Contribuciones a las Ciencias Sociales
Agosto 2011

A SUSTENTABILIDADE COMO DESAFIO NA CONJUNTURA SOCIOAMBIENTAL CONTEMPORÂNEA



Francisco Quintanilha Veras Neto (CV)
Bruno Cozza (CV)
César Augusto Soares da Costa (CV)
csc193@hotmail.com




RESUMO

O artigo pretende visa realizar uma abordagem da questão da sustentabilidade e suas implicações socioambientais ante à globalização. Assim, a exposição estabelece um breve debate acerca da questão da sustentabilidade num período de aprofundamento caótico da crise socioambiental apontando interfaces e seus desafios diante da ordem jurídica socioambiental pautada pelas relações geopolíticas do cenário atual.
Palavras chave: crise socioambiental, globalização, sustentabilidade.



Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:
Veras Neto, Bruno Cozza y Soares da Costa: A sustentabilidade como desafio na conjuntura socioambiental contemporânea, en Contribuciones a las Ciencias Sociales, agosto 2011, www.eumed.net/rev/cccss/13/

1 A CONJUNTURA E A GEOPOLÍTICA DISCURSIVA DA SUSTENTABILIDADE

O conceito de sustentabilidade é fadado a uma grande ambigüidade. Porém, a sua polissemia, paradoxalmente, não desconstitui os seus atributos utópicos e pragmáticos no campo das complexas demandas societárias ambientais contemporâneas. A história da sustentabilidade converge com o palco das demandas ambientais emergentes nos anos 70. Neste primeiro momento, o confronto era mais evidente por meio da visão neomalthusiana, que visava conter a superpopulação. A principal expressão desta corrente se dá como a Bomba Populacional, de Paul Erhlich com suas teses propagandeadas pelo Relatório do Clube de Roma (LEIS, 1999).
Do outro lado, surge a nova esquerda européia, resultante do movimento contracultural do maio de 68. Neste cenário histórico, brotavam outras variantes abrangendo diversos espectros ideológicos que resultaram na formação de ONGS, como o Greenpeace, nos anos70. Os partidos verdes, especialmente na Alemanha, nos anos 80, assim como outras vertentes e organizações com os mais variados espectros de ação, também são resultantes deste processo mais amplo de constituição das lutas ambientais.
A partir de uma perspectiva futura desenha-se um possível cenário de hecatombe ecológica promovida pela sociedade industrial capitalista e, anteriormente, pela sua congênere socialista real. O debate ambiental assume protagonismo devido ao tamanho da crise socioambiental sem precedentes que atinge o planeta. A crise ambiental da modernidade surge como questão fundamental a ser enfrentada pelo conjunto da humanidade (PINSKY, 2003).
Nos anos 80 e 90 surgem movimentos que caminham para a ação institucional e até para o “terrorismo ecológico”. Correntes inspiradas em certa leitura radical de combate à sociedade industrial, e mesmo na luta contra o uso de cobaias em experimentos científicos baseados em premissas do utilitarismo ético de autores como Peter Singer. Conseqüentemente, essas posições se embasavam, também, em experiências calcadas no neoanarquismo ecológico. As bandeiras de luta contra a poluição, em suas mais variadas formas, atingem o seu clímax após vários desastres ambientais e, neste momento, crucial e socioambientalmente deficitário no que tange à formação de uma consciência ecológica,  surge o reconhecimento da questão ambiental pela comunidade científica. Dentre estes incidentes, estão: Minamata (Japão), Bombaim (Índia), o uso do DDT com sua infiltração nas cadeias alimentares.
Mais recentemente, a redução da camada de ozônio, megaextinções e destruição da biodiversidade, provocada pela ação antrópica com expansão de atividades extrativas (minérios, combustíveis fósseis, madeira de florestas tropicais), agrícolas e urbanas são caracterizadoras do paradigma atual de consideração do meio ambiente. Michel Lowy sintetiza e demonstra a importância da ecologia para a percepção e conscientização acerca deste quadro desolador que ameaça a sobrevivência futura da humanidade.

A grande contribuição da ecologia foi – e continua sendo – levar-nos a tomar consciência dos perigos que ameaçam o planeta em conseqüência do atual modo de produção e de consumo: o crescimento exponencial da desertificação das terras férteis, a acumulação de dejetos nucleares incontroláveis, a ameaça constante de novas Tchernobys, a destruição em um ritmo acelerado de Florestas, o efeito estufa e o perigo de ruptura da camada de ozônio (que tornaria impossível toda vida orgânica no planeta) configuram um cenário de catástrofe que coloca em questão a própria sobrevivência da humanidade. Estamos enfrentando uma crise de civilização que exige mudanças radicais.  (LOWY, 2000)

