Contribuciones a las Ciencias Sociales
Agosto 2010

O PRINCIPIO CONSTITUCIONAL DA FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO E SUA APLICABILIDADE NA ÓRBITA DO DIREITO CIVIL

 

Marcelo Nunes Apolinário
Ângelo Reina Abib
marcelo_apolinario@hotmail.com

 

I. INTRODUÇÃO

A expressão função social no âmbito do Direito privado tem sua origem normativa vinculada à função social reconhecida à propriedade, por circunstância da sua previsão nas Constituições mexicana, de 1917, e alemã (Weimar), de 1919. Em tese, o reconhecimento da função social da propriedade teve por objetivo principal a atribuição de deveres jurídicos ao titular do Direito subjetivo, em paralelo aos poderes jurídicos que decorrem desta titularidade (usar, fruir, dispor...). A função do conceito era o de limitar a ampla liberdade de exercício do Direito pelo proprietário, em razão de interesses valorados como preferenciais, o que no caso se identificam como os interesses sociais.

Em contrapartida, a consideração da dimensão social do Direito está igualmente presente no ordenamento em diversas disposições, como, por exemplo, a constante e significativa exigência do art. 5º, da Lei de Introdução ao Código civil de que o magistrado deverá na aplicação da Lei, atender “aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”. Na mesma esteira principiológica se verificam as normas que se qualificam como de interesse social, como no caso especifico do art. 1º, do Código de Defesa do Consumidor.

Portanto, a idéia de socialização do contrato não é nova. Assim, a partir do momento em que o Estado passou a adotar uma postura mais intervencionista, reivindicando o ultrapassado papel de mero expectador da ambiência econômica, a função social do contrato ganhou contornos mais específicos e contundentes. Nesse sentido, a idéia da expressão “social” sempre apresenta esta tendência de nos levar a crer tratar-se de figura de concepção filosófico-socialista, devendo restar esclarecido tal equivoco. Não se trata de estar-se caminhando no sentido de transformar a propriedade em patrimônio coletivo da humanidade, mas sim de subordinar a propriedade privada aos interesses sociais.

Ao se constatar, portanto, o inafastável conteúdo político da propriedade erigido à condição de Direito fundamental previsto na Carta Magna de 1988, é natural convir que as modificações no seu trato ideológico refletissem na esfera contratual.

No entanto, a partir do momento em que se começou a perceber que a propriedade somente mereceria proteção se atendesse a uma determinada função social, rejeitou-se o antigo modelo oitocentista de concepção desse Direito, que daria lugar a uma doutrina mais calibrada aos anseios da sociedade contemporânea. Com isso, socializando-se a noção de propriedade, o contrato, naturalmente, experimentaria o mesmo fenômeno, ainda que o reconhecimento legal a partir de uma perspectiva ideológica não tenha ocorrido de forma imediata.
 



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Nunes Apolinário y Reina Abib: O principio constitucional da função social do contrato e sua aplicabilidade na órbita do Direito civil, en Contribuciones a las Ciencias Sociales, agosto 2010, www.eumed.net/rev/cccss/09/ 


II. DELIMITAÇÃO CONCEITUAL DO INSTITUTO

Antes de qualquer coisa, deve-se ressaltar que a função social do contrato traduz conceito exacerbadamente aberto e indeterminado, de modo que a tarefa de se delimitar aprioristicamente o instituto se torna árdua.

A idéia de contrato, na sua perspectiva intrínseca, propugna por um tratamento idôneo das partes, na consideração, inclusive, de sua desigualdade real de poderes contratuais. Dessa forma, repercute necessariamente no trato ético e leal que deve ser observado pelos contratantes, em homenagem ao principio da boa-fé objetiva. E nesse plano, tem-se que a relação contratual deverá compreender os deveres jurídicos gerais e de cunho patrimonial, bem como deverão ser levados em conta os deveres anexos ou colaterais que derivam desse “sacrifício” socializante.

Com isso, obrigações até então olvidadas pelo individualismo obscuro próprio da concepção clássica de contrato ressurgem gloriosamente, a exemplo dos deveres de informação, confidencialidade, assistência, lealdade e etc. E toda essa sistemática é, sem dúvida, informada pelo principio supremo da dignidade da pessoa humana.

