Revista: CCCSS Contribuciones a las Ciencias Sociales
ISSN: 1988-7833


BEM VIVER: POVO TRUKÁ E SEU CONTEXTO DE COLONIALIDADE NA CONSTRUÇÃO DO NOVO MODELO DE VIDA

Autores e infomación del artículo

Claudete da Silva Barboza*

Carlos Alberto Batista Santos **

UFRPE, Brasil

cacobatista@yahoo.com.br.


Resumen

Este artículo fue escrito a partir de mis vivencias como indígena educadora en el pueblo, traigo aquí el conocimiento, los conflictos y los vestigios del proceso de la colonización y de la colonialidad, en la búsqueda de conducción de la comunidad dentro del proyecto de bien vivir, y de cómo éste se visualiza en las pequeñas acciones del día a día. Nuestro objetivo es discurrir sobre la propuesta de bien vivir vivenciadas por los pueblos andinos. En el momento es la mejor manera de vivir con dignidad y de garantizar a las futuras generaciones los recursos naturales indispensables para su supervivencia, pero el modelo capitalista basado en una cosmovisión de América del Norte no nos deja avanzar en las discusiones, el encarcelamiento de las mentes hace con que se convierta en la sociedad actual, una propuesta cada vez más distante y desafiante. Se hace necesario realizar el ejercicio que las comunidades indígenas, los quilombolas y otras sociedades inferiorizadas vienen haciendo para alcanzar el proyecto de bien vivir en sus pueblos, descolonizar las mentes, desapegarse de las raíces coloniales para construir una sociedad fundamentada en la propuesta de bien vivir.

Palabras Clave: Colonización, Colonialidad, Calidad de vida, Pueblos Indígenas, Semiárido brasileño

Abstract

This article was written from my experiences as an indigenous educator in the people, I bring here the knowledge, the conflicts and the vestiges of the process of colonization and coloniality, in the search of conduction of the community within the project of well live, and of how this is visualized in the small actions of the day to day. Our goal is to discuss the proposal of living well experienced by the Andean peoples. At the moment it is the best way to live with dignity and to guarantee to future generations the natural resources indispensable for their survival, but the capitalist model based on a North American worldview does not let us advance in the discussions, the imprisonment of the minds makes with that this will become in today's society, a proposal that is increasingly distant and challenging. It is necessary, if necessary, to carry out the exercise that indigenous communities, quilombolas and other inferior societies have been doing to achieve the project of living well in their peoples, to decolonize their minds, to detach themselves from the colonial roots to build a society based on the proposal of good to live.

Keywords: Colonization, Coloniality, Quality of life, Indigenous Peoples, Brazilian semi-arid

Resumo

Este artigo foi escrito a partir das minhas vivencias enquanto indígena educadora no povo, trago aqui o conhecimento, os conflitos e os vestígios do processo da colonização e da colonialidade, na busca de condução da comunidade dentro do projeto de bem viver, e de como este é visualizado nas pequenas ações do dia a dia. Nosso objetivo é discorrer sobre a proposta de bem viver vivenciadas pelos povos andinos. No momento é a melhor maneira de se viver com dignidade e de garantir às futuras gerações os recursos naturais indispensáveis à sua sobrevivência, porém o modelo capitalista baseado em uma cosmovisão da América do Norte não nos deixa avançar nas discussões, o aprisionamento das mentes faz com que isso se torne na sociedade atual, uma proposta cada vez mas distante e desafiadora. Faz se necessário, realizar o exercício que as comunidades indígenas, os quilombolas e outras sociedades inferiorizadas vêm fazendo para alcançar o projeto de bem viver em seus povos, descolonizar as mentes, desapegar-se das raízes coloniais para construir uma sociedade fundamentada na proposta de bem viver.

