Revista: CCCSS Contribuciones a las Ciencias Sociales
ISSN: 1988-7833


CONFIANÇA E RECIPROCIDADE NAS RELAÇÕES FORMAIS E INFORMAIS EM SAÚDE

Autores e infomación del artículo

Regina Aparecida Pereira Mazzi*

Lina Yule Queiroz de Oliveira**

Lúcio Flávio Sunakozawa***

Universidade Católica Dom Bosco, Brasil

reginapereiramazzi@gmail.com


Resumo: Os Cuidados Paliativos aparecem como uma maneira de humanizar a assistência hospitalar, pois possui abordagem holística, trazendo reflexões sobre as práticas e as relações médico-paciente. Desta maneira, o presente artigo tem por objetivo analisar o papel da confiança como elemento-chave na relação entre profissionais da saúde e pacientes, capaz de fortalecer seus vínculos, estimulando a humanização na assistência hospitalar. A escolha do tema justificou-se à necessidade de discussão sobre as relações estabelecidas entre os profissionais de saúde, pacientes e cuidadores dos serviços de atenção domiciliar. O método utilizado foi à revisão bibliográfica. A reflexão teórica buscou observar as relações formais e informais da temática, visando compreender a importância da confiança e reciprocidade nas relações.  Como resultado, identificou-se a confiança como elemento-chave na humanização das relações entre profissionais e pacientes, como modo de reforçar o desempenho das instituições e das relações. Por consequência, se faz indispensável uma relação simétrica entre o profissional e o paciente, onde o respeito, a escuta ativa e o diálogo sejam seus aspectos essenciais. Também se demonstrou como primordial a mudança da forma com que essas relações se dão, e na adoção da abordagem holística.

Palavras-chave: Confiança, Relações formais e informais, Saúde.

Abstract: The Palliative Care appears as a way to humanize hospital care, due to its holistic approach, bringing reflections on practices and doctor-patient relationship. In this way, this article aims to analyze the role of trust as a key element in the relationship between health professionals and patients, capable of strengthening their links, stimulating humanization in hospital care. The choice of topic was justified by the need to discuss the importance of relationships between health professionals, patients and caregivers of home care services. The method used was bibliographic review. The theoretical reflection sought to observe the formal and informal relations of the subject, aiming to understand the importance of trust and reciprocity in those relations. As a result, trust was identified as a key element in the humanization of the relationships between health professionals and patients, as a way of reinforcing the performance of institutions and relationships. Therefore, a symmetrical relationship between the health professional and the patient is indispensable, where respect, active listening, dignity and dialogue are essential aspects. It has also been shown as essential the change in the way these relationships take place, and in adopting the holistic approach in health, comprising the patient as a whole.
Key words: Trust, Formal and informal relations, Health.


Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Regina Aparecida Pereira Mazzi, Lina Yule Queiroz de Oliveira y Lúcio Flávio Sunakozawa (2018): “Confiança e reciprocidade nas relações formais e informais em saúde”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (junio 2018). En línea:
https://www.eumed.net/rev/cccss/2018/06/confianca-relacoes-saude.html

