Revista: CCCSS Contribuciones a las Ciencias Sociales
ISSN: 1988-7833


MACAPÁ (BRASIL) E AQUI (MOÇAMBIQUE) SOB SOMBRAS DE EQUINÓCIOS E SOLSTÍCIOS

Autores e infomación del artículo

Carlitos Luís Sitoie *

Therezinha de Jesus Pinto Fraxe**

Amélia Regina Batista Nogueira***

Universidade Federal da Amazónia, Brasil

carlitossitoie@yahoo.com.br


RESUMO

A leitura e interpretação das sombras para organizar estruturas do cotidiano foi sempre uma das maiores preocupações das sociedades humanas. Isso porque elas proporcionam conforto térmico, melhoram a qualidade da carne na produção animal e por serem utilizadas na produção de cultivares com baixo fotoperiodismo. Na arquitetura, medicina, filosofia, geografia, matemática, física, desenho, arte, dentre outras áreas de saber escolar, ocupam lugar de destaque sendo matérias de conteúdos programáticos de ensino-aprendizagem. Conhecimentos sobre o formato esférico da Terra tiveram seus pressupostos na percepção de sombras, sendo que, ainda na atualidade muitos povos utilizam esses fenômenos para orientação de fachadas de sombreamento na construção de suas moradias. São também utilizadas para o traçado de rumos e azimutes nas trilhas de caminhadas, na determinação de distâncias a partir de numeração delas ao longo do percurso, são usadas também, para produção de calendários ou ciclos anuais, entre outras. A pesquisa analisou como os moradores da cidade de Macapá, estado do Amapá no Brasil e do Povoado de Aqui no distrito de Massinga província de Inhambane em Moçambique, percebem e utilizam suas experiências de vida para aproveitamento das sombras. Procurando semelhanças e diferenças que refletem particularidades socioambientais dos lugares escolhidos para estudo. O momento marcante da trajetória das sombras corresponde ao instante em que os objetos e coisas se sobrepõem a elas, na fase denominada equinócio, acontecendo na cidade de Macapá duas vezes por ano (março e setembro) e no solstício de dezembro no povoado de Aqui, ocorrendo uma vez por ano. A metodologia de pesquisa baseou-se na revisão bibliográfica e trabalho de campo, numa abordagem teórica conjugada entre o paradigma ecológico do pensamento antropológico de Ingold, com as observações e entrevistas aos sujeitos sociais. Em Macapá, as entrevistas foram feitas durante os equinócios envolvendo os moradores participantes no ritual de passagem do sol pelo obelisco do monumento Marco Zero. Já no povoado de Aqui, priorizaram-se reuniões na sede do povoado, com os madoda ou anciãos. O estudo aponta que, a organização socioambiental na cidade de Macapá obedece aos equinócios das águas e das secas.  Enquanto que a percepção das sombras dos moradores de Aqui está impregnada de conceitos relacionados com a floração, abscisão foliar, astronomia de posição, relógio solar, foto periodismo e estabelecimento de estações do ano, permitindo elaboração de calendários ou ciclos naturais baseados na mobilidade de sombras para a prática de diversas atividades.
Palavras-chave: Solstício-Equinócios, Sombreamento, Experiências de vida, Macapá-BR, Povoado de Aqui-MZ.

Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Carlitos Luís Sitoie, Therezinha de Jesus Pinto Fraxe y Amélia Regina Batista Nogueira (2018): “Macapá (Brasil) e aqui (Moçambique) sob sombras de equinócios e solstícios”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (junio 2018). En línea:
https://www.eumed.net/rev/cccss/2018/06/sombras-equinocios-solsticios.html