Palavras-Chave: Colonização, Colonialidade, Qualidade de vida, Povos Indígenas, Semiárido brasileiro

Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Claudete da Silva Barboza y Carlos Alberto Batista Santos (2018): “Bem viver: Povo Truká e seu contexto de colonialidade na construção do novo modelo de vida”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (septiembre 2018). En línea:
https://www.eumed.net/rev/cccss/2018/09/povotruka-modelo-vida.html

//hdl.handle.net/20.500.11763/cccss1809povotruka-modelo-vida

1 INTRODUÇÃO

     As impressões contidas nesse artigo vêm das pesquisas de campo ao longo da minha vivencia de aldeia (Figura 01), das entrevistas com os mais velhos, lideranças e comunidade, dos movimentos externos e nas leituras acadêmicas. As reflexões das práticas do bem viver na comunidade, mudam de perspectiva constantemente, em algum momento ela é vivenciada verticalmente em outros de maneira horizontal, essa forma de conduzir o viver no povo traz danos irreparáveis no futuro próximo alterando a estrutura de organização do nosso povo.
          Discorrer sobre as teorias do bem viver e buscar essa vivencia de forma prática dentro do território ao qual pertenço, não é pra mim uma tarefa fácil, tentarei me distanciar o máximo para não impregnar este texto do sentimento de pertença e emitir juízo de valores, ou defender ações e atitudes que são praticadas na comunidade, a partir das reflexões de um povo que vivenciou o processo desumano da colonização.
          Para condução de um bom trabalho e entendimento de todos, se faz necessário que trilhe minha escrita sobre os caminho da história, da vivencia e da pratica do povo Truká (Figura 02), frente ao um processo de colonização que o escravizou e da colonialidade e suas ramificações que se perpetuam no território até os dias atuais. O bem viver nesse contexto é um desafio muito grande, desafio que precisa ser discutido, pensado, refletindo e deliberado pela comunidade.
       Vivemos em uma sociedade onde predomina o modelo ocidental de qualidade de vida, qualidade que marginaliza, inferioriza e subalterniza aqueles que não têm acesso ao poder de consumo, de posse territorial, de modo de vida melhor, aqueles que frente ao modelo capitalista e colonialista vigente, não se desenvolvem. Esse modelo que surgiu com o processo de colonização está enraizado na maior parte das sociedades no mundo e é um processo crescente, levando ao crescimento desenfreado da miséria e violência, e o consequente aumento da desigualdade social, gerando uma situação de injustiça ambiental.
          Pensar em modelos que não sigam a lógica capitalista é um desafio muito grande, hoje existem diversas manifestações filosóficas, teóricas e da sociedade segregada cujas vozes de socorro por uma vida com dignidade ecoam em meio à sociedade. Uma das formas de repensar, reelaborar e ressignificar nossas praticas na busca de viver bem e não de viver melhor, é a certeza de que a natureza é nossa base e nosso bem maior, a proposta de bem viver, vem sendo discutida por alguns teóricos na perspectiva de ser vivenciada no dia-a-dia, a exemplo dos povos Abya Yala na Bolívia. Entretanto o histórico Brasileiro carece de um aprofundamento bem maior da discussão, para que não possamos cair no discurso periférico do desenvolvimento sustentável, como propagam os órgãos e as sociedades capitalistas nos dias atuais, na tentativa frustrada de preservar os recursos naturais, onde a natureza ainda não é o centro, o homem ainda se mantém no direito de usufruir todo seu recurso sem pedir permissão, sem pensar nas futuras gerações. 