Num segundo prisma, o contrato é considerado não só como um instrumento de circulação de riquezas, mas, também, de desenvolvimento social, pois sem contrato, a economia e a sociedade se estagnariam por completo, fazendo com que retornássemos a estágios menos evoluídos da civilização humana. No entanto, é preciso argüir que todo desenvolvimento deve ser racionalizado e equilibrado. Por isso, ao trabalhar-se com a idéia de contrato – quer firmado entre particulares, quer seja o acordado com a própria Administração Pública – não se poderia desmembrá-lo da conjuntura social que lhe dá ambivalência.

Não obstante, não se está pleiteando aniquilar os princípios da autonomia da vontade ou do pacta sunt servanda, mas, apenas, temperá-los, tornando-os mais direcionados ao bem-estar comum, sem prejuízo do progresso patrimonial almejado pelas partes contratantes. Ademais, a função social do contrato pode ser compreendida, atualmente, como um principio jurídico de conteúdo indeterminado, que se verifica na medida em que lhe reconhecemos o efeito de impor limites à liberdade de contratar, em prol do social. E essa socialização significa um importante marco na história do Direito, uma vez que, com ela, se abandona de vez o modelo clássico vivido no século XIX.

Essa correção de horizonte, portanto, humaniza a idéia de contrato, rendendo ensejo a que seja banido absolutamente do nosso sistema o péssimo hábito de encarar o contrato como um instrumento desigual, em que o forte se sobrepõe sobre o fraco, utilizando, sobretudo, a técnica covarde de imposição de cláusulas leoninas.

Pode-se observar desse modo, que o Direito contratual pátrio passou, mormente após a edição da Carta da República de 1988, por um inegável processo de democratização jurídica. Em realidade, garantias constitucionais, tais as que impõem o respeito à função social da propriedade, ao meio ambiente, ao Direito do consumidor, à proteção do trabalhador, à proteção a ordem econômica e da liberdade de concorrência, todas elas, vinculadas ao principio macro da dignidade da pessoa humana, remete-nos à concepção de que tais conquistas, sob nenhum argumento, poderão, posteriormente, virem a ser minimizadas ou abolidas por nenhuma regra posterior.

Nesse sentido, a socialização do contrato, devidamente amparada no sistema constitucional e consagrada expressamente pelo art. 421 do Código civil, não poderia sofrer restrição ulterior por nenhuma norma sob pena de averiguarmos flagrante inconstitucionalidade. Assim, chegar-se-ia a simples conclusão de que uma vez ferido esse principio, os direitos e garantias fundamentais supra mencionados também restariam vulnerados.

III. ANÁLISE DO ARTIGO 421 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002

Não por simples razão histórica, o Código revogado de 1916 ignorou a função social do contrato e da propriedade. Quando da elaboração do seu projeto em 1899, fruto do empenho de CLÓVIS BEVILÁQUA, com inegável e incansável esforço de juristas como TEIXEIRA DE FREITAS, vivia-se em uma sociedade de economia rudimentar, pós-escravocrata e recém submergida è égide republicana. Todos esses fatores, agregados ao poderio reacionário e a força política dos senhores de terra, apontaram no sentido contrário ao da socialização da propriedade e, consequentemente, do contrato.

Foi possível perceber supra, que a socialização da propriedade culminou por se refletir na seara contratual, fazendo com que o legislador deixasse de conceber o contrato apenas como um instrumento de manifestação privada de vontade, para tomá-lo como elemento socialmente agregador.

Nessa direção, o novo Código civil, abrindo o capítulo dedicado à teoria geral dos contratos, consagrou esse importante preceito, nos seguintes termos: “Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.”

Ao referir-se à função social do contrato, de uma primeira interpretação do próprio texto esculpido no art. 421 do Código civil já se retiram dois aspectos característicos do seu significado. Em primeiro lugar, se configurando como um limite à liberdade de contratar; Em segundo lugar, que apresenta um vinculo orgânico entre o exercício da liberdade/direito subjetivo de contratar e a finalidade social dessa prerrogativa. Determina ao direito de contratar, pois, a natureza de um direito-dever. Nesse segundo caso, a previsão de uma finalidade social do direito de contratar assume então distintos contornos de interpretação, que podem abranger tanto uma espécie de garantia de acesso ao contrato, quanto o direito de sua manutenção, bem como um controle de mérito e de conteúdo do objeto contratado, de modo a adaptá-lo ao que se considere sob certos padrões sociais vigentes o justo em matéria contratual.