As novas tecnologias agrícolas baseadas na mecanização e no uso de defensivos químicos, embora estejam acompanhadas de ganhos de produtividade, resultam, também, em uma modernização conservadora, que não gera segurança alimentar. A revolução verde não beneficia as populações pobres autóctones (ausência de reforma agrária e de outras medidas estruturais) que romperiam como o monoculturismo latifundiário herdado da colonização de exploração imposta pelo imperialismo eurocêntrico. O modelo econômico, privilegiado sob o enfoque da empresa rural (Estatuto da Terra- Lei 4504/64), reforça o novo modelo latifundiário do agronegócio, em que a agricultura monoculturista vicejará, nas décadas seguintes, seja a: da soja, do eucalipto, da cana-de-açúcar ocasionando severas fraturas socioambientais, que serão vistas por alguns como uma mera tendência produtiva de especialização espacial agrícola.
Outro efeito colateral dá-se especialmente devido à imensa redução da força de trabalho agrícola, que é orientada para o êxodo rural, necessariamente, criando grandes metrópoles sem nenhuma infraestrutura social. Em decorrência de tal processo, a substituição da mão-de-obra humana, promovida por um campo mecanizado, automatizado e voltado para demandas dos mercados agroexportadores que, ao procurar suprir o crescimento populacional e fomentar o desenvolvimento econômico, corrobora para a formação de superávits primários ditados pelas agências multilaterais sediadas em Washington.
No final dos anos 90, após mais uma década perdida, com severos retrocessos produzidos pelo fundamentalismo de mercado neoliberal (o Consenso de Washington, na verdade, Keynesianismo reacionário para o mercado), resulta no surgimento de novas representações políticas, que vão desde Ongs pragmáticas, ideológicas, clientelistas, até a formação de novos discursos ecosocialistas (LOWY, 2000).
O fundamentalismo neoliberal, com sua dogmática alçada ao papel de crença axiomática, defende a privatização total dos recursos naturais, como solução para a crise e estagnação econômica, apesar do nítido debilitamento contemporâneo do discurso único.
É claro que tais posições são derivadas de interesses a partir do controle de grandes corporações transnacionais sustentadas não pelo livre mercado, mas pelas doações do benevolente Estado “Gendarme/com seu keynesianismo pró-oligopólios”, que atua como modo social democrático de produção, dentro da teoria do antivalor, com intervenções anticíclicas, canalizando o fundo público para os oligopólios e deixando o setor concorrêncial primitivo sem este apoio. A economia contemporânea cria assim uma clivagem que resulta na geração de duas taxas médias de lucro, uma para o primeiro setor oligopolista e a outra que origina a formação de capitais e de capitalistas na esfera da concorrência primitiva (OLIVEIRA, 1998).
Na base ideológica neoliberal, o Estado dirige seu espírito repressivo ao povo, compondo-se de classes suspeitas que, potencialmente, poderiam se revoltar contra a miséria e atrapalhar o bom andamento da macroenomia. Outra corrente, talvez não tão radical, acredita em uma metamorfose, em um ponto de mutação em que seria viável criar um capitalismo verde, por meio da intercessão de uma nova mentalidade do mundo dos negócios e da sociedade civil organizada, se mantendo o foco do poder comunitário, da responsabilidade social das empresas e da ação filantrópica de Ongs/Fundações, o que se insere nas tendências da 3ª via (neoliberalismo supostamente mais “suave/ mesclado ao mote ideológico do social-liberalismo”, arquitetado sob as propostas da governança trabalhista da dupla Anthony Guiddens/Tony Blair).
Por sua vez, os ecossocialistas, amparados em um ecorealismo, afirmam a necessidade básica da construção de um novo Estado Ecossocialista, menos tecnocrático que o do socialismo real e capaz de superar o desafio social e democrático do pluralismo e interculturalismo, ao lado do desafio ambiental, mesmo não sendo possível à superação dos marcos capitalistas do discurso do desenvolvimento sustentável, propagandeado em conferências como Estocolmo (1972), Relatório Brundtland (1987), Eco Rio 92, Protocolo de Kyoto, Rio + 5, Rio + 10 (2002), e nos recentes painéis intergovernamentais sobre mudanças climáticas nos padrões do possível cenário de aquecimento global. Porém a nova dimensão ecossocialista precisa romper alguns mitos que foram partilhados com as doutrina liberais, especialmente o do progresso ilimitado, que resultou em uma liberdade conquistada pelo trabalho e pela técnica, à custa da degradação das condições socioambientais (LEIS, 1999).
A idéia de desenvolvimento sustentável, principalmente sob o foco de um planejamento participativo, busca a conjugação do crescimento econômico, da melhoria da qualidade de vida, do respeito ao meio-ambiente, da redução da lentidão tecnoburocrática, da conservação e do aproveitamento ético da biodiversidade, notando-se que, a falta do desafio de socializar a produção, de neoestatizar sob controle sócio-popular e de distribuir por mecanismos de tributação socioecologica vinculados aos programas socioambientais, ainda é a regra intrinsecamente institucionalizada socialmente. A possibilidade de um novo modelo implica, também, em respeito ao saber popular e comunitário, reduzir o viés incisivo do saber científico sem respeito às tradições e sem diálogo intercultural, viabilizando, por meio de um planejamento estratégico democrático, a participação a partir de um novo formato socioeconômico e, acima de tudo, ético, tendente a harmonizar as relações científicas, humanas e naturais.
Estes são traços respeitáveis de uma mudança que não pode ser simplesmente ignorada por uma visão utópica irrealizável dentro de moldes perfeitos. Desta forma, mostra-se importante à definição de Immanuel Warllerstein, quando define uma terminologia alternativa, ao não topoi representado pela visão tradicional de Utopia:
O que quero dizer com a palavra utopística, uma palavra substitutiva que inventei, é algo bastante diferente. Utopística é uma avaliação profunda das alternativas históricas, o exercício do nosso juízo para examinar a racionalidade substantiva de possíveis sistemas históricos alternativos. É uma avaliação sóbria, racional e realista dos sistemas sociais humanos, em que condições eles podem existir, e as áreas que estão abertas à criatividade humana. Não o rosto de um futuro perfeito (e inevitável) e sim o rosto de um futuro cujas melhoras sejam verossímeis e que seja historicamente possível (embora longe de ser inevitável). Assim é um exercício que ocorre simultaneamente na ciência, na política e na moralidade. (WALLERSTEIN, 2003)