//hdl.handle.net/20.500.11763/cccss1806confianca-relacoes-saude

  1. 1 Introdução

    Os princípios do modelo biomédico de saúde predominam na medicina a quase dois séculos, sendo amplamente utilizado nos serviços de saúde, com o objetivo principal de promover a cura de doenças, que passaram a ser definidas de forma objetiva e de acordo com sintomas identificáveis 1. Este modelo, originado da tradição cartesiana e reducionista que enxerga o corpo como uma máquina, dificulta a comunicação entre médico-paciente, pois ignora as variáveis culturais e sociais da doença, e não se preocupa com a qualidade de vida dos doentes terminais, sem possibilidades terapêuticas curativas 2 3 .
    O modelo assistencial dos Cuidados Paliativos é definido pela Organização Mundial da Saúde4 como “uma abordagem que promove a qualidade de vida de pacientes e seus familiares que enfrentam problemas associados com doenças que ameaçam a continuidade da vida, por meio da prevenção e do alívio do sofrimento”. A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera que os Cuidados Paliativos (CP) podem e devem ser oferecidos o mais cedo possível no curso de qualquer doença crônica potencialmente fatal, estendendo-se inclusive à fase de luto.
    Considerando a morte como um processo e não como um evento, é fundamental promover a substituição e a desinstitucionalização dos cuidados hospitalares para a produção de maneiras mais efetivas e humanas de cuidar. Acredita-se que a confiança nas relações fortalece os vínculos entre paciente-profissional de saúde e cuidador5.
    Em vista disso, o objetivo do presente artigo é estudar o papel da confiança e da reciprocidade como variável chave na eficiência dos tratamentos e das relações formais e informais. Acredita-se que a confiança é um dos mais importantes indicadores do capital social, pois seria o que permitiria a mudança de paradigma da relação contratual mais comercial médico–paciente com uma relação menos comercial e baseada na confiança6 .
    Mas, antes de tudo ser canalizado para essa variável chave, devem ser analisadas as variáveis físicas, culturais e institucionais, como analisado por Ostrom7 , pois estas conformam ou não a confiança, como modelos de cooperação comportamentais.  Justifica-se a escolha do tema pela necessidade de discussão sobre a importância das relações estabelecidas entre os profissionais de saúde, pacientes e cuidadores dos serviços de atenção domiciliar em cuidados paliativos.  A confiança é a essência vital do capital social 8.
    Dada à importância da confiança na consecução dos objetivos do relacioidnto entre profissional de saúde e paciente, a condução desse trabalho justifica-se teoricamente por estudar as relações formais e informais, procurando, dessa forma, fornecer material para melhorar a compreensão da possível necessidade de mudança de comportamento nas relações de saúde das Instituições Hospitalares que prestam serviço domiciliar e de cuidados paliativos, para que possam ser abordadas questões que tem se mostrado importantes para o desenho de arranjos colaborativos: a confiança.

    2 Modelo Biomédico e Cuidados Paliativos

    O modelo biomédico, enraizado no pensamento cartesiano, tenta compreender o corpo humano como uma máquina, que pode ser entendida por meio da organização e funcioidnto de suas peças9 . Este modelo deixa de fora influências de circunstancias não biológicas, que afetam a saúde das pessoas, como aspectos emocionais, ambientais, sociais e econômicos.
    O modelo biomédico de saúde, de acordo com Giddens 10, possui três pressupostos fundamentais:

    • Em primeiro lugar, a doença é vista como uma ruptura do funcioidnto ‘normal’ do corpo humano. [...] Para devolver a saúde ao corpo doente, é necessário isolar e tratar a causa da doença.
    • Em segundo lugar, o espírito e o corpo podem ser tratados separadamente. O doente representa um corpo doente - uma patologia - e não um indivíduo na sua totalidade. A ênfase é colocada na cura da doença, e não no bem-estar do indivíduo. [...] Os especialistas médicos adoptam um ‘olhar médico’, uma abordagem distanciada na observação e tratamento do paciente. Neste sentido, o tratamento é levado a cabo de uma forma neutra, coligindo-se e compilando-se informação médica na ficha oficial do doente.
    • Em terceiro lugar, os especialistas médicos com formação acadêmica são considerados os únicos profissionais com capacidade para tratar a doença. A profissão médica enquanto corpo adere a um código ético reconhecido e é constituída por profissionais acreditados que completaram com sucesso uma formação extensa. [...] O hospital representa o ambiente propício para tratar as doenças mais graves: estes tratamentos dependem muitas vezes de uma determinada conjugação entre tecnologia, medicação ou cirurgia.

