo de implementação de um projeto de extensão é qualitativo e deve gerar uma dinâmica sistêmica das ações que possam repercutir no desenvolvimento territorial. Desde o início do projeto Feira vislumbrou-se o planejamento participativo desenvolvido através de várias oficinas formativas no decorrer dos encontros preparatórios (total de 5 compreendendo de março a julho de 2015). Houve preocupação com o arranjo institucional da Vila C – o tempo das pessoas (atores sociais) –  no que tange a disponibilidade de horários tendo em vista as atividades laborais e a vida familiar (WICINOVSKI e RAGGI, 2015). É importante, no que se refere ao projeto de extensão, considerar o nexo nodal (organizacional – institucional) da comunidade. Os fatores de interação – a escala de abrangência – e as articulações dos atores sociais no território  que devem ser contempladas, respeitadas e avaliadas. O problema enfrentado, em termos da amplitude da participação dos atores sociais, pode ser circunscrito em 4 (quatro) etapas ou processos: 1) informar – a compreensão do problema e a tomada de decisão; 2) consultar – colher e organizar comentários e informações dos atores para a tomada de decisão; 3) envolver – trabalhar conjuntamente com a comunidade (em relação ao projeto inicia-se no mapeamento já descrito acima) durante as oficinas de formação, mas, fundamentalmente, durante e a pós-implantação da feira e 4) cooperar – identificar e escolher entre as opções para a tomada de decisão e valorizar a confiança. A cooperação se vincula à confiança (surge no contexto institucional) o bem mais valioso e difícil de dimensionar. Um problema recorrente ao longo do projeto: como desenvolver e manter a confiança? O contexto em que estão imersos os atores sociais deverá permitir-lhes abrir mão de ganhos imediatos com alguma segurança de que não serão impedidos de desfrutar de seus ganhos esperados no futuro (OSTRON, 1990; PUTNAM, 2006).
Surge o dilema da ação no contexto institucional, dadas as características socioespaciais da Vila C e da própria região de fronteira – processo de formação e população de imigrantes – os vínculos cooperativos foram estruturados num ambiente mutante, migrante e em trânsito. O que ficou da construção da usina e a própria construção do bairro é um enredo complexo tal qual uma colcha de retalhos de vivências. Está em curso pelo coordenador do projeto de extensão um diagnóstico da situação atual da feira (iniciado no segundo semestre de 2017), quando será possível constatar os problemas envolvendo a tomada de decisão e da participação.
Durante o ciclo do projeto de extensão, ao longo do primeiro semestre de 2015, foram formuladas medidas para a participação dos atores sociais envolvidos, respeitando as opiniões de cada um, priorizando o diálogo que articulasse a construção e a tomada de decisão ao longo de todo o processo (WICINOVSKI, 2015). Através do protocolo de oficinas – “Laboratório de Ideias” – foram decididos vários impasses a respeito do local onde a feira seria implantada, o seu layout em termos de configuração espacial e a composição dos produtores e artesãos. Esta medida em particular foi deliberada através de um processo democrático, onde os próprios participantes citaram possíveis locais e depois ponderaram sobre suas preferências através de votação simples respeitando a decisão da maioria. Outras variáveis foram definidas através de votação: o dia em que a feira aconteceria, os horários e a organização das barracas (em linha reta, circular, em formato de U, etc).
Ao longo do ano de 2015 o regimento da feira foi construído com a participação efetiva dos produtores envolvidos, muitos desde as reuniões iniciais. A composição do regimento demonstrou a capacidade dos atores sociais em acessarem uma rede durável de relações (institucionalidade) e estratégias de ação a partir de um ambiente fluido e dinâmico (WICINOVSKI, 2015).
A composição e funcioidnto de uma feira é regulada e regulamentada pelo Estado (principalmente no âmbito municipal), mas há complexas variáveis conectadas à informação e à organização a partir das demandas do mercado e da própria legislação além das expectativas dos “consumidores” vinculadas a ideia de qualidade, preço, acesso e origem dos produtos.
Durante a implementação da feira a equipe do projeto trabalhou e gerenciou elementos organizacionais – institucionais complexos (WICINOVSKI e RAGGI, 2015): a) o nível de participação dos atores sociais nos processos e decisões; b) a capacidade de considerar os diversos pontos de vista dos múltiplos atores envolvidos; c) o nível de acesso as informações que nem sempre estão disponíveis na escala do lugar, mesmo com uma pesquisa preparatória; d) a produção de inter-relações e significados entre os atores e ações; e) a disponibilidade de tempo e de recursos; f) a articulação de atores sociais fundamentais – universidade, associações, movimentos sociais e administração pública. No decorrer dos encontros configurou-se uma arena política através da metodologia de oficinas “Laboratórios de Ideias” com o objetivo de qualificar as pessoas participantes. As oficinas contaram com representantes de instituições vinculadas ao município de Foz do Iguaçu: Vigilância Sanitária, Secretaria Municipal de Agricultura e Fundação Cultural.
