Revista: CCCSS Contribuciones a las Ciencias Sociales
ISSN: 1988-7833


AS CLÍNICAS MÉDICAS POPULARES PRIVADAS: UMA ALTERNATIVA PARA A CRISE DA SAÚDE? OS CASOS DE FORTALEZA (CE) E BELÉM (PA)

Autores e infomación del artículo

Claudiana Viana Godoy*

UFC, Brasil

Email: claudianagodoyufc@gmail.com


RESUMO

As pesquisas na área da Geografia Urbana da Saúde são de ampla relevância para a análise das transformações socioespaciais, motivadas pela dispersão e concentração dos serviços e equipamentos de saúde. Portanto, o presente artigo tem o propósito de discutir o papel das clínicas médicas populares na dinâmica de reconfiguração de duas cidades localizadas nas regiões Norte e Nordeste do país, Belém (PA) e Fortaleza (CE), respectivamente. Para um melhor entendimento da dinâmica das cidades, dos bairros e das clínicas médicas locais, foram realizados trabalhos de campo com o auxílio do programa ArcMap 10.1 para o reconhecimento e mapeamento das clínicas, além de pesquisas na plataforma do Sistema Único de Saúde – SUS (Datasus). Foi constatado que a presença das clínicas médicas populares promoveu mudanças significativas nas cidades analisadas. Com a inserção das clínicas, o bairro Centro em Fortaleza, que possuía uma função predominantemente comercial, transformou-se em um polo prestador de serviços da saúde de cunho popular. Já na cidade de Belém, além da inserção de novas clínicas em pontos estratégicos, algumas clínicas preexistentes alteraram a dinâmica de preços e serviços direcionando-os à população não coberta por planos de saúde, com a oferta de consultas e exames a preços acessíveis. Observou-se que as empresas de serviços médicos populares concentraram a atenção nos usuários insatisfeitos com os serviços prestados pelo sistema público, o chamado transbordo do SUS. O aumento do desemprego e a consequente redução das coberturas dos planos de saúde, somados ao deficit do SUS, são os principais propulsores de pacientes em direção aos serviços ofertados pelas clínicas médicas populares, tendo em vista que esse perfil de cliente busca resoluções rápidas e preços acessíveis. 

Palavras-chave: Geografia Urbana da Saúde; Clínicas médicas populares; Belém; Fortaleza; Transbordo do SUS; Deficit de saúde.

ABSTRACT

The researches in health urban geography are very important to the analysis of socio-spatial transformations motivated by dispersion and concentration of health services and equipments.  Thus, the present article aims at discussing the role of popular medical clinics in the dynamics of reconfiguration of two cities located in the regions North and Northeast of Brazil, Belém (PA) and Fortaleza (CE), respectively. For a better understanding of the dynamics of the cities, the neighborhoods and the local medical clinics, fieldworks were carried out with the assistance of ArcMap 10.1 software in order to recognize and map these clinics. Researches on the Sistema Único de Saúde – SUS (Datasus) were also carried out. It was observed that the presence of popular medical clinics promoted significant changes in the cities in question. With the clinics presence, downtown in Fortaleza, which had a predominant commercial function, has become a provider polo of popular medical services. Alternatively, in the city of Belém, besides the insertion of new clinics in strategic spots, some preexistent clinics changed its dynamics of prices and services, directing them to the part of population not covered by health plans and offering exams and consultations in affordable prices. It was observed that the companies of popular medical services concentrate their attention on dissatisfied users of the public system, the so called SUS’s overflow. The rise of unemployment and the consequent reduction of coverage by health plans added to the SUS’s deficit are the main propellants of patient towards the services offered by the popular medical clinics, bearing in mind that this client profile seeks for quick solutions at affordable prices. 

Keywords: Healh Urban Geography; Popular medical clinics; Belém; Fortaleza; SUS overflow; Health deficit.

Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Claudiana Viana Godoy (2019): “As clínicas médicas populares privadas: uma alternativa para a crise da Saúde? os casos de fortaleza (CE) e Belém (PA)”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (mayo 2019). En línea:
https://www.eumed.net/rev/cccss/2019/05/clinicas-medicas-populares.html