    A redução do corpo humano aos seus componentes básicos e a visão da doença como um fator isolado, cujo enfoque está apenas em sua cura e não no indivíduo em si, contribui para a desumanização do atendimento médico, onde são perdidas as relações entre profissionais da saúde e pacientes. Enfatiza Capra11 , que “a redução da vida a fenômenos moleculares não é suficiente para se compreender a condição humana, seja na saúde seja na doença”.
    Essa racionalização presente no modelo biomédico “subestima a dimensão psicológica, social e cultural da relação saúde-doença, com os significados que a doença assume para o paciente e seus familiares”, onde a relação saúde-doença é interpretada de formas diferentes para médicos e paciente12 .
    Ressalta Giddens 13 que um tratamento médico só é eficaz quando a opinião e experiência do paciente são levadas em conta, quando eles são escutados e tratados enquanto seres pensantes, com concepções e interpretações válidas. Logo, um tratamento médico só será eficaz quando houver uma relação de confiança mútua.
    Caprara e Rodrigues14 destacam que “no processo diagnóstico e terapêutico, a familiaridade, a confiança e a colaboração estão altamente implicadas no resultado da prática médica”. O médico, não sendo estimulado a pensar no paciente como um todo, não compreende o significado do adoecer para o paciente, formando, dessa forma, uma relação assimétrica, onde os conhecimentos são detidos pelo profissional de saúde e o paciente, geralmente, é excluído.
    A medicalização, no ponto de vista de Guerra 15, pode ser compreendida como um processo no qual o indivíduo é objeto de saber e alvo de intervenção, e a evolução tecnológica modifica, por meio de inovações, as práticas da medicina. Esses cuidados médicos são realizados em hospitais regidos por normas, podendo resultar em um modo de assistência impessoal.
    Com todas estas questões e com o objetivo de humanizar a assistência hospitalar e oferecer um modelo de assistência personalizado, o modelo de Cuidados Paliativos trouxe reflexões sobre a prática hospitalar, a necessidade da confiança na relação médico-paciente e a rediscussão da morte e do morrer, do sofrimento, da instituição hospitalar e de como a equipe médica lida com estas questões 16.
    Dessa forma, um novo tipo de relação médico-paciente passa a existir, estabelecendo uma relação mais simétrica. Respeito, garantia de dignidade, privacidade e integridade física e moral são imperativos nos Cuidados Paliativos, onde o vínculo emocional se constitui quando os profissionais de saúde se dispõem a exercer uma “escuta ativa”, estabelecendo, então, confiança entre a equipe de saúde e o paciente17 .
    Quando não existe mais possibilidade de cura, os pacientes tendem a preferir os Cuidados Paliativos em domicílio, que tem por grande vantagem ao indivíduo, ter suas necessidades atendidas de acordo com suas preferências, sem necessitar seguir a rigidez de regras e horários do ambiente hospitalar 18. A assistência em saúde no contexto domiciliar traz em sua perspectiva, além das práticas técnicas e assistenciais humanizada, o reconhecimento do domicílio como espaço efetivo dos cuidados. Nesse contexto, há um fortalecimento do vínculo que facilita a identificação das situações de risco ao paciente19 .
    A Política Nacional de Atenção Oncológica foi estabelecida pelo Ministério da Saúde, através da Portaria 2439/2005 GM/MS, incluindo promoção, prevenção, diagnóstico, tratamento, reabilitação e cuidados paliativos, a serem implantadas em todas as unidades federadas, respeitadas as competências das três esferas de gestão 20. Assim, os serviços de alta complexidade em oncologia deverão garantir também atenção integral aos pacientes fora de possibilidades de cura, seja através de estrutura ambulatorial, hospitalar ou domiciliar21 .
    Levando em consideração essa questão de mudança no cenário dos cuidados, Santos 22 ressalta que cabe à equipe interdisciplinar ampliar sua atenção e perceber o cliente, sua relação com meio e com sua família. A equipe interdisciplinar é fundamental para o sucesso dos cuidados e acolhimento dos usuários e familiares. Para tanto é necessário à avaliação tanto do paciente quanto do contexto familiar e ambiental para a aprovação dos cuidados paliativos em domicilio, nesse sentido opta-se por instrumentos e escalas de avaliação passíveis em ambiente domiciliar 23.
    Observa-se a presença da confiança como instrumento vital para a realização de parcerias mais flexíveis e eficientes, identificando, deste modo, a necessidade de mudança de paradigma na relação médico-paciente e a emergente transformação das relações formais das Instituições em relações informais.