Assim, produziu-se uma rede – canais – de interação contemplando regulamentação e conhecimentos a respeito de formas de organização de uma feira: infraestrutura, barracas, ponto de energia, lixeiras, limpeza, higiene, manipulação de alimentos, sistemas produtivos básicos, transporte dos produtos, publicidade, medidas a serem realizadas junto aos órgãos públicos, como autorização e fechamento de uma rua, etc. Pensando em atender as distintas especificidades dos produtores os encontros foram temáticos e setoriais (agricultura, alimentos e artesanatos), assim foi possível distinguir melhor as necessidades de cada setor como a escolha de preços, o planejamento e a organização (WICINOVSKI, 2015).
A assimetria de informação e a ineficiência alocativa (a partir da produção e consumo) são externalidades que desestabilizaram a feira, em termos de produção, quando envolvidos atores distintos mesmo que agrupados sob a designação de produtores. A ausência de informação relevante para os consumidores – Vila C e região – sobre qualidade, condições de produtos e/ou serviços que adquirem geraram distorções que afetaram a percepção do potencial mercado do contexto produtivo, o sistema do lugar (PESQUISA, 2015). O lugar (a Vila C e a Feira em si) é um sistema aberto e sensível aos fluxos (circulação, comunicação, informação, comercialização) o que conduz ao conceito de externalidade (legislação, demanda de consumo, vínculo institucional fora da comunidade (SANTOS, 2002; QUEIROZ NETO, 2011). Portanto, as externalidades devem ser devidamente consideradas ou podem gerar uma alocação descontextualizada de recursos e ações. Deve ser ressaltado, também, que no território não há uma distribuição homogênea dos recursos.
Considerando a experiência do Projeto Feira na Vila C os problemas para a implementação de ações de extensão (ações socioespaciais e alocação de recursos) podem se configurar da seguinte forma: a) linguagem – pensamento – estrutura do que se propõe, as alternativas, viabilidades técnicas, políticas e conhecimento de quem é percebido como receptor; b) momento histórico havendo ou não transformações da estrutura, dos processos, das formas, conteúdos, funções, reflexões e ações. O momento histórico é, concomitantemente, um momento espacial, pois, há inter-relações dos fatores da realidade; c) cultura – antagonismos entre a cultura técnico-científica e a cultura cotidiana e contextualizada de um dado lugar; d) níveis de percepção dos atores sociais, das inter-relações dos fatos no contexto e acesso às informações para a tomada de decisão.
O estudo das interações entre os diversos elementos do espaço, no caso feira, é um dado fundamental para o desenvolvimento de análises no decorrer do processo. Na medida em que a função é ação, a interação supõe interdependência entre os elementos (SANTOS, 2002). Através do estudo das interações recupera-se a totalidade social, o espaço como um todo e a sociedade como um todo, pois, cada ação não constitui um dado independente, mas um resultado do próprio processo social e histórico de um contexto (QUEIROZ NETO, 2011).
Como contribuição do projeto e da implementação da feira considerando os processos da interação e o arranjo espacial no município é plausível definir alguns passos para o planejamento e gestão do território: 1) incentivar o processo decisório dos atores sociais a partir do capital social do contexto; 2) fomentar a participação de diferentes atores que desenvolvem ações num dado contexto institucional; 3) desenvolver uma rede – a partir do nexo nodal (organizacional e institucional) – para informar, elaborar, implementar e avaliar as tomadas de decisão.
Quando é analisada a amplitude do projeto pela perspectiva do nexo nodal – (organizacional e institucional) propostas aditivas de gestão, – acompanhamento mais efetivo – ao projeto, poderiam ter sido consideradas. Avaliando o protocolo de implementação, a sua abrangência como cadeia produtiva curta e de consumo, no que tange ao processo de gestão a experiência permite tecer algumas considerações que podem nortear futuros projetos: 1) a importância da autogestão como exercício da participação no trabalho, nas ações e estratégias cotidianas em diversas dimensões no contexto. 2) A cooperação e a confiança considerando o pressuposto da interação como processo de estruturação do arranjo espacial. 3) A atuação em rede ou interação com arranjos produtivos locais e atores sociais territoriais para o desenvolvimento de projetos e políticas públicas. 4) O mercado justo a partir do conceito de pertencimento e valorização da harmonia socioambiental e socioespacial – acesso a bens e serviços públicos. Objetivando a superação da ideia da competitividade como fator de crescimento da renda, mas buscar a valorização de objetivos comuns, esforços e qualidades do contexto.