//hdl.handle.net/20.500.11763/cccss1905clinicas-medicas-populares

INTRODUÇÃO

Este artigo tem o propósito de discutir o papel das clínicas médicas populares na dinâmica de reconfiguração das cidades Belém (PA) e Fortaleza (CE), localizadas, respectivamente, nas regiões Norte e Nordeste do país. Reflete acerca da dinâmica da saúde como mercadoria/negócio e sobre o paciente no papel de cliente advindo do transbordo do SUS, em um país que teoricamente garante a universalidade e a gratuidade de serviços médicos a todos os cidadãos.
O crescimento do setor privado de saúde popular deve-se principalmente à instalação de clínicas médicas, consultórios médicos isolados, consultórios odontológicos, laboratórios de análises clínicas, além de hospitais filantrópicos, que disponibilizam atendimentos particulares em diversas especialidades, como é o caso da Santa Casa de Misericórdia de Fortaleza. Temos também a situação de hospitais e clínicas convencionais privadas, que possuem parcerias com as clínicas populares para a realização de exames diagnósticos de alta densidade, circunstância que impressiona pela flexibilidade do setor.
A partir da década de 1990, as clínicas médicas populares foram instaladas nas principais cidades brasileiras, com destaque para as áreas carentes e periféricas das capitais. As cidades São Paulo, Rio de janeiro, Salvador, Belo Horizonte, Fortaleza, Curitiba, Manaus, Recife, Porto Alegre e Belém disponibilizam o maior volume de clínicas médicas populares. Estima-se que existam em torno de 1.300 empresas em pleno funcioidnto em todo o país (INTERCRIAR, 2011, p. 15).
A expansão das empresas privadas de saúde de cunho popular, na última década, foi resultado das mudanças do padrão de consumo de grande parte da população do país, que, até então, não incluía os gastos com saúde como um item relevante nas despesas familiares. As transformações ocorridas no setor da saúde conceberam uma espécie de terceira via do setor, que antes se concentrava em dois polos opostos – as precárias condições da assistência do SUS e os altos preços cobrados pelos planos de saúde privados.
Em vista disso, as clínicas médicas populares se difundem principalmente em áreas próximas a hospitais e postos de saúde, em virtude de se inserirem em um nicho de mercado que se expandiu com o auxílio das brechas do sistema público de saúde. As proximidades físicas entre as clínicas e os estabelecimentos do SUS conduzem a uma maior visibilidade e aproximação entre os potenciais consumidores e as oportunidades de negócios. 
Nesse sentido, a competência das clínicas médicas populares privadas se assemelha ao campo de atuação das Unidades Básicas de Saúde (UBS) – postos de saúde –, e das policlínicas, que são serviços ofertados pelo SUS. De acordo com o Ministério da Saúde (2009), os postos de saúde são responsáveis pelo atendimento de atenção básica e integral da população, com a oferta de especialistas como ginecologistas, obstetras, clínicos gerais, pediatras, dentistas, psiquiatras e outros profissionais. As policlínicas são unidades de saúde que prestam atendimento ambulatorial em várias especialidades, podendo ainda ofertar outras especialidades não médicas, sem os serviços de interidnto.
A precarização dos serviços de saúde no Brasil não é um fato recente; o que mudou foi o poder de escolha da população, antes excluída até mesmo dos serviços essenciais à subsistência humana. Essa relação de insatisfação entre os médicos e os consumidores com os planos de saúde e entre os pacientes e os serviços do SUS, somada aos altos preços cobrados pela rede privada de saúde, também promoveu uma demanda já existente, isto é, uma alternativa para o atendimento de qualidade a um preço justo.

METODOLOGIA
Com o intuito de compreender a permanência e a expansão das clínicas populares, foram requeridas informações em instituições públicas. No Conselho Regional de Medicina do Ceará e Pará (CREMEC/CRM-PA), solicitaram-se informações sobre o total de clínicas regularizadas e ativas. Apesar de ter havido dificuldades no acesso a esses dados devido às questões burocráticas dos órgãos públicos ou mesmo devido à falta desses dados, as pesquisas de campo e as pesquisas na plataforma nacional do Datasus e nos sites  dos referidos órgãos corrigiram a ausência dessas informações, e a localização de alguns estabelecimentos só foi possível com o auxílio do Google Maps e do Earth Pro. O estudo incluiu trabalhos de campo nas clínicas populares com observação direta e aplicação de questionários.
As informações obtidas foram preliminarmente analisadas e algumas questões reformuladas.  Os dados primários resultantes dos questionários foram estruturados em blocos temáticos, classificados de acordo com o escopo investigado. A tabulação dos dados obtidos foi realizada com a utilização do software ArcGIS 10.1 e dos programas da Microsoft, Office Excel 2016, resultando na produção de mapas temáticos, infográficos, quadros e tabelas, além de planilhas com informações gerais sobre as clínicas médicas populares.

