CAMINHOS DO JEQUITINHONHA: ANÁLISE DO PROJETO DE COMBATE Á POBREZA RURAL

Marcela de Oliveira Pessôa

4.2.3 – Notações sobre contrastes

Visto que, conforme já mencionado, as instituições podem ser responsáveis por “parcela significativa do desenvolvimento da região, mas também pelo agravamento das desigualdades” (FURLANETTO, 2008, pg. 56) urge o reconhecimento de que suas atuações devem ser eficientes e democráticas. Ou seja, que favoreçam o desenvolvimento ao proporcionar múltiplas condições para o mesmo, e que sejam construídas com a participação da sociedade oferecendo oportunidades iguais (FURLANETTO, 2008). O IDENE tem buscado alcançar estes pressupostos através do PCPR, ainda que não esteja sendo tão bem sucedido como poderia. Falta-lhe tocar com cuidado e profundidade num ponto transversal à política que implementa e os benefícios que espera alcançar: a dotação do capital social. Conforme analisado por Peter Evans (apud MULS, 2008, p.17) o problema em contextos do que ainda chama por Terceiro Mundo:

[…] não é a ausência de capital social no nível micro (comunidades locais), mas transformar (scaling up) os laços pessoais e comunitários em formas institucionais e organizacionais mais abrangentes, que facilitam uma boa governança e possam de fato ter uma escala econômica e política que favoreça o desenvolvimento. Para serem efetivos politicamente, tais arranjos devem ter um escopo regional, enfatizando as particularidades de um determinado contexto social e realçando os interesses comuns entre comunidades vizinhas. O papel do Estado ou dos agentes públicos é o de dar suporte a esta transformação das redes locais interpessoais em formas organizacionais mais abrangentes e desenvolvidas (scaled-up organizations).

