ECONOMIA SERGIPANA

Cid Olival Feitosa

Capítulo IV – INDUSTRIALIZAÇÃO E DESENVOLVIMENTO URBANO EM SERGIPE

A urbanização de Sergipe mostrou-se atrelada ao seu desenvolvimento econômico, ganhando maior destaque a partir da década de 1970, com o processo de industrialização do Estado, que induziu diversos setores econômicos e desenvolveu, efetivamente, uma aglomeração urbana.
Marcado pela herança do complexo econômico nordestino, com rígida estrutura produtiva, até a década de 1970 não se verificou um crescimento expressivo das funções urbanas em Sergipe. Na verdade, seu processo de urbanização foi muito lento e atomizado, convergindo posteriormente para a capital. Somente com a expansão industrial, através da instalação de empresas estatais, o quadro urbano de Sergipe passou a sofrer modificações de maior vulto, como o aumento da verticalização das construções e a valorização intensa do uso do solo.
Visando analisar os fatores determinantes para o processo de urbanização de Sergipe, suas transformações espaciais e as políticas urbanas recentes, o presente capítulo está dividido em três seções. Na primeira seção faz-se um breve resgate histórico do processo de formação da economia urbana de Sergipe, buscando ressaltar a importância e a primazia que Aracaju vai assumindo no cenário urbano-regional sergipano, bem como os fatores determinantes dessa hegemonia. Na seção dois são analisados os impactos que a industrialização trouxe para o Estado, destacando-se a forte atuação do poder público na construção da urbanização de Sergipe, bem como os impactos sobre o mercado de trabalho estadual e os movimentos migratórios ao longo das décadas de 1970 a 2000. Por fim, à luz das “novas” políticas de desenvolvimento urbano, baseadas na idéia de “empresariamento” urbano, “cidade-mercadoria” ou “cidade-sustentável”, apresentamos algumas ações do poder público, na execução de obras de infra-estrutura e construção de empreendimentos imobiliários que ilustram o crescimento e adoção de um “pensamento único” ditado não apenas pelas necessidades da população, mas também pela conjuntura internacional.

 

O desenvolvimento das atividades urbanas em Sergipe – a determinação de hierarquias