O SURGIMENTO DAS CLÍNICAS MÉDICAS POPULARES NO BAIRRO CENTRO EM FORTALEZA – CE

A Casa de Saúde Eduardo Salgado, vinculada à Santa Casa de Misericórdia, foi pioneira nos atendimentos populares de saúde. Com a redução da oferta de consultas pela Santa Casa no final da década de 1990, houve um acúmulo da demanda por atendimento de pacientes advindos principalmente do interior do estado. Por conta disso, foi adicionada uma nova modalidade de atendimento privado – consultas particulares em diversas especialidades médicas a preços populares.
Com o encerramento das atividades na Eduardo Salgado, em 2006, e a permanência da demanda por consultas médicas, exames e tratamentos clínicos por pacientes advindos de todo o estado do Ceará, alguns médicos perceberam, então, a oportunidade de montar o próprio negócio. Nesse contexto, os ex-funcionários e médicos da Santa Casa adquiriram ou alugaram prédios na circunvizinhança, expandindo assim o número de clínicas populares no centro de Fortaleza.
As 32 clínicas médicas populares do bairro Centro (Figura 1) reúnem-se sobretudo entre as ruas Doutor João Moreira e Senador Pompeu, nos arredores da Santa Casa de Misericórdia. As demais clínicas localizam-se no entorno dos grandes hospitais públicos e privados da área central, próximo às avenidas Duque de Caxias e Domingos Olímpio, vias arteriais de grande fluxo de transporte coletivo da cidade.

Fato semelhante ocorreu na cidade de Maringá no Paraná. Embora essa cidade não possua a mesma dimensão de Fortaleza, tenha uma população seis vezes menor e seja classificada como capital regional (IBGE – REGIC, 2007, p. 14), possui uma área médica/hospitalar concentrada de clínicas especializadas, atendendo nas mais diversas especialidades, localizadas próximo aos hospitais existentes na cidade (MACHADO, 2011, p. 281).
A junção dos dois logradouros acima citados forma o denominado quarteirão das clínicas (Figura 1), que fica situado na lateral da porta de entrada da Santa Casa de Misericórdia de Fortaleza. Após uma década de existência, o número de clínicas médicas em funcioidnto no referido quarteirão triplicou, convertendo o bairro Centro em um local amplamente concorrido pelos empresários do setor da saúde. A disputa por imóveis para a implantação de clínicas médicas populares ocorre principalmente nas proximidades dos hospitais públicos do referido bairro.   
Das quinze clínicas populares em funcioidnto no quarteirão das clínicas quatro delas situam-se na Rua Senador Pompeu e onze na Rua Doutor João Moreira, com a ressalva de que algumas das clínicas possuem mais de uma unidade de atendimento. Na primeira rua, localizam-se as clínicas Do Coração, Master, Santa Clara e Monte Sinai; já na segunda rua encontram-se as clínicas, Sim, Nossa Senhora Auxiliadora, São Paulo, Divina Luz, Nossa Senhora das Graças, MEP, Santa Clara, SP Imagens, Do Coração e Monte Sinai.
O quarteirão das clínicas é um local de fluidez com facilidade de acesso de transportes coletivos intra e intermunicipais que ligam o bairro Centro aos outros bairros da cidade e da Região Metropolitana de Fortaleza – RMF. Os equipamentos urbanos também atraem um grande fluxo populacional, além da população que busca o bairro em razão do comércio, das feiras de confecções populares e dos serviços de saúde disponibilizados pela Santa Casa de Misericórdia e pelas diversas clínicas populares reunidas em um único quarteirão.
Os estabelecimentos onde atualmente funcionam as clínicas médicas populares no bairro Centro fazem parte da dinâmica socioespacial da cidade de Fortaleza, em razão das diferentes funções exercidas por essas propriedades ao longo dos últimos séculos. Até meados do século XX, o bairro acumulava múltiplas funções destacando-se as residenciais, comerciais, de prestação de serviços e lazer, tendo, nesse período, a maior concentração populacional da cidade.
O bairro Centro em Fortaleza vive hoje uma situação de contraste. Ao mesmo tempo que possui um movimento pulsante durante o dia, tem um lento movimento no período noturno. Outro fator divergente são as ruas circundantes do bairro, que não acompanham o movimento comercial, nas quais a função residencial é mais frequente, apresentando inclusive imóveis desocupados ou subutilizados. Conforme informação dada pela Secretaria Executiva do Centro (Sercefor), por meio do Diário do Nordeste (28/06/2011), até 2011 o bairro possuía 670 imóveis vazios. Nesse caso, o grande volume de propriedades desocupadas fica na circunvizinhança das lojas comerciais. 
O alto índice de desocupação dos imóveis situados nas imediações dos comércios do Centro em Fortaleza insere-se nas concepções de Corrêa (1997, p. 136), quando o autor afirma que grande parte dos imóveis deteriorados da área central são estrategicamente especulados pelos proprietários e herdeiros dessas residências, que visam à valorização desses imóveis, e que, nesse meio tempo, alugam para uma população de renda inferior, situação que predispõe a desvalorização temporária dos imóveis e da área onde se localizam essas edificações.
Sobre o processo de degradação da área central, Spósito (1991, p. 8) acrescenta que esse desgaste ocorre pela baixa densidade de moradores e pelo esvaziamento das ruas do bairro no período noturno, contrastando com a alta movimentação local durante o dia. Nesse caso, “[...] o centro das grandes cidades constitui-se área [sic] de baixa qualidade para o uso de solo residencial, ‘expulsando-o’, muitas vezes, bem antes da capacidade de absorver estes setores para o uso de solo comercial ou de serviços”.
O anel residencial que circunda o centro principal se desvaloriza e passa a ser ocupado por serviços inferiores: diversão noturna e prostituição, hotéis de segunda classe, pensões e – em estágio mais avançado de decadência – cortiços, ações de marginais (SINGER, 1980, p. 84-85). Nesse sentido, as atividades consideradas depreciativas para os arredores da Praça do Passeio Público foram estimuladas principalmente pela constante presença de bares, motéis e pontos de prostituição.
Com a intensificação da procura por imóveis nessa localidade para a implantação de clínicas médicas, os valores dos aluguéis aumentaram. Em vista disso, a inserção do setor popular de saúde privado no Centro da cidade estimulou uma nova configuração socioespacial na dinâmica dessa área, de acordo com os elementos apontados, principalmente no que se refere aos fluxos intrametropolitanos e intraestaduais em direção aos serviços de saúde do bairro. A reestruturação é percebida na ótica das novas funcionalidades (clínicas populares) vinculadas aos serviços preexistentes (hospitais tradicionais), além das atividades relativas ao comércio formal e informal, à prestação de serviço, à educação, entre outras.
Na concepção de Santos (2012-1985, p. 31), quando existe uma compreensão das condições sociais, entendemos que “[...] edifício, loteamento, bairro, estão sempre mudando de valor relativo dentro da área onde se situam, mudança que não é homogênea”. Portanto, as explicações relativas à valorização imobiliária por conta da inserção das clínicas médicas se encontram fora de cada um desses objetos e só podem ser encontradas na totalidade de relações que comandam uma área bem mais vasta.
As transformações ocorridas no bairro Centro motivadas pela inserção de empresas privadas do setor da saúde não é um fato isolado, pois em algumas capitais e cidades médias do país já ocorrem episódios semelhantes. A título de exemplo, a cidade de Maringá, no Paraná, teve o centro da cidade transformado em um centro prestador de serviços do segmento da saúde.

