Contribuciones a las Ciencias Sociales
Junio 2011

ASPECTOS SOCIAIS E SUBJETIVOS NA REPRESENTAÇÃO DA MORTE: IMPLICAÇÕES LABORAIS AOS PROFISSIONAIS QUE LIDAM DIARIAMENTE COM A MORTE



Eva Vilma Muniz de Oliveira
evavilmamuniz@yahoo.com.br




RESUMO

Este artigo tem como objetivo analisar as representações sobre a morte de profissionais da área da saúde que atuam em um setor onde a morte é eminente, o setor de hemodiálise. Busca-se ressaltar aspectos sociais e do trabalho, dimensionando o subjetivo, sendo assim, questionou-se quais são as conseqüências desta representação para o seu cotidiano de trabalho e quais são as suas reações emocionais diante deste acontecimento. Este artigo oferece contribuições às ciências sociais e à área da saúde. Com este intuito, foram realizadas entrevistas semi-estruturadas com nove técnicos em enfermagem da Clínica de Doenças Renais, em uma cidade do Estado de Minas Gerais, Brasil. Percebe-se, através dos relatos dos entrevistados, que o binômio vida/morte sempre perpassa o discurso dos profissionais. Sabe-se que a hemodiálise é um tipo de tratamento que coloca em questão a possibilidade de morte do paciente a todo instante. Sendo assim, atenta-se para a relação enfermeiro-paciente numa perspectiva ora de humanização ora de racionalização das emoções. O morrer pode vir acompanhado de crenças na finitude da existência ou na possibilidade de continuidade da vida após a morte. A rotina, o dia a dia e o cumprimento dos procedimentos acabam mascarando a vivência dos sentimentos ligados à perda de um paciente. A morte do paciente muitas vezes implica em sentimentos de culpa, impotência e tristeza para os enfermeiros, favorecendo o surgimento de uma série de mecanismos de defesa para lidar com o fato.

ABSTRACT

This article aims to analyze the representations of the death by the health care professionals who work in an sector where death is imminent, the hemodialysis unit. It aims to highlight the social aspects and work, introducing the subjective. In this way so wondered if what are the consequences of this representation for your daily work and how will be their emotional reactions before this event. This paper offers contributions to the social sciences and health care area. To this end, we conducted semi-structured interviews with nine auxiliars in nursing Clinic of Renal Diseases in a city in Minas Gerais, Brazil. It can be seen, through the reports of respondents, the dialetic life/death always permeates the professional discourse. It is known that hemodialysis is a type of treatment which establish the possibility of patient death at any moment. Thus, calls attention to the nurse-patient relationship from a perspective of humanization and for the rationalization of emotions. The death may be accompanied by belief in the finitude of existence or the possibility of continuity of life after death. The routine, day to day and the compliance with the procedures end up masking the experience of feeling linked to the loss of a patient. The death of the patient often results in feelings of guilt, helplessness and sadness for nurses, promoting the emergence of a number of defense mechanisms to deal with the fact.

PALAVRAS-CHAVES: Representação da morte; Binômio vida/morte; Mecanismos psicológicos e sociais de defesa.



Para citar este artículo puede utilizar el siguiente formato:
Muniz de Oliveira, E.V.: Aspectos sociais e subjetivos na representação da morte: Implicações laborais aos profissionais que lidam diariamente com a morte, en Contribuciones a las Ciencias Sociales, junio 2011, www.eumed.net/rev/cccss/12/

1-INTRODUÇÃO

Sabe-se que, em qualquer setor de um hospital ou clínica para tratamento de pacientes crônicos, os profissionais estão freqüentemente enfrentando situações de dor, angústia e morte.

A sala de hemodiálise é um destes ambientes uma vez que os pacientes nela atendidos estão constantemente lidando com a possibilidade de sofrer intercorrências em seu estado e vir a óbito.

Nesta situação difícil e delicada, os profissionais necessitam lidar com uma série de emoções que remetem ao vínculo estabelecido com o paciente e também com questões relativas à sua própria finitude.

Muitas vezes não se fala sobre as emoções neste tipo de ambiente. Principalmente sobre as emoções diante da perda, da impotência e da morte. Sabe-se que os profissionais lidam com uma série de mecanismos psicológicos de defesa que os ajudam a burlar suas vivências afetivas.