    3 Instituições formais e informais

    Crawford e Ostrom 24 definem as instituições, em termos gerais, como regras que especificam quais ações (ou resultados) são necessárias, proibidas ou permitidas, e quais as sanções autorizadas se as regras não forem seguidas. As instituições são, portanto, as regras de um jogo. São os resultados dos esforços dos seres humanos para estabelecer a ordem e aumentar a previsibilidade dos resultados, podendo ser usadas para aumentar o bem estar de muitos indivíduos, ou da coletividade, através de processos de escolha controlados por um subgrupo bem organizado.
    A interação, segundo Orléan 25, é facilitada pelas regras que existem, ou convenções, que servem como uma referência conhecida coletivamente. As convenções, por exemplo, fazem com que cada indivíduo dirija à direita e não precisem se preocupar em relação ao comportamento dos outros. A mesma coisa ocorre para com os semáforos, obrigando cada um a parar no vermelho e dar prioridade para aqueles com sinal verde. O não respeito a essas convenções traz aumento de incerteza sobre o comportamento dos outros, com riscos maiores no transito e dificuldades de circulação.
    Esclarece Piaia 26, que as “instituições são invenções humanas criadas para estruturar as interações políticas, econômicas e sociais ao longo do tempo”, consistindo-se em regras informais, (sanções, tabus, costumes, tradições, códigos de conduta), e em regras formais (constituições, leis, direitos de propriedade). Grande parte do comportamento econômico e outros tipos de atividades e processos econômicos podem ser incluídos sob o conceito de instituições.
    A cultura organizacional representa as normas informais e não escritas que orientam o comportamento dos membros de uma organização no dia-a-dia e que direcionam suas ações para a realização dos objetivos organizacionais. Como as instituições informais regulam e moldam o comportamento do indivíduo sem a necessidade de um aparato legal, privilegiando os aspectos relacionais do comportamento, as penalidades para atitudes que fogem de seus padrões institucionais são também relacionais, podendo ser marcadas, por exemplo, por exclusão do grupo ou afastamento27 .
    Enquanto as instituições formais são criadas para fins específicos, a partir de uma ação deliberada, podendo ser facilmente mudadas, as instituições informais são estabelecidas e legitimadas sem que sejam, necessariamente, frutos de ação deliberada dos indivíduos, podendo não apresentar objetivos específicos 28.
    Na sua descrição das instituições, Williamson aborda também os aspectos informais. Dos seis fatores institucionais descritos pelo autor, três são relacionados às instituições informais:

    • Cultura da sociedade: influenciam as instituições informais, tais como valores, crenças, costumes e o grau de propensão em adotar ações oportunistas;
    • Profissionalização: o fato de pertencer a um determinado tipo de atividade delimita códigos de comportamento e de ética conhecidos por todos. Devem existir sanções em caso de não respeito desses códigos;
    • Rede (network): pertencer a um grupo étnico, religioso ou profissional permite estabelecer regras que devem ser respeitadas por todos.

    Apesar de não se visar benefício comercial imediato, as interações não mercantis informais permitem a criação de capital social, que podem se transformar em benefício monetário, com a viabilização de arranjos institucionais mercantis informais.
    Essa categoria é constituída de organizações que obedecem a instituições, ou regras, informais, tais como família, igrejas e até organizações criminosas, como máfia. Diferentemente das interações formais, as regras atrelam apenas pessoas ligadas à organização. Assim, membros da igreja católica, por exemplo, não se sentem na obrigação de respeitar as regras impostas aos muçulmanos, enquanto que ateus não se consideram ligados às regras religiosas.
    Assinalam Vilpoux e Oliveira30 , que Robert Putnam foi o primeiro autor que assimilou as instituições ao capital social, identificando-o “às características das organizações sociais, tais como redes, normas e confiança, que facilitam a coordenação e a cooperação em vista de um benefício mútuo”. A existência de laços de confiança mútua é capaz de reforçar os mecanismos de cooperação entre os indivíduos, favorecendo, dessa maneira, o desempenho das instituições31 .