Mas a sua realização, em uma sociedade de classes, baseada na acumulação e na ganância, torna-se cética sob o ponto da sua viabilização prática. Assim, a quebra do paradigma estaria sendo operada somente sob a camada de uma nova epistemologia.
Essa nova epistemologia do homo planetaris criaria uma falsa consciência, a exemplo, daquela do citoyen abstrato, da Revolução Francesa, que se vê solapado por uma democracia formal incapaz de eliminar as reais condições de reprodução material da desigualdade socioambiental, calcadas no sistema socioeconômico, com especial agravamento na periferia que não foi convidada ao desenvolvimento.O convite ao desenvolvimento da Europa do pós-guerra, assim como do milagre asiático, induzido por construções semelhantes ao plano Marshall, no sudeste asiático e no Japão formando um cordão sanitário anticomunista (ARRIGH, 2006).

O discurso ecossocialista, não acredita em uma planificação espontânea dentro do universo anárquico do mercado, em que a preservação da natureza se torna uma comoditie rentável, criada como interesse egoísta dentro da lei da oferta e da procura e de premissas ideológicas da economia política burguesa como a das vantagens comparativas. O ápice deste paradigma é a criação de operações de bolsas de valores originárias de um novo marco do mercado global de cotas de carbono, por outro lado, a crítica puramente negativa da economia neoclássica pela economia ecológica, também incorre em dificuldades de implementação prática de medidas, apesar de a crítica ser justa, pois ocorria uma inadequada internalização das externalidades ambientais pelos agentes corporativos do mercado capitalista.
Porém, é bom lembrar que a economia neoclássica supõe o comportamento de um homem racional baseado em uma racionalidade formal-egoística e na sua incapacidade de decisões éticas, o que é contrariado por autores de fora do campo crítico ou marxista como Amartya Sem (SEM, 1989).
A ação ativa do Estado, socializando a produção, regulando e fiscalizando com rigor as atividades predatórias ao meio ambiente propiciam, criativamente, o desenho de um cenário “utopístico” consistente, pois as demandas do quadro de barbárie socioambiental são urgentes e exigem soluções rápidas e viáveis em curto prazo. A ação estratégica do Estado, revelada, em algumas ações governamentais federais, no Brasil, ainda que extremamente limitada, demonstram a importância de um papel ativo do Estado na contenção dos danos ambientais.
Dentre estes danos, encontram-se aqueles resultantes da atividade mafiosa de madeireiros, da indústria de licenciamentos ambientais e, mesmo, da criação de um marco legal favorável a fraude ambiental por parte dos principais destruidores do meio ambiente, corroborando, assim, para a flexibilização da legislação ambiental vigente e sistematizando, mercadologicamente, a ação de empresários do setor do extrativista, além de outras indústrias poluentes, sem falar nos descalabros gerados pelos exíguos investimentos públicos preventivos, como os da área do saneamento e da despoluição de rios, baias, etc.
Não escapam empresas do setor turístico, imobiliário, industrial, setores do agronegócio, especialmente do setor açucareiro (usineiros), soja e laranja. Não se trata de uma demonização individual, mas uma crítica a perversão do sistema gerador de impunidade às atividades contrárias a chamada sustentabilidade ambiental, social e laboral, na medida em que muitos destes negócios se utilizam de trabalho escravo, permitindo a morte de trabalhadores devido às péssimas condições de trabalho, além de autorizarem a degradação ambiental em larga escala, inclusive, com modelos de arrendamento e terceirização de atividades das cadeias produtivas.
Não se trata da crença ingênua em um novo Leviatã, vingador e ecologicamente correto, mas na necessidade de garantir a eficácia social das leis ambientais que decorrem de mecanismos sócio-jurídicos. Essa nova orientação legitima-se, essencialmente, a partir do anseio popular gerado por uma sensibilização conscientizadora da urgência de combater e prevenir os danos socioambientais propiciados pelas demandas de uma esfera pública capaz de promover lutas sociais alteradoras da base do poder responsável pela hegemonia do capitalismo predatório.
Porém, os desafios descritos seriam imensos, tanto para a proposta democrática participativa de conscientização da esfera pública, assim como, para uma possível via autoritária dentro de uma concepção elitista burocrática:
Ainda que fosse possível imaginar uma substituição das atuais elites políticas por outras, disposta a ecologizar radicalmente as instituições, continua sendo difícil imaginar a legitimação dessas novas elites a longo prazo, como supõem implicitamente os autores mencionados. Para que um Estado centralizado e autoritário consiga ganhar legitimidade coma proteção ambiental, teria que produzir também importantes mudanças culturais, capazes de obrigar as atuais elites a postergar indefinidamente a satisfação de seus interesses imediatos. Em última instância, tal como é colocada por esses autores, a perspectiva burocrático-elitista enfrenta os mesmos problemas que a democrático-participativa, já que nos dois casos teriam que produzir-se condições materiais e culturais (impossíveis de prever no momento) capazes de permitir a legitimação de uma nova minoria (no primeiro caso) e de uma nova maioria (no segundo caso). Em política, as urgências devem considerar-se tanto do ponto de vista objetivo como subjetivo. Nesse caso, a urgência ecológica reclamada por esses teóricos, embora fosse considerada objetiva, nem por isso é percebida subjetivamente como tal pelas elites ou pela maioria da população. (LEIS, 1999)