Por outro lado, existem também aqueles profissionais que falam sobre a morte e colocam-se diante dela utilizando crenças religiosas que dão um novo contorno para o enfretamento da mesma.

Este trabalho visa, através de entrevistas realizadas em um trabalho de campo, analisar as representações que os profissionais técnicos em enfermagem, atuantes na hemodiálise, fazem sobre a morte; quais são as conseqüências desta representação para o seu cotidiano de trabalho e quais são as suas reações emocionais diante deste acontecimento.

2. OS PROFISSIONAIS DE ENFERMAGEM FRENTE À MORTE

É instigante pensar o que leva uma pessoa a se dedicar a uma profissão em que diariamente estão presentes a doença, a dor, o sofrimento e a morte. Estes profissionais estão destinados a vivenciar situações que requerem muito de si mesmos, que os trazem uma sobrecarga psíquica considerável.

Uma das respostas diz respeito à necessidade de compartilhar sentimentos como amor e compaixão que caminham lado a lado no cotidiano do trabalho. Os cuidados vão além dos procedimentos e os profissionais são destinados a entender o paciente como um todo e compreender suas atitudes de repulsa, de gratidão e até mesmo de inveja pela sua saúde.

Outra possibilidade diz respeito à necessidade de reconhecimento que o profissional precisa experimentar pela via de sua profissão. Através da gratidão do paciente e da sua família surgirá o reconhecimento no cuidado prestado ao doente.

É importante ressaltar também que esta escolha tenha sido um mecanismo de sublimação onde, em situações de difícil manejo, para realizar determinadas atividades e atos, os profissionais serão reconhecidos e farão com que estas ações sejam transformadas em desejo próprio, onde a carência evitará o desprestígio e se tornará fascinação. É como se os sofrimentos psíquicos dos profissionais se transformassem em prazer no trabalho.

Independente do motivo percebe-se que o ambiente de trabalho destes profissionais traz para os mesmos uma grande sobrecarga psíquica, exigindo que seus superiores estejam atentos às mudanças nos seus comportamentos. Pitta (2003, p.65) afirma que: “O risco de ser invadido por ansiedade intensa e incontrolada está presente na própria natureza do trabalho e certamente atenuada ou estimulada pelo próprio processo tecnológico do trabalho no hospital.”

Segundo Quintana e Arpini (2002, p.47): “A possibilidade de morte é excluída da vida hospitalar.” Isso exige que o profissional crie mecanismos de adaptação e de defesa para suportar o que vive no seu cotidiano de trabalho.

Leff (2000, p.40) defende que: “[...] o modo como cada um reage à morte parece estar relacionado com a história de vida pessoal de cada um, do momento particular que cada um atravessa, de como elaborou as perdas passadas, os sonhos, os projetos de vida [...]”

Quintana e Arpini (2002, p.47) reafirmam: “[...] o profissional de saúde se depara não somente com suas limitações como profissional, mas também com sua vida e, portanto, com sua própria morte.”

Vida e morte são opostos que se atraem para o paciente e também para o profissional que o assiste. Quanto mais os investimentos na vida de ambos forem produtivos e prazerosos, melhor lidarão com sua finitude. O profissional deve pensar que esta questão também influencia nos seus comportamentos diante das intervenções junto ao paciente crônico.

Paes (2003, p. 10) afirma em seu estudo: “ [...]um dos medos que nós, seres humanos, possuímos é de estarmos sozinhos neste momento e não termos ninguém que alivie essa dor da solidão.” Os doentes tem uma necessidade de ter uma pessoa em quem confiar, dividir, ouvir, reclamar pois se sentem sozinhos e fracos diante da doença. Muitas vezes, o profissional de enfermagem é quem vai estar neste lugar de escuta podendo possibilitar consolo ao paciente.

Todo paciente acredita em sua melhora e se firma em um profissional a quem possa criar um laço firme e contínuo, fazendo continuar sua própria caminhada. Kubler-Ross (1969, p.265) afirma que: “Qualquer que fosse o estágio da doença, quaisquer que fosse os mecanismos de aceitação usados, todos os nossos pacientes mantiveram, até o último instante, alguma forma de esperança.” O que o faz feliz, é quando recebe cuidados humanos e dignos, nascendo ali uma admiração profunda e, portanto será o que ele levará para sua residência ou

Silva e Ruiz (2003) afirmam que a perda de um paciente para o profissional pode representar uma forte impotência diante dos cuidados prestados e grande derrota para com a morte, visto que, para o enfermeiro, o importante é estar salvando vidas. Será com imensa dificuldade que o profissional participará do processo de morte do paciente se não for preparado. Caso isso ocorra, são criados vários mecanismos de defesa para lidar com o cotidiano árduo da profissão: evita-se uma proximidade com o paciente, trata-os de maneira uniforme desrespeitando suas singularidades em relação ao tratamento; mantêm-se um distanciamento afetivo configurando uma impessoalidade na relação.