Na cidade de Maringá – PR, [...] o centro da cidade, possui uma diversificada atividade funcional [...]. Atraídos pelo centro prestador de serviços e pelo fluxo de pessoas, os agentes do mercado (imobiliárias, médicos, proprietários) alugaram, venderam ou construíram os imóveis para clínicas. Foram estimulados por esses atrativos e também pela própria infraestrutura (rede de esgoto, iluminação, asfalto, acessibilidade, arborização, etc.) (MACHADO, 2011, p. 282-283).

Nesse contexto, as mudanças ocorridas no Centro ao longo das últimas décadas, como já esclarecemos, são concebidas por Souza (2013, p. 69) como uma refuncionalização do espaço urbano, processo vinculado, de acordo com o autor, à atribuição de novas funções a formas espaciais e a objetos geográficos preexistentes, “[...] modificando-os muito pouco ou mesmo sem modificá-los; reestruturar um espaço material quer dizer alterá-lo muito significativamente, modificando a sua estrutura”.
Diante do fato da reconfiguração do bairro Centro como polo médico direcionado a um público menos favorecido economicamente, torna-se essencial a compreensão da expansão e da permanência das clínicas médicas populares num sentido mais abrangente, através da reflexão sobre o papel dessas unidades no preenchimento das lacunas deixadas pela rede pública estadual.