A viabilização e a efetivação da sustentabilidade requerem premissas materiais, que somente podem ser atingidas por meio da transformação do papel do Estado e da burocracia que o instrumentaliza, assim como por seus principais agentes econômicos hegemônicos em uma economia privatizada. A transformação econômica deve se calcar em uma socialização da produção, uma democratização e conscientização dos consumidores de mercadorias, o que requer uma nova lógica do pensamento social e científico pautados agora por uma condução sistêmica e transversal das práticas socioambientais sustentáveis desfetichizadoras da lógica alienadora do sistema produtor de mercadorias. As mudanças não são efetiváveis através da premissa irrealista da supressão total do mercado, mas da criação de um mercado que não seja um fim em si mesmo, enfeixado, principalmente, por livres produtores capazes de reter a tendência de hegemonia lobista dos monopólios capitalistas com seus interesses particularistas, anticoletivistas e, geralmente, propensos ao suborno e a corrupção, além da reafirmação de um Estado não tão propenso ao controle de classes dominantes constituída pela ação de lobbies tecnocráticos, midiáticos e econômicos.
Em detrimento disso, surge o possível papel de uma ordem híbrida sob um prisma ecossocialista que viabiliza remodelar o papel do Estado que, sob o Império da Lei Sócioambiental (síntese de legislação ambiental, do consumidor, do trabalho), combaterá impiedosamente, mas não desumanamente e totalitariamente (ausência de garantias jurídico-processuais), as práticas desencadeadoras da barbárie socioambiental, salientando o fim do tratamento superficial dado à questão ambiental e o óbvio negligenciamento da questão social – umbilicalmente – ligada à afirmação desta questão:
Na pauta dos conflitos e discussões dos maiores problemas socioambientais, o cerne da problemática, entretanto, não é tratado, ou seja, mudanças drásticas nos valores morais e estilos de vida. Sempre transparece que arranjos setoriais e particularizados darão resposta à crise socioambiental generalizada que é conseqüência do modelo globalizado, e que requer sempre mais produção com mais estímulo ao consumo, gerando um processo de alienação do trabalho (substituição das relações humanas por relações entre mercadorias), com repercussão de interação sociedade-natureza, comuns aos padrões socioeconômicos de desenvolvimento das sociedades industriais, vem gerando também toda uma sobrecarga de impactos na dinâmica regenerativa e assimilativa dos ecossistemas. Enquanto isso, problemas referentes à perda da qualidade de vida de populações sem renda, sem saúde e sem educação são tratados superficialmente. (ALEXANDRE, 2003)

O controle social do Estado, o reforço da democracia participativa e a busca de tecnologias sustentáveis, sob o ponto de vista energético e da valorização do pluralismo multicultural positivo, contrário aos antimovimentos é, juntamente à valorização da dignidade humana, da vida, a possibilidade de emancipação a partir do combate às origens econômicas do sistema de produção, distribuição, circulação e consumo. Em uma abordagem capaz de diagnostificar os aspectos sociais, culturais e históricos das guerras, a valorização do cosmopolitismo anti-xenofóbico, assim como a criação de alternativas supranacionais, pelos movimentos que lutam por uma globalização alternativa, são vetores deste processo de transformação socioambiental: global e local.
Outros fatores seriam o reconhecimento da micropolítica (comunitarismo e municipalismo) como espaços sociais essenciais do desenvolvimento da vida cotidiana, da ampliação de políticas de renda mínima, de frentes de trabalho e de outras intervenções anticíclicas voltadas para a sustentabilidade ecossocialista (por exemplo, a bolsa floresta, não com o valor irrisório de hoje). Sem descartar os avanços pragmáticos  ocorridos nos campos da reciclagem, mas, reorganizando as camadas da população que recolhem o lixo rumo a sua emancipação e não a sua manutenção como lumpesinato da economia informal que é a tendência criada pelo neoliberalismo, a idéia insurgente de emancipação passa de uma concepção utópica para a possibilidade que se materializa como prática capaz de impulsionar a institucionalização de um novo paradigma. O redesenho do modelo tributário arquitetado para ser regressivo aos ricos, deve ser invertido, principalmente, por meio de práticas capacitadas pela auditagem e balanceamento socioambiental (com sistemas de certificação realmente plausíveis, criados e fiscalizados pela sociedade civil e não pelo mercado). Isto não implica na supressão da micropolítica do desejo, desde que a mesma não seja conduzida sob o prisma da violência violadora dos princípios de gestão social sustentável, heuristicamente idealizada sob uma perspectiva imagético utópica, não positivista.
Tais metas implicariam na efetivação social do Estado Sócio Comunitário Democrático Participativo Ecossocialista. O novo Estado seria planificador pelo seu dirigismo estatal e econômico, sempre participativo, capaz de englobar as esferas da produção, da circulação e do consumo, viabilizando-as em larga escala, no plano da produção, por meio do projeto de uma economia solidária de matriz ecosocialista, complementada por empresas de pequenos e médios portes baseadas em políticas de inovação e ideais socioambientais.
Estes novos mecanismos deveriam, também, ser ampliados por uma Justiça democrática, operacionalizada por um controle social e por mecanismos de fiscalização popular, realmente definidores da democracia inerente a perspectiva vinculada ao Estado de Direito Ambiental, combatendo os poderes econômicos e oligárquicos que tentam consubstanciar a ideologia neoliberal de mercado, destrutível a sustentabilidade socioambiental. A substantivização do sistema jurídico – realizado de forma democrática – visa à operacionalização da lei sob o prisma de uma maior eficácia social e da sua redemocratização não plutocrática, agindo de forma contributiva à socialização da Justiça como padrão essencial a realização de uma ecodemocracia.
O fortalecimento do sistema investigatório contribuiria para a sensação de redução da impunidade ocasionada pela desigualdade de classe, especialmente, no campo do acesso à justiça, que é elemento vital para a catarse social necessária a uma nova realidade social fundamentada na sustentabilidade socioambiental e laboral como fato jurídico, moral e político imprescindível à humanidade, com a redução da impunidade dos crimes socioambientais:
 Porque enfim é preciso lembrar que o crescimento, em princípio indefinido da economia (sempre é possível, teoricamente, acrescentar riqueza a riqueza) vem se chocando, cada vez mais, contra os limites, estritamente finitos, da ecologia. Vocês sabem que essas duas palavras (economia, ecologia) têm a mesma raiz etimológica: oîkos, em grego, é a casa. Ora, nossa casa, hoje, é o mundo. A economia é sua gestão eficaz; a ecologia, sua gestão duradoura. Mas justamente: a própria eficácia do desenvolvimento econômico, tão espetacular nestes dois últimos séculos, ameaça hoje sua durabilidade. Se os seis bilhões de seres humanos vivessem como vivem os ocidentais (com o mesmo consumo de água potável, de proteínas animais e de energias não renováveis), o planeta não agüentaria dez anos. A situação planetária é dramática, portanto: desde já (e desde há muito tempo) para os países mais pobres, porque sofrem com fome; a curto ou médio prazo para os outros (inclusive os ricos), porque a elevação ou manutenção do nível de vida deles se choca cada vez mais com os limites do planeta (SPONVILLE, 2005, p. 184)

