MANIFESTAÇÃO RELIGIOSA DA IGREJA CATÓLICA: A FESTA DE SÃO TIAGO NO MUNICÍPIO DE MAZAGÃO VELHO – AP

Ione Vilhena Cabral
Tatiane da Silva Cardoso
Roberto Carlos Amanajás Pena

1.1 A ORIGEM DA FESTA DE SÃO TIAGO

 A festa de São Tiago, comemorada no município de Mazagão Velho1 , no Amapá, remonta há mais de dois séculos, ou seja, tem 229 anos, tendo se originado no continente africano, no século XVIII, a partir dos conflitos entre cristãos e mouros na cidade da Mauritânia (costa da África).
Assim como o Brasil, a África também era colônia de Portugal que tinha sob seus domínios a cidade africana de nome Mazagão. No entanto, para propagar a fé cristã e o batismo no continente africano, os portugueses contavam com a ajuda dos líderes religiosos e missionários de nomes Tiago e Jorge.
Comenta PEREIRA 1951 sobre os santos:

“Porque se realizavam ali grandes atos religiosos, missas, tedeus, e, no largo de Nossa Senhora da Assunção, procissões, círios, competições físicas, capoeiras etc...além de cavalhadas espetaculares. A festa tradicional, de maior importância para os moradores de Mazagão Velho, era, contudo, a de S. Tiago, acompanhado sempre de S. Jorge, santo, como se sabe, de participação particular dos negros”.
(PEREIRA, pg. 102)  

Apesar da ocupação portuguesa no continente africano, este tinha sua representação na figura do rei Caldeira, uma espécie de Presidente do país e, como todos os reis, ele também professava sua fé em um determinado deus, já que era mulçumano e pregava o islamismo, diferente dos portugueses que pregavam o cristianismo.
Então, logo que chegaram a colônia africana mazaganense, Tiago e Jorge se preocuparam em propagar o evangelho cristão aos marroquinos. A aceitação da fé cristã foi tão grande que esta se expandiu por todo o continente africano, chamando a atenção do rei Caldeira, que se preocupou com a perda em massa dos seus fiéis para o cristianismo, resolvendo, assim, lutar em favor do seu ideal.
Dava-se, então, início ao conflito religioso entre cristãos e mouros na África, uma vez que o rei Caldeira queria o fim da propagação do evangelho cristão, enquanto Tiago e Jorge queriam a expansão do cristianismo. A batalha durou anos e teve seu fim com a vitória dos cristãos.

Comenta CANTO 1998:

“A partir do do século XVI os mouros impuseram a religião maometana aos povos da África Ocidental, nascendo do entrechoque de seitas um novo culto: o male, religião dos negros mulçumanos que ao contato com o cristianismo passou por nova transformação, simplificando-se e quase abolindo as formas sacramentais do rito”. (CANTO pg. 19)

No entanto, para Santos (1994), nesse período, no século XVIII, Portugal já havia conquistado a Amazônia à quase dois séculos, mas o mesmo não dava tanta importância para a sua colônia brasileira. A preocupação de Portugal só ocorreu a partir dos ataques de invasão de alguns países, como, Holanda, Espanha, França, entre outros, já que queriam ocupar a região norte do país. Ainda segundo o autor, o monarca português, D. João III, implementou, em 1534, a colonização definitiva do Brasil, dividindo-o em capitanias hereditárias, já que os espanhóis buscavam explorar seus domínios territoriais situados abaixo da linha do Equador, compreendendo o Vale Amazônico que denominavam de Nueva Andaluzia.
Os portugueses, desde que iniciaram a conquista da Amazônia, na região compreendida entre o rio Jarí e a margem esquerda do Amazonas, do Peru até a foz, passaram a denominá-la de Terra dos Tucujus ou Tucujulândia, em função do número expressivo de índios da nação Tucujus.

Afirma CANTO 1998 na fundação da vila de Macapá:

“A colonização de Macapá (vila fundada em 1758, antiga província dos tucujus), deu-se por volta de 1751, quando Francisco Xavier de Mendonça Furtado, governador do Grão-Pará, para lá mandou as primeiras famílias de açorianos para povoar e resguardar aquela gleba na foz do Rio Amazonas, onde desde 1738 existia apenas um destacamento militar”. (CANTO pg. 18)

A coroa portuguesa, preocupada com a colônia brasileira resolveu ocupar, no Brasil, as regiões que estavam sofrendo ataques estrangeiros. Por outro lado, os africanos, na Mauritânia, também estavam em conflitos religiosos, por isso, o rei de Portugal resolveu desativar a cidade de Mazagão, no território Marroquino, transferindo, para o Brasil, mais precisamente para Belém, trezentas e quarenta (340) famílias que ali aportaram em janeiro de 1770. Vale ressaltar, ainda, que Belém foi fundada em 1616, no período em que se dava a consolidação da colonização portuguesa na Amazônia que, segundo Caio Prado Junior (2004), essa colonização se deu por motivos políticos. Conforme mostra o mapa da colonização dos continentes.