A morte é representada por cada um de nós de uma maneira específica. Será necessário que o profissional respeite o tempo, os limites e principalmente a crença de cada paciente. É notável quando este possui alguma crença religiosa, o processo de morrer se torna mais ameno, menos doloroso e a aceitação se torna mais fácil. Tápia e Silveira (1993, p.97) evidenciam que: “[...] a importância psicológico-existencial do fenômeno da fé, particularmente numa situação existencial limite”.

Portanto, é de suma importância que o profissional de enfermagem se prepare e se dedique ao paciente nos momentos finais compartilhando com ele suas angústias, seus silêncios, suas dores e suas alegrias, isso é uma atitude de humanização. Boemer (1986, p.108) diz: “(...) que nesse momento [da morte] o que não é expresso no discurso verbal, o é no discurso do silêncio”. Para isso, é preciso ser sensível àquilo que o outro fala quando se cala.

3. A MORTE NA HEMODIÁLISE

O processo de terapia substitutiva renal tomou nova e progressiva conotação diante de toda a tecnologia empregada na melhoria da qualidade dos procedimentos. As máquinas são modernas e bastam quaisquer anormalidades para que automaticamente seja acionado um sinal de alerta. Qualquer falha humana poderá ser fatal para o tratamento, fato este que imprime uma maior dedicação dos profissionais ao seu trabalho.

O cuidado ao paciente portador de uma doença renal crônica deve envolvê-lo na sua totalidade como ser biopsicossocial. Este apontamento é importante, pois se sabe que as doenças, em sua grande maioria, estão relacionadas a uma somatização do paciente. O doente renal crônico deve cuidar de si e ter cuidado intenso com seu rim. É necessário que o cuidado prestado a este não seja voltado somente para o órgão específico, mas que envolva todo o seu ser.

É importante avaliar a forma como o paciente lida com sua doença e como ele se vê diante dela. Alguns deles encaram a forma de cuidado e tratamento positivamente, com satisfação, felicidade e gratidão uma vez que, se não houvesse esse processo, não teria como viver. Outros se atrelam a angústias, tristezas, medos e desejam a morte como solução de todos os problemas.

Pode-se dizer que alguns buscam sua própria morte, não respeitando as regras impostas pelo tratamento da diálise. Como nos afirma Diniz in Lima e Santos et al (2004, p.373): “ Ao receber o diagnóstico de insuficiência renal crônica, a pessoa ‘deve’ assumir uma condição imposta pela realidade de um ‘ser doente’”. Grande parte de suas vidas giram em torno da doença e da esperança do transplante que, para eles, seriam a solução da diálise. Porém, o tratamento continua, mas de forma diferente, uma vez que, a doença renal crônica instalada não tem cura.

Os problemas psicológicos mais comuns que surgem nos pacientes submetidos à terapia substitutiva: depressão (incluindo suicido), comportamento não cooperativo, disfunção sexual e reabilitação. Quando o paciente se conscientiza que o problema de saúde que o cometeu é de natureza crônica, se torna muito difícil sua aceitação e, conseqüentemente, sua reabilitação. Muitos resistem ao tratamento, mas conseguem estabelecer critérios para sua nova vida e outros se entregam por medo da dor, da solidão e das mudanças que o corpo irá sofrer. (LEVY in DAUGIRDAS e ING et al, 1991)

Os profissionais de enfermagem convivem com o sofrimento psíquico dos pacientes mais de perto e podem, em alguns casos, criar um laço de envolvimento do profissional com o doente estabelecendo uma interação que ora se destina ao cuidado e ora a amizade conquistada naquele espaço.

O empenho no trabalho requer que o paciente reaja aos cuidados prestados pela equipe. Muitos profissionais despreparados para trabalhar na hemodiálise, sentem que seu trabalho foi em vão, pois se desdobram e o paciente não melhora e em muitos casos até piora e morre. Alguns se sentem desanimados, impotentes e conseqüentemente se afastarão deste paciente até o processo de morte se conduzir naturalmente. Isso se torna mais difícil quando o profissional de enfermagem toma consciência que a doença é crônica e não terá tratamento que fará reverter toda esta situação para a cura.