Tem-se então, que essa liberdade negocial deverá encontrar justo limite no interesse social e nos valores supremos de dignificação da pessoa humana. Qualquer avanço para além dessa fronteira poderá caracterizar abuso, judicialmente atacável. Assim, pode-se dizer que a regra prevista no artigo 421 do Código civil é uma norma endereçada ao juiz, para que este torne preciso seu significado de acordo com o caso, e segundo os esforços de interpretação que a doutrina e a jurisprudência desenvolverão em razão da nova realidade social e suas exigências quanto à finalidade e à utilidade da concepção de contrato no Direito brasileiro.

Cabe salientar, portanto, que o descumprimento da função social do contrato dará causa, sobretudo, a duas sanções especificas, quais sejam, a nulidade da cláusula ou do contrato que a violem, por força da previsão esculpida no art. 2.035, parágrafo único , do Código civil, assim como a imputação do dever de indenizar de quem a tenha violado em face de dano decorrente desta violação.

A premissa básica, nesse contexto, é de que a função social do contrato introduz as noções de igualdade contratual e, consequentemente, de equilíbrio contratual, presentes no Direito do consumidor e no regime geral do Direito civil. A inteligência desses fenômenos, contudo, requer que se diferencie entre a presunção de desigualdade do consumidor no regime do Código de Defesa do Consumidor e o Regime Geral do Código civil. Neste último, não se há de reconhecer primeiramente, a desigualdade entre as partes, mas será admitido, com fundamento no principio da função social do contrato, que o juiz identifique no caso, e de acordo com as normas ordinárias sobre ônus da prova (art. 333, I, do CPC) e do principio processual do dispositivo, situações tópicas de desequilíbrio e desigualdade.

IV. A FUNÇÃO SOCIAL E O EFEITO RELATIVO DOS CONTRATOS

Dentro da lógica do dogma da vontade, todo aquele que não tenha declarado a sua vontade não pode ser atingido pelos efeitos contratuais, haja vista que não teria manifestado a sua vontade de forma livre, não tendo, portanto, exercido a sua liberdade contratual. Aceitando-se a idéia de que o contrato é um elo de cadeia econômica e que supera, de certo modo, os interesses exclusivos dos contratantes, acaba-se por ter de admitir que a função social faça com que se tenha que pensar em uma minoração da idéia de relativismo. Esta minoração, por seu turno, traduz a idéia de cooperação. Na medida em que a função social é a manutenção de trocas justas e úteis, impõe-se aos contratantes que tratem de colaborar na manutenção da justiça e da utilidade, sob pena de não se obter qualquer resultado satisfatório.

Já tem se aceito, há algum tempo, que o contrato possa produzir efeitos negativos nas esferas alheias, criando uma obrigação negativa consistente em não atentar contra os pactos alheios ou, ao menos, não incentivar o rompimento dos mesmos. É o que a doutrina considera oponibilidade do contrato a terceiros, uma forma de efeito reflexo na esfera alheia. Dessa forma, um contrato pode se dizer oponível a terceiros quando produz algum efeito suscetível de ter alguma relevância jurídica em relação aos terceiros. Na realidade, talvez o mais apropriado fosse falar em oponibilidade dos efeitos contratuais em vez de oponibilidade do contrato.

Nestas condições, o terceiro que tenha um interesse conflitante com os de algum contratante não pode instigar o rompimento contratual ou favorecer tal procedimento, pois estará induzindo ao inadimplemento e, com isso, prejudicando o exercício do principio da função social do contrato. O terceiro embora estranho à relação contratual, deve colaborar no bom desenvolvimento do contrato. O exemplo mais clássico talvez seja a oponibilidade do contrato que contenha uma cláusula de não concorrência. Ainda que o terceiro não tenha feito parte do pacto que continha tal regra, se ele a viola, poderá estar sujeito ao desfazimento do contrato que violou o pacto de não concorrência, pois, do contrário, apesar da responsabilidade contratual do que não podia concorrer, o credor da não concorrência não teria como ser reposto no estado anterior. No entanto, se o terceiro pudesse ignorar dita cláusula, ela estaria desprovida de sentido e valor.