2 TRAJETÓRIAS DE LUTA, PERDAS E CONQUISTAS

           Durante séculos, vivenciamos processos de invasão e esbulho dos territórios indígenas, escravidão e mortes de homens, crianças e mulheres em nome da dominação e da expansão territorial, assim os povos indígenas perderam aquilo que tinham como parte do corpo e da alteridade de povos. Nossos antepassados vivenciaram processos que muitos cientistas e filósofos chamam de desenvolvimento/evolução da humanidade, desenvolvimento este que dominou, inferiorizou e subalternizou seres/vidas que habitaram em uma terra que um dia puderam chamar de sua, cuja  delimitação não dependia de quantas cabeças de gado eram criadas por hectare ou se os pés de algodão, cana de açúcar e café era as únicas possibilidades de desenvolvimento desse país e para tanto necessitava cada vez mais de terra, terra essa arrancada das mãos daqueles que eram até o momento os legítimos donos, aqueles que não carregavam consigo o sentimento de dominação sobre o outro, mas da divisão coletiva, onde cada um (a) pudesse viver com dignidade, nesse sentido o meio ambiente era à base da vida e de sua existência (Carvalho; Carvalho, 2012).    
         Com o processo desenfreado de invasão territorial pelos europeus que se iniciou no século XVI e a expansão do gado que durou até meados do século XVIII, principalmente nos territórios localizados na região Nordeste, os indígenas passam por dolorosos contextos de lutas e perseguições, sendo dominados pelos não índios, que para ter a terra alegam a não comprovação por parte dos indígenas do título de posse de suas terras. A lei de terras e as missões foram cruciais para completa perda dos territórios. A partir de então os povos originários passam a viver fugindo de território em território, de furna em furna, sem serem encontrados porque conheciam cada pedra que existia em seu território (um dos motivos para se trazer mão de obra africana), em alguns casos os indígenas para sobreviverem se sujeitavam à escravidão, tornando-se mão de obra barata para os europeus e em algum momento na história serviram de militantes em campos de batalhas (Oliveira, 2016).
           Só em meados do século XIX os povos ditos desaparecidos começam a ressurgir em meio ao um processo de emergência étnica, começando por repensar as teorias de seus desaparecimentos e passam a partir de então reivindicar o direito de existir e o direito de retornar ou retomar aos seus territórios tradicionais que um dia foram usurpados pelos colonizadores. Os territórios começam a ser retomados pelos indígenas, voltam para as mãos dos mesmos sucateados, ou seja, passaram por um processo de extrema agressão ao solo, às matas e águas, porque a ideia de desenvolvimento da época tem como modelo o homem como centro e o meio ambiente como serviçal, vassalo dos desejos e ambições da humanidade (Oliveira, 1999; 2016).
Com o povo Truká não foi diferente, este povo assim como muitos outros carregam consigo o processo massacrante da colonização e mesmo com as inúmeras percas de guerreiros e guerreiras na luta pela retomada da terra, nunca desistiram de guerrear, e, diante da completa inoperância do governo brasileiro, os Truká, resolveram realizar seu próprio processo de demarcação e desentrusão territorial, ou seja, expulsar todos os posseiros de suas terras, sem esperar pela Polícia Federal ou da ordem do Governo Federal. Os Truká tornam-se a partir de então donos legítimos do território, resultando em uma sequência de retomadas (é o movimento de reivindicação da terra a partir da ocupação da mesma pelos índios). Alguns momentos dessas retomadas marcaram os indígenas, como relata abaixo o cacique Neguinho Truká:

Na retomada de 1999, foi crucial no processo de total desentrusão do território por nós. Foi nessa retomada que o povo retirou todos os posseiros da ilha de Assunção e com eles o gado que, por muitos anos, pastaram em cima do sangue dos nossos antepassados. O interessante é que nós empurrava o gado de um lado da ponte e os posseiros empurrava do outro. Aí o gado, que não da ré em lugar muito estreito, alguns caiam no rio (Santos et al., 2010).

             Esse ato realizado pelos Truká foi a pura autoafirmação da identidade pela reconquista do território. A expulsão dos invasores das ilhas e a consequente recuperação territorial significaram naquele momento muito mais que uma simples posse fundiária, representou o fim do exílio, a recriação do espaço sagrado, do território mitológico, o reencontro das pessoas e do povo com sua própria história, ou seja, o renascimento do Reino da Assunção (Santos et al., 2007).
             Nesse universo de ressignificação simbólica, de reelaboração de identidades, do uso das estratégias para lhes dar com os desafios postos, com problemas de criminalização, perseguições e discriminação os Truká é portador de uma história que nos remetem ao estudo dos “índios misturados” (Oliveira, 1999).  

O processo de territorialização não deve jamais ser entendido simplesmente como de mão única, dirigido externamente e homogeneizador, pois a sua atualização pelos indígenas conduz justamente ao contrário, isto é, à construção de uma identidade étnica individualizada daquela comunidade em face de todo o conjunto genérico de “índios do Nordeste” (Oliveira 1999, p.28).