Existem aqueles pacientes que o profissional se identifica mais, sejam por gestos, frases, atitudes ou mesmo pelo silêncio, que pode lembrar uma característica de alguém querido ou de alguém que deixou marcas negativas em sua vivência com ele. Isto pode ajudar o paciente no cuidado mais presente do cuidador ou poderá atrapalhar quando este se conscientizar e se afastar para não sofrer junto com o paciente. O desenlace também ficará prejudicado ao se tratar de afeições muito próximas da vida do profissional, uma vez que, se assemelha alguém conhecido.

Muitos profissionais não estão preparados para o trabalho com o portador de doença renal crônica. Alguns não trabalham somente em um emprego e raramente estarão dispostos a este tipo de cuidado por causa do cansaço; outros estabelecem critérios pessoais com a equipe e não conseguem desempenhar o papel destinado ao profissionalismo; e ainda aqueles que não conseguem se posicionar na contra-transferência quando o paciente projeta seus problemas no cuidador e não conseguindo compreender e controlar sua reações em relação as pulsões de vida e de morte presentes no seu cotidiano. Diniz in Lima e Santos (2004, p.378) afirma que este profissional “Pode, ainda, sentir falta de reconhecimento de seu trabalho, decepção, desamparo e outras vezes raiva”.

Por mais difícil e doloroso que seja entender todo este processo tanto o profissional como o doente, passam por períodos de aceitação neste tipo de cuidado. Uma vez que, a terapia é crônica, mas é possível de se fazer de todo o processo como algo mais agradável.

É necessário que os enfermeiros se valorizem como pessoas e que mantenham o inter relacionamento da equipe para a solução dos problemas, estabelecendo seus próprios limites e tendo um auto-cuidado, pois, este é um trabalho que pode trazer prejuízo à sua saúde e seu psíquico. Lembrando que à medida que se criam seus limites, também estará respeitando os limites dos seus pacientes.

4. METODOLOGIA

A presente pesquisa, de cunho qualitativo, teve seu projeto aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Presidente Antônio Carlos.

Para a coleta de dados utilizou-se a entrevista semi-estruturada contendo um roteiro mínimo de questões referentes à identificação dos sujeitos e à representação que estes possuem sobre a morte.

As entrevistas foram previamente agendadas e realizadas individualmente.

Os sujeitos desta pesquisa foram nove técnicos em enfermagem que trabalham na hemodiálise, da Clínica de Doenças Renais, do município de São João Del-Rei –MG.

Cada entrevista foi gravada em fita cassete e transcrita para fins de análise.

Os dados obtidos foram organizados de acordo com temáticas específicas e agrupados em categorias. A fim de manter o sigilo e o anonimato dos sujeitos, as respostas foram apresentadas no texto como referentes ao Entrevistado 1, Entrevistado 2 (...)

5. RESULTADOS E ANÁLISE DE DADOS

Diante das transcrições das entrevistas, os relatos foram analisados separando as unidades temáticas e as categorias referentes às mesmas. Nas respostas selecionadas atentou-se para aquelas que se referem ao binômio morte/vida no intuito de captar a representação dos profissionais sobre a morte.

Quanto ao tratamento de hemodiálise, os entrevistados 1 e 7 percebem que a única forma de remediar a situação é a dependência dos pacientes à máquina ou o transplante de rins. Através dos relatos dos entrevistados 3, 8 e 9, percebe-se que o tratamento é visto como necessário, entretanto, representa uma possibilidade de sobrevivência que “mata” aos poucos.

Entrevistado 1: “Infelizmente não tem outra opção, teria outra opção assim, pra transplante, né?!”

Entrevistado 7: “(...) se não tivesse o centro de Hemodiálise hoje, muitos estariam não vivos mais.”

Entrevistado 3: “Porque aqui é vida, é morte, é começo, porque muita gente chega ruim aqui e melhora (...) porque aqui vai minando devagar os doentes, vai minando.”

Entrevistado 8: “(...) tanto prolonga como vai acabando aos poucos também porque acaba muito com a saúde da pessoa também.”

Entrevistado 9: “(...) é uma chance deles prolongar a vida deles, né?!”