//hdl.handle.net/20.500.11763/cccss1806sombras-equinocios-solsticios

INTRODUÇÃO

As sombras projetadas pelos (objetos e coisa) 1 , permitiram sempre a compreensão do espaço geográfico. Além do mais, quando a pesca, a caça e o comércio envolvem grandes distâncias, a necessidade de conhecer o caminho de ida-e-volta é obvia […]” (Milone, 200:12).
A escolha das sombras como objeto de estudo deve-se ao fato de pertencer a etnia Ba tswa 2 e ter aprendido com os anciãos, que as sombras desempenham papel importante na organização das estruturas sociais, econômicas e políticas. Orientando escolhas de lugares para enterrar os mortos, identificação de abrigos de animais de caça e ferozes, apanha de frutas e raízes, conhecer épocas para colher mel e de festividades. As festas muitas vezes coincidem com a sobreposição das sombras aos objetos que as projeta, na época de solstícios e equinócios, acontecendo no povoado de Aqui e cidade de Macapá.
No povoado de Aqui, as festividades simbolizam abundância alimentar, alegria comunitária, paz, tolerância e trégua entre os moradores. Já em Macapá, o momento do turismo das massas e aumento de receitas.
Entre os Ba tswa as sombras simbolizam a divisão familiar de acordo com o sexo, idade, poder judicial e sagrado. Porque as árvores que as projetam no quintal residencial, representam cada uma o lugar onde acontecem encontros entre os homens, mulheres e crianças. Outras desempenham a função de uma instituição jurídica, por ser o lugar onde se reúnem os Madodas 3, ou a sombra do “nhamussoro/nhanga” 4 .
As sombras principalmente das árvores estão carregadas de pensamentos e significados ao ponto que, algumas instituições públicas de Moçambique adotam ou plantam uma árvore de sombra para consagração de rituais de poder ou evocação de espíritos de falecidos, venerados como figuras importantes para controlar a paz e guerra no seio dos vivos. São exemplos de sombras oficialmente constituídas: a da Universidade Pedagógica de Moçambique - Delegação de Massinga e a Sombra do Comandante, na Escola Prática da Polícia em Matalane, usadas para invocar os espíritos de falecidos que garante segurança e integridade no seio da Instituição. Ou que servem de lugar para visualizar o poder dos superiores hierárquicos em relação aos subalternos (para o caso da Escola Prática da Polícia em Matalane, que só os oficiais têm o direito de frequentar essa sombra). A escolha de lugar para o namoro ou relações sexuais também obedece ao tipo de sombra.
Nowak et al. (2001), D’amral (2003), Frota (2004), Dias-Filho (2006) e Belchior (2014) apontam como aspectos positivos das sombras, a diminuição de radiações solares ultravioleta, contribuindo para o decréscimo de problemas de saúde associados com o aumento da exposição às referidas radiações, tais como: cataratas e câncer de pele. Constituem efeitos negativos a perda total da cobertura vegetal, suscetíveis à compactação e à erosão devido ao pisoteio e a exposição, constituindo lugares de maior acúmulo de fezes e urina, reduzindo fertilidade do solo devido à impermeabilização quando usadas para enlaçar animais.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Foram consultados documentos disponíveis no Portal Suframa 5 sobre marco zero em Macapá, o Portal do IBGE (2014), referentes ao decorrer das festividades dos equinócios, notícias e documentários, assim como, as crônicas, textos de turistas e aventureiros que postam na “web” manifestando suas impressões acerca do fenômeno sombra zero.
Sobre o povoado de Aqui, foram utilizados dados do Instituto Nacional de Estatística de Moçambique (2010; 2012), leitura, análise de relatórios, atas da Secretaria do Meio Ambiente de Massinga e de Morrumbene em Moçambique.
As entrevistas foram realizadas durante o solstício de dezembro. Os questioidntos foram feitos na língua xitswa, pois a maioria dos sujeitos sociais não sabe falar, ler e escrever a língua portuguesa.
A análise de dados seguiu a recomendação de Goldenberg (2004: 51) que orienta para descrição das falas dos entrevistados e outros protagonistas, conjugada com a perspectiva de Marques (2001: 50) que recomenda para a forma cognitiva centrada na comparação de fragmentos mêmicos do corpus das entrevistas com fragmentos mêmicos da literatura pertinente. Este procedimento metodológico baseou-se na interpretação das falas dos sujeitos sociais sobre como significam o cotidiano a partir de suas experiências de vida.