A partir da reconquista do território, da reelaboração da identidade e da cultura, da busca do fortalecimento coletivo e da força dos espíritos guerreiros, o povo reconquistou sua autoestima e autonomia, sendo hoje referenciados pelos cabroboenses e demais regionais como povo Truká. Percebendo essa positiva mudança de comportamento por parte da população do entorno, Mození (liderança assassinada em 2008) costumava repetir: “nós passamos de canela cinza à nação Truká” (Santos et al., 2007).
A frase por ele imortalizada traz consigo todo o simbolismo do significado da consciência coletiva de pertencimento a um povo e dentro dessa coletividade a importância de cada indígena, cada guerreira, cada guerreiro, com sua trajetória de vida, com a marca de seu corpo, antes canela cinza, agora corpo expressão da alteridade, da dignidade, da honradez, da identidade Truká, da qual Mození sempre continuará a fazer parte, pois “o que criamos passa a ficar no mundo com nossa marca, com a marca de nossa presença ou, então, de nossa ausência, mas sempre nossa marca” (Edna Truká).

“Sob o rolo compressor da ocidentalização, tudo parece já ter sido destruído, nivelado, esmagado; e no entanto, ao mesmo tempo, os recifes freqüentemente estão apenas submersos, resistindo às vezes, e prontos para ressurgir à superfície” (Rodrigues 2012, p.13).

Pensar e discorrer sobre história dos povos indígenas nesse país é voltar ao passado, sem desconsiderar nesse contexto a presença marcante de um processo de colonização, e os vestígios da colonialidade que em muitos momentos resistem nos espaços de reelaboração e ressignificação das práticas vivenciadas de um povo, que luta pela garantia e manutenção de seus territórios.