Vejamos a seguir, os horizontes da sustentabilidade na conjuntura neoliberal.

2 A VIABILIZAÇÃO DA SUSTENTABILIDADE NA ATUAL CONJUNTURA DE RUPTURA COM O PARADIGMA NEOLIBERAL (CRÍTICA E CONCORDÂNCIA COM A VISÃO DE GAIA)

O desafio é imenso, as perspectivas de curto prazo são difíceis, mas o retorno do desejo de uma nova estrutura de desenvolvimento social é fundamental para a sobrevivência da espécie humana e de grande parte da biosfera que nos sustenta sob o vetor da totalidade socioambiental. A problemática implica na redefinição da mudança do próprio pensamento social que volta à formação de uma epistemologia alternativa a das ciências naturais definíveis, teoricamente, pela especificação objetiva de seu campo científico. Já no campo das ciências sociais, mesmo nas ciências sociais aplicadas, nos vinculamos a uma tradição calcada no ideário do progresso assentado na acumulação capitalista.
Neste sentido, Pierre Bordieu exemplifica com a questão do saber sociológico com sua epistemologia fora dos marcos científicos das ciências naturais, questão, também importante para a elaboração de uma nova epistemologia jurídica reformulada através da reinvenção hermenêutica de uma nova tradição epistemológico-jurídica, “[...] Além disso, o sociólogo [...] quando se volta para o passado teórico da sua disciplina, encontra não uma teoria científica constituída, mas uma tradição [...]” (BOURDIEU, 2000, p. 39). Os riscos do rompimento do equilíbrio ecológico pela ação humana, afirmados anteriormente, especialmente pela condução econômica das nações capitalistas ricas e do sistema de exploração econômica que subjaz ao sistema de acumulação reinante no mundo, tornam o desafio socioambiental imenso, mas não impossível. O que se almeja é a mudança da mentalidade e da cultura jurídica, que se inicia por uma nova epistemologia, uma nova teoria do conhecimento que seja internalizada e aplicada na concretização da justiça.
Porém, o pragmatismo não implica em nossa opinião num destino fatalista e passivizador como o programado, por Lovelock, brilhante criador da hipótese de Gaia, junto com Lynn Margulis. Com relação à citação seguinte deste autor, surge uma óbvia concordância com a primeira parte de sua exposição, ou seja, com a busca da redução e mesmo da eliminação do uso de combustíveis fósseis e de ultra-eficientes de diodos emissores de luz branca. A questão de indústrias como a do “ecoturismo” também são difíceis, e, neste contexto, os argumentos de Lovelock também são paradoxais, pois podem promover o incentivo ao uso de formas de transporte poluentes e de práticas consumistas degradantes.     Por outro lado, um modelo de crescimento zero ou totalmente regressivo da Deep Ecology, ao menos à curto prazo, seria provavelmente insustentável. Sabendo-se  que crescimento com ganhos de produtividade, sem repartição do “bolo”, também, pouco significam, ou significaram no que concerne à tradição econômica antidesenvolvimentista das décadas anteriores, marcadas pelo “milagre econômico”, acentuadamente ufanista e publicitário, ditado no auge do período militar e seguido pela década perdida da dívida externa (anos 80) e a década perdida da epopéia neoliberal.
 Os economistas e políticos precisam conciliar com urgência de uma cessão rápida e controlada de emissões de queima de combustíveis fósseis com as necessidades humanas da civilização. O crescimento econômico é tão viciante para o corpo político como a heroína para um de nós. Talvez tenhamos que controlar a ânsia mediante um substituto mais seguro, uma metadona econômica. Volto a dizer que o telefone celular, a Internet e o entretenimento dos computadores são passos na direção certa. O tempo e a energia que lhes dedicamos poderiam estar sendo gastos em viagens de carro ou avião. Além disso, existe a tecnologia da informação e o uso eficiente de energia: por exemplo, os ultra-eficientes diodos emissores de luz branca (WLEDS) para ver à noite... (LOVELOCKE, 2006, p. 142).