A EXPANSÃO DAS CLÍNICAS POPULARES EM BELÉM – PA          
A instalação e a expansão das clínicas populares em bairros de Belém, de acordo com um artigo publicado no Jornal Diário Online do Pará (DOL, 09/04/2017), ocorreram em razão do “[...] aumento do desemprego e da própria precarização do serviço de saúde pública, que são alguns dos elementos que têm levado ao aumento de clínicas que oferecem atendimento médico a preços populares”.
Das 42 clínicas médicas populares situadas em Belém (Figura 2) a maior concentração encontra-se nos bairros Pedreira (6 unidades), Sacramenta (5 unidades), Mangueirão (4 unidades) e Marco (3 unidades). Os bairros Guamá, São Braz, Jurunas, Icoaraci, Batista Campos, Marambaia e Condor contam com duas unidades. Já em cada um dos bairros Nazaré, Umarizal, Campina, Souza, Bengui, Castanheira, Agulha, Tapanã, Tenoné, Coqueiro, existe uma unidade.          

              As clínicas populares localizadas em Belém foram instaladas próximas aos grandes hospitais públicos e privados e às 68 unidades básicas de saúde – UBS1 existentes. De acordo com o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde – CNES, até agosto de 2017, foram contabilizados 50 hospitais, sendo 29 privados, 18 públicos e 3 filantrópicos. A maior concentração hospitalar localiza-se nos bairros que formam a área Central e o distrito administrativo de Belém, como Umarizal, Marcos, São Braz, Nazaré, Reduto, Campina, Batista Campos. A concentração dos equipamentos urbanos e as intervenções urbanísticas na área Central de Belém foram discutidas por Trindade Jr. (2018, p. 57) como “uma forma embrionária de gentrificação urbana, mas com contornos particulares”. Essa situação reflete um processo de apropriação elitizada das áreas “privilegiadas” da cidade.
Os demais hospitais estão situados, numa menor concentração, nos bairros Guamá, Souza, Cruzeiro, Sacramenta, Val de Cans, Telégrafo, Pedreira, Cidade Velha, Canudos, Centro, Una, Comércio, Parque Guajará, Icoaraci e Mosqueiro.
A inserção das clínicas populares está associada à forte demanda da população que busca serviços de saúde em hospitais públicos e não é atendida, o que contribui para a formação da chamada demanda reprimida. Os Prontos-Socorros Municipais Mario Pinotti e Doutor Humberto Maradei Pereira, conhecidos como Prontos-Socorros da 14 de Março e do  Guamá, são os que possuem as maiores demandas da capital, pois, além de atender a população belenense, também recebem pacientes encaminhados de outros municípios do Pará e principalmente da Região Metropolitana de Belém – RMB. Segundo o secretário municipal de saúde, Sérgio Figueiredo, “O PSM da 14 de Março e o PSM do Guamá, junto com as unidades de pronto atendimento de Sacramenta e de Icoaraci, são as únicas portas abertas para receber esses pacientes, muitos vindos do interior do estado” (DOL, 07/08/2017).  
O relatório de março de 2017, realizado pelo Instituto de Estudos de Saúde Suplementar – IESS2 , destacou que apenas 10,4% da população total do estado é coberta pelos planos de saúde, ou seja, aproximadamente 7,5 milhões de paraenses dependem diretamente do atendimento do SUS, principalmente pessoas das camadas menos favorecidas economicamente.
A redução do número de pessoas cobertas pelos planos de saúde impulsionou a procura por consultas particulares a preço acessíveis. Essa nova demanda estimulou a migração de muitas clínicas convencionais, com atendimento antes direcionado aos planos de saúde, para a um segmento popular, como relata a administradora financeira Beatriz Matos ao jornal local: “Por causa do desemprego, as pessoas estavam saindo dos planos de saúde e recorrendo a consultas particulares com preços mais acessíveis, verificamos essa necessidade e entramos no segmento” (DOL, 09/04/2017).
Outro fator relevante para a migração das clínicas de alto padrão para o segmento popular reside na insatisfação dos proprietários com os planos de saúde privados. As operadoras de planos demoram cerca de 60 dias para ressarcir o valor das consultas e de outros procedimentos realizados, sem falar que a tabela de preços disponibilizada está abaixo do valor de mercado, enquanto o valor do serviço do atendimento particular em uma clínica popular é pago em espécie.
A insatisfação com as empresas de planos de saúde não é uma realidade exclusiva dos proprietários de clínicas. Estende-se aos clientes dos planos, que se exprimem descontentes com os serviços prestados pela rede credenciada de saúde: pouca quantidade de médicos credenciados aos planos; pequena variedade e empecilhos na autorização dos exames clínico-diagnósticos; número de hospitais, clínicas e leitos de internação, e procedimentos cirúrgicos considerados insuficientes, em razão dos limitados recursos desproporcionais ao demasiado número de usuários vinculados aos planos. Com tais características, é cada vez mais comum o congestioidnto dos hospitais privados, que prestam atendimento aos usuários dos planos de saúde. Essa situação não se encontra distante da realidade do SUS.
              Um dos principais desafios enfrentados no Brasil e principalmente nas regiões menos desenvolvidas, como o Norte e o Nordeste, é a desigualdade de acesso aos serviços de saúde, tendo em vista a crescente demanda por serviços médicos provocada pelo aumento da expectativa de vida e pelas mudanças na pirâmide etária.
Na teoria, os serviços de saúde deveriam ser disponibilizados de forma universal, igualitária e gratuita a todos os cidadãos brasileiros através do SUS. Entretanto, os princípios da lei universal da saúde não coincidem com a realidade e com as limitações apresentadas pela rede pública de saúde do estado do Pará.