Apesar da ocupação do território sergipano ter ocorrido no final do século XVI, a efetiva formação de cidades e vilas foi se processando somente a partir do final do século XVIII, em resposta ao próprio desempenho econômico da região e às suas possibilidades produtivas, período que coincidiu com a retomada do crescimento do setor açucareiro brasileiro.
Essa relativa expansão econômica propiciou o surgimento de algumas povoações no território e o estabelecimento de casas comerciais na própria Província. Assim, o quadro urbano de Sergipe, em 1800, era: uma cidade, São Cristóvão – a capital; sete vilas 1 – Santa Luzia, Thomar, Propriá, Lagarto, Itabaiana, Santo Amaro e Vila Nova (atual Neópolis); quatro povoações – Laranjeiras, Pacatuba, Japaratuba e São Pedro; e uma população estimada de 55.600 habitantes, sendo 13.217 brancos, 20.849 pardos, 1.641 índios e 19.893 pretos (FONTES, 1974).
Embora nos séculos coloniais não fossem numerosas as funções urbanas, a função político-administrativa representava quase sempre um papel de destaque na vida, no grau de importância e no destino dos aglomerados urbanos. No entanto, duas outras funções tinham importância bem maior: a função comercial e a função religiosa, dado que os aglomerados urbanos eram, antes de tudo, o lugar onde se faziam as compras indispensáveis ao bem-estar dos habitantes, onde se realizavam os negócios e onde as famílias se reuniam para manifestar o espírito cristão português (AZEVEDO, 1956).
As vilas florescentes do século XIX foram aquelas que se transformaram em centros comerciais ativos – Estância, Maruim, Laranjeiras e Propriá – adquirindo ares de cidade propriamente dita. São Cristóvão, sede do Poder Público, não era a maior concentração urbana da Capitania e não exercia o controle administrativo das vilas, que ficava sob responsabilidade das forças rurais (ALMEIDA, 1984).
No início do século XX, Sergipe possuía doze cidades, vinte e cinco vilas e o crescimento das feições urbanas. Por mais simples que fosse a organização socioeconômica das cidades sergipanas, alguns aspectos diferenciavam-nas da vida rural: comércio, indústrias rudimentares e alguns poucos serviços. Ademais, os anos de 1900 trouxeram uma significativa mudança na conformação urbano-regional de Sergipe: a hegemonia adquirida por Aracaju (FONTES, 1974).
Aracaju surgiu, desde o início da sua fundação, como uma cidade planejada. O poder público atuou de forma direta na construção da cidade, elaborando o plano diretor, concedendo aforamentos de terrenos de marinha aos funcionários públicos e adiantamentos financeiros para construção de casas. A cidade nascia com projetos de disciplinamento urbano, com ruas em linhas e ângulos retos e praças ajardinadas que, embora ainda fosse um centro urbano pobre, sem serviço de água, esgotos ou bondes, constituía-se a única verdadeira cidade de Sergipe quase independente do campo2 (RIBEIRO, 1989).
Até o final do século XIX, contudo, a importância de Aracaju permaneceu ligada à sua hinterland mais direta, constituída da zona do Cotinguiba, principal área produtora de açúcar. A baixa influência de Aracaju sobre as demais regiões do estado estava relacionada à existência de cidades que, além da função portuária, exerciam importante função comercial e de serviços para as áreas mais próximas.
Os principais centros comerciais, com portos regionais, que rivalizavam diretamente com Aracaju eram: ao norte, ao longo do Rio São Francisco, a cidade alagoana de Penedo, que atingia elevados volumes de exportação de algodão e cujo raio de influência ultrapassava seus limites estaduais, chegando às cidades ribeirinhas sergipanas banhadas pelo São Francisco; e ao sul, a cidade de Estância, que mantinha relações diretas com o exterior, para onde enviava o algodão e o açúcar que recebia do interior e de onde se abastecia das mercadorias que redistribuía (CORRÊA, 1965).
Aracaju, aos poucos, foi expandindo sua área de influência através do desenvolvimento das funções político-administrativas e portuárias, como também, criando novas funções, quais sejam, a industrial e a de novos serviços, adquirindo centralidade no contexto sergipano.
O porto de Aracaju contribuiu para promover a redução do papel de intermediação da Praça de Salvador no comércio externo do estado, reorientando as exportações sergipanas para o mercado nacional e ampliando as importações diretas. Em função disto, as casas comerciais locais mais importantes promoveram uma diversificação das suas atividades, executando também serviços financeiros, de seguro, transporte etc., culminando com a implantação de alguns segmentos industriais, especialmente o têxtil (PASSOS SUBRINHO, 2001).
O surgimento de estabelecimentos verdadeiramente fabris vinculados aos mercados urbanos requereu a existência de requisitos mínimos necessários para o funcionamento das indústrias nascentes, tais como, meios de transporte, comercialização, capitais, suprimentos de bens de capital, matérias-primas, força de trabalho, etc. (PASSOS SUBRINHO, 2001). Assim, uma série de obras públicas e beneficiamentos urbanísticos promoveu um acelerado ritmo de crescimento da cidade: implantação dos serviços de água encanada (1908), energia elétrica (1913), esgotos (1914), rede telefônica (1919), bonde a tração animal (1908), construção de diversas escolas, edifícios públicos, casa de espetáculos, bancos, dentre outros, permitindo uma maior extensão do perímetro urbano construído (RIBEIRO, 1989).
Quando sobreveio a crise de 1929 e se desencadeou o processo de industrialização no país não se observou uma modificação na estrutura produtiva da economia sergipana, uma vez que as suas principais atividades – produção açucareira e têxtil – já estavam voltadas para o mercado interno. Contudo, o processo de articulação comercial, resultado da diversificação da atividade produtiva e da implantação de um sistema de transporte e comunicação que possibilitou o desenvolvimento do mercado nacional, explicitou o aumento da competição inter-regional, impactando diretamente na indústria têxtil local, pelas características de baixa produtividade, estrutura pouco diversificada, débeis relações capitalistas de produção e reduzida atualização tecnológica (NASCIMENTO, 1994).
Por outro lado, o desenvolvimento do sistema de transportes permitiu um maior controle por parte de Aracaju sobre as cidades próximas. Desde 1914, com a implantação do sistema ferroviário, Aracaju passou a ser o centro de dispersão de duas ferrovias, uma para o norte e outra para o sul. Na direção norte do estado, a ferrovia possibilitou que Aracaju alargasse sua zona de influência, desde a Zona da Mata canavieira até o Baixo São Francisco, absorvendo as cidades sergipanas que outrora dependiam comercialmente de Penedo. Já para o sul, pelo menos no início, a ferrovia não apresentou os efeitos esperados, chegando a diminuir as poucas relações existentes entre as cidades e a sua capital, acentuando os laços com Salvador (DINIZ, 1970).
Somente com a expansão das vias de comunicação rodoviária, Aracaju expandiria seu domínio sobre as diversas áreas de Sergipe. Todas as linhas tronco irradiavam-se da capital fazendo a ligação com os espaços interioranos e com os grandes centros do Nordeste. Assim, a melhoria das ligações terrestres entre Aracaju e o restante do estado, o desenvolvimento do seu comércio e o obsoletismo das condições portuárias de Estância possibilitaram uma atuação crescente da capital sergipana na parte sul do estado, que foi gradativamente sendo anexada à região de influência de Aracaju (RIBEIRO, 1989).
Em função das novas ligações rodoviárias, algumas cidades do interior passaram a ter maior importância no conjunto urbano de Sergipe, funcionando como pontos de ligação ente a capital e os centros locais. A cidade crescia, agora, não mais em função do porto, mas em conseqüência das rodovias recém construídas (MACHADO, 1990).
Como forma de determinar a hierarquia exercida por Aracaju ante as diferentes partes de sua hinterland, Corrêa (1965) identificou quatro áreas de sua influência, além da região do Cotinguiba – área de influência imediata de Aracaju –, que exerciam a função de centros intermediários (ou centros de zonas) e vinculavam-se diretamente à capital, buscando estender sua atuação para municípios menores3 : a área de influência de Itabaiana, na região semi-árida, que tinha como principais atividades a pecuária extensiva e a agricultura, considerada o “celeiro” sergipano; a área de influência de Propriá, localizada no Baixo São Francisco, constituia-se num elo entre a hinterland de Aracaju e a de Maceió; a área de influência de Estância, localizada no sul do Estado, despontava para o aparecimento de pequenas indústria; a área de influência de Lagarto, que cultivava produtos agrícolas para o mercado e desenvolvia a pecuária extensiva.
No entanto, não se deve esquecer que o estabelecimento de hierarquia de cidades apresenta modificações ao longo do tempo. Assim, entre 1940 e 1980, Estância, no sul do Estado, sofreu redução acentuada da taxa de crescimento, mas conseguiu se manter como a cidade que abrigava a segunda maior população urbana de Sergipe. Já Propriá, ao norte, apresentou um irremediável declínio, inclusive passando da 3ª posição, em 1940, para a 5ª em 1980. Itabaiana e Lagarto, no agreste sergipano, apresentaram taxas elevadas de crescimento demográfico, mas enquanto em Itabaiana o incremento populacional ocorreu entre 1940-1960, em Lagarto esta expansão se deu entre 1960-1980 (Tabela 4.1). Nesse processo de alteração hierárquica, quatro das dez cidades que abrigavam as maiores populações urbanas do estado (Neópolis, Maruim, Cedro de São João e Laranjeiras) desapareceram no período compreendido entre 1940 e 1980. Por outro lado, despontaram as cidades de Lagarto, Simão Dias, Tobias Barreto e Boquim. A partir dos anos 1980, uma nova configuração hierárquica iria se estabelecer, com a criação da Grande Aracaju e, posteriormente, com a Região Metropolitana de Aracaju.