Sendo assim, mais importante que a forma com que a instituição espera ser concebida é a função que está realmente exercendo, e, nisto, pondera a autocrítica para que seja eficiente na sua contribuição ao desenvolvimento. Ainda que existam questões de ordem física que empecilham a produtividade do Projeto, devido ao ambiente que o circunscreve, as mesmas não devem servir de desculpa para o pouco êxito, mas sim ser deglutidas, consumidas, interiorizadas e transformadas em novos meios. Tal como fez a produtora de rapadura, que obtendo o malogro de produzir melaço salgado, transformou-o em sustância para o gado 1. Não se pretende aqui ser de um otimismo cético, pois se reconhece que é difícil conseguir o total aproveitamento em situações de adversidades. Contudo, apenas admitir as dificuldades sem pretender dobrá-las é sabidamente ineficaz. Conforme apregoa Putnan (1996) para que uma instituição tenha um bom desempenho é necessário que seja sensível à demanda da população e eficaz na utilização de recursos limitados. Embora bom desempenho seja uma variável muito flexível, importa a correlação entre demanda da população e recursos limitados... que são o porquê da existência do próprio PCPR.
Recurso abundante nestas comunidades, conforme fora visto, são os laços que existem entre seus habitantes e que tem como serem convertidos de seu modo latente e informal para meios formais adaptados às condições necessárias para reagir à pressão heterônoma que as reclusa à pobreza. Embora, na ação institucional, seja válido o estímulo à criação de associações, é importante lembrar, conforme Baquero (2003), que no Brasil não há uma tradição associativa e a que existe não proporciona as bases de produção de um capital social público, isto é, generalizado. Dessa forma, mesmo que existam no país centenas de associações que se organizem em torno de objetivos comuns, elas usualmente não geram uma rede associativa mais ampla porque os membros centram-se em questões particulares (BAQUERO, 2003).
Portanto, não é coerente que se espere que as associações formadas nos núcleos comunitários do Vale do Jequitinhonha busquem, por conta própria, ampliar a sua rede de relações na promoção de um capital social de ponte, formando uma rede de cooperação regional. Primeiro, graças às mesmas dificuldades físicas e deficiências financeiras que o PCPR reconhece e segundo porque, conforme já fora dito, embora haja confiança mútua e disposição para cooperação, a maioria das pessoas tende a não acreditar na mudança real e significativa de sua realidade a partir de um movimento endógeno. A descrença na ação endógena, vale ressaltar, não se deve a nenhum título de incompetência ou outras atribuições negativas a que muitos tendem a se referir quando retratam o Vale do Jequitinhonha, mas sim à herança de corrosão ao espírito público da que gestores do Estado tantas vezes se utilizaram em benefício próprio, na atenção de seus interesses particulares, como fora anunciado nos capítulos I e II. Portanto, reclama-se que, além de instigar a formação de associações, o IDENE ofereça outros suportes para este capital social, pois como acredita Abramovay (2000), instituições podem sim enriquecer o tecido social de certa localidade.
Além disto, deve-se manter perene a atenção conquanto as práticas clientelistas, autoritárias e burocráticas Abramovay (2000). Não se deve omitir as lutas intersticiais pelo poder na nossa sociedade, pois, como ressalta Durston (2001), a análise das mesmas contribui para compreender a persistência da pobreza. Nesta conjuntura onde o capital social é arcabouço para mudanças significativas deve-se verificar como se dispõe o conflito em torno de recursos escassos, tal como foi verificado na crítica dos entrevistados sobre a disponibilidade das informações em torno do financiamento oferecido pelo IDENE.  Portanto, conforme descreve Durston (2001), o desenho de instituições formais de associação, participação e capacitação não alcançará seus objetivos a menos que as instituições socioculturais informais de liderança, cooperação, confiança, prestígio, faccionismo e clientelismo sejam também temas da política pública. Elas são externalidades inerentes ao PCPR por fazer parte das relações estabelecidas entre os diferentes agentesenvolvidos, portanto, para maior êxito na sua implementação, devem ser devidamente compreendidas.
Mais um elemento que se deve relevar é que, em comparação aos demais PCPR’s a que se teve conhecimento durante esta pesquisa (PCPR Rio Grande do Norte, PCPR Ceará, PCPR Sergipe, PCPR Piauí, PCPR Pernambuco e PCPR Maranhão) o PCPR implantado no Vale do Jequitinhonha tem apresentado resultados significativos, mesmo com todas as deficiências relevadas. Algumas das principais dificuldades averiguadas no levantamento feito neste trabalho são compartilhadas pelos demais PCPR’s estaduais (Governo do Estado do Rio Grande do Norte, 2002; KHAN e SILVA, 2005; MACÊDO et al 2011; SILVERA, 2009; PINHEIRO, sd). Deve-se recordar que o PCPR, embora seja implantado pelos governos interessados no combate à pobreza rural, é diretriz do Banco Mundial e que a experiência do PCPR do Vale foi posterior às experiências nos Estados nordestinos. O molde do PCPR, lembremos, é pré-estabelecido pelo Banco Mundial, e as experiências anteriores à do Vale do Jequitinhonha contribuíram à sua estruturação; inclusive configurando a Lista Negativa (Anexo V) de subprojetos devido ao conhecimento prévio de sua inviabilidade de financiamento, segundo o coordenador do PCPR2 .
Segundo o sítio do IDENE 3, o PCPR mineiro foi tomado como referência do Banco Mundial para outros Estados brasileiros, demonstrando que é “possível gerar trabalho e renda em regiões historicamente excluídas, promovendo inclusão social”. Interessante é que alguns dos aspectos ressaltados no Documento para Discussão sobre a visão da equipe do Banco Mundial sobre os subprojetos produtivos do PCPR no Nordeste brasileiro (Anexo VI) são que:

  • “Os PCPRs podem desempenhar papel fundamental na organização e agregação das associações de produtores, facilitando o acesso à assistência técnica e aos investimentos necessários para satisfazer as demandas e os padrões dos mercados.
  • Os subprojetos produtivos são intrinsecamente mais complexos, de custos mais altos para sua preparação e análise; apresentam maiores riscos na implementação e requerem consideravelmente mais assistência técnica e comercial (às vezes altamente especializada) do que os subprojetos tradicionais de infra-estrutura. (sic) […]
  • O agrupamento de associações em torno de uma associação central tem sido a forma mais utilizada para alcançar a escala necessária para garantir quantidade e qualidade do produto e aumentar o poder de negociação nos mercados maiores.”4