3 BEM VIVER E O MODO DE VIVER TRUKÁ

          O passado e o presente na vida das pessoas são vivenciados e planejados de acordo com os acontecimentos mais ou menos significativos, projetando o futuro ou se angustiando com ele, e quando construímos a nossa história e formamos nossas identidades. Tudo o que acontece por, mas insignificante que possa parecer, é importante na vida das pessoas na comunidade. E é particularmente importante na vida das crianças e dos adolescentes que estão vivenciados o processo de luta, construindo suas identidades individuais e se percebendo dentro da identidade coletiva. 
          Nesse sentido a proposta de bem viver hoje, vem sendo discutida entre os povos indígenas do nordeste. Faço aqui um recorte para aproximar da minha vivencia, os povos indígenas de Pernambuco vem discutindo o tema dentro dos territórios, na perspectiva de formar politicamente as presentes e futuras gerações e corrigir algumas mazelas que continuam resistindo dentro do povo pelo processo colonizador, outra hora pela nossa própria formação com raízes na colonialidade, um dos povos desse estado que vem se destacando em repensar suas posturas frente a esse modelo posto, é o povo Xukuru de Ororubá que começou a reivindicar seu território a partir de 1980 e conseguem de forma definitiva a homologação em 2002, com o território nas mãos e alguns problemas advindos de um processo imaturo de gestão territorial, os Xukuru passam a partir do século XXI a repensar seus problemas, desafios e a buscar soluções para viver bem e em harmonia na comunidade (Feitosa, 2011).
          O “envolvimento”, conceito usado pelos Xukuru para contrapor o desenvolvimento e o modelo capitalista, vem sendo discutido e colocado em pratica nas comunidades. O conceito de envolvimento para o povo traduz o respeito à mãe natureza, a proteção e o cuidado da mesma, mas também o bem estar de todos sem que o abismo da desigualdade seja tão profundo entre os Xukuru. O envolvimento está entrelaçado com o projeto de futuro do povo. Durante a assembleia cujo tema: Cultivando os princípios do Bem Viver para garantir o envolvimento no projeto de futuro Xukuru em 2011, pode-se perceber que este projeto é pensado e deliberado por todos, porém o grande desafio que o povo tem na atualidade é descolonizar as mentes, estratégia usada pelo colonizador para que pudéssemos olhar o mundo com os olhos do ocidental, uma forma europeia de ver o outro e seu mundo.
           O povo Truká ao qual pertenço vem de forma tímida discutindo esse tema em alguns momentos e segmentos dentro do povo, a juventude e a educação são as únicas áreas até o momento a trazer o tema à discussão na comunidade. Temos inúmeras mazelas que resistem no território, se começarmos a traçar um breve mapa sobre as dificuldades para concretizar a política do bem viver no território, veremos o quanto precisamos avançar nas discussões, quando falamos de bem viver para o povo Truká, estamos falando do cuidado e da proteção com a natureza e com os recursos naturais, bem como a harmonia, interação, igualdade de política territorial, saúde, educação e igualdade de direito, o povo precisa estar bem para cuidar bem da natureza.
            Sinto a presença muito forte da colonialidade em toda sua dimensão dentro do território, nas mentes, nos rostos, nas falas e principalmente em algumas ações. As raízes coloniais deixaram consequências, das quais até hoje o povo Truká não conseguiu se libertar por inteiro, pois não é tarefa fácil. Penso que essa mudança só será possível com a contribuição de todos, digo isso não pelo olhar apenas de educadora, mas, por fazer parte de todos os momentos e espaços no povo. Lembro em um determinado momento na comunidade de discussão com a juventude do povo, onde os mesmo colocavam a desigualdade na distribuição de terras feita nos processos de reconquista do território que hoje leva a alguns na comunidade terem mais terras, outros menos e outros nenhum pedaço dela, e em que determinados momentos os que têm a terra na mão, retornam a praticas coloniais de venda e arrendamento para os não indígenas.
          A juventude traz em suas falas uma preocupação pertinente, pois serão eles a ter novos embates no futuros em relação a tudo isso, quando não deveriam ter, pois a terra já foi conquistada e se encontra em sua totalidade nas mão dos indígenas, então se perguntam, O que está acontecendo? Porque as lideranças, caciques e a comunidade não tomam atitude diante dessa situação que gera novo processo de colonização, e com ele agressão a nossa mãe natureza?
           Outro desafio que deve ser enfrentado é a situação do gado, caprino e dos cavalos soltos nas estradas da Assunção, assim como a juventude Xukuru diagnosticou a desigualdade social no numero de cabeças de gado por pessoa, o povo Truká também tem esse problema, como também o da agricultura que está intrinsecamente ligada à questão da falta de terra ou de políticas que cheguem a todos, até o momento no entanto, não foi feito um levantamento como a juventude Xukuru fez em seu território (Feitosa, 2011).
           Em determinados momentos, as discussões na comunidade levam a uma postura horizontal de ver os desafios e de buscar enfrentamentos coletivos para solucioná-los, horizontal por ser pensado para todos e com todos, se pegamos a assembleia de 2005, onde o povo passava por criminalização e assassinatos, naquele momento havíamos perdido Dena e Jorge assinados por policiais dentro do território em uma noite de festa e a prisão do cacique Neguinho logo em seguida, esses motivos levou o povo a refletir e deliberar sobre desafios postos na saúde, educação, território, agricultura, juventude e principalmente o processo pelo qual passava nosso cacique, a criminalização das nossas liderança (Santos et al., 2007).
           Em outros momentos, as posturas e atitudes seguem uma linha vertical, são pensadas e deliberadas por poucos na comunidade, essa postura vertical que nos aprisiona e que tem raízes na colonialidade fortalecidas no processo da colonização, é danoso para construção do projeto de futuro do povo, e consequentemente, para concretizar o projeto de bem viver na comunidade. É necessário que o povo Truká enfrente seus problemas com maturidade e sabedoria, que busquem estratégias para aplicabilidade das ações na prática, para que possamos cada vez mais visualizar mesmo que de forma tímida como vem fazendo a educação e a juventude no povo, o projeto de bem viver. Como bem coloca Feitosa (2011) em seu artigo “Envolvimento e bem viver do povo Xukuru” Não basta, portanto, libertar a terra, é preciso também libertar as mentes. Ou ainda

[...]isso exige de cada pessoa um compromisso com os valores que justificam o pertencimento àquela coletividade e, ao mesmo tempo, o abandono dos “valores” adquiridos do colonizador. É um momento de transição conflituosa profundamente marcada pelo antagonismo entre tudo aquilo que foi assimilado do modo de vida capitalista e o propósito de construir uma nova sociedade fundamentada no Bem Viver [...] (Feitosa, 2011 p.3)

A educação escolar indígena, tem dentro do território o papel fundamental de discutir politicamente os desafios constantes e de forma dentro do projeto societário do povo as meninas e meninos que iram dar continuidade a luta, bem como o papel não tão fácil de refletir com a comunidade, lideranças e caciques as mazelas deixadas pela colonização provocando nesses a mudança de pratica coloniais enraizadas no dia a dia.