    4 Confiança

    Confiança, segundo Novelli32 , refere-se “à crença, considerados os riscos envolvidos, na probidade ou na correção dos princípios de uma pessoa ou um sistema para realizar ações em favor do confiante, projetando um dado conjunto de resultado ou eventos”. De acordo com Gambetta33 , a confiança é reforçada quando os indivíduos são dignos de confiança, estão ligados em rede uns com os outros, e estão dentro de Instituições normativas. A existência de confiança entre um grupo de indivíduos muitas vezes pode ser explicada como resultado de outras formas de capital social, tais como confiabilidade de pessoas, redes e instituições.
    Distingue Giddens34 crença e confiança, assinalando que ao passo que a crença se refere a uma atitude mais ou menos tida como certa de que as coisas permanecerão estáveis, a confiança pressupõe consciência do risco. A confiança se inicia com a vulnerabilidade de um sujeito, implicando na fidelidade e lealdade de alguém em cumprir uma promessa, já que não se pode garantir um comportamento futuro. Se o risco de confiar não for assumido pelas duas partes, o relacioidnto estrutura-se pela cautela e dúvida35 .
    O reconhecimento da relevância da confiança no âmbito das instituições e organizações, demanda “lidar com a complexidade do ambiente e reagir à sensação de vulnerabilidade que se instala frente a esse ambiente”36 . Equipes de trabalho multidisciplinares necessitam estar unidas, e a “cola” que as une é a confiança. Muitas são as dificuldades quando se trata de desenvolver equipes. Entre essas, conforme apontam Katzenbach e Smith37, Moscovici38 , Mandelli39 e Mey e Lima40, destacam-se:

    • A cultura do individualismo e da independência;
    • O modelo gerencial ainda fortemente autocrático;
    • O medo de perder o poder;
    • O tempo necessário para transformar um grupo em equipe e a exigência de urgência pelas empresas;
    • O egocentrismo;
    • O medo das pessoas em dar e receber feedback;
    • Baixo nível de maturidade, principalmente emocional, dos profissionais;
    • Resistência aos processos de mudança;
    • Modelos mentais inadequados.

    O trabalho em equipe deve ser associado ao diálogo e à troca de experiências, onde o processo de interação humana é elemento-chave que permite o estabelecimento de relações voltadas para o futuro, e para que estas relações mudem do controle e medo para o diálogo, a confiança é fundamental41 .
    As relações devem se dar em um campo de igualdade entre os atores, a fim de alcançar um ambiente de interesses em comum e riscos menores associados à frustração da confiança. Dessa maneira, confiar, de acordo com Novelli42 , implica em uma relação entre iguais, simétrica. Nesse sentido, os componentes dessas variáveis são de natureza sociológica e ética, pois, a “confiança é a expectativa que nasce no seio de uma comunidade de comportamento estável, honesto e cooperativo, baseado em normas compartilhadas pelos membros dessa comunidade”43 .
    A confiança facilita a cooperação e a evolução qualitativa do capital social que, segundo Putnam 44, pode gerar a necessária estabilização comportamental numa relação dialógica:
    “Quanto mais elevado o nível de confiança numa comunidade, maior a probabilidade de haver cooperação. E a própria cooperação gera confiança. A progressiva acumulação de capital social é uma das principais responsáveis pelos círculos virtuosos [...]. A confiança necessária para fomentar a cooperação não é uma confiança cega. A confiança implica uma previsão do comportamento de um ator independente.”
    A confiança é elemento integrante da reciprocidade, uma vez a informação sobre a confiabilidade dos outros é um fator essencial para a decisão de um indivíduo recíproco de cooperar ou não. Quando a reciprocidade prevalece em uma sociedade implica que uma proporção significativa de indivíduos dela são confiáveis 45.

    A Figura nº 1 constitui um organograma das organizações em saúde, onde as relações formais são compostas por indivíduos ou grupos ordenados que apresentam diversidades de comportamentos, com diferentes tipos de autoridade, autonomia e respectivas linhas de relações. A respectiva estrutura formal pode possuir metas específicas condicionadas à ação de grupamentos sociais.
    Analisando a organização informal, é possível identificar que também nela existe uma sanção social, expectativa de comportamento, autoridade, comunicação e percepção da consequência de determinada forma de agir46 .