A PRECARIZAÇÃO DA SAÚDE E AS CLÍNICAS MÉDICAS POPULARES COMO ALTERNATIVA?
Segundo o IBGE, até julho de 2018, a população brasileira atingiu a marca de 209,2 milhões de habitantes, dos quais apenas 50,9 milhões possuem planos de saúde privados. No Ceará, a população coberta pelos planos de saúde representa apenas 14% da população do estado, portanto aproximadamente 7,2 milhões de cearenses e quantidade semelhante de paraenses dependem diretamente do atendimento do SUS, principalmente quando se trata das camadas menos favorecidas economicamente.
Portanto, o setor de saúde suplementar IESS tem um papel relevante na assistência à população, que encontra obstáculos no atendimento disponibilizado pelo SUS. Nas duas últimas décadas, houve um crescimento do setor privado de saúde de cunho popular, isto é, de serviços de saúde direcionados à população com menor poder aquisitivo, a denominada nova classe média brasileira 3, formada por pessoas que, embora possuam uma renda mensal fixa, não se incluem no perfil dos usuários de planos privados de saúde.
Com as facilidades de crédito e as mudanças do padrão de consumo da nova classe média brasileira, o mercado de saúde inovou e criou um novo segmento de atendimento ambulatorial, através de investimentos na instalação das denominadas clínicas médicas populares. Os preços praticados por essas clínicas foram considerados módicos, se comparados aos cobrados pelos serviços particulares tradicionais, de modo que se tornaram conhecidos como serviços de “preços populares”.
Na concepção de Ramires (2007, p. 173), o aumento do número de empresas privadas do setor da saúde está relacionado ao “[...] dinamismo econômico de muitas cidades brasileiras, que junto à precarização dos serviços de saúde públicos têm levado ao crescimento do setor privado, com o surgimento de clínicas particulares e cooperativas médicas”.
A terminologia popular utilizada para denominar as clínicas médicas ocorre exclusivamente por questões mercadológicas estratégicas, com o propósito de chamar a atenção da população mais carente para consumir os serviços dessas empresas. A Classificação Nacional de Atividades Econômicas (Cnae), o Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (Cnes) e o IBGE não possuem uma definição específica para as clínicas médicas populares, embora seja comum que as empresas desse segmento registrem o termo popular como nome fantasia.
Apesar de não haver uma definição oficial para as clínicas médicas populares, o funcioidnto dessas empresas com o dito nome fantasia só é permitido após a regulamentação junto aos órgãos específicos. As clínicas médicas populares são assim caracterizadas:
Estabelecimentos privados de saúde que realizam procedimentos de atenção básica e de média complexidade, os quais não exigem interidnto, sendo mais comuns os seguintes serviços: consultas médicas; diagnósticos; tratamentos clínicos; reabilitação de pacientes; exames laboratoriais, radiológicos, de imagem e cardiológicos; alguns procedimentos invasivos, como as pequenas cirurgias e punções gerais para a realização de biópsias. Essas unidades médicas utilizam geralmente tecnologia de elevada complexidade e de baixa densidade e contam com uma ampla oferta de especialidades médicas e não médicas, com preços e serviços voltados a consumidores de menor poder aquisitivo (GODOY, 2015, p. 18-19).