“A Educação Escolar Indígena deve contribuir para o projeto societário e para o bem viver de cada comunidade indígena, contemplando ações voltadas à manutenção e preservação de seus territórios e dos recursos neles existentes’ (BRASIL, 2012).

Nesse entendimento procuramos buscar uma educação que contribua e esteja entrelaçada com as questões socioculturais, históricas, com as lutas e conquistas e principalmente que fortaleça a identidade do povo. Em um contexto de tantas negativas de direitos, das tentativas de imposição de um modelo especifico de um padrão mundial de poder capitalista, este padrão de dominação vigente na atualidade nega o direito a liberdade e ao bem viver não só dos povos indígenas, mas de todos os grupos sociais subjugados por uma sociedade patriarcal, que condiciona ao dominado olhar o mundo com os olhos do dominador, essa cosmovisão desconhece, criminaliza, discrimina e inferioriza tudo e todos que se contrapõe a este olhar, os países da América do Sul  nessa lógica, não produzem conhecimentos válidos (RODRIGUES, 2012).
A educação imposta dentro das comunidades, povos, comunidades urbanas, na lógica europeia não atende a realidade desses que ecoam vozes de libertação, liberdade de expressão, de viver seus modos e modelos de sociedade, de conduzir sua educação dentro dos currículos que levem a cara de suas comunidades, que atendam o projeto de continuidade de educação que exerça a interculturalidade critica e decolonial com base na justiça, partilha, cuidado, visibilidade daqueles que foram subalternizados e inferiorizados no processo histórico, é produzir cada vez  mais conhecimentos outros, e ser diferente e fazer diferente.
Produzir maquinas para o mercado de trabalho, seres impensantes, que não se preocupa com o outro independentemente da idade e que não tem a natureza como o centro de tudo, não está entrelaçado de maneira direta ou indireta no currículo proposto pelas comunidades indígenas, nem em qualquer outra sociedade que ecoa vozes de liberdade, pensar o papel da escola em uma comunidade é ter a compreensão que ela vai alem das paredes de sala de aula, produzir conhecimento se dar na socialização, numa roda de conversa, no terreiro de ritual, no rio, nas reuniões da comunidade, no momento de festa, na roça, no momento de pesca e de caça e principalmente na família, a escola tem o papel de sistematizar estes conhecimentos advindos desses espaços e ampliar junto com eles e elas os conhecimentos outros.             