    A Figura nº 2 estabelece um paralelo entre a organização formal e informal.  Pode-se observar que na primeira, as sanções são regulamentadas expressamente, enquanto que na segunda, são difusas. Nestas o indivíduo tem seu comportamento controlado pelos demais (Hospitais e Médicos) por meio de protocolos, normas, regras, etc. Este controle informal é típico dos grupos primários, que contrasta com as características das organizações racionais, de natureza predominantemente secundária47 .
    Todavia, assim como na organização formal, na informal também pode-se encontrar comunicação entre os membros, como apontado por Witt48, “sendo ela um dos processos sociais básicos da sociedade e que favorece muito a associação. A comunicação é uma relação informal bastante significativa, porque aparece invariavelmente em todas as organizações formais”.
    Uma de suas características é a de ser um meio de comunicação mais rápido que o legal, o que constitui um indicador satisfatório de sua importância. Nos grupos informais, a comunicação é facilitada pelo tipo de contato existente neles, dispensando algum tipo de local próprio para reunião e diferenças hierárquicas entre os membros. Como destaca Witt49 , “através das comunicações nos grupos primários, surgem as atitudes de lealdade e identidade entre os indivíduos.”

    5 Reciprocidade

    A prática da reciprocidade, afirma Lopes 50, objetiva a criação e manutenção do vínculo social, ampliando, desse modo, as relações sociais e afetivas por meio da reprodução de dádivas. Em relações recíprocas, é possível doar livremente, tem-se a certeza que de a outra parte conhece, valoriza e participa do circuito recíproco.
    Para Sabourin51 , a reciprocidade implica na preocupação pelo outro, para produzir valores afetivos ou éticos como a paz, a confiança, a amizade e a compreensão mútua, sendo um princípio base para as obrigações sociais, voluntárias ou não, como também para relações íntimas ou distantes. Valores como “justiça, equidade, obrigação, respeito, gratidão, responsabilidade perante o outro e obrigação de obediência às leis estão presentes nas relações de reciprocidade e no ato de cuidar” 52.
    Logo, a reciprocidade é produtora de valores, como a confiança e a compreensão mútua, que refletem relações apoiadas na preocupação com e pelo outro. Por meio da reciprocidade, os atores conseguem experienciar o papel e a situação do outro, consequentemente, aprendendo o sentido da cooperação inter-humana. Estabelecem Cavalcanti et al53 que, desse modo, o trabalho em saúde seria:
    como um encontro entre usuários e trabalhadores onde há o reconhecimento, pelo trabalhador, das necessidades dos usuários, como direito à saúde. A natureza do encontro entre usuários que têm necessidades de saúde e trabalhadores que reconhecem estas necessidades é o da produção de um processo onde há o acolhimento do outro, compreensão e significação de suas singularidades e oferta dos saberes em saúde que venham permitir ao profissional intervenções continuadas (vínculo) e responsabilização pelo resultado destas intervenções. 
    No acolhimento ocorre o estabelecimento de vínculos e a instituição da tríade ‘dar-receber-retribuir’. É evidente, então, que as relações de acolhimento, além de possibilitarem a humanização do atendimento, “são permeadas pelas teorias da dádiva e da reciprocidade, uma vez que, quem se relaciona/acolhe, sempre tem algo a oferecer, mas também espera do outro algo em troca, e este processo também é recíproco por quem é acolhido”54 .
    Na relação dialógica, entre paciente e o profissional da saúde, para se estabelecer a confiança e reciprocidade desejável e eficiente é muito complexa. Mesmo diante da racionalidade das instituições ou da previsibilidade através dos custos de transação, em matéria de relação interpessoal, eles ficam aquém dos riscos que a própria confiança possa ser quebrada55 . A confiança se pauta numa dinâmica de difícil previsão quanto às suas bases que consolidam, ambientando-se a cada passo, numa estrutura sistêmica peculiar entre os envolvidos. 
    Há diversos fatores que impedem ou dificultam a reciprocidade entre os profissionais e os usuários, e a construção e fortalecimento de vínculos por meio das relações recíprocas exige dos profissionais um conhecimento prático ampliado, com ressignificação de práticas embasadas na lógica de cuidado integral, mesmo diante das dificuldades presentes na sua realidade. A “reciprocidade ilumina as práticas solidárias, fazendo florescer experiências de partilha e ajuda mútua, na construção da vida social”56 .