  • Cidade de Macapá - Brasil

Macapá está situada na Amazônia brasileira que compreende aos estados do Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Rondônia, Roraima, Tocantins, Pará e Maranhão, na sua porção a oeste do Meridiano 44°. A cidade é apelidada por meio do mundo, devido à localização estratégica na coordenada geográfica (“00°02’18 84”) sob linha imaginária do Equador (MAPA 1).
É também conhecida pela alcunha de cidade do Marco Zero, dado à situação geográfica sobre a latitude zero (00°) graus que divide o município em dois hemisférios N/S, ganhando metaforicamente essa nomenclatura que atribui um caráter simbólico e significativo à cidade e ao estado Amapá.
O clima da cidade é equatorial de curta estação, seca nos meses de outubro e novembro, recebendo a classificação AM (Koppen) e Geiger, Equatorial úmido (Strahler), B3 (Thorntwaite) e Equatorial 1b (IBGE, 2016).
Em setembro acontece o equinócio das secas, assim denominado devido à maior insolação e diminuição do nível das águas, atingindo menor índice pluviométrico do ano no mês de setembro e outubro (35,5 mm/mês). Existe uma diferença de 370mm entre a precipitação do mês mais seco e do mês mais chuvoso. A precipitação contempla cerca de 169 dias com chuvas intensas, durante a estação chuvosa (dezembro a julho) e 196 dias de baixos índices pluviométricos que constituem a estação considerada seca na cidade (agosto a novembro), de acordo com Figueroa e Nobre (1990), Paiva e Clarke (2011), Marengo e Nobre (2009) e Tavares (2014), como pode ser observado no gráfico (1).
O gráfico, além de apresentar as variações da precipitação no ano dois mil e dezesseis (2016) a partir das chuvas acumuladas mensalmente representando as caraterísticas climáticas da cidade de Macapá, permite saber quais os meses de elevados índices de chuva (fevereiro, março e abril), meses que chove normal (junho, julho e dezembro) e períodos de baixo excedente hídrico (agosto, setembro, outubro e novembro), ocorrendo essas chuvas normalmente na madrugada, de manhã e de tarde.
A pesca e navegação, principalmente na foz do rio Amazonas, atingem picos altos durante o equinócio das secas, mesmo período em que ocorrem massivamente trovoadas, enquanto que, a atividade pesqueira e a navegação registram valores baixos, na fase do equinócio das águas. É no equinócio das águas que acontecem as pororocas6 , acompanhadas de chuvas fortes durante a preamar, particularmente nas marés de lua cheia ou lua nova, provocando alagamentos.
Devido à sua situação geográfica, Macapá recebe maior número de dias de insolação em relação aos de céu nublado, tornando quente e desconfortável a cidade em quase todo o ano. Isto acontece, devido à situação geográfica da cidade sobre a linha imaginária do Equador, que recebe maior incidência de radiação solar em relação às outras regiões da terra, situadas em latitudes maiores que zero (00°) grau. O desconforto térmico, também, deve estar aliado ao adensamento urbano, poucas áreas arborizadas, impermeabilização do solo, arranjo do arruamento, etc.
A construção de prédios veio agravar as condições climáticas do espaço, servindo de barreira e reduzindo a velocidade média dos ventos, pois, funcionam como quebra-vento do processo de ventilação natural, corroborando com a alteração das condições de ventilação, potenciando “[…] o ganho de calor […]” (Monteiro; Oliveira, 2013).
Além do mais os prédios altos que estão em torno da orla do rio Amazonas associam acumulação da umidade e mofo na parte interna das residências à obstrução solar, principalmente no período dos equinócios, pois é nesse momento que o ângulo de inclinação solar é reto, projetando sombras sobrepostas aos próprios edifícios, permanecendo escuro por não receber luz solar no interior das habitações.
Assim, a questão de loteamentos de edifícios e construções de diversas infraestruturas da cidade, devem ser estruturados respeitando alguns aspectos de insolação e sombreamento, assim como, outras características da localização geográfica da cidade sobre a linha imaginária do Equador.