V. A FUNÇÃO SOCIAL, O EFEITO VINCULANTE DOS CONTRATOS E A POSSIBILIDADE DE REVISÃO CONTRATUAL

Há, em contrapartida, a questão envolvendo o efeito vinculativo do contrato. Aqui, o dispositivo que o novo Código civil apresenta para assegurar a manutenção do contrato é a previsão de mecanismos de revisão contratual. No instante em que se perde a comutatividade que a relação contratual pressupõe para manter-se justa, faz-se necessário uma revisão dos termos para que não ocorra o desfazimento.

Significa dizer que, se um contrato tornar-se muito discrepante na relação entre prestação e contraprestação, de modo que se torne excessivamente oneroso a alguma parte, certamente ocorrerá o inadimplemento. Como não interessa, dada a inserção no meio econômico das relações contratuais, que haja a descontinuidade dos contratos, senão que se pretende mantê-los, o trajeto da revisão contratual se abre.

Convém mencionar que o revogado Código civil de 1916 não tratou da revisão, partindo do ideal oitocentista do dogma absoluto da vontade, havendo dificuldades que tornem o contrato excessivamente oneroso, abriam-se duas possibilidades. Ou havia impossibilidade, a resolver-se pela teoria dos riscos, ou havia uma dificuldade que não poderia afetar o cumprimento.

No entanto, a permissão da revisão contratual produz uma amenização no chamado efeito vinculante do contrato, que sempre foi traduzido pela máxima do pacta sunt servanda. O Código de 2002 trata da revisão em dois aspectos, um relacionado a uma causa concomitante ao momento da contratação e outro a causas supervenientes.

VI. A FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO E OS VÍCIOS DO NEGÓCIO JURÍDICO

O Código civil de 2002 cuidou ainda de disciplinar dois outros defeitos do negócio jurídico, intimamente ligados à idéia de solidarismo social: a lesão e o estado de perigo, e que também têm reflexos no âmbito contratual. Ao prever essas duas modalidades de vicio, pretendeu-se amparar um dos contratantes da esperteza ou ganância do outro, resguardando-se, assim, o propósito maior de se impedir, de todas as formas, o abuso de direito.

A lesão significa o prejuízo resultante da desproporção existente entre as prestações de um determinado negócio jurídico, em face do abuso da inexperiência, necessidade econômica ou leviandade de um dos declarantes, significando, muitas vezes, o abuso do poder econômico de uma das partes, em detrimento da outra, hipossuficiente na relação jurídica.

Na época da imigração italiana, para que se tenha uma idéia, muitos coronéis induziam os lavradores a comprar mantimentos nos armazéns da própria fazenda, a preços e juros absurdos. Além de atuarem de má-fé, o contrato não guardava equilíbrio econômico algum entre as prestações, caracterizando injusta forma de extorsão.

Atualmente, não mais os coronéis de outrora, mas grandes indústrias e corporações lançam no mercado produtos e serviços, alguns de primeira necessidade, os quais são adquiridos por consumidores de todas as idades, sem que possam discutir os termos do negócio que celebram, os juros que são estipulados e as garantias que se lhe assistem. Vive-se hoje a era da contratação em massa, em que o contrato de adesão é o maior instrumento de circulação de riquezas e, paradoxalmente, o mais eficaz mecanismo de opressão econômica que o Direito contratual já criou.

O primeiro diploma legal brasileiro a tratar da lesão, ainda que sob o aspecto criminal foi a Lei n. 1.521, de 26 de dezembro de 1951 (Lei da Economia Popular), que, em seu artigo 4º, previa: “Art. 4º,. Constitui crime da mesma natureza a usura pecuniária ou real, assim se considerando: (...) b) obter, ou estipular, em qualquer contrato, abusando da premente necessidade, inexperiência ou leviandade de outra parte, lucro patrimonial que exceda o quinto do valor corrente ou justo da prestação feita ou prometida. Pena – detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, de cinco mil a vinte mil cruzeiros.”

Cabe ressaltar, contudo que, a despeito de se tratar de norma penal, a doutrina fincou pé no sentido de que o comportamento ilícito do agente também repercutiria na seara cível, autorizando a invalidação do contrato.

Portanto, quase quarenta anos mais tarde, a Lei n. 8.078, de 11 de setembro de 1990 (Código de Defesa do Consumidor), combatendo a lesão nos contratos de consumo, em seu art. 6º, V, elencou como direito do consumidor: “a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais”, e, mais adiante, em seu dispositivo 39, V, argüiu como prática abusiva “exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva”.