5. Considerações finais

            Promover o desenvolvimento do espaço municipal significa trazer a práxis para o debate como fator de reconhecimento da diversidade de atores e de especificidades institucionais. Entender a dimensão espacial do município é considerar a inter-relação das variáveis para além da descrição dos agentes econômicos. O município na articulação com outras escalas, efetivamente, a regional, é o locus privilegiado para entender os processos, as escalas, as formas, os conteúdos, as estruturas, funções e as ações da sociedade brasileira.
Algumas lições foram apreendidas durante os processos de construção e implementação do projeto Feira. Além da preocupação geral com o ator social individual (empreendedor), como tomador de decisão, foi fundamental trazê-lo para uma arena política participativa. Entretanto, a despeito da preocupação em contemplar os objetivos de planejamento e gestão do projeto, houve certa precipitação da equipe em transferir, prematuramente, para os participantes algumas tomadas de decisão. Ao contrário muitos deveriam ter sido qualificados a construção de um “protocolo da autonomia”, tal decisão pode ter comprometido a organização da feira e a disponibilidade dos atores sociais.
Ressalta-se a importância de uma pesquisa prévia à construção e implementação de um projeto. Contudo, poderia ter se avançado mais indo além das constatações mais imediatas. De modo geral identifica-se três níveis – ou eixos –  de problemas a serem futuramente considerados: 1) o nível empírico das interações – estrutura espacial ou socioespacial; 2) o nível dos processos – dimensões qualitativas e quantitativas das escalas das ações dos atores sociais e 3) o nível da estrutura – o ambiente da tomada de decisão e como esta repercute na interação. Destes três níveis ou eixos o primeiro foi, diretamente, contemplado compreendendo os atores sociais: sua organização social, cultural, política e espacial. Não foi possível aprofundar nos processos de tomada de decisão.
O espaço – uma construção social – é um recurso único e sua disponibilidade ocorre por um processo de conhecimento e nenhuma atividade humana pode ser realizada sem sua apropriação permanente ou temporária no território. É dimensão que representa a influência do todo da história atravessando o contexto. Nas fronteiras humanas há o território, e seus diversos usos coletivos, é um limite das ações, escalas, interações e estratégias. Sempre são história das ações, das estratégias voluntárias, ou não, que demarcam os contornos das estruturas. A feira, lugar de mistura, de plasticidade e irrupção de fronteiras de territórios incógnitos.
A dinâmica dos participantes do projeto, o fluxo da feira em uma parcela no território municipal de Foz do Iguaçu – a Vila C e região – em uma situação social complexa e muitas vezes distantes do acesso a bens e serviços públicos, foi enredada pela fragmentação da diversidade dos tempos históricos, mas demonstrou o potencial das pessoas e suas diferentes temporalidades e territorialidades. Esse nível de constatação é aquele em que as figuras do esquecimento sobre os lugares se espraiam e desafiam a toponímia, para além da tipologia, como comprova a variedade quase incontestável da diversidade de arranjos espaciais, de contextos. De um lado, as anotações sobre o esquecimento constituem, em grande parte, o anverso do que se determina como espaços de diversidade inseridos na urbanização. Por outro lado, as manifestações de esquecimento da totalidade e da importância do território municipal, no Brasil, misturadas com a própria ideia de planejamento predominante, gestão territorial, opções de políticas públicas, demonstra quão amplas e complexas são às margens da democracia e do desenvolvimento.

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*Doutor em Engenharia Agrícola pela UNICAMP. Professor do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas e Desenvolvimento da Universidade Federal da Integração Latino-Americana. E-mail: queiroz.neto@unila.edu.br
** Doutor em Desenvolvimento Econômico pela UFPR.Professor do Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas e Desenvolvimento da Universidade Federal da Integração Latino-Americana. E-mail: gilson.oliveira@unila.edu.br
1             Esse terceiro eixo é diretamente associado ao conceito de desenvolvimento regional endógeno que, nas palavras de Oliveira e Souza-Lima (2006, p.33), “(…) implica em pensar na participação da sociedade local no planejamento contínuo da ocupação do espaço e na distribuição dos frutos do processo de crescimento [econômico]”.
2              Denominação dada aos comerciantes informais, que tem o comércio do Paraguai como fornecedor de mercadorias para revenda no mercado informal do Brasil. O fluxo de “sacoleiros” foi mais intenso durante o período de maxi-valorização da moeda brasileira, que perdurou de julho de 1994 até janeiro de 1999.

Recibido: 06/05/2019 Aceptado: 19/07/2019 Publicado: Julio de 2019

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