4 BEM VIVER E A CONSTITUIÇÃO BRASILEIRA

          Durante séculos os povos indígenas vêm lutando por direito não só de existir, mas também pelo seu território como espaço sagrado de vivencia e de resistência, o processo da constituinte no inicio dos anos 80 pelos movimentos sociais, abriu uma porta de esperança em anos de luta e dominação, as mobilizações e articulações do movimento indígena em Brasília possibilitaram a aprovação com 487 votos favoráveis do texto que contemplava as reivindicações do movimento (Rodrigues, 2012).
            Dia de festa e comemorações por todo país, essa foi a maior conquista já obtida pelo movimento indígena, iniciada ainda no período de ditadura militar, onde o país vivenciava as repressões por parte dos militares. A capacidade de elaboração das diversas estratégias pelo movimento indígena, deve ser aqui pontuada como ato de existir e resistir, às vezes tornam-se invisíveis, em outro momento optam pelo silêncio e em diversos momentos por fazer barulho, essas estratégias fizeram com que a derrota dos colonizadores fosse bem mais prazerosa, pois não foram eles que garantiram nossos diretos, mais a forma como esse movimento conduziu suas estratégias de luta e enfrentamento, buscando o apoio da sociedade para o reconhecimento oficial.   
          A garantia dos artigos 231 e 232 da constituição brasileira (Brasil, 2016), trazem nas suas entrelinhas, ainda que de forma invisível para o movimento, à proposta de “Bem Viver”, quando os povos, de forma coletiva pautam seus direitos (Rodrigues, 2012). É nesse processo de reivindicação da terra, vista como manto que cobre uma nação, que surge o eixo central da luta desses povos, contrapondo a forma como os colonizadores veem e lidam com ela e ao modelo capitalista e desenvolvimentista que o estado novo trás com ele. A proposta de bem viver está de maneira intrínseca nas falas das lideranças, nas ações e em cada rosto indígena que sente a necessidade de retomar seus territórios para proteger, recuperar e cuidar da terra como um filho cuida de uma mãe, o que já vinham fazendo, a medida que se retomava, se cuidava e recuperava a terra cansada pela ação dos colonizadores.
           Os diretos conquistados pelos povos indígenas, hoje, passam por retrocessos no cenário nacional, esses direitos contrariam alguns setores do governo, o agronegócio, os grandes latifundiários e multinacionais desse país que lutam constantemente para derrubar os artigos acima citados, impondo emendas e projetos de lei à constituição, atualmente são 27 proposta de lei que tramitam entre câmara e congresso nacional.
          Dentre estes está a PEC 215/2000 (www.camara.gov.br), que altera a estrutura do processo de reconhecimento e desentrusão dos territórios indígenas, ela retira do poder legislativo a competência da demarcação de terras indígenas, titulação de terras quilombolas e criação de unidade de conservação ambientais, transferindo para o poder legislativo essas atribuições. E o projeto de lei complementar, a PLP 227/2012 (www.camara.gov.br), que altera o parágrafo 6 do artigo 231 da Constituição Federal (Brasil, 2016), favorecendo os interesses econômicos e o modelo capitalista do usufruto exclusivo das terras indígenas quando for de interesse publico, ou seja, os indígenas perdem o direito a terra, ela passa segundo a lei a ser usada pelo agronegócio, as mineradoras, madeireiras e o latifundiário / governo.
           Na atualidade, o Brasil passa por um estado de exceção, onde os direitos conquistados durante anos de luta e tombamento de vários guerreiros e guerreiras. Hoje constatamos o retrocesso e os constantes ataques de um governo ilegítimo, golpista aos direitos já conquistados e garantidos na Constituição de 88 (Brasil, 2016). A PEC 241/2016 agora 55 (www.camara.gov.br), e o projeto de escola sem partido são instrumentos que se tornando legal representará a continuidade de maneira efetiva do modelo de sociedade hegemônica, conservador e alicerçado nas ideologias do capitalismo.
           Nesse contexto de injustiça e negação de direito, como pensar a proposta de bem viver para muitos povos, em que a terra lhes falta? Que a todo o momento veem suas lideranças tombarem na luta, pela luta… aqueles que viram seu pedaço de chão sendo saqueado pelos governantes e latifundiários… aos que viram suas terras serem rasgadas e a natureza sagrada violada pelos grandes empreendimentos… como pensar? De fato é um cenário complexo, pois pensar a proposta de bem viver não seria e nem é algo pensado para a individualidade, nem tão pouco para a coletividade fatiada. A proposta de bem viver deve atender a todos, porque sua centralidade é a natureza. Nessa perspectiva não cabe nessa proposta o modelo capitalista e desenvolvimentista que este país oferece.
           Qual projeto de bem viver se sustenta nesse contexto?  Mesmo sem seus territórios e com seus direitos ameaçados, os povos indígenas lutam coletivamente por um novo modelo de sociedade, onde a terra, a natureza e as águas sejam o eixo central e tenham seus direitos respeitados, assim como conseguiu os povos andinos, que garantiram na constituição Boliviana e Equatoriana o direito da mãe terra e da natureza. Direito esse, evidenciado na fala de Sonia Guajajara na mobilização em Brasília em 2013 (Siqueira, 2016),
Os povos indígenas estão intimamente ligados a questão da terra, a terra pra nós é muito mais que mercadoria, a terra para nós é muito mais do que um pequeno pedaço de terra negociável. Nós temos uma relação muito próxima e espiritual com a terra de nossos ancestrais, nós não negociamos direito territorial, porque a terra pra nós representa a nossa vida e é por isso que nós estamos lutando, a terra é nossa mãe, e mãe não se vende, não se negocia, mãe se cuida, mãe se defende e mãe se protege.
Lembro aqui uma frase muito propalada pelo movimento indígena na mobilização em Porto Seguro em 2000 “O Brasil que a gente quer, são outros 500”, essa frase explicita todo genocídio sofrido pelos povos até hoje, bem como o anseio dos mesmos da reconstrução de um novo mundo e nele um novo modelo de vida.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