Fonte: MORAIS, Paulo dias. O Amapá na mira estrangeira/2003.
Mapa 01: Mapa da colonização dos continentes.

De acordo com os pesquisadores do Laboratório de Arqueologia da Universidade Federal de Pernambuco (2006), a coroa portuguesa ordenou ao governador do Grão-Pará, Ataíde Teive, que este mandasse construir casas para os novos moradores de Mazagão Marroquina2 . Assim, e já em solo amapaense, para alojar os novos colonos vindos da África, o governador mandou erguer um povoado as margens do rio Mutuacá para onde foram transferidas, em 07 de junho de 1770, cento e trinta e seis (136) famílias para a, então, denominada Nova Mazagão (hoje, Mazagão Velho-AP), que foi fundada em 23 de Janeiro de 1770, quando foi elevada a categoria de vila e teve sua primeira década de existência marcada pela rivalidade entre seus próprios habitantes. 
A região onde hoje se encontra o atual estado do Amapá foi doada ao português Bento Manuel Parente, em 1636, com o nome de Capitania da Costa do Cabo Norte, pois a região estava sofrendo invasões de estrangeiros que foram expulsos pelos portugueses. Em 1688, conforme Santos (1994) se deu de fato a fixação portuguesa nessa região, que era formada pela guarnição da Fortaleza de Santo Antônio. Já no início do século XVIII, em 1713, os franceses também reivindicaram a posse da área, mas só com o Tratado de Utrecht estabeleceram-se os limites entre o Brasil e a Guiana Francesa, limite este que não foi respeitado pelos franceses.
Sendo assim, os portugueses, em 1782, construíram, a Fortaleza de São José para proteger seus limites. No dia 01 de Janeiro de 1900, a Comissão de Arbitragem, em Genebra, deu a posse da região ao Brasil e o território amapaense foi incorporado ao Estado do Pará com o nome de Araguari, sendo que passou para Estado em 1986. No entanto, a economia do Estado, hoje, é voltada para as atividades extrativas, tanto vegetais quanto animal. Está localizado na região Norte, com uma área de 143.453,7km², fazendo limite com Guiana Francesa (N), Suriname (NO), Oceano Atlântico (L) e Pará (SE), possuindo 16 municípios. (www.mre.gov.br).
Assim, o foco principal desta pesquisa, o município de Mazagão Velho, fica localizado a 36 km da cidade de Macapá e a 28 km da sede do município de Mazagão Novo, foi fundado, conforme dito anteriormente, para abrigar as famílias de colonos lusos que vieram da costa africana. Essas famílias vieram com os seus escravos fugindo dos conflitos político-religiosos entre portugueses e muçulmanos.
Segundo o relato do Senhor Woshigton Santos, mais conhecido como seu “vavá Santos”, 86 anos, natural de Mazagão Velho, o conflito entre cristãos e mouros teve seu início no continente africano e seu fim lá, com a vitória dos cristãos. Desse modo, com a transferência dos cristãos para a Nova Mazagão, dava-se início aos festejos dos Santos Tiago e Jorge, ou seja, em 1777, com a celebração do primeiro ano em comemoração a estes Santos pela vitória em território Marroquino, quando passam a reviver as batalhas ocorridas no continente africano. Como mostra a foto da entrada de Mazagão Velho, que apresenta as figuras de São Tiago e São Jorge guardando o município até os dias atuais.


 Foto 01: Entrada do município de Mazagão Velho                            

Em virtude disso, a festa de São Tiago tem sua origem na lenda que conta o aparecimento do missionário Tiago como soldado anônimo que lutou historicamente contra os mouros. Desde a conquista das terras africanas, os lusitanos, católicos fervorosos, tentaram converter os mulçumanos ao cristianismo e a aceitar a fé em Cristo e o batismo de sua religião. Isso provocou descontentamento nos seguidores de Maomé que, mais tarde, declarariam guerra contra os cristãos que eram liderados, na época, por Tiago e Jorge. Vejamos a ilustração dos moradores mazaganenses que representam na encenação da batalha entre cristãos e mouros.