  • Percepção dos moradores da cidade de Macapá sobre a Linha do Equador e Equinócios

A posição estratégica da cidade, atravessada pela linha do Equador, levou o Departamento de Patrimônio Histórico da Secretaria Municipal de Cultura (DPH), órgão responsável pela nomenclatura da cidade, a aprovar a atribuição de nomes relacionados com a Linha do Equador para as instituições públicas. Os exemplos são as infraestruturas do complexo Marco Zero: Monumento Marco Zero do Equador, O campo Olímpico Zerão, o campus Marco Zero de Equador da Universidade Federal do Amapá (UNIFAP), entre outras.
A percepção de alguns pesquisadores da Universidade Federal do Amapá (UNIFAP) é de que, apesar de os conhecimentos de arquitetura terem avançado muito no Brasil, a construção de infraestruturas públicas e residenciais pela cidade de Macapá não tem observado a localização geográfica na linha do Equador, ao aplicar critérios de conforto térmico e diagramação solar, de modo a projetar salas de aulas, gabinetes dos professores, garagens de estacioidntos, calçadas de circulação, quartos, que acabam sendo lugares de desconforto térmico. Isso acontece porque foram projetados na orientação Norte e Oeste, expondo as fachadas de uso quotidiano ao sol intenso ao longo do dia, pois, estão sobre a linha do Equador, onde a insolação incide perpendicularmente sobre a superfície terrestre. Nas vias públicas as sombras são projetadas para o meio da rua, por isso, é comum observar pessoas caminhando na faixa de passagem de automóveis e motos, levando, às vezes, a atropelamentos pela disputa da estrada entre veículos e pedestres.
A sobreposição das sombras como fenômeno que elucida os equinócios, pode ser observada em qualquer local da cidade de Macapá, ficando para o monumento Marco Zero de equador a observação do instante em que o sol passa pelo obelisco, simbolizando a saída e chegada de um hemisfério para outro. Outra prática é registrada pela falta de sombras nos bancos de praças públicas nas horas mais quentes do dia, obrigando a maioria da população da cidade frequentar esses lugares à noite.
A trajetória das sombras é associada aos ciclos hidrológicos e mudanças das estações do ano sendo que, no momento da sobreposição que acontece em março, denominam por equinócio das águas o momento em que alguns bairros da cidade ficam alagados. A sobreposição de setembro, correspondente ao equinócio das secas, associado às atividades de lazer e praias, as frutas e legumes são abundantes a preços baixos, o ar-condicionado funciona sem parar em todos os lugares agravando o nível das taxas de energia. As instituições de eventos e lazer ganham muito dinheiro no equinócio das secas, todos vendem muito, desde, o pequeno comerciante.
Apesar da percepção do valor da linha imaginária e seus fenômenos, a maioria de moradores de Macapá não tem noção da extensão da linha imaginária do equador, e pensam que ela pertence apenas à cidade e seus impactos limitam-se no complexo turístico Marco Zero e Avenida equatorial.

  • Percepção dos moradores do povoado de Aqui – Moçambique

Aspectos físico-geográficos

O povoado fica situado na província de Inhambane, distrito de Massinga em Moçambique (MAPA 2). Ao sul delimita-se pelo povoado de Licunha, ao Norte por Malova, a Leste pelo povoado de Chissindane e Oeste por Cangela, numa área de aproximadamente quarenta quilômetros quadrados (40 km²) de extensão territorial. A sede do povoado está situada na coordenada astronômica 23°26’22” Sul e 35°52’22,2” Leste, inserido no distrito mais populoso da província de Inhambane, com uma população superior aos 250.000 habitantes.
O povoado é dirigido por um líder comunitário de segundo escalão7 coadjuvado por uma assembleia consultiva constituída por alguns chefes de terra ou madodas, que auxiliam na tomada de decisões, assim como, na disseminação de valores, da ética e moral no povoado. A população autóctone é da etnia Ba tswa e fala a língua xitswa 8, o português é aprendido e falado normalmente por aqueles que frequentaram o ensino escolar.

Para avaliar a sazonalidade climática e estabelecer médias de desvios padrão para todos os meses, evidenciando o comportamento que diferencia a estação seca da estação chuvosa e a distribuição dos valores de chuvas por trimestre, deduziu-se a partir dos métodos de classificação climática de Koppen (1928), Thorntwaite (1948), Strahler (1978) e o mapa de climas de Moçambique, do Instituto Nacional de Estatística (INE, 2012).
A temperatura média é de 22.9°c, a máxima absoluta é de 35.9ºc e a mínima absoluta são de 19.2ºc, com uma umidade relativa de 79.8%, correspondente a uma precipitação de 55.8mm. Os meses de novembro a março são chuvosos, registrando-se índices pluviométricos superiores a 1054 mm de media anual. Julho, agosto, setembro e outubro são secos com precipitação inferior a 30 mm. abril, maio, junho e julho correspondem ao período de temperaturas baixas, colocando o povoado no grupo A da classificação de Koppen9 , e W de Thornthwaite 10 (Gráfico 3).