As mudanças ocorridas na periferia da América Latina, em países como Venezuela, Bolívia e Equador exprimem, alternativamente, a ruptura gerada pela miséria e pela barbárie decorrentes da fratura social advinda da ação das milícias econômicas fundamentalistas neoliberais atuantes nas décadas passadas. Esse período terrível da história social recente, foi marcado por programas de privatização e austeridade fiscal anti-sociais, que resultaram na ascensão de problemas sociais quase insolúveis, como a expansão dos antimovimentos sociais dentro do varejo (narcotráfico) e de oligarquias mafiosas no atacado (andares superiores da sociedade [especialmente, parte do empresariado e setores necrosados do Estado]). Esta primeira metástase era fortalecida pela deficiência imunológica nascida do espessamento da sepsemia oriunda do caldo social de desemprego, da informalidade e da degradação da rede produtiva industrial já incipiente, na medida em que era resultante dos pálidos ciclos de substituição de importações no quadro das duas grandes guerras mundiais do século passado.
Nos anos 90, este quadro foi agravado por políticas do Estado Mínimo para a área social que resultaram no aumento da informalidade, assim como, pelo agravamento da financeirização econômica característica do endividamento público (política de juros estratosféricos) e transferência de renda para bancos (caso do Proer, obra prima do período da financeirização neoliberal).
Os movimentos sociais caminham para uma possível reversão do quadro de injustiça social reinante nos pólos mundiais periféricos identificados por um agravamento da barbárie socioambiental, especialmente na América Latina, reconhecida pela ausência de reforma agrária de matriz capitalista (EUA, Japão, Taiwan), incapaz de realizar, devido à ação de suas elites oligárquicas importadoras de bens voluptuários, a construção de um modelo socioambiental satisfatoriamente vinculado não só a necessidade da população, mas, também, garantidor da homeostase ambiental.
Após esta prévia reflexão acerca da conjuntura sócio-política reinante em Gaia, com uma pequena incursão, na ordem sócio-política da América Latina, torna-se fundamental a discussão de alguns princípios arregimentadores da ordem sócio-jurídica ambiental, especialmente, do princípio da cautela, que vêm fazendo jus à intervenção na grave questão socioambiental contemporânea pelo seu enfoque preventivo em face à incerteza e da possível irreversibilidade das mudanças provocadas pela ação antrópica do sistema produtor de mercadorias.
Seguindo a trilha de nossa reflexão, abordaremos os princípios ambientais na busca do novo paradigma intergeracional.

3 OS PRINCÍPIOS AMBIENTAIS (EM BUSCA DE UM NOVO PARADIGMA JURÍDICO INTERGERACIONAL PAUTADO NA INCERTEZA ACERCA DAS PROBABILIDADES DA AÇÃO HUMANA)                  

Antes de adentrar ao princípio da cautela cabe uma apreciação básica sobre os cuidados do homem com o meio ambiente. Desta forma, atuando de forma preventiva, ocorre a diminuição das possibilidades da degradação ambiental.
No ambiente, como na questão da saúde, é preciso ter uma postura mais voltada para o preventivo do que para o corretivo. Da mesma maneira que é mais fácil e mais econômico prevenir-se das doenças do que curá-las, na natureza certamente é bem menor o custo da prevenção de acidentes ecológicos e da degradação generalizada do ambiente, do que corrigir torna-se imperativa a elaboração dos diagnósticos ambientais, para que se possa elaborar prognósticos, e com isso estabelecer diretrizes de uso dos recursos naturais do modo mais racional possível, minimizando a deterioração da qualidade ambiental. (ROSS, 2005, p. 16)

O direito como ciência social aplicada submete-se a máxima dos saberes históricos de outras ciências sociais. A sua suposição, meramente técnica, ampara-se em axiomas interpretativos, marcados pela subjetividade e ditada pelo politeísmo dos valores.
O posicionamento jurídico funda-se em uma tradição hermenêutica dominante com matrizes escalonadas, sujeitas a rupturas pela insurgência de novos valores sociais que conformam novas máximas e princípios vinculantes, que se tornam sujeitos à ponderação no seu momento de concretização, abrindo caminhos sob os postulados ortodoxos da dogmática jurídica que acaba por tirá-la da inércia prisioneira da manutenção dos interesses do status quod ou da própria rigidez e acomodação burocrática típicas da racionalidade jurídica formal agravada pela cultura clientelista de matriz periférica. Como saber eminentemente conservador, mas capaz de reposicionamento garantista e crítico, o direito abre-se aos novos clamores e pressões sociais. A própria “nova” dogmática jurídica ambiental luta pela sua afirmação constitucionalizadora, atrelando-se ao seu posicionamento constitucional como garantia fundamental pétrea de 3ª dimensão sob um enfoque hermenêutico histórico-sistematizador.
A conscientização da esfera pública no âmbito nacional e transnacional remove camadas do pensamento conservador e torna possível a apreciação e a construção de novas demandas sócio-jurídicas atreladas aos novos imputs sociais. A possibilidade da conquista de espaços sociais dialógicos, apesar das barreiras do núcleo conservador do senso comum e da pressão plutocrática conservadora da esfera midiática atrelada à hegemonia das oligarquias nacionais, retarda um processo idealizado a partir de uma democracia participativa consubstanciada em uma “Constituição Cidadã.” Este é o verdadeiro quarto poder social mantedor da ética do rebanho, capaz de eliminar a luta pela construção da cidadania sócio-jurídicaambiental.
A nova epistemologia jurídica provavelmente internalizará uma dinâmica reconhecedora dos processos de entropia e de não equilíbrio da natureza e, esta nova lógica, diferenciada da física Newtoniana e do método cartesiano, caracteriza-se pela complexidade e pelo princípio Eisenbergiano da incerteza, que começa a penetrar na consciência jurídica autorizando a adoção de novas práticas sócio-jurídicas fundamentais para a tutela ambiental desconstituidoras de antigas verdades jurídicas advindas do pensamento evolucionista e da tradição justificadora do presente, através de uma releitura seletiva e conservadora da tradição jurídica passada. Essa a tutela social transformadora e a cautela intergeracional são, devido às probabilidades de danos irreversíveis, necessariamente submetidas a uma densa filtragem constitucional e infraconstitucional efetivável pela doutrina e jurisprudência.
A visão de Prigogine exprime em parte essa tendência assimiladora da nova epistemologia reinante nas ciências naturais. Apesar dos óbices heurísticos advindo do transplante de metáforas do reino das ciências naturais para o das ciências culturais aplicadas, como o direito, é que se evidencia tal explicitação:

De fato, ao longo das últimas décadas, nasceu uma nova ciência, a física dos processos de não equilíbrio. Esta ciência levou a conceitos novos, como a auto-organização e as estruturas dissipativas, que são hoje amplamente utilizados em áreas que vão da cosmologia até a ecologia e as ciências sociais, passando pela química e pela biologia. A física do não-equilíbrio estuda os processos dissipativos, caracterizados por um tempo unidirecional, e com isso, confere, uma nova significação à irreversibilidade [...] (PRIGOGINE, 1996, p. 11)

Não se pode ignorar, no contexto atual, a presença de movimentos sociais ambientalistas, sem terra, sem teto e mesmo os movimentos sociais antiglobalização que estiveram nas várias edições do Fórum Social Mundial exprimindo mudanças sociais necessárias para a transformação efetiva de uma nova ordem social e ambiental globais, significativamente, mais justas, num patamar “eco-humanocêntrico”. O transcendentalismo dos limites biocêntricos da deep ecology, inserindo homem e natureza como sujeitos de direito, faz com que a superação da concepção fetichizadora da natureza, vista como mero objeto reificado, atenda as novas premissas humanitárias, menos abstratas que as concepções formais e discursivamente universalistas dos direitos fundamentais que não alcançam, a sua real efetivação social, em uma ordem capitalista excludente.

Enganam-se aqueles que os desdenham como retrógrados ou utópicos. Suas demandas têm substância. A compreensão e a análise de suas ações e pautas reivindicatórias deveriam interessar a todos que sonham com uma sociedade sem desigualdade e com justiça social, ou seja, com um novo tipo de modelo civilizatório que respeite as diversidades culturais dos povos e nações, sem submeter-se a nenhuma delas, pois cada uma contém seus imperativos constrangimentos étnicos, religiosos e raciais. Quando os desequilíbrios econômicos regionais se exacerbam face às regras do mercado mundial; as injustiças sociais não diminuem, tendendo a se perpetuarem; os princípios do direito e as formas jurídicas consagradas se enfraquecem face ao submundo de crimes organizados, drogas, impunidades etc.; e os imperativos culturais locais não resistem à uniformização das políticas globalizantes; forma-se o caldo da desordem e do caos, podendo vir à tona, facilmente os fundamentalismos, os fatalismos, fobias, tribalismos, nacionalismo intolerantes etc. Portanto, nas demandas do movimento antiglobalização podemos encontrar caminhos e possíveis soluções para o futuro, e não problemas, como os que o combatem afirmam, a priori. (GOHN, 2003, p. 50)

O dilema da luta contra a degradação ambiental, sem a luta social dirigida por estes grupos, encontra barreiras no próprio sistema-mundo descrito por Immanuel Wallerstein, especialmente pelos seus impactos no sistema de acumulação baseada no lucro, sob o enfoque capitalista e anárquico dirigido teologicamente para a acumulação. Nesta abordagem predatória, centrada no propósito da acumulação, as empresas estão certas, e querem transferir custos da externalização (sujeira e degradação ambiental), para o Estado, para outros países pobres (exportação da poluição) ou o seu deslocamento e para os demais contribuintes. Assim, prevalece à alternativa da inércia, devido à impopularidade das soluções anteriores, adotadas como mote dominante, o que possibilita a condução ao colapso. A solução passa por uma reestruturação social mais ampla, que ultrapasse a lógica egoísta do mercado e da externalização dos custos ambientais (WALLERSTEIN, 2002, pp. 116-121). A espera passiva pela adoção de soluções ambientais espontâneas por todas as cadeias produtivas industriais é ingênua, embora esforços, neste campo, venham sendo conduzidos até mesmo com algum êxito por algumas empresas.Embora o marketing ecológico possa ser mais forte que a sua real implementação, e isto comprova a importância da fiscalização pelos órgãos ambientais e de implementação da legislação pelos juízes e tribunais, assim como a busca da justiça ambiental (ACSERALD) e a legitimação de práticas da justiça dos pobres. (ALIER, 2007)
Nós temos espaço para a realização de mudanças urgentes e a ordem jurídica deve atuar com base em sua exemplaridade fundada na lógica preventiva, da cautela e da prudência. O mecanismo jurídico para isto é o da responsabilidade civil por danos ambientais que, ao transcender a lógica capitalista da sociedade contemporânea, vislumbra certa proteção jurídica ao meio ambiente.
A responsabilidade civil por danos ambientais surge neste contexto com o desafio de superar as contradições da sociedade contemporânea, tornando-se, por um lado, instrumento de desenvolvimento sustentável, pois atua na forma de produção e geração de riscos ambientais, e, por outro, com a função de discutir a relação de apropriação dos recursos naturais, o que faz mediante o reconhecimento da reparabilidade do valor intrínseco da Natureza. Amplia-se, então, a noção de dano, não mais redutível à perspectiva individualista do dano privado, gerado por intermédio da degradação ambiental, e busca-se reparar a qualidade inerente dos elementos naturais, indispensáveis ao equilíbrio ecológico planetário e à sobrevivência das gerações futuras, humanas ou não. (STEIGLEDER, 2004, p. 187)