           O projeto de bem viver vem sendo pensado de forma a atender a todos os seres, desejando que a humanidade compreenda que a natureza não está a serviço dos nossos desejos e caprichos, que os recursos naturais não são infinitos e que a qualquer momento podemos desaparecer junto com ela, se imaginarmos como seria nossas vidas sem o recurso natural existente hoje, talvez possamos perceber que de fato não existira vida sem eles, o projeto desenvolvimentista que usa a humanidade como centro desse processo, deve ser cada vez mais questionado e enfrentado pela sociedade em processo de desobediência epistemológica.
          O projeto de bem viver vivenciado pelos povos indígenas da Bolívia e do Equador é garantido e respeitado pelas suas constituições, trás consigo a natureza como centro de uma vida digna para todos os seres vivos, porque para esses povos não existe o que a ciência traz como conceito entre seres vivos e não vivos, para o projeto bem viver, todos tem vida e devem ser respeitados, se a natureza é mãe desses povos, mãe tem vida que gera os seus. Desde terra, água, as matas, tudo que nela existe e que dela necessita é vida e como vida merece dignidade.
          Nessa concepção pensar o projeto de bem viver em nosso país é um desafio muito grande, é pensar horizontalmente, encaro como um desafio porque o processo colonial e a ditadura militar não extinta, apenas camuflada engolem povos, nações inteiras, viola os direitos garantidos por esses povos na constituição brasileira, e usam a natureza como carro chefe do desenvolvimento. Para que esse modelo capitalista se desenvolva, trazem a tona o processo em curso do genocídio de nações. Exemplo desse genocídio é a ditadura militar em curso, pela qual passam em pleno século XXI os Guarani Kaiowa que vivem na região de Amambaí–MS, estes, estão sendo brutalmente assassinados por pistoleiros, fazendeiros, deputados/latifundiários, e policia da região, o fazendeiro manda, o pistoleiro executa, os deputados reprimem a comunidade e a polícia não ver, não escuta e não fala, quando não vitimam os fazendeiros e acusam os indígenas. O povo guarani sofre com essa realidade, porém carregam consigo o projeto de bem viver.
           Com toda essa conjuntura de massacres, tentativas de extermínios, perseguições, violação de diretos, invasão de suas terras e raízes fortes da colonialidade, os povos indígenas desse país são os que mais se aproximam do projeto de bem viver, mesmo o povo Truká com todos os seus problemas  tem o projeto de bem viver em muitas de suas ações coletivas no território, o que precisamos é romper com as correntes da colonialidade, enfrentar nossos desafios e medos na busca de viver bem em harmonia com a natureza e um com outro dentro do território e fora dele.
                  Penso que diante de tantas mentes colonizadas é necessário que o projeto societário do povo precise estar bem definido e de forma a contempla tudo e todos na comunidade/povo, não iremos conseguir conduzir aqueles que insistem em percorrer caminhos outros, porém se este projeto percorre as mentes a partir das nossas crianças, adolescentes e jovens a comunidade vivenciara processos outros de aprendizagem, cuidados, harmonia, multiplicação de saberes que nos aproximará cada vez, mas da pratica de BEM VIVER no povo.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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* Possui graduação em Licenciatura Intercultural Indígena pela Universidade Federal de Pernambuco (2012) e especialização em Especialização em Educação Intercultural no Pensamento Decolonial pelo Instituto Federal Sertão de Pernambuco Campus Floresta (2017). Atualmente é Professora Indígena da Secretaria de Educação de Pernambuco
** Professor Orientador. Doutor em Etnobiologia e Conservação da Natureza (UFRPE), Professor da Universidade do estado da Bahia (UNEB/DTCS III); Coordenador do programa de Pós Graduação em Ecologia Humana e Gestão Socioambiental (PPGEcoH/UNEB); cacobatista@yahoo.com.br.

Recibido: 21/06/2018 Aceptado: 20/09/2018 Publicado: Septiembre de 2018

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