Revista: CCCSS Contribuciones a las Ciencias Sociales
ISSN: 1988-7833


O DISCURSO DA HUMANIZAÇÃO DA ASSISTÊNCIA HOSPITALAR NO BRASIL SOB A ÓTICA ANALÍTICA DE VAN DIJK

Autores e infomación del artículo

Regina Aparecida Pereira Mazzi*

Lina Yule Queiroz de Oliveira **

Arlinda Cantero Dorsa ***

Universidade Católica Dom Bosco – UCDB, Brasil

nurse.regina.775@gmail.com

Resumo: O presente artigo tem por objetivo analisar o discurso da humanização da assistência hospitalar produzido por duas profissionais da área da saúde com base no discurso oficial do Ministério da Saúde. Inicialmente, foram utilizados os fundamentos teóricos da análise crítica do discurso (ACD), baseando-se principalmente nos princípios e direcionamentos práticos propostos por Van Dijk (2013). Por meio da análise crítica do discurso é possível identificar os aspectos formais e semânticos do discurso que podem influenciar ou manipular os receptores. Na análise realizada, foi observado de que maneira a estrutura argumentativa e a escolha lexical podem influenciar os leitores, impondo as crenças, ideologias e intenções dos autores. Pelo fato da ACD estar interessada no abuso de poder, desigualdade social e dominação, é fundamental uma análise levando em conta os grupos, instituições e os atores sociais afetados pelo modo de organização e atendimento da atual assistência hospitalar. Dessa maneira, o estudo espera contribuir com esse debate, através da análise e reflexão do papel do discurso na humanização da assistência hospitalar.
Palavras-chave: Análise crítica do discurso; Humanização da assistência hospitalar; Van Dijk.

Abstract: This article aims to analyze the discourse of the humanization of hospital care produced by two health professionals based on the official discourse of the Ministry of Health. The theoretical foundations of critical discourse analysis (CDA) were used, based mainly on the principles and practical directions proposed by Van Dijk (2013). Through the critical analysis of the discourse it is possible to identify the formal and semantic aspects of the discourse that can influence or manipulate the receptors. In this analysis, it was observed how the argumentative structure and the lexical choice can influence the readers, imposing the beliefs, ideologies and intentions of the authors. Because CDA is interested in the abuse of power, social inequality and domination, is fundamental an analysis that considers groups, institutions and social actors affected by the way of organization and attendance of the current hospital care. Thus, this study hopes to contribute with this debate, through the analysis and reflection of the role of discourse in the humanization of hospital care.
Keywords: Critical discourse analysis; Humanization of the hospital care; Van Dijk

 


Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:

Regina Aparecida Pereira Mazzi, Lina Yule Queiroz de Oliveira y Arlinda Cantero Dorsa (2017): “O discurso da humanização da assistência hospitalar no Brasil sob a ótica analítica de Van Dijk”, Revista Contribuciones a las Ciencias Sociales, (julio-septiembre 2017). En línea:
http://www.eumed.net/rev/cccss/2017/03/discurso-assistencia-hospitalar.html