A existência dos centros intermediários, no entanto, não implicou na criação e/ou adensamento de uma rede urbana4 em Sergipe, pois as relações entre esses centros e as cidades vizinhas eram frágeis e não havia uma especialização das funções das cidades (ou uma divisão territorial do trabalho). Na realidade, já havia uma grande dominância da capital, em que a freqüência e volume de relações entre todas as cidades e Aracaju era maior do que com os centros interioranos (DINIZ, 1987). Esse fato, segundo França (1999), decorria da exigüidade do território sergipano5 e de uma malha radial que priorizou as ligações com a capital. Tornava-se mais fácil manter relações diretas com Aracaju, que já oferecia uma série de serviços especializados, do que com as cidades intermediárias.
A primazia de Aracaju passou a atrair uma corrente de migrantes, intensificada em função da crise agrária que expulsou massas humanas do campo. Com o declínio das atividades açucareiras e algodoeiras, a pecuária passou a ganhar dinamismo, ocupando inclusive áreas tradicionalmente voltadas à lavoura. A expansão da atividade criatória estimulou um amplo processo de migração rural-urbana, seja das famílias dos latifundiários que buscavam na capital uma melhor formação para os filhos e outras atrações da vida urbana, seja pela massa da população pobre que, expropriada do campo, se deslocava para Aracaju em busca da sobrevivência (RIBEIRO, 1989).
Aracaju que, em 1920, absorveu 7,8% da população do Estado, em 1940 passou a concentrar 10,8% dela, atingindo em 1960 o percentual de 15,2% e ultrapassando os 25% em 1980. Nessa década, Aracaju ainda reunia 33,9% dos estabelecimentos comerciais, 44,7% dos empregados do comércio, 50,3% dos empregados da indústria e 52,8% do valor da produção industrial, demonstrando a sua superioridade no conjunto urbano-regional de Sergipe, conforme pode ser observado na Tabela 4.2.