Os valores altos de precipitação registram-se nos meses de dezembro, janeiro e fevereiro quando se é comparado o mês mais seco ao chuvoso. Encontra-se uma diferença de precipitação de 157 mm.

Aspectos simbólicos do Povoado de Aqui.

Diferente de Macapá, o povoado de Aqui apresenta uma organização espacial que não obedece planos de pormenores científicos, quer dizer, o povoado não possui plano de zoneamento, destacando-se paisagens de conversão para habitação humana e agropecuária, predominando palmeiras que configuram uma paisagem típica do litoral de Inhambane.
Os moradores do povoado de Aqui, ao utilizarem as sombras para estabelecer períodos de aproveitamento das plantas e animais durante os ciclos anuais, estão exercendo a agrometeorologia. O fotoperiodismo se estabelece a partir do controle de variações de incidência solar na vida das plantas e animais, estabelecendo épocas adequadas para uso e aproveitamento desses recursos em detrimento da quantidade solar ou da sombra que a planta ou o animal necessita para sobrevivência. Quer dizer, o plantio de espécies agrícola obedece três fases das sombras e sol, existindo épocas do ano em que, por exemplo, o alface, cebola, tomate são produzidos na sombra.
Os cajueiros, laranjeiras, tangerineiras, e outras árvores de frutos, iniciam floração e frutificação de novembro a janeiro. Época de calor intenso, mas de árvores de copa larga repletas de folhas que oferecem boa sombra para reunir família.
As sombras ganham diversas significações no povoado de Aqui, por exemplo, quando alguém nasce ganha sombra, logo a sombra é a vida dessa pessoa e quando morre, ela vai com sua sombra. Se for pessoa do mal sua sombra vai ficar na terra e criar terrores em forma de fantasma. Se a pessoa era do bem, vai bem e a sua sombra só aparecerá se for invocada por meio de mhamba 11ou missa tradicional.
Pela importância que os falecidos têm para os vivos, é fundamental proporcionar conforto para eles, quer dizer, os mortos devem ser enterrados numa sombra bem limpa para evitar ira (FOTO 1).
Uma das atitudes que chama atenção é que as casas ou residências para os vivos são de construção simples e os túmulos são de granito lapidado, reforçando a questão de que a vida, além da morte continua e deve ser bem vivida.
A sombra significa também orientação geográfica, sendo Oeste ou mupela gambo representando o amanhecer e a continuidade da vida, Este ou utchene 12simbolizando o final do dia, o início de expectativa para dormir e acordar vivo. A noite representa a sombra maior e mais longa de todas, o momento do escuro, o luto e o mundo dos mortos, o descanso, que pode ser eterno, mas também representa a sabedoria da ancestralidade ou o início da hora em que as pessoas mais velhas estão aptas para ser escutadas pelos mais novos, contando as histórias socioambientais do povoado.
A percepção de morados do povoado de Aqui é de que as sombras desempenham papel importante na proteção de cacimba13 evitando pegar sereno também na pesca um papel crucial para produção de plâncton transformando esses lugares em locais de concentração e conservação do pescado. No verão cardumes de peixe acomodam-se nas margens sombreadas com água fria, fazendo lazer, consumindo folhas e galhos que apodrecem da árvore.
As sombras e as árvores se associam à existência de um conjunto de organismos menores que constituem o plâncton, essencial para a cadeia alimentar de animais aquáticos, o que intensifica a formação de cardumes de peixes, tornando esses lugares ótimos para a pesca. Além do que, a pesca artesanal a céu aberto exige que o pescado seja conservado em um lugar sem sol e confortável quando a pesca é de dia. De noite é necessário não expor ao luar para que o pescado não fique moído, principalmente quando ainda não passou pelo preparo, ou seja, quando os intestinos, escamas e outras partes que aceleram a putrefação, ainda não foram removidos.
1.4. Considerações Finais
Devido à situação geográfica sobre a linha imaginária do Equador e do Capricórnio, a cidade de Macapá e Povoado de Aqui, se utilizam da percepção das sombras para estruturas organizacionais do quotidiano.
Em Macapá, a sobreposição de sombras, associa-se aos equinócios das águas e das secas permitindo organização de atividades de navegação fluvial, afluência às praias, aproveitamento de praças e ruas/avenidas, assim como, para demanda turística. Já no Povoado de Aqui, a leitura e interpretação das sombras são utilizadas para produção agrícola, pecuária, pesca, caça, conforto térmico, determinação de distâncias e orientação geográfica. A observação de sombras de solstícios como atividade turística ou de lazer, ainda não é comum no povoado, estando em curso um projeto da Universidade Pedagógica de Moçambique Delegação de Massinga, para instalação de um observatório de solstícios.
REFERÊCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Frota, A. B. (2004). Geometria da insolação. São Paulo: Geros.
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Milone, A. C. (2003). Astronomia no dia a dia. São José dos Campos: INPE.
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Paiva, C. Dias; Clarke, E. M.; Robin, T. (2011). Time trends in rainfall records in Amazonia. Bulletin of the American Meteorological Society, v. 76, n.11, p. 2203-2209.