http://hdl.handle.net/20.500.11763/cccss1703discurso-assistencia-hospitalar


1  Introdução

A presente pesquisa parte do pressuposto de que o sentido do discurso não é fixo e que ele muda em função do contexto, da estética, da ordem do discurso e da sua forma de construção. Em vista disso, faz-se necessária a análise crítica do discurso a fim de inferir qual é a verdadeira mensagem que este quer transmitir, e de que forma os seus receptores irão interpretar sua mensagem. O sentido do discurso é sempre determinado pela interpretação do receptor e sua finalidade é transmitir uma mensagem que alcance seu objetivo, mesmo que esse dependa da interpretação do receptor.
O objetivo desse estudo neste contexto,  é analisar o discurso da humanização da assistência hospitalar produzido por duas profissionais da área da saúde com base nos textos oficiais produzidos pelo Ministério da Saúde. Ao incorporar a análise do discurso à área da saúde, sobretudo em uma temática amplamente discutida atualmente, que é a humanização da assistência hospitalar, buscamos com essa análise, além da dita incorporação, uma reflexão sobre a relação entre o discurso e a compreensão dos fenômenos na temática em análise.
Para a consecução dos objetivos, foram selecionados dois textos para análise que discorrem sobre a humanização da assistência hospitalar. O primeiro é o artigo “Análise do discurso oficial sobre a humanização da assistência hospitalar”, de Suely Deslandes, publicado na revista Ciência e Saúde Coletiva, em 2004, ora denominado Texto 1. O artigo discorre sobre o conceito do termo “humanização” e suas ideias centrais, visando analisar o discurso do Ministério da Saúde a respeito do tema.
O segundo texto escolhido foi “Humanização Hospitalar: um conceito em construção”, capítulo inicial do livro “Humanização da Assistência Hospitalar no Brasil: conhecimentos básicos para estudantes e profissionais”, da doutora Inaiá Monteiro Mello, publicado em 2008, ora denominado Texto 2.   Em sua obra, Mello objetiva auxiliar profissionais e estudantes a compreender a proposta da humanização da assistência hospitalar no Brasil, em especial a proposta do Ministério da Saúde.
A metodologia utilizada baseou-se inicialmente, em pesquisa bibliográfica e posteriormente em uma análise documental de dois textos em pauta, a partir dos princípios e direcionamentos práticos propostos por Van Dijk (2013). As estruturas discursivas utilizadas para análise dos textos foram as macroestruturas semânticas, as microestruturas semânticas e as inerências, a fim de obter uma análise em nível global e local do discurso.
Primeiramente, foram contextualizados os conceitos trabalhados  a fim de melhor esclarecimento do texto e das categorias de análise. A partir dessa etapa, identificamos os elementos textuais em cada categoria de análise escolhida, buscando focalizar suas representações, núcleos de sentido e argumentos. Na última etapa as inferências analíticas observadas pelas autoras foram colocadas em evidência, tecendo as interpretações críticas dos textos e verificando de que maneira o discurso em pauta pode influenciar seus respectivos leitores.

2.Humanização hospitalar: pinceladas teóricas

O Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar (PNHAH) foi lançado pelo Ministério da Saúde a fim de disseminar uma nova cultura de atendimento no país, propondo um conjunto de ações integradas que visam mudar o padrão de assistência e melhorar a qualidade e eficácia dos serviços prestados atualmente. Segundo o Ministério da Saúde (2001), o objetivo principal do Programa é aprimorar as relações dos agentes sociais do sistema de saúde, profissionais e usuários e hospital e comunidade, ao valorizar a dimensão humana presente no ato de assistência à saúde.
O propósito da humanização na área da saúde significa reconhecer seus problemas e carências no cuidado da saúde da humanidade, já que, afirmam Oliveira, Collet e Vieira (2006, p.281), as práticas contemporâneas da saúde e seus agentes variam entre um tratamento “que vai desde o uso de uma linguagem técnica impessoal [...] até outro autoritário ou paternalista que infantiliza os usuários, passando por modalidades que vão da homogeneização à indiferença”.
Para a Equipe de Humanização, o processo de humanizar compreende a criação de um clima organizacional favorável ao atendimento do paciente, sendo um processo que não se resume em seu atendimento técnico e mecânico, mas na compreensão e cuidado do paciente como um todo (BACKES; LUNARDI FILHO; LUNARDI, 2006).
Com o Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar, espera-se uma mudança no tratamento dos atores sociais envolvidos, como esclarecem Oliveira, Collet e Vieira (2006, p.282), o objetivo fundamental da humanização da assistência implica em “resgatar as relações entre profissional de saúde e usuário, dos profissionais entre si, da instituição com os profissionais e do hospital com a comunidade”.
Se tivesse que resumir a missão de humanização num sentido amplo, além da melhora do tratamento intersubjetivo, dir-se-ia que se trata de incentivar, por todos os meios possíveis, a união e colaboração interdisciplinar de todos os envolvidos, dos gestores, dos técnicos e dos funcionários, assim como a organização para a participação ativa e militante dos usuários nos processos de prevenção, cura e reabilitação. Humanizar não é apenas "amenizar" a convivência hospitalar, senão, uma grande ocasião para organizar-se na luta contra a inumanidade, quaisquer que sejam as formas que a mesma adote (OLIVEIRA; COLLET; VIERA, 2006, p.281).