    6 Considerações finais

    Este trabalho relaciona-se com a literatura de modelos de análise focados nas Instituições formais e informais, na confiança e na reciprocidade. Assim, os textos analisados sugerem que a redução da formalidade nas relações de trabalhos, como por exemplo, na atenção domiciliar e cuidados paliativos, deve ser considerada como o principal objetivo, pois ela está necessariamente associada a um melhor desempenho das relações estabelecidas entre profissional de saúde e usuário, baseando-se nas relações de confiança e respeito.
    Deste modo, infere-se a confiança como elemento chave para a humanização das relações entre profissionais da saúde e pacientes. Não dependendo especificamente da política utilizada para reduzir a formalidade, pois, se assim o fosse, os efeitos sobre outros indicadores poderiam ser extremamente negativos.
    Os cuidados médicos realizados em ambientes regidos por normas e formalidades podem resultar em um modo de assistência impessoal e unilateral, onde o profissional da saúde que detém conhecimento e poder sobre o paciente. No entanto, a existência de uma relação de confiança mútua, é comprovada como modo de reforçar o desempenho das instituições e das relações entre os sujeitos. Por consequência, se faz indispensável uma relação simétrica entra o profissional da saúde e o paciente, onde o respeito, a escuta ativa, a dignidade e o diálogo sejam aspectos-chave.
    É crucial a mudança da forma com que essas relações se dão, e na adoção da abordagem holística na saúde, compreendendo o paciente como um todo, em uma relação de confiança mútua, levando em conta a experiência e opinião do paciente e as variadas dimensões da doença.
    O presente trabalho, todavia, não pretende esgotar o tema, mas instigar futuras pesquisas que possam aferir sobre o valor da confiança mútua, participação e normas de reciprocidade, como mecanismos que produzam benefícios comuns para a relação bilateral na área da saúde, formais e informais.