Pode-se notar que os profissionais têm consciência das limitações do tratamento e da possibilidade de manter vivos os pacientes por algum tempo. Não se fala claramente a palavra “morte”, mas utilizam-se expressões que a representam, “minando” e “acabando”, demonstrando a compreensão de que o tratamento é uma de morte lenta, que se dá aos poucos. Estão morrendo a cada diálise. Paradoxalmente, sua única chance de vida.

Nas relações interpessoais no ambiente de hemodiálise, percebe-se a necessidade de uma aproximação, de cumplicidade, de parceria com a equipe e com os pacientes. Estes laços ao mesmo tempo em que favorecem as cumplicidades nos momentos de dificuldade trazem também uma maior dificuldade de desligamento afetivo após o falecimento do paciente.

Entrevistado 1: “Olha, agente tem que ser é... muito humano, sabe?”

Entrevistado 2: “Mas no ambiente cê acaba se sentindo que tá no meio de uma família.”

Entrevistado 3: “Aqui a equipe de enfermagem, na verdade... nós somos muito unido.”

Entrevistado 6: “(...) tratar como se fosse uns amigos, uns irmãos.”

Entrevistado 7: “O pessoal aqui, eles tem que ter uma paciência, saber que daqui agente tem que tá sempre dando força, né?!”

É importante salientar que o profissional deste setor, passa parte de seus dias cuidando e aprendendo com os pacientes crônicos. O laço afetivo criado entre o profissional e o paciente vai se fortalecendo a cada dia, pois o paciente renal demanda cuidados especiais. Nota-se a importância do comportamento empático, facilitando todo o trabalho.

A representação da morte ressalta duas categorias distintas. Uma refere-se à possibilidade de continuidade da existência após a morte, presente nas falas dos entrevistados 1,7 e 9; outra, encara a morte como o fim da vida, conforme disseram os entrevistados 2, 4 e 5.

Entrevistado 1: “É uma passagem, né?! Eu acho, que seria uma passagem.”

Entrevistado 7: “Então a morte é uma continuação da vida, entendeu?”

Entrevistado 9: “(...) eu por ser católico, eu acho que (...), cê vai ganhar a vida eterna.”

Entrevistado 2: “(...) eu acho que é uma coisa irreversível, morreu acabou.”

Entrevistado 4: “(...) realmente o fim de tudo, acabou tudo.”

Entrevistado 5: “(...) penso que é um final porque não tem jeito....”

Acreditar em vida pós-morte remete a solução da problemática como se fosse um ansiolítico para a situação. Se por um lado essa atitude é acalentadora e alivia a dor do paciente; por outro, funciona como uma fuga à realidade da morte mostrando o despreparo para encarar o processo com facilidade, foge-se dela e encontra-se uma forma de negação.

Quanto às reações emocionais dos enfermeiros diante da morte de um paciente observam-se sentimentos de impotência, culpa, susto e tristeza.

Entrevistado 1: “(...) eu acho assim, agente batalhou junto, um sentimento meio... meio de derrota (...) te dá um aperto, uma pressão assim, no coração...”

Entrevistado 2: “(...) às vezes até de culpa (...) uns me chocam mais, outros menos...”

Entrevistado 8: “Ah, eu fico bem assustado, né?!”

Entrevistado 9: “Na hora, uma tristeza profunda.” “(...) você sente uma impotência.”

A morte é tida como perda e toda perda causa dor, sofrimento, tristeza. O ser humano é acostumado a sempre ganhar e quando perde se revolta. A morte mostra que o homem não é onipotente e que ela é o limite da vida. Teme-se o desconhecido, pois se sabe que sobre ele não se tem controle.

A grande demanda de trabalho, as exigências, os diferentes pacientes e suas necessidades dentro deste setor fazem com que os profissionais tenham pouco tempo para discutir sobre o assunto. Os sentimentos descritos diante do falecimento do paciente trazem uma sobrecarga psíquica para o profissional de enfermagem.

Por outro lado, novamente se fazem presente as defesas psicológicas dos profissionais diante do sentido de naturalidade para o fato.

Entrevistado 3: “(...) a maior parte deles [os profissionais] já acostumaram com a morte. Na verdade já tá acostumado com a morte, né?!”

Entrevistado 8: “(...) foi reação normal.”

