O SEGUNDO CICLO DE KONDRATIEV (1843-1896) E O SEU LIAME COM A PARTICIPAÇÃO DOS ESTADOS UNIDOS NA GUERRA DO PARAGUAI

Roberto Mauro da Silva Fernandes

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Constatamos que a Guerra do Paraguai enquadra-se como um conflito de fase B, que geralmente ocorre em períodos de baixa da economia mundial, e que numa escala global não proporcionou um grande impacto na ordem econômica. Assim, seria um pouco equivocada a análise de que o Paraguai incomodava economicamente a Grã-Bretanha, ameaçando o seu status de nação que controlava as ações políticas e econômicas na Bacia Platina e que por esse motivo fora destruído pelo governo britânico por meio de um conflito.


O conflito foi resultado das conjunturas econômicas do século XIX, definidas por mudanças hegemônicas nas esferas regional e mundial, dessa forma, a Guerra do Paraguai foi uma das materializações que são inerentes as relações entre os Estados numa determinada Ordem Internacional, no caso daquela, que definiu, ou que estava definindo, a troca da liderança regional, mais tarde global, da Grã-Bretanha para os Estados Unidos.

O Conflito que se desenrolou na Bacia Platina foi explorado pelas pretensões políticas e econômicas do governo norte-americano, que vislumbrava o domínio regional e a suplantação da influência Britânica, e/ou de qualquer outra nação européia que estivesse atuando no contexto sul-americano. Objetivos que foram perseguidos pelos Estados Unidos de forma tenaz e eficiente, visto que antes da primeira guerra mundial já se encontravam na situação de grande potência mundial.

A América do sul, como mercado consumidor e exportador de matéria- prima estava no campo de influências e dos desejos das principais potências da época, e com instabilidades políticas oriundas dos tempos das emancipações de suas nações (recalcitrâncias internas que, diga-se de passagem, são conseqüências da própria política das nações européias que colonizaram e deram as bases para as subseqüentes instituições, que entre outras coisas, definiram as bases do poder em cada Estado do continente sul-americano e, subseqüentemente, de suas relações), ensejando brechas para as disputas dos sujeitos externos em esferas de maiores proporções, e como vimos, por todo século XIX norte-americanos, Britânicos, franceses, sempre estiveram em busca da melhores “fatias” do continente.

Disputas que posteriormente penderam para o sucesso dos Estados Unidos da América a partir da segunda metade do século XIX e por todo século XX, principalmente, pela proximidade as nações Latinas e em conseqüência da sua política agressiva de “Destino Manifesto” sob um continente que nasceu em meio a conflitos sangrentos.

Assim, para os norte-americanos era viável a Guerra do Paraguai e qualquer outro conflito nesse continente, que gerasse margem para que os envolvidos se utilizassem de sua indústria armamentista, esta que estava em plena ascensão e que detinha na época do conflito platino uma tecnologia industrial  bélica que permitia o reequipamento das tropas em curto período de tempo, sendo um grande atrativo para os principais protagonistas do evento.

Mas, além vender os equipamentos para os participantes do conflito, a Guerra do Paraguai se tornou um grande ensejo para que o governo norte-americano, e alguns setores ligados ao mesmo, engendrassem ações que estavam na pauta de suas pretensões políticas na Bacia Platina e no continente sul-americano como um todo.

Vimos que a participação norte-americana não se deu somente na venda de armas, o governo e alguns setores a ele ligados foram atuantes no desenrolar dos acontecimentos, principalmente em favor de Solano López. Mas, ressaltamos que não foram os causadores da guerra, simplesmente, aproveitaram-se da conjuntura, pois a mesma se enquadrava perfeitamente no contexto de sua política de fronteira que estava relacionada a expansão de sua influência política e econômica iniciada no início do século XIX.

A nossa retórica, não tem nada haver com o fato de afirmarmos que os Estados Unidos são os culpados pela destruição do Paraguai. As ações do governo norte-americano foram conseqüência da sua estrutura de poder com capacidade de ação para alterar o equilíbrio do sistema na Bacia Platina.

Atentamos também ao fato de que numa Ordem Internacional, os Estados raramente existem isoladamente, assim ocorrera uma interação dos interesses norte-americanos com as pretensões de cada Estado platino em seu ambiente doméstico, extremamente conflituoso. Dessa forma, o choque de interesses entre esses Estados foi inevitável.

De um lado, encontrava-se o governo Imperial brasileiro com uma política externa definida, com suas instituições consolidadas, com projetos mais do que elaborados para Bacia Platina, de outro uma Argentina ainda fragmentada, com disputas internas entre aqueles que defendiam a unidade em detrimento dos confederalistas de Buenos Aires.