A expansão e a permanência das clínicas médicas populares em todo o Brasil foram propiciadas pela relação favorável entre os baixos investimentos aplicados e a alta lucratividade em longo prazo, além da viabilidade econômica na utilização de tecnologia de baixa densidade, ou seja, no uso de aparelhagens de baixo custo, que se justifica pelos altos fluxos de demanda e diminutos investimentos.
Nesse sentido, as atribuições das clínicas médicas populares adquiriram relevância no atendimento à massa de trabalhadores, que geralmente encontram obstáculos para a realização de tratamentos pelo SUS, que exige tempo e paciência, em razão dos transtornos no acesso aos serviços públicos de saúde, levando em conta que o absenteísmo acarretaria prejuízos financeiros ao trabalhador, incluindo a demissão. Nesse contexto, a relação de descontentamento entre as camadas de trabalhadores que constituem o transbordo do SUS e os serviços precários desse sistema impulsionou os fluxos de atendimento em direção às clínicas médicas populares. 
Portanto, a precarização do SUS e o descontentamento da população com os planos privados, cada vez mais caros e limitados quanto à oferta de serviços, evidenciam o desamparo da população com relação ao setor da saúde pública. Logo, a alternativa mais próxima à realidade apresentada é a utilização dos serviços populares da saúde.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
A inserção e a expansão das clínicas médicas populares no Centro de Fortaleza, a partir da década de 1990, foram responsáveis pela nova dinâmica do bairro, representada pela valorização dos aluguéis dos imóveis comerciais, pela transformação de antigas lojas de artesanato, pensões, bares e motéis em clínicas médicas, pela substituição de uma área de prostituição por um quarteirão de clínicas médicas, além do aumento do fluxo da população do interior do estado em busca de consultas, exames e outros tratamentos de saúde. 
As clínicas médicas populares, além de reconfigurar áreas antes consideradas desvalorizadas no Centro de Fortaleza e ampliar o número de clínicas populares em Belém, localizadas em pontos estratégicos da cidade, acompanham as mudanças dos padrões de consumo da população brasileira que possui um maior poder de consumo, ofertando um tratamento de saúde rápido e acessível à maior parcela da população.
O setor das empresas médicas privadas de cunho popular usufrui de um momento favorável, pois, de acordo com a atual conjuntura, torna-se improvável que o sistema de saúde público, em poucos anos, consiga de fato recuperar o atendimento em termos de qualidade. Para isso seriam necessários investimentos maciços nesse sistema e a multiplicação dos recursos existentes, além da melhoria da gestão financeira de verbas destinadas ao setor da saúde.
As clínicas populares permitem que a população tenha acesso ao atendimento básico de saúde, limitando-se ao tratamento dos casos clínicos que não envolvem riscos de morte iminente. Os diagnósticos são processados com agilidade por meio de exames clínicos, radiológicos e cardiológicos, contudo, se o paciente necessitar de algum procedimento cirúrgico que demande um acompanhamento clínico por meio de uma internação ou algum procedimento com um nível mais complexo, o serviço não é realizado nas clínicas populares. Nessa perspectiva, o atendimento com início, meio e fim torna-se inviável, sendo as clínicas populares, na maior parte dos casos, apenas a porta de entrada para um tratamento de saúde, ou simplesmente uma medida paliativa.
Embora o atendimento das clínicas médicas populares privadas pareça limitado, por não oferecer uma conexão direta com as unidades públicas de saúde de alta e média complexidade (hospitais e prontos-socorros), a procura é frequente, sobretudo pela massa de trabalhadores cuja relação se estreita entre as exigências do mercado de trabalho e o tempo de ócio reduzido, não restando tempo suficiente para os tratamentos mais elementares de saúde. Logo, a necessidade de um atendimento rápido, com um prognóstico eficiente, seguido de um tratamento imediato, torna-se essencial a esse perfil de consumidores.