Humanizar a assistência na saúde “implica dar lugar tanto à palavra do usuário quanto à palavra dos profissionais da saúde, de forma que possam fazer parte de uma rede de diálogo”, estimulando e promovendo campanhas e programas com base na ética, respeito e solidariedade (OLIVEIRA; COLLET; VIERA, 2006, p.282). As autoras ressaltam que, consequentemente, a humanização é um processo amplo, complexo e demorado e que se oferecem resistências, pois implica em mudanças de comportamento dos atores sociais.
Para o Ministério de Saúde (2001), a proposta de humanização da assistência à saúde não é apenas para alcançar uma melhor qualidade de atendimento à saúde do usuário, mas também objetiva conquistar melhores condições de trabalho para os profissionais. O contato com seres humanos apontam Oliveira, Collet e Vieira (2006, p.282):
coloca o profissional diante de sua própria vida, saúde ou doença, dos próprios conflitos e frustrações. Se ele não tomar contato com esses fenômenos correrá o risco de desenvolver mecanismos rígidos de defesa, que podem prejudicá-lo tanto no âmbito profissional quanto no pessoal. Os profissionais da saúde submetem-se, em sua atividade, a tensões provenientes de várias fontes: contato frequente com a dor e o sofrimento, com pacientes terminais, receio de cometer erros, contato com pacientes difíceis. Assim, cuidar de quem cuida é condição sine qua non para o desenvolvimento de projetos e ações em prol da humanização da assistência.
Dessa forma, a humanização da assistência hospitalar possui conceitos variados, mas que implicam em tratamento digno, solidário, ético e acolhedor para os usuários, não apenas como direito, mas como etapa fundamental do tratamento e conquista da cidadania, como também em condições dignas e favoráveis para os profissionais de saúde, e consequente, sua valorização.

 

3. O discurso da humanização sob a ótica da Análise crítica do discurso

Um texto só pode ser assim chamado, de acordo com Foucault, se o receptor for capaz de compreender o seu sentido, e isto cabe ao autor do texto e à atenção que o mesmo der ao contexto da construção de seu discurso (BRANDÃO, 1994). Isso tem relação direta com os princípios básicos da comunicação verbal: emissão, recepção e compreensão.
A análise crítica do discurso, conforme os estudos de Van Dijk (2013, p.353), não pode ser considerada como uma linha de pesquisa, método ou teoria, mas sim como “uma perspectiva – crítica – de produção do conhecimento”. A análise crítica do discurso foca em problemas sociais, em especial no papel do discurso na produção e reprodução do poder, considerando os interesses dos grupos sociais dominados.
O autor assinala que a ACD defende sua posição social e política em solidariedade com tais grupos, em “uma atitude de oposição e dissenção contra aqueles que, por meio do texto e da conversação, buscam estabelecer, confirmar ou legitimizar o seu abuso de poder” (VAN DIJK, 2013, p.253).
Destaca Van Dijk (2013) a necessidade de sua abordagem multidisciplinar, levando em consideração as relações entre as estruturas discursivas e os problemas sociais, relacionando, dessa forma, a tríade discurso, cognição e sociedade.
O autor considera discurso um evento comunicativo social; a cognição seria qualquer modelo de estrutura mental ou de memória, envolvendo crenças pessoais e sociais; e a sociedade engloba a inclusão das interações interpessoais, tanto em micro como em macroescalas, definidas em grupos, movimentos sociais, sistemas políticos, entre outros. A combinação desses três fatores, para Van Dijk (2013), define a importância do contexto do discurso, em seus diferentes níveis, e somente através de uma análise que os combine, é que os discursos podem ser descritos e explicados com qualidade.

3.1 Macroestruturas semânticas

As macroestruturas semânticas, ou os tópicos do discurso, representam o que este quer expressar em nível global. São os significados globais do discurso, “que os usuários da língua instituem na produção e compreensão do discurso, o “essencial” que será lembrado” (VAN DIJK, 2013, p.359).
Sua importância está na forma como os tópicos são estruturados e organizados, guiando a interpretação dos leitores de acordo com a intenção do falante. Estão presentes, segundo Van Dijk (2013) em títulos, resumos, manchetes, sumários, conclusões, entre outras, podendo ser utilizadas de forma estratégica, permitindo, dessa forma, influenciar e manipular os leitores.
O autor recomenda iniciar a análise do discurso a partir das macroestruturas semânticas já que fornecem uma ideia geral do assunto em pauta e devido ao seu importante papel de controlar a compreensão do texto e influenciar modelos mentais do evento discutido.
Nos textos selecionados para análise, os títulos “Humanização da Assistência Hospitalar no Brasil” e “Análise do discurso oficial sobre a humanização da assistência hospitalar” já expressam parte do tópico geral, que é a humanização da assistência hospitalar.
Os textos podem ser sumarizados por meio das seguintes macroproposições:
É possível sumarizar essas macroproposições a fim de se inferir a macroproposição de nível mais alto, o tópico geral, que nos dois textos podem ser resumidos em: a humanização da assistência hospitalar necessita ser posta em prática a fim de melhorar o atendimento dos serviços de saúde.
As macroproposições expressam os princípios gerais da proposta de humanização da assistência hospitalar, a falta de um conceito concreto e a deficiência do atual sistema de saúde, reforçando assim, o argumento das duas autoras, sobre a imprescindibilidade da implantação de uma nova cultura de atendimento.