O direito ambiental, em um sentido amplo, deve ambientalizar os demais ramos do sistema jurídico, especialmente, por meio de seus princípios fundamentais, tais como: meio ambiente ecologicamente equilibrado como direito fundamental da pessoa humana;  princípio da natureza pública da proteção ambiental; princípio do controle do poluidor pelo poder público; princípio da consideração da variável ambiental no processo decisório das políticas de desenvolvimento; princípio da participação comunitária; princípio do poluidor-pagador (PPP); princípio da função sócio ambiental da propriedade; princípio do direito ao desenvolvimento sustentável; princípio da cooperação entre os povos e os princípios da precaução e da prevenção, sendo este último, de suma importância para a prevenção das atividades danosas ao meio ambiente.
Os dois princípios, embora relacionados, devem ser diferenciados. O princípio da precaução recomenda ponderação  das preocupações ambientais e cautela diante dos perigos desconhecidos, mas prováveis, recomendando estudos científicos que busquem a correta dimensão destes perigos a fim de informar processos decisórios no planejamento ambiental, com vistas à manutenção da poluição em um nível tão baixo quanto possível, a redução dos materiais residuais, a proibição da deterioração significativa do ambiente e à triagem de novos produtos. (REHBINDER, 2004, p. 188)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A questão do debate acerca da sustentabilidade ecológica demanda uma longa discussão que envolve a reflexão em torno dos modelos de desenvolvimento, dos estilos de vida e de escolhas éticas nos campos do trabalho, da socialização produtiva e do consumo, assim como, alternativas no lugar de escolhas de mercado com seus fundamentos neoclássicos – desconsideradores – de uma racionalidade substantiva de cunho ético essencial para superar o desafio socioeconômico e ambiental. Exige-se do novo cenário, a deflagração de difíceis escolhas que se defrontam com o combate ao sistema de acumulação capitalista, exigindo um conjunto de ações que se chocam com imensos interesses corporativos, políticos, ideológicos, sociais e ambientais.
O combate à opção neoliberal, a parceria com movimentos sociais, a sensibilização da esfera pública são alguns dos dados necessários a densificação destas reflexões epistemológicas e praxiológicas. Neste contexto, um novo modelo de sociedade sustentável transcende a retórica banalizada do desenvolvimento sustentável construído em Estocolmo, na Eco-Rio 92, etc. Apesar de seu caráter limitado, o discurso da responsabilidade ambiental das empresas sob marcos estritos da Agenda 21, não consegue ser minimamente efetivado em detrimento de implicar na internalização das externalidades ambientais que comprometem as margens de lucro no processo de acumulação capitalista, exigindo não só a democratização da democracia, mas também, da produção e do consumo como base em uma sociedade sustentável.
Os avanços científicos da sustentabilidade não serão sinergéticos sem avanços na compreensão das bases estruturais e simbólicas de uma nova arquitetura social. Esta nova abordagem deve incluir o remodelamento não sob o prisma fiscalista-neoliberal das reformas estruturais acertadas pelo multilateralismo, do Consenso de Washington, mas, necessariamente, pelo primado ecossocialista de um novo modelo societal sustentável. O desafio está na transformação ecossocialista, não totalitária das instituições, incluindo o seu marco normativo, sem a supressão de garantias fundamentais centradas no marco Estatal e ético.
A nova proposta inclui uma dinâmica permanente, conservadora dos direitos e da sua efetivação de forma pétrea e substantiva. Dessa maneira, a proposta deve almejar setores da totalidade social, compreendendo o Estado, a comunidade, o espaço de produção, a circulação do consumo e a esfera familiar. Daí, o enfoque dado às propostas mais radicais, que não fracionem a questão socioambiental, como a nova dimensão trazida pela proposta ecossocialista que observa o plano da totalidade, devem ser pautadas sob o ideal do não retrocesso no campo da alteridade e da complexidade das questões socioeconômico-ambientais. O instrumental jurídico da responsabilização civil pelos danos ambientais juntamente com o uso dos princípios de Direito Ambiental não transcendem a atual crise ambiental, mas, ao menos, tornam-se importantes mecanismos de manejo da luta pela cidadania socioambiental, simbolizando possíveis meios que corroboram a conduzir a luta pela efetivação “utopística” de uma nova sociedade realmente sustentável, ancorada sob a institucionalização de marcos ecossocialistas.

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