ANTECEDENTES DO CAPITALISMO

ANTECEDENTES DO CAPITALISMO

Carlos Gomes

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1.9 – PASTORÍCIA, PECUÁRIA, CRIAÇÃO DE ANIMAIS

A pastorícia engloba o conjunto das actividades relacionadas com a protecção, a gestão e a utilização de rebanhos (no caso dos ovinos ou caprinos) ou de manadas (no caso dos bovinos, equinos e camelídeos) e implica uma deslocação dos animais criados. O tipo e a amplitude destas deslocações dependem das características do gado e da conjugação dos factores ambientais específicos dos diferentes ecossistemas. Uma vez esgotados os recursos de uma determinada área torna-se necessário transferir o gado para outro lugar para permitir a renovação da flora com o fim de voltar a fornecer alimentos. Um das causas desta movimentação é, por vezes, a escassez de água. A criação com carácter nómada penetrou progressivamente no interior das imensas savanas, muitas vezes pouco apropriadas à agricultura. A possibilidade de fazer deslocar os rebanhos e as manadas é indispensável para assegurar a sua reprodução. Os pastores consideravam as manadas como propriedade sua e procuravam geri-las, capturando e domesticando os animais mais jovens, eliminando os machos supérfluos, acompanhando e orientando as deslocações sazonais, mas nunca as forçando a abandonar o seu habitat natural.

A pastorícia obriga a um estilo móbil que se reflecte no nomadismo dos grupos que nela baseiam a sua subsistência e dá lugar a uma diferenciação social mais notória. Os pastores nómadas para poderem sobreviver tinham de se adaptar aos desafios do ambiente específicos para cada espécie. Através dos tempos acumularam uma vasta experiência e conhecimentos. As tribos nómadas da África Ocidental, especializadas na criação de gado em larga escala, erram sucessivamente de terra em terra em simbiose com as comunidades camponesas autóctones.

A pastorícia é uma actividade especializada que exige conhecimentos técnicos especiais necessários ao aproveitamento desse produto que é o animal. Está sujeita a quebras acentuadas de produtividade, quer pelas condições climatéricas quer pelo efeito das doenças que atingem o gado.

Na exploração pecuária aproveitam-se as terras comunais, os baldios ou praticam-se deslocações com o gado em busca de pastagens. Podem-se distinguir três tipos de exploração: um primeiro grupo, composto por lavradores que, possuindo algum gado leiteiro e de trabalho, utilizam os pastos das herdades e dos baldios, além das forragens por eles armazenadas; um grupo intermédio, que inclui os indivíduos dedicados conjuntamente à lavoura e á pecuária, tendo neste caso de preparar glebas a fim de as destinar a pastagens ou integrar os animais nos rebanhos itinerantes; um último grupo composto pelos indivíduos que vivem só da criação de gado.

A actividade dos lavradores incluídos no primeiro grupo não exigia o recurso a processos técnicos complexos nem a utilização de instrumentos agrícolas muito complicados. A riqueza pecuária e avícola servia para a alimentação, para estrumar a terra e, também, como meio de transporte ou de tracção das carroças e arados.

Uma das características mais notórias do grupo intermédio consiste na sua actividade pecuária ser itinerante. A grande maioria dos animais alimentava-se por meio de deslocações constantes, deslocando-se dum local para outro, o que não significa que se não praticassem processos de armazenamento da palha e de folhas de certas árvores para dispor das indispensáveis forragens principalmente nas regiões onde o clima recomendava o alojamento em estábulos do gado ou em corrais durante a estação fria.

Os grupos pastoris, dedicados apenas à criação de gado, tinham de o deslocar para as zonas onde podiam encontrar pastos suficientes, ou seja, praticar a transumância. Tinham de se manter em constante movimento e conduzir os seus rebanhos pelas suas pastagens habituais em terrenos montanhosos, vales e planícies, ou pelas estepes semidesérticas. Além disso tinham necessidade de confiar os seus rebanhos ou manadas a pastores profissionais, o que já implicava o estabelecimento de regras e de condições e trabalho.

A criação de gado pode existir numa economia basicamente agrícola, mas neste caso significa apenas a obtenção, a partir do animal doméstico produtor, de géneros alimentícios de origem animal e dos seus derivados. A agricultura e a pastorícia constituem muitas vezes duas formas de produção simultâneas e complementares, mas também estiveram muitas vezes na origem de conflitos, tanto no interior dum mesmo grupo como entre grupos sociais diferentes. A vantagem da criação de gado residia também no facto de, havendo crise de mão-de-obra, a terra poder ser mantida sem ser cultivada durante algum tempo, dado que o cultivo requer uma força de trabalho muito maior.

A ligação entre a criação de animais e a agricultura requeria um equilíbrio apropriado entre os terrenos de pastagem e os terrenos aráveis o que incitava à limpeza dos bosques. O direito de compáscuo consistia na cedência de pastagens em determinadas folhas das terras agricultadas impostas aos seus proprietários ou rendeiros. Este regime constituía uma preciosa ajuda aos criadores de gado. Os pastores que utilizassem as pastagens das classes senhoriais tinham de lhes pagar um tributo avultado, denominado montado.

As culturas de forragens tornaram-se essenciais para a expansão da agricultura, pois eram parcelas de terreno que doutra forma teriam ficado em pousio. Assim, o solo era reforçado com nitrogénio ficando preparado para novos cultivos. As forragens ao mesmo tempo que serviam de alimento para os animais, eram utilizados na produção de estrumes e de novo aplicados na fertilização da terra. O feno era conhecido desde longa data e servia de forragem durante as estações do ano em que os animais não podiam sair. A qualidade das forragens fornecida em gerações sucessivas permitia obter raças mais robustas.