Tabela 4.2

ARACAJU

População, Comércio e Indústria - 1940-1980

Ano

População Total do Município

Estabelecimentos Comerciais

 Empregados no Comércio

Operários

% Valor Produção Industrial/SE

Habit.

% SE

% SE

% SE

% SE

1940

59.031

10,8

446

23,4

879

41,0

2.479

18,1

26,5

1950

78.364

12,5

701

19,5

1.423

25,4

3.265

22,3

26,5

1960

114.162

15,2

1.017

17,5

1.918

20,7

2.901

19,2

32,7

1970

186.833

20,7

2.010

25,7

5.821

39,0

4.097

36,6

59,0

1980

293.131

25,7

3.020

33,9

10.379

44,7

6.318

50,3

52,8

Fonte: Diniz (1987, p. 77)

 

 

Dados esses fatores, na segunda metade do século XX Aracaju não somente passou a exercer forte influência sobre os municípios sergipanos, como também pôde extravasar sua atuação para alguns municípios limítrofes de Alagoas e Bahia, assegurando a posição de centro administrativo, político e econômico de Sergipe (CORRÊA, 1965).
A partir de 1960, uma nova configuração socioeconômica seria gestada na economia sergipana, com o processo de integração produtiva da economia brasileira, apresentando contornos mais nítidos na década de 1970, conforme será apresentado seção seguinte.


1 Das sete vilas, quatro estavam localizadas na Zona da Mata, que acolhia a maior parte da população urbana (62%) e três estavam situadas no agreste (ALMEIDA, 1984).

2 Nascida para dotar a Capitania de um centro administrativo integrado à sua região mais próspera, a do Cotinguiba, Aracaju deveria desempenhar um novo papel comercial e marítimo, levando Sergipe ao circuito das relações internacionais e rompendo com a dependência do centro comercial da Bahia (ALMEIDA, 1984). Além disso, a criação de Aracaju atendia a interesses econômicos e políticos. De um lado, procurava suprir os desejos dos produtores de açúcar da zona do Cotinguiba em construir um porto capaz de exportar o volume de açúcar produzido anualmente. De outro, com a mudança da capital, buscava exercer forte controle sobre as diversas regiões econômicas da Capitania (RIBEIRO, 1989).

3 Para a determinação da hierarquia que ora apresentamos, Corrêa (1965) utilizou como critérios: o abastecimento do comércio varejista e atacadista de cada centro; a distribuição de mercadorias por parte do comércio; o número de lojas varejistas e atacadistas; existência de lojas filiais e localização das matrizes; procedência de doentes e alunos de escolas secundárias; número de bancos; número e gênero de indústrias; freqüência semanal de linhas de ônibus conforme os itinerários.

4 Segundo Corrêa (1988) rede urbana é o conjunto de centros urbanos funcionalmente articulados entre si, reflexo da e condição para a divisão territorial do trabalho.

5 As cidades mais afastadas de Aracaju não ultrapassam os 186 km de distância, podendo ser vencidos no período de uma a duas horas de viagem.

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