*Professor Doutor em Ciências Ambientais e Desenvolvimento Sustentável na Amazónia. Docente na Universidade Pedagógica de Moçambique-Delegação de Massinga carlitossitoie@yahoo.com.br Caixa Postal 111, Massinga, Moçambique
** Professora Doutora em Sociologia Mestre em Agronomia. Professora da Universidade Federal da Amazónia. tecafraxe@uol.com.br CEP 69080-900 Manaus/AM
*** Professora Doutora em Geografia. Professora da Universidade Federal da Amazónia. ab.nogueira@uol.com.br CEP 69080-900 Manaus/AM
1 Conceituação de Rhodes (1996), onde os objetos correspondem às variáveis ambientais naturais (Ex.: flora e fauna) e as coisas aos elementos que resultam da construção humana (Ex.: mobiliário).
De acordo com Crátilo (387c, 388a), são instrumentos, nomes ou símbolos usados para informar acerca das coisas. Neste caso, todas as variáveis do sistema ambiental que projetam sombras, fazem parte das coisas que interessam nosso estudo.
2 Subgrupo étnico dos Tsongas, situado ao norte do rio Limpopo, abrangindo os povos do distrito de Panda, Homoine, Mabote, Funhlouro, Inhassouro, Vilanculo e parte sul de Mambone.
3Pessoas da faixa etária adulta, consideradas no povoado de Aqui, como “conhecedoras” das técnicas de leitura e interpretação das sombras, incluindo uma maturidade suficiente para contribuir na solução de diversos problemas socioambientais no povoado.
4Curandeiro ou pessoa com capacidade de invocar os espíritos dos mortos/antepassados em língua Xitswa ou tswa.
5 Disponível em: <http://suframa.com.br/>.
6 Grande onda de água, que acontecem no equinócio das águas sob a foz do rio Amazonas em Macapá e Belém, soltando estrondos enormes.
7 É aquele que não ascende pela hereditariedade ou laços de consanguinidade, mas com forte influência na tomada de decisões sobre a dinâmica quotidiana do povoado.
9 Baseada na interação da precipitação com a temperatura, enquadrando o povoado de Aqui no grupo das regiões de clima tropical chuvoso. Porque, apresenta temperatura média anual “superior a 18°C e precipitação anual superior a 750 mm (ALMEIDA, 1959, p. 31)”.
10 Classificados a partir da humidade atmosférica resultante da evapotranspiração dos seres vivos e do solo, colocando o povoado de Aqui no grupo das regiões de clima Aw (tropical húmido) e a medida que afastamos para o interior osemiárido.
11 Curandeiro, nhanga ou nhamussoro, aquele que invoca e dialoga com os falecidos.
12 Nascente solar em xitswa
13 Nevoeiro denso, sereno, neblina que se forma na matina em Moçambique.

Recibido: 07/05/2018 Aceptado: 27/06/2018 Publicado: Junio de 2018

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