O desenvolvimento da tecnologia da criação animal conduziu a uma melhor compreensão da importância do gado como meio de subsistência, meio de produção, como bem de troca e, ainda, meio de tracção e de transporte. Todos estes factores contribuíram para uma melhor gestão do aproveitamento dos animais. Assim, o abate poupava os animais que serviam para reprodução. Tudo indica que, embora de forma ainda empírica, os camponeses tenham recorrido a manipulações genéticas ao seleccionarem animais para reprodução, melhorando assim a qualidade do leite e da lã. Foram empreendidos esforços no cruzamento de raças e na especialização de rebanhos. Em certas regiões, os agricultores dedicavam-se ou à criação de vacas leiteiras ou de animais destinados à venda. A selecção de porcos melhorou a sua qualidade e o seu tamanho. Porém, o progresso da criação de animais resultou mais duma melhor alimentação que da selecção.

O principal objectivo da criação de animais era a obtenção da carne, dos ovos, do leite e da lã. O leite de ovelha, cabra e vaca assumia um papel importante na dieta alimentar das comunidades camponeses, tal como os seus derivados: as natas, a manteiga e o queijo. Estes produtos foram cedo lançados no mercado; eram objecto de taxação e eram incluídos normalmente nas rendas pagas em espécie. A obtenção da lã destinada à produção têxtil impulsionou o desenvolvimento da criação de rebanhos com esse fim. Com a pele dos animais conseguiu-se uma nova matéria-prima, o couro, e com os ossos e chifres foi possível produzir variados utensílios. O osso era polido pelo método da fricção, técnica que mais tarde seria adoptada no polimento das pedras; as hastes de veado eram utilizadas como matéria-prima de muitos utensílios especializados. O estrume produzido pelo gado era espalhado pelo solo com o objectivo de o enriquecer. O aproveitamento destes produtos derivados impulsionou o desenvolvimento duma tecnologia tradicional do fabrico de produtos animais.

O domínio do gado, pertencente a lavradores que se dedicavam também à pecuária, estava em regra fora do âmbito da aristocracia, embora fosse exigido um tributo através do aproveitamento de pastos naturais pertencentes a domínios senhoriais. Quanto à pastorícia nómada, a situação era diferente pois rebanhos e manadas estavam sob o domínio dos chefes tribais, constituindo a sua principal fonte de acumulação de riqueza.

Algumas espécies de animais domesticados e criados merecem especial referência pela importância económica que têm tido ao longo dos últimos milénios. Foi de grande importância a domesticação das diversas raças bovinas. Os bovinos para serem robustos tinham de ser bem alimentados. Com a sua enorme força e capacidade de trabalho eram auxiliares indispensáveis dos agricultores na lavra das terras, nas sementeiras para enterrar as sementes dos cereais; os animais criados para ordenha permitiam obter manteiga e queijo; além do valor alimentício, era aproveitada a sua gordura, chifres e pele para o fabrico de vários materiais; o sangue e o fígado eram utilizados na produção de remédios e até os excrementos tinham utilidade como combustível.

Os rebanhos de ovinos eram levados para os campos para enterrarem as sementes e para debulharem as espigas; além da carne e do leite que serviam de alimento, era aproveitado o pêlo e a gordura para fins medicinais. Os ovinos constituíam um importante recurso pela sua lã. O desenvolvimento da sua criação acompanhou as exigências da manufactura têxtil e esteve relacionado com a monetarização da economia mercantil. Como gado pequeno podia ser transportado e comercializado facilmente.

A criação do cavalo recebeu um impulso decisivo com o aumento da produção de aveia. O cavalo tornou-se o elemento principal do estilo de vida nómada ao servir para controlar os outros animais e colocá-los ao serviço do homem. Os cavalos constituíram um meio habitual de deslocação e o emprego de carros puxados por cavalos melhorou as comunicações e os transportes. O progresso tecnológico permitiu um maior aproveitamento dos cavalos com a aplicação da ferradura e do tirante. Estes novos meios aumentaram a força motriz animal aplicável à produção e deram origem a novas relações económicas entre os utilizadores e os artesãos que fabricavam ferraduras e cravos, bem como aos produtores de arreios em cabedal. A criação dos cavalos foi motivada não apenas por razões estritamente económicas mas também determinada por razões militares. Além disso, o cavalo era o animal favorito dos soberanos e da nobreza.

Em todo o Norte de África, Médio Oriente e Península Arábica, a criação de dromedários constituiu a principal fonte de riqueza para muitos dos seus habitantes. As suas características que lhes permitem estar uma semana afastados duma fonte de água, resistir ao cansaço e à falta de alimentos, abriram novas vias de comunicação e de transporte a longa distância através de regiões difíceis de penetrar. A difusão da criação de camelos facilitou o crescimento do comércio por meio de caravanas que assim atravessavam os grandes desertos. Além disso, os camelos foram utilizados como arma de guerra e com o seu pêlo eram produzidas cordas. Nestas regiões, a terra é adequada para apascentar os camelídeos.

Nos Andes Centrais os lamas serviam como animais de carga ao longo dos trilhos das montanhas. Forneciam também carne, leite e lã, esta utilizada no fabrico de tapetes e tecidos. Nas Américas, a criação de gado em larga escala só foi incentivada após a colonização, com importantes reflexos na riqueza acumulada pelos colonos. Nas Caraíbas, século XVII, a criação de gado assumiu grande importância, incentivada pela procura de artigos de couro e graças às necessidades das guarnições militares, das frotas e também do contrabando. A preparação da carne, de couros e de sebo para exportação estava entregue aos escravos africanos a trabalhar com os proprietários ou como peões de grandes propriedades.