Existia também um Paraguai, que há pouco saía do seu estado insular, militarmente forte, mas com políticas indefinidas, reivindicando um “equilíbrio de poder” que aquele governo de Solano López não podia sustentar. Havia um Uruguai imensamente “bulinado” pelos governos da Inglaterra, França, Brasil, Argentina, que naquele momento somente o condicionava a dizer “sim senhor”. E numa trajetória ascendente vinha o Estado norte-americano, com políticas definidas no campo econômico e militar, sem tensões no seu ambiente doméstico e pronto para redefinir as bases do poder nas Américas. 

Assim, com distinções ou não, que caracterizavam com “virtudes” e com “falhas” cada um dos Estados platinos, todos, enfatizo, todos, estavam nos planos do governo norte-americano, sejam eles na esfera militar, econômica e política, como também, encontravam-se no caminho dos mecanismos “hobbesianos” desse governo, ou seja, das ações externas que visavam o enfraquecimento, senão mesmo a destruição e a posse dos Estados que compunham a Bacia Platina. Se o governo brasileiro possuía políticas definidas para a América do Sul, o governo norte-americano há muito tempo havia planejado e estava realizando as suas territorializações na América Latina.  

Por outro lado, não se pode negar que a Grã-Bretanha estava diretamente envolvida nas questões internas da Bacia Platina, a mesma possuía estreitas relações comerciais, políticas e de “amizade” com as nações dessa região. Mas, afirmar que a mesma foi a responsável pelo conflito, armando o Brasil, é um pouco forçoso, ainda mais quando existem explícitas evidências de que a relações entre essas duas nações sempre estiveram impregnadas de contradições e de segundas intenções desde o processo que levou o governo britânico a reconhecer a independência do Brasil.

Relação entre o Império brasileiro e Grã-Bretanha que se agravou a partir de 1863, encaminhando as duas nações para o rompimento de relações diplomáticas por praticamente dois anos, somente vindo a se reaproximarem após o início da Guerra do Paraguai.

Dessa forma, tentamos também demonstrar a partir alguns indícios que o governo Imperial do Brasil possuía um projeto de autonomia incompatível as pretensões econômicas britânicas na Bacia Platina, e que a partir da década de quarenta do século XIX começou a ser aplicado, recebendo enclaves providenciais do governo da Grã-Bretanha.

Queremos deixar bem claro que a discussão envolvendo as relações entre os governos brasileiro e britânico  tem como objetivo demonstrar algumas das divergências entre o Império do Brasil e a Grã-Bretanha, pois são de extrema importância nas questões que envolvem a participação dos dois Estados na Guerra do Paraguai.

Não pretendemos, de forma alguma, fazer uma defesa de um ou outro sobre a participação das duas nações no conflito platino, mas, o que não pode ocorrer é o ocultamento dessa página existente nas relações econômicas e diplomáticas de Brasil e Grã-Bretanha, visto a importância que a temática possui para a história da Guerra do Paraguai, da América do Sul, para o Estado paraguaio, o mais prejudicado com o conflito e, sobretudo, para os atuais esforços que se realizam a fim de aproximar os Estados e, principalmente, os povos sul-americanos.
Uma conjuntura “amiga – inimiga” existiu entre os Impérios do Brasil e Grã-Bretanha durante o século XIX e que essa discussão para se mitigar algumas retóricas hodiernas que ainda insistem em dar culpabilidade aos Britânicos pelo conflito que se deu na Bacia Platina e que destruiu o sistema produtivo e político do Paraguai naquele momento do século XIX, vindo a influenciar suas estruturas mais recentes, e que de alguma forma foi preponderante na definição das políticas posteriores inerentes ao Estado paraguaio.

Todavia, existe um grande distanciamento entre a posterior dinâmica interna do Paraguai em conseqüência do conflito com a suposta culpa da Grã-Bretanha em relação à alteração das bases estruturais dessa nação. Assim, a Grã-Bretanha não pode ser considerada a culpada pela deflagração da Guerra do Paraguai, como mero desejo que favoreceria seus interesses na Bacia do Prata e, muito menos, é a responsável pelos problemas ulteriores relativos ao Estado paraguaio. 

Em relação ao discurso engendrado por José Chiavenatto, as suas análises um tanto quanto que equivocadas, e que influenciou grupos, partidos, classes sociais na luta contra o “imperialismo”, de certa forma, tentou esconder o fato de que o conflito desencadeou-se em conseqüência das disputas internas dos participantes (apesar de todas as pressões externas que existiam na Bacia do Prata durante aquele período do século XIX).

Os antagonismos estiveram tão presentes que, proporcionaram a criação de mecanismos por parte do governo norte- americano, na tentativa de mudar a “Ordem” regional daquele momento a seu favor, levando-os a se “embrenhar” nas disputas dos Estados platinos. 

Assim, novamente ressaltamos, que esta pequena discussão venha a ajudar a derrubar suposições levianas, como as criadas pelo jornalista Júlio José Chiavenatto no passado e que deram, e infelizmente ainda dão força ao arraigamento de discursos anacrônicos, que podem ser materializados de forma negativa no contexto em que atualmente vivemos no continente sul-americano, um momento de tentativas de aproximação entre os seus Estados.

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