3.2 Microestruturas semânticas

As microestruturas do texto se traduzem nas formas dos significados locais, que implica o estudo lexical, os significados das palavras, das estruturas do texto, coerência, metáforas, proposições e relações entre as estruturas.
Os significados locais, para Van Dijk (2013), são as informações que influenciam diretamente os modelos mentais dos leitores, suas atitudes e opiniões. Logo, são s mais relembrados e facilmente reproduzidos, sendo assim, com maiores consequências sociais. Os significados implícitos também são fundamentais, pois se relacionam às crenças dos receptores, parte do modelo mental, mas não necessariamente do texto em si.

3.2.1 Significados locais

No nível semântico local, é possível examinar, por exemplo, as escolhas das palavras no Texto 1: “insatisfação”, “precários”, “desrespeitosos”, “desigual”, “violentos”, “deficiência” “maus-tratos físicos e psicológicos” e “desespero” como uma maneira de expressar conceitos negativos relacionados ao alvo de sua crítica, o atual atendimento prestado nos serviços de saúde.
Ao passo que, no mesmo texto, as palavras “dignidade”, “diálogo”, “ética”, “solidariedade”, “atendimento de qualidade”, “excelência”, “valorização profissional”, “união”, “respeito” e “oposição à violência” como formas de expressar conceitos positivos relacionados ao foco do texto, que é a humanização da assistência hospitalar.
A ênfase sobre a humanização e os direitos dos pacientes tem muitas funções, como associar a posição do tratamento humanizado a algo bom e necessário. Ao enfatizar a violação dos direitos humanos individuais mostra-se a avaliação negativa da atual assistência hospitalar, quando ela viola esses direitos.
O estudo lexical das palavras possibilita notar o discurso polarizador dos textos, com a representação negativa do atual atendimento de saúde e a representação positiva do modelo de humanização proposto para a assistência hospitalar. Tais palavras contribuem para a polarização geral do texto, diferenciando nitidamente os lados e os atores, em bons e maus.
É possível identificar nos documentos, por meio da seleção lexical utilizada, a necessidade, transmitida pelas autoras, de melhorar a qualidade dos serviços prestados. Neste sentido, os textos demonstram a humanização como a capacidade de oferecer atendimento de qualidade, articulando os avanços tecnológicos com o bom relacionamento.

3.3 Ideologia

As ideologias são as representações sociais utilizadas como base de conhecimento e atitudes dos grupos sociais. Os textos em sua íntegra apresentam a posição dos usuários e dos gestores com relação aos atendimentos prestados e recebidos na área da saúde, como visto no Texto 1, de Deslandes:

[...] Na avaliação do público, a forma do atendimento, a capacidade demonstrada pelos profissionais de saúde para compreender suas demandas e suas expectativas são fatores que chegam a ser mais valorizados que a falta de médicos, a falta de espaço nos hospitais, a falta de medicamentos (MS, 2000).
[...] Ministro da Saúde José Serra, ao identificar o número significativo de queixas dos usuários referentes aos maus tratos nos hospitais [...] (MS, 2000).