Além disto, o mesmo documento coloca que uma das ações promovidas pelo Banco Mundial em alguns Estados do nordeste foi o de buscar ligar os participantes do PCPR aos agentes de mercado. A ação concernia eminformá-los sobre as demandas dos diferentes tipos de produtos, facilitando contatos entre compradores potenciais e os produtores, envolvendo apoio técnico do setor privado ao fortalecer parcerias com organizações como o SEBRAE e desenvolvendo parcerias com agências de microfinanciamento para trabalharem diretamente com as associações.
No caso do Médio Vale do Jequitinhonha, além das parcerias com Prefeitura, EMATER e CMDRS verificou-se que não há outras relações promovidas pelo PCPR que fortaleçam a rede de contatos das associações comunitárias. Quando perguntados sobre a existência de encontros ou parcerias entre a comunidade e instituições públicas (além do IDENE, é claro) todos os entrevistados disseram não existir. Do mesmo modo todos entrevistados disseram que não são promovidas feiras ou encontros para criar redes de contatos/discussões entre os participantes do projeto com participantes de outros projetos semelhantes. Apenas quando perguntados sobre encontros da comunidade com outras comunidades que tivessem projetos semelhantes, que alguns dos entrevistados disseram haver. Todavia, tratar-se-ia de situação ocasional ocorrida nas feiras em que vão levar seus produtos, ou seja, informalmente; ou quando houve a instalação do seu subprojeto, em que alguns membros da comunidade foram convidados a verificar n’outras comunidades como se operava a produção. Sendo assim, as tais relações propostas pelo Banco Mundial aos PCPR’s dos demais Estados não estão sendo operados no caso do Vale do Jequitinhonha. Mesmo que o caso do PCPR mineiro sirva de exemplo, o que constitui uma contradição.
Verificou-se, em realidade, que a estrutura que visa gerar renda aos moradores das comunidades rurais a partir de uma rede articulada de produtores de matéria-prima, processadores e consumidores está ainda em estágio primário e que estas relações não estão sendo devidamente estimuladas pelo PCPR. Se já é do conhecimento institucional a riqueza que se pode processar a partir da promoção de relações formais intercomunitárias e com outras institucionalidades, faz-se necessário que tome os procedimentos adequados o quanto antes.
Não se pretende aqui levantar dúvidas sobre a integridade das pessoas que atuam pela instituição. Mas, há de se questionar os motivos da inação ainda permanente em pontos tão pungentes. Quanto ao Banco Mundial, é sabido que não se trata de instituição neutra, mas sim amparada nos interesses da lógica financeira internacional. Mas, se o organismo está oferecendo a oportunidade de recursos para prover as regiões desfavorecidas socioeconomicamente de projetos que lhe angariem benefícios, as instituições dos Estados periféricos devem redobrar as atenções e ações para “abocanhar” o máximo possível da parte infinitesimal que se pode obter dos recursos que outrora saíram de nossos próprios cofres 5 e enfatizar o trabalho por uma aplicação mais eficiente dos mesmos em prol dos que precisam.
Como coloca Furlanetto (2008), instituições são importantes para desenvolver as regiões, mas sabemos que se tratam de artefatos sociais construídos sob a interferência de diferentes coalizões. Caso o IDENE não procure tomar, em breve, as medidas necessárias para alcançar um desempenho mais eficiente/exitoso que as ações tópicas e localizadas que tem alcançado com o PCPR, aí sim, dever-se-á questionar a que interesses a instituição vem servindo: se à mudança real das condições das populações historicamente alijadas de uma melhoria substantiva da qualidade de vida, conforme propõe, ou se se envereda por um papel figurativo, com meios meramente paliativos de instituições renomadas. Em outras palavras, para alcançar maiores benefícios o IDENE deve buscar através do PCPR superar os as dificuldades encontradas na promoção do desenvolvimento de forma reflexiva e sistêmica.


1 Caso ocorrido com um dos entrevistados que teve a rapadura estragada porque parte da cana colhida na sua propriedade era salgada. Diante da aparente perda total da produção, dissolveu o melaço em água para servir de alimento para o gado. Além de lembrar com prazer que a palha da cana tanto servia para alimentar as reses como aprendera a também utilizá-la para fertilizar o seu plantio de hortaliças e protegê-lo do sol.

2 Cabe colocar também que segundo o mesmo, a lista de subprojetos elegíveis aumentaram à medida em que as comunidades priorizaram suas demandas in loco levando a ter na atualidade, aproximadamente, 60 tipos. Entrevista concedida via e-mail em 23/08/2011.

3 Notícia “Combate à pobreza rural é exemplo para outros Estados”, de 09 de dezembro de 2008.  http://189.115.127.93/pcpr/pagina_noticia_consultar_cad.asp?CodNoticia=1. Acesso em 26 de setembro de 2011.

4 Grifo meu.

5 Deve-se lembrar que os Estados Nacionais, e especialmente os periféricos, acabam sendo os pagadores do financiamento, dados os tantos recursos que são “perdidos” sob os interesses da lógica financeira internacional. Esvaídos com a finalidade de juros de dívidas infinitas.

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