Foto 02: Figura de São Tiago


















Foto 03: Figura de São Jorge

  Durante vários dias ocorreram batalhas com grande vantagem para os lusitanos que resistiram aos ataques dos mouros. Na batalha Tiago e Jorge lutaram com garra e coragem, foram guerreiros ao lado dos cristãos. Conforme relato do Sr. Antônio José, 38 anos, natural de Mazagão Velho, responsável pelo departamento de cultura da Sub-Prefeitura de Mazagão, São Tiago fez três juramentos em favor dos cristãos, que são: “1°) Ele jurou pela cruz da espada que só a colocaria na bainha de sua cintura depois que vencesse a guerra; 2°) Se ele não vencesse a batalha, só sairia morto ou degolado da mesma em nome de Jesus Cristo; 3°) ele pediu a Deus que prolongasse o dia, até que ele pudesse vencer seus inimigos, ou para que ele vença ou para que seja vencido. E o dia se prolongou e eles venceram a batalha”.
Então, logo após esta batalha, Tiago e Jorge desapareceram misteriosamente do continente africano sem que ninguém percebesse, assim, os cristãos chegaram a conclusão de que eles foram enviados somente para lutarem ao lado deles e vencer a guerra, para que hoje o catolicismo fosse vivenciado pelas gerações futuras.
O fato narrado anteriormente a respeito de Mazagão Velho, faz parte da lenda folclórico-religiosa sobre a festa de São Tiago contada pelos moradores mais antigos daquela comunidade. Morais (2003), diferente dos moradores de Mazagão, em seu livro, “O Amapá na mira estrangeira”, aborda sobre Mazagão Velho numa perspectiva mais histórica. Segundo o autor, Mazagão ficava ao norte da África, na área onde se localiza o Marrocos e a Mauritânia, era lugar de disputa entre os portugueses cristãos e os árabes muçulmanos.
Para o autor, portugueses e espanhóis chegaram aos portos marroquinos por volta do século XV, lá estabeleceram o comércio e a conquista da área geográfica desses países. Em 1521, o rei de Portugal, D. João III, procurou enfrentar o espírito guerreiro-religioso dos habitantes do norte da África, construindo em 12 de Fevereiro de 1549 um forte em Alcácer-Quibir para a defesa desta cidade e inclusive da Mazagão africana, dando início ao conflito, como denominou Morais (2003), de “Guerra Santa” entre cristãos e mouros na região marroquina-mauritânia.
Ainda no século XVI, a batalha lusitana continuava ao norte da África. Então, por causa das lutas de dependência econômica, o ministro de D. José I, o Marquês de Pombal, resolveu desativar a Mazagão africana, criando, então, a Nova Mazagão do Amapá para abrigar as referidas famílias portuguesas e seus escravos, os quais se transformaram nos primeiros agricultores da região (MORAIS: 2003: 36).
Em 14 de Maio de 1833, Nova Mazagão perde sua categoria de vila e seu nome de origem, passando a denominar-se “Regeneração”, esse fato se deu em função de sua decadência econômica e da epidemia de cólera que vitimou a maioria de seus habitantes. Mais tarde, o governador do Estado do Pará, após analisar relatórios que lhe eram enviados sobre a situação política, econômica e social de Regeneração, resolveu autorizar, por volta de 1915, que o burgo fosse administrado por Macapá. (MORAES: 2003).
As autoridades resolveram que deveria ser eleito um novo local para instalação da sede do município que ficou situada ao norte da antiga Nova Mazagão, por ser o local mais próximo da cidade de Macapá, entre o rio Vila Nova e o braço esquerdo do rio Amazonas. Sendo assim, foi criado, em 15 de Novembro de 1915, um outro nome para esta cidade e, para evitar equivoco com a primeira, recebeu o nome de Mazagão Novo, onde atualmente funciona a sede desse município (MORAIS: 2003: 39).
Assim, então, foi criada a Nova Mazagão Amapaense para abrigar as famílias de colonos portugueses junto com os seus escravos, que alguns anos apos a sua chegada dariam inicio a uma das maiores tradições do Estado do Amapá, que é a festa de São Tiago, onde atualmente esta completou 229 anos de tradição e persistência, acompanhando aos avanços tecnológicos mais não perdendo sua essência.


1 Segundo relato do senhor Antônio José, 38 anos, morador de Mazagão Velho, esta palavra tem origem hebraica e significa café frio.

2 Na época, século XVI, Mazagão Marroquina era um centro comercial. Atualmente, é a cidade de El Jadida, cf no www.mre.gov.br

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