Entrevistado 9: “Eu acho da mesma maneira, maneira que eu reajo com... mais naturalidade...”

Com o passar das situações vividas neste setor, o profissional de enfermagem tende a fazer do procedimento de morte e morrer do paciente, algo que seja corriqueiro e realizando-os mecanicamente e tornando um indivíduo insensível às perdas eminentes.

Diante da morte de um paciente em diálise, os profissionais executam procedimentos técnicos e usam mecanismos de defesa para suprimir suas emoções e negar a morte para os demais presentes na sala.

Entrevistado 2: “(...) o mais natural possível, tirar o paciente da sala e tentar acalmar os outros, porque eles não são 'bobos', porque eles vão perceber na hora, aí cê tenta acalmar.”

Entrevistado 3: “(...) o trauma pro paciente que tá do lado é grande, ele já tem aquele trauma de morte e de repente morre alguém perto, né?!”

Entrevistado 4: “E aquilo assusta os outros pacientes. Então nessa hora, agente tem que ser profissional e usar do nosso dia-a-dia...”

Entrevistado 5: “Pros outros pacientes não tá vendo aquele ambiente ali e tudo (...) dá os primeiros socorros lá, assim, pelo menos traz pra cá, pra não perder tempo.”

Entrevistado 7: “(...) a gente tentar ter a maior calma, né?!”

Entrevistado 8: “O mais discreto possível, né?!”

Entrevistado 8: “(...) porque o paciente assusta, assim... fica com medo também, fica muito cismado.”

Entrevistado 9: “Não demonstrar nervosismo, nessas horas, porque só vai piorar as coisas pros outros pacientes.”

O procedimento descrito é tido como esperado pelos profissionais. Negar a morte aos outros pacientes é uma forma de poupar-lhes do sofrimento. Alguns deles falariam a verdade ao paciente, outros jamais tocariam no assunto se não fosse perguntado. Negam a morte a todo instante uma vez que, se esse paciente estiver aos seus cuidados, a dificuldade de encarar a realidade e retornar ao trabalho se torna ainda mais difícil. O procedimento exige calma, tranqüilidade e agilidade, como forma mecânica de encarar a morte e ainda de não causar trauma aos outros pacientes ligados à máquina.

Ao lidar com a morte de um paciente, os técnicos em enfermagem e os pacientes percebem a interferência na rotina do setor:

Entrevistado 2: “O lugarzinho daquela pessoa fica... Tem paciente, às vezes, que por um período nem faz naquela máquina, porque sabe que ali já foram tantos...

Entrevistado 3: “(...) de repente cê pensa que aquilo ali, foi uma falha.”

Entrevistado 4: “(...) há um abatimento geral, ainda mais quando ocorre o falecimento lá dentro da sala, fica aquele clima pesado...”

Entrevistado 5: “A turma fica abatida, assim, não tem aquela brincadeira como de costume e tudo mais....”

Entrevistado 6: “A gente vê assim a preocupação. Porque sabe que ele tá fazendo hemodiálise junto com... já fez a hemodiálise junto com aquele paciente que já morreu...”

Entrevistado 9: “(...) porque cê vai... perder o fluxo do trabalho e a mesma alegria que a gente tem (...) “É trágico... é trágico. A sala fica calada, todo mundo fica pensativo, tristeza no olhar.”

Observa-se, em todas as falas dos entrevistados, que os profissionais admitem mudanças na rotina do setor após a morte de um paciente. As brincadeiras, o bom humor e a esperança cedem lugar ao medo, à reflexão e à preocupação. Cada um se coloca no lugar daquele que se foi.

6. CONCLUSÃO

Na hemodiálise, em virtude de todas as peculiaridades do atendimento, é estabelecida uma relação afetiva entre enfermeiros e pacientes.

Como se trata de um acompanhamento paliativo, durante todo o percurso do tratamento do paciente, os profissionais deparam-se com a possibilidade de morte dos assistidos.

As representações sobre a morte pelos profissionais perpassam a trajetória e o tipo do tratamento, a forma como o profissional vai conduzir seus comportamentos após o falecimento de um paciente, a maneira como vão se vincular a outras pessoas de seu convívio no ambiente de trabalho e suas reações frente a essas perdas.

Faz-se mister que o enfermeiro esteja sempre atento às dificuldades enfrentadas pela sua equipe e proporcione formas de elaboração dessas perdas pensando principalmente na saúde mental de sua equipe.

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