As representações positivas e negativas presentes nos textos apresentam a base ideológica do discurso. Do mesmo modo que a polarização semântica expressa e auxilia a construir modelos mentais, a polarização endogrupal e exogrupal presente nos textos demonstra a crença dos autores no tema debatido.
No início de ambos os textos já é possível notar a crítica das autoras em relação à falta de um conceito definitivo da humanização hospitalar, e ao longo do texto seus argumentos permitem chegar a conclusão de que para a implementação efetiva da humanização hospitalar, é necessária a definição de seu conceito.
As estratégias argumentativas também demonstram a ideologia das autoras, pois é por meio delas que é possível utilizar valores e princípios ideológicos. Como, por exemplo, no Texto 1, de Deslandes:
 [...] não seriam só precários, mas desrespeitosos e mesmo violentos os cuidados dispensados nos serviços públicos de saúde.
A proposta de humanização, ao sugerir a substituição das formas de violência simbólica, constituintes do modelo de assistência hospitalar [...]
Dessa forma, as coisas boas do modelo humanizado de assistência são enfatizadas por meio da topicalização dos significados positivos, pelo uso dos significados locais (os itens lexicais) e pelo fornecimento de vários detalhes das boas ações do modelo proposto, deixando as propriedades negativas do modelo atual explícitas, principalmente por meio do uso lexical.
A polarização dos argumentos em todos os níveis do texto expressam as atitudes e a ideologia das autoras, esses aspectos do discurso contribuem para a organização dos significados locais no texto, que em termos cognitivos significa que esta escolha pode influenciar os modelos mentais dos leitores.
Os modelos mentais representam as crenças pessoais e representações sociais, ideologia, atitude, conhecimento. Dessa forma, “os modelos mentais dos usuários da língua são o coração da interface que possibilita o contato entre os membros dos grupos sociais, as suas representações sociais, seus modelos mentais e finalmente o discurso de seus integrantes” (VAN DIJK, 2013 p.372).
Os textos apresentam informações necessárias para compreender que resgatar a humanidade do atendimento, numa primeira aproximação, é ir contra a violência, já que esta representa a antítese do diálogo, a negação do “outro” em sua humanidade.
No Texto 1 , a autora destaca a humanização como “oposição à violência, seja física e psicológica que se expressa nos ‘maus-tratos’, seja simbólica, que se apresenta pela dor de não ter a ‘compreensão de suas demandas e suas expectativas’” (DESLANDES, 2004).
As formas de violência simbólica também são destacadas em ambos os textos sob o ponto de vista negativo, apresentando algumas situações:

  • Longas filas.
  • Longa espera
  • Espaço de atendimento inadequado.
  • Número reduzido de profissionais atendendo.
  • Equipe despreparada.
  • Falta de informação ou informações erradas ou confusas.
  • Sinalização inadequada ou ausente.
  • Profissionais insatisfeitos e desmotivados.
  • Não reconhecimento das necessidades emocionais e culturais;
  • Isolamento;
  • Imposição de certos valores morais e comportamentos;

Nos dois textos, a proposta de humanização defendida, sugere a substituição das formas de violência simbólica, constituintes do modelo de assistência hospitalar, por um modelo centrado na possibilidade de comunicação e diálogo entre usuários, profissionais e gestores, busca instituir uma “nova cultura de atendimento”.
Dessa maneira, quando as autoras destacam tantas formas de violência simbólica, com o objetivo de revoltar os leitores, influenciam diretamente os seus modelos mentais, na percepção do atendimento humanizado, como uma melhora no serviço de saúde e um “resgate” do bom atendimento, conforme se observa no Texto 2:.
O que se percebe na área da saúde humana é a preocupação dos atores envolvidos em prestar ou receber atendimento de boa qualidade.
Os termos humanização, humanização da assistência hospitalar ou humanização em saúde já são de domínio público, embora haja certo “estranhamento” e resistência por parte de muitos profissionais da saúde em aceitá-los. O argumento principal é que a humanização é inerente à prática de quem cuida de seres humanos.
No entanto, as pesquisas de satisfação e insatisfação aplicadas aos usuários dos serviços de saúde no país apontam para a grande insatisfação da população com o atendimento prestado, enquanto as reportagens na mídia sobre o “estado da saúde” mostram um triste panorama nas organizações de saúde de nosso meio, salvo algumas relevantes exceções (MELLO, 2008, p.7).
O discurso tem caráter polarizador e deixa claro as necessidades e apreciações do endogrupo, em prestar e receber um atendimento de boa qualidade, embora demonstre resistência em aceitar esse novo conceito de humanização em saúde, apresentando como argumento principal o conceito de que a humanização é inerente à prática de quem cuida de seres humanos.