    REFERÊNCIAS

    * Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Local – Universidade Católica Dom Bosco – UCDB, Campo Grande, Brasil; reginapereiramazzi@gmail.com
    **Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Local – Universidade Católica Dom Bosco – UCDB, Campo Grande, Brasil; lina_afowl@hotmail.com
    ***Mestre do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Local – Universidade Católica Dom Bosco – UCDB, Campo Grande, Brasil; professor.lucioflavio@gmail.com
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    2TAVEIRA, V. L. B. Cuidados Paliativos: Percepções e Práticas dos Profissionais de Saúde do Serviço de Medicina Paliativa do Fundão. 2011. Dissertação (Mestrado em sociologia) – Universidade da Beira Interior, Corvilhã, 2011.
    3 MACHADO, M. A. Cuidados Paliativos e a Construção da Identidade Médica Paliativista no Brasil. 2009. Dissertação (Mestrado em Ciências na área de Saúde Pública) – Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro, junho de 2009.
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    5 HERMES, H. R.; LAMARCA, I. C. A.. Cuidados paliativos: uma abordagem a partir das categorias profissionais de saúde. Ciênc. saúde coletiva,  Rio de Janeiro ,  v. 18, n. 9, p. 2577-2588,  Set.  2013 .  
    6 PUTNAM, R. D. Comunidade e democracia: a experiência da Itália moderna. Trad. Luiz Alberto Monjardim. 5.ed. Rio de Janeiro: FGV, 2006.
    7 OSTROM, E.; WALKER, J. Trust & Reciprocity. New York: Russell Sage Foundation, 2003.
    8 USLANER, E. Trust and civic engagement in East and West. In: Social Capital and the Transition to Democracy. London: Routledge, 2003.
    9 CAPRA, F. O ponto de mutação. 1982 .
    10 GIDDENS, A. op. cit., p.156
    11 CAPRA, F. op. cit., p.121.
    12 CAPRARA, A; RODRIGUES, J. A relação assimétrica médico-paciente: repensando o vínculo terapêutico. Ciência & Saúde Coletiva, 9(1):139-146, 2004 .
    13 GIDDENS, A. op. cit.
    14 CAPRARA, A; RODRIGUES, J.  op. cit., p.141.
    15 GUERRA, J. F. P. Cuidados paliativos sob a perspectiva do usuário: o modelo do IMIP. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife. 2013
    16 Ibidem.
    17 Ibidem.
    18 FRIPP, J. Ação prática do profissional de Cuidados Paliativos no domicílio. In: Manual de cuidados paliativos/Academia Nacional de Cuidados Paliativos. Rio de Janeiro: Diagraphic, 2009
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    23 FRIPP, J. op. cit.
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    28 Ibidem.
    29 WILLIAMSON, O. The Mechanisms of Governance. Oxford: Oxford University Press, 1996. 429 p.
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    34 GIDDENS, A. op. cit.
    35 DULUC, A. Liderança e confiança: desenvolver o capital humano para organizações competitivas. Lisboa: Instituto Piaget, 2000.
    36 NOVELLI, J. G. N. op. cit., p.74.
    37 KATZENBACH, J. R.; SMITH, D. K. Equipes de alta performance: conceitos, princípios e técnicas para potencializar o desempenho das equipes. Rio de Janeiro: Campus, 2001.
    38 MOSCOVICI, F. Desenvolvimento interpessoal. 3.ed. Rio de Janeiro: LTC, 1985.
    39 MANDELLI, P. Muito além da hierarquia: revolucione sua performance como gestor de pessoas. São Paulo: Gente, 2001.
    40 MEY, W. A.; LIMA, M. R. S. Os fatores dificultadores e os fatores facilitadores na implementação e consolidação do modelo de trabalho por equipes autogerenciadas (EAGs). Rio de Janeiro: Enanpad, 2002.
    41 NOVELLI, J. G. N. op. cit.
    42 Ibidem.
    43 FUKUYAMA, F. Confiança: as virtudes sociais e a criação da prosperidade. Trad. de Alberto Lopes. Rio de Janeiro: Rocco, 1996.
    44 PUTNAM, R. D. op. cit.
    45 OSTROM, E.; AHN, T. K. The meaning of social capital and its link to collective action. In: Handbook on Social Capital, ed. Gert T. Svendsen and Gunnar L. Svendsen. Northampton, MA: Edward Elgar. 2007
    46 WITT, A. Importância e aproveitamento da organização informal. Rev. Saúde públ., S. Paulo, 3(2):203-212, dez. 1969.
    47 Ibidem.
    48 Ibidem.
    49 Ibidem.
    50 LOPES, A. S. Acolhimento prescrito x real: uma análise sobre as relações entre trabalhadores e usuários na Estratégia Saúde da Família. 2014. 120 f. Dissertação (Mestrado em Saúde da Família) – Centro de Ciências da Saúde, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2014.
    51 SABOURIN, E. Marcel Mauss: da dádiva à questão da reciprocidade. Rev. Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 23, n. 66, p.131-208, 2008.
    52 LOPES, A. S. et al. O acolhimento na Atenção Básica em saúde: relações de reciprocidade entre trabalhadores e usuários. Saúde debate,  Rio de Janeiro, v.39, n.104, p.114-123, mar. 2015.  
    53 CAVALCANTE, J. B. et al. Acolhimento coletivo: um desafio instituinte de novas formas de produzir o cuidado. Interface – Comunicação, Saúde, Educação, Botucatu, v. 13, n. 31, p. 315-328, 2009.
    54 LOPES, A. S. et al. op. cit.
    55 LUHMANN, N. Trust and power. Chichester; John Wiley, 1979.
    56 LOPES, A. S. op. cit.

    Recibido: 18/04/2018 Aceptado: 18/06/2018 Publicado: Junio de 2018


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