REFERÊNCIAS
BRASIL. Ministério da Saúde. O SUS de A a Z: garantindo saúde nos municípios / Ministério da Saúde, Conselho Nacional das Secretarias Municipais de Saúde. – 3. ed. – Brasília : Editora do Ministério da Saúde, 2009. 480 p.
CENTRO tem 670 imóveis vazios ou subutilizados. Diário do Nordeste Online. Fortaleza, 28 de Junho de 2011. Disponível em: < http://diariodonordeste.verdesmares.com.br/cadernos/cidade/centro-tem-670-imoveis-vazios-ou-subutilizados-1.501974>. Acesso em: Dez de 2013.
CORRÊA, R. L. Trajetórias geográficas. Bertrand Brasil. Rio de Janeiro, 1997. 304 p.
GODOY, C. V. A geografia dos serviços e equipamentos da saúde: A expansão das “clínicas médicas populares” No centro em Fortaleza – CE. Dissertação (Mestrado em Geografia Humana). Fortaleza – CE. Universidade Federal do Ceará, 2015.
INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA – IBGE. Regiões de Influência das Cidades (REGIC). Rio de Janeiro: IBGE, 2007. 201 p.
INTERCRIAR. Clínica médica popular. Editora: Intercriar Infoeditora, São Paulo. 4. Ed, E-book PDF 2011. Disponível em: <http://resolveagora.files.wordpress.com/2012/04/clc3adnicas-mc3a9dicas-populares-ebook-grc3a1tis-2.pdf>. Acesso em Dez de 2012.
MACHADO, J. R. As centralidades urbanas: o caso da área da saúde na cidade de Maringá – PR. Revista GEOMAE, Vol. 02, n. especial. 01, 2° semestre/2011.
MAGNO, C; SOARES, P. Clínicas populares oferecem consultas de até R$ 50. DOL - Diário Online – Pará, Belém 09 de Abril de 2017. Disponível em: <http://www.diarioonline.com.br/noticias/para/noticia-405411-clinicas-particulares-com-consultas-a-r$-50.html>. Acesso em 30 de set. 2017.
PACIENTES reclamam da superlotação nos hospitais de pronto socorro de Belém. DOL - Diário Online – Pará, Belém, 07 de Agosto de 2017. Disponível em:< https://g1.globo.com/pa/para/noticia/pacientes-reclamam-da-superlotacao-nos-hospitais-de-pronto-socorro-de-belem.ghtml>. Acesso em: 02 de Out. 2017.
RAMIRES, J. C. L. Cidades médias e serviços de saúde: algumas reflexões sobre os fixos e os fluxos. In: SPOSITO, M. E. B. Cidades médias: espaço em transição. 1. ed. Expressão Popular, São Paulo, 2007, p. 173-186
SANTOS, M. Espaço e Método. São Paulo. 1. Edição 1985 (Livraria Nobel S.A). Editora da Universidade Federal de São Paulo – 5. Ed., 1. Reimpressão, 2012. 120 p. 
SINGER, P. O uso do solo urbano na economia capitalista. Boletim Paulista de Geografia. São Paulo, AGB, v. 57, p. 77-92, 1980.
SOUZA, M. L. Os conceitos Fundamentais da Pesquisa Sócio-espacial. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1 ed. 2013, 320 p.
SPÓSITO, M. E. B. O Centro e as formas de Expressão da Centralidade Urbana. Revista Geografia, n° 10. São Paulo, UNESP, 1991. P. 1-18.
TRINDADE JR., S-C. C. Um “skyline” em mutação: o velho centro e as transformações urbanas em Belém. Novos Cadernos NAEA, Belém, v. 21, n. 1, p. 57-78, jan-abr 2018.

*Mestre em Geografia – UFC Doutoranda em Geografia - UFPA Professora de Geografia UEPA- DFCS
1 Das 85 UBS do município de Belém, cadastradas no CNES até agosto de 2017, foi verificado que 17 unidades estão com endereços desatualizados ou que existe mais de um estabelecimento cadastrado no mesmo endereço, portanto constatou-se a existência 68 UBS em funcioidnto na cidade de Belém. Em Ananindeua, foram verificadas 10 UBS com endereço desatualizado ou duplicado, restando o total de 47 unidades regulares.
2 Estudo realizado pelo Instituto de Estudos de Saúde Suplementar (IESS) revelou o número de usuários de planos de saúde no Brasil, até julho de 2014.
3 A Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE) da Presidência da República definiu que a nova classe média ou classe de consumidores é integrada pelos indivíduos que vivem em famílias com renda per capita (somando-se a renda familiar e dividindo-a pelo número de pessoas que compõem a família) entre R$ 291,00 e R$ 1.019,00.

Recibido: 22/02/2019 Aceptado: 22/05/2019 Publicado: Mayo de 2019

Nota Importante a Leer:
Los comentarios al artículo son responsabilidad exclusiva del remitente.
Si necesita algún tipo de información referente al articulo póngase en contacto con el email suministrado por el autor del articulo al principio del mismo.
Un comentario no es mas que un simple medio para comunicar su opinion a futuros lectores.
El autor del articulo no esta obligado a responder o leer comentarios referentes al articulo.
Al escribir un comentario, debe tener en cuenta que recibirá notificaciones cada vez que alguien escriba un nuevo comentario en este articulo.
Eumed.net se reserva el derecho de eliminar aquellos comentarios que tengan lenguaje inadecuado o agresivo.
Si usted considera que algún comentario de esta página es inadecuado o agresivo, por favor, escriba a lisette@eumed.net.

URL: https://www.eumed.net/rev/cccss/index.html
Sitio editado y mantenido por Servicios Académicos Intercontinentales S.L. B-93417426.
Dirección de contacto lisette@eumed.net