4. Inferências analíticas finais das autoras

Os dois textos abordam o mesmo assunto com enfoques diferentes, dessa maneira, o uso da análise crítica do discurso, considerando as macroproposições para as microproposições, permite perpassar pela construção do discurso. Assim, temos a percepção dos significados implícitos e explícitos, que quando escritos nos apontam a ideologia contida (A humanização como proposta para a substituição das formas de violência simbólica) e o jogo de poder entre os envolvidos na discussão (usuário, gestores e profissionais de saúde) da prática da humanização.
Como apontado na análise, a polarização dos discursos demonstra a estratégia geral da “representação positiva de si” e “representação negativa do outro”, enfatizando as coisas boas do tema defendido, a humanização da assistência hospitalar, e as coisas ruins do tema debatido, que é a atual assistência hospitalar. Com essa polarização, as autoras buscam demonstrar e despertar nos leitores, a necessidade de mudança da assistência hospitalar no país.
As crenças das autoras e suas ideologias estão presentes, principalmente na categoria dos significados locais, na escolha lexical do texto que, em termos cognitivos, contribui para influenciar os modelos mentais dos leitores. A seleção lexical de modo geral, contribui para a polarização do texto. Os significados locais são os mais lembrados e facilmente reproduzidos pelos receptores, logo possuem maiores consequências sociais.
Na análise realizada, observamos de que maneira os argumentos e escolha lexical podem influenciar os leitores, impondo as crenças, ideologias e intenções dos autores. As estruturas mentais definidoras das dimensões cognitivas do contexto consistem nas ideologias analisadas acima e nas opiniões expressas, ainda que implicitamente, ao longo do texto.
A defesa e representação positiva do atendimento humanizado são explícitas e feitas em todo o texto, apoiadas por falas de especialistas que refletem a necessidade, do ponto de vista deles, de sua implementação e maximização de seus benefícios. A exposição dos direitos violados e das violências sofridas, simbólicas ou físicas, impõe ao leitor indignação com o atual modelo de atendimento de saúde, especialmente ao contrastar com o modelo sugerido, humanizado, que supostamente resgataria a humanidade do tratamento.
Pelo fato da análise crítica do discurso estar interessada no poder, desigualdade social e dominação, como afirma Van Dijk (2013), é fundamental tal análise do discurso na humanização hospitalar, levando em conta os grupos, instituições e os atores sociais afetados pelo modo de organização e atendimento da atual assistência hospitalar.
Todo discurso é construído na inter-relação entre as práticas sociais e as práticas de linguagem, e a análise do discurso se atenta, dessa forma, em como seus aspectos formais e semânticos podem influenciar ou manipular os receptores. Somente por meio da análise do discurso, cognitiva e social é que é possível identificar seu papel nos níveis locais e globais, verificando as particularidades de cada discurso e o que realmente os autores buscaram dizer com os argumentos expostos.
Dessa maneira, o presente artigo espera contribuir com essa análise a partir da análise e reflexão do papel do discurso na humanização da assistência hospitalar.

Referências

BACKES, Dirce Stein; LUNARDI FILHO, Wilson D.; LUNARDI, Valéria Lerch. O processo de humanização do ambiente hospitalar centrado no trabalhador. Rev. esc. enferm. USP,  São Paulo ,  v. 40, n. 2, p. 221-227,  June  2006 .
BRANDÃO, Helena H. Nagamine. Introdução à análise do discurso. São Paulo: UNICAMP, 1994.
DESLANDES, Suely Ferreira.Análise do discurso oficial sobre a humanização da assistência hospitalar. Ciênc. saúde coletiva,  Rio de Janeiro ,  v.9, n.1, p.7-14, 2004.
MELLO, Inaiá Monteiro. Humanização da Assistência Hospitalar no Brasil: conhecimentos básicos para estudantes e profissionais. São Paulo, 2008. Disponível em: <http://hc.fm.usp.br/humaniza/pdf/livro/livro_dra_inaia_ Humanizacao_nos_ Hospitais_do_Brasil.pdf>. Acesso em: 16 dez. 2016
MINISTÉRIO DA SAÚDE. Secretaria de Assistência a Saúde. Programa Nacional de Humanização da Assistência Hospitalar. Brasília, DF: O Ministério; 2001
OLIVEIRA, Beatriz Rosana Gonçalves de; COLLET, Neusa; VIERA, Cláudia Silveira. A humanização na assistência à saúde. Rev. Latino-Am. Enfermagem,  Ribeirão Preto, v.14, n. 2, p.277-284, Apr. 2006.
VAN DIJK, Teun A.; MEDEIROS, Breno Wilson Leite; ANDRADE, Maria Lúcia C. V. O. Análise crítica do discurso multidisciplinar: um apelo em favor da diversidade. Linha D'Água, São Paulo, v. 26, n. 2, p. 351-381, dec. 2013. ISSN 2236-4242.

* Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Local – Universidade Católica Dom Bosco – UCDB, Campo Grande, Brasil; nurse.regina.775@gmail.com

** Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Local – Universidade Católica Dom Bosco – UCDB, Campo Grande, Brasil; lina_afowl@hotmail.com

*** Coordenadora e Docente do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Local – Mestrado e Doutorado - Universidade Católica Dom Bosco – UCDB, Campo Grande, Brasil; acdorsa@ucdb.br


Recibido: 22/08/2017 Aceptado: 07/09/2017 Publicado: Septiembre de 2017

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