O Código civil de 1916, a despeito da importância do instituto da lesão, não cuidou de indicá-la entre os defeitos do negócio jurídico. Já o Código em vigor, contornando a omissão, previu, em seu artigo 157, que: “Art. 157. Ocorre a lesão quando uma pessoa, sob premente necessidade, ou por inexperiência, se obriga a prestação manifestamente desproporcional ao valor da prestação oposta. § 1o Aprecia-se a desproporção das prestações segundo os valores vigentes ao tempo em que foi celebrado o negócio jurídico. § 2o Não se decretará a anulação do negócio, se for oferecido suplemento suficiente, ou se a parte favorecida concordar com a redução do proveito.”

Por derradeiro, chega-se a conclusão que houve uma verdadeira transformação axiológica do novo Código civil, prevendo este vicio de consentimento como uma verdadeira limitação à autonomia individual da vontade, não mais passivamente a ocorrência de negócios jurídicos com prestações visivelmente desproporcionais. Conferiu-se, pois, nesse aspecto, a necessária atenção à função social dos negócios jurídicos em geral, especialmente do contrato.

Por outro lado, o estado de perigo, também consagrado pelo novo Código, é um defeito do negócio jurídico que guarda características comuns com o estado de necessidade, causa de exclusão de ilicitude no Direito penal. Configura-se quando o agente, diante de situação de perigo conhecido pela outra parte, emite declaração de vontade para salvaguardar direito seu, ou de pessoa próxima, assumindo obrigação excessivamente onerosa.

Identifica-se, no caso especifico uma hipótese especial de inexigibilidade de conduta diversa, ante a iminência de dano por que passa o agente, a quem não resta outra alternativa senão praticar o ato.

Nesse sentido, o artigo 156 do Código civil em vigor nos informa que: “Art. 156. Configura-se o estado de perigo quando alguém, premido da necessidade de salvar-se, ou a pessoa de sua família, de grave dano conhecido pela outra parte, assume obrigação excessivamente onerosa. Parágrafo único. Tratando-se de pessoa não pertencente à família do declarante, o juiz decidirá segundo as circunstâncias.”

Conclui-se, portanto, que a disciplina desses dois novos defeitos, ensejadores da anulabilidade do contrato celebrado, corresponde-se com a moderna principiologia do Direito contratual, que está não apenas direcionado à manifestação volitiva em si, mas, sobretudo, à própria repercussão social do negócio jurídico maculado.

VII. OBSERVAÇÕES FINAIS E CONCLUSIVAS

O Código civil de 2002 procurou afastar-se das concepções individualistas que nortearam o estatuto anterior para seguir orientação compatível com a socialização do Direito contemporâneo, de modo a dar azo ao próprio dispositivo previsto na Carta da República de 1988, onde o Estado brasileiro se afigura social e democrático. O principio da socialidade por ele adotado reflete a prevalência dos valores coletivos sobre os individuais, sem perda, porém, do valor supremo da pessoa humana.

Dessa forma, a idéia social do contrato apresenta-se, modernamente, como um dos pilares da teoria contratual. Por identidade dialética guarda intimidade com o principio da função social da propriedade previsto também na Carta Política de 1988. Tem por finalidade promover a realização de uma justiça comutativa, “aplainando as desigualdades substanciais entre os contratantes.”

A função social do contrato constitui, assim, principio moderno a ser observado pelo interprete na aplicação dos contratos. Alia-se, portanto, aos princípios tradicionais, como os da autonomia da vontade e da obrigatoriedade, muitas vezes impedindo que estes prevaleçam na relação. Como a função social é cláusula geral, o juiz poderá preencher esse axioma com valores jurídicos, sociais, econômicos e morais. A solução será dada diante do que se apresentar no caso concreto. Poderá, por exemplo, proclamar a inexistência do contrato por falta de objeto; declarar nua nulidade por fraude à Lei imperativa (CC, art. 166, VI), porque a norma do art. 421 é de ordem pública; convalidar o contrato anulável (CC, arts. 171 e 172); determinar a indenização da parte que desatendeu a função social do contrato etc.

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Editor:
Juan Carlos M. Coll (CV)
ISSN: 1988-7833
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