ANTECEDENTES DO CAPITALISMO

ANTECEDENTES DO CAPITALISMO

Carlos Gomes

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1.8 – DIVISÃO SOCIAL DO TRABALHO

A divisão social do trabalho é o modo como se distribui o trabalho nas diferentes sociedades ou estruturas sócio-económicas e que surge quando grupos de produtores realizam actividades específicas em consequência do avanço dum certo grau de desenvolvimento das forças produtivas e de organização interna das comunidades. Com a determinação de funções para as formas variadas e múltiplas do trabalho constituem-se grupos sociais que se diferenciam de acordo com a sua implantação no processo de produção. Tais grupos correspondem ao estatuto que adquirem dentro da sociedade e ao trabalho que executam.

Numa fase inicial, a divisão do trabalho limitava-se a uma distribuição de tarefas entre homens e mulheres ou entre adultos, anciãos ou crianças, em virtude da força física, das necessidades ou do acaso, sem que tal conduzisse ao aparecimento de grupos especializados de pessoas com os seus próprios interesses ou características, não originando portanto diferenças de natureza social.

O desenvolvimento da agricultura originou profundas divisões sociais no trabalho. Os arroteamentos florestais, os grandes saneamentos de zonas pantanosas, a introdução de pesados instrumentos agrícolas, a lavra da terra com a ajuda de animais de tracção, tornaram-se trabalhos demasiado pesados que acentuaram uma separação de actividades entre homens e mulheres, com a concomitante passagem do matriarcado ao patriarcado.

Esta mudança abriu uma brecha na organização gentílica e reflectiu-se na posse dos bens materiais. A família adquiriu a característica de uma unidade de produção e de transmissão hereditária de bens entretanto acumulados. A divisão social do trabalho entre os sexos tornou-se muito nítida. Os trabalhos domésticos foram-se transformando em ofícios especializados e as mulheres, sobretudo a partir da introdução do arado, terão deixado o trabalho agrícola mais pesado e dedicado mais à horticultura, á recolha de frutos e plantas comestíveis, criação de animas domésticos, à fiação, tecelagem e olaria, actividades concretizadas em áreas muito próximas dos próprios locais de residência. As mulheres ficaram assim excluídas duma participação activa na vida social e política, situação que ocorreu em todas as civilizações. Não gozavam de qualquer dos privilégios políticos conferidos pela cidadania, não participando em assembleias, na magistratura ou em qualquer posição social comparável. É claro que havia diferenças entre as mulheres escravas, as mulheres de homens livres ou as de membros de nível elevado da sociedade. Mas, mesmo nestes casos, em que as mulheres nada produziam e gozavam de condições materiais excelentes na sua vida quotidiana, a sua existência desenrolava-se meramente num contexto dum sistema de vida patriarcal.

As tribos que povoavam territórios dotados de ricas pastagens tendem a abandonar a agricultura e a dedicar-se à criação intensiva de animais, originando a formação de comunidades nómadas. À medida que se desenvolve a actividade agrária, destacam-se as tribos com actividades exclusivamente pastoris. Esta separação contribuiu para elevar sensivelmente a produtividade do trabalho e criou as premissas materiais para o aparecimento da propriedade privada.

A ocupação de todo o tempo de alguns indivíduos na actividade agrícola impede que se dediquem simultaneamente a produzir os instrumentos e os artefactos que lhes são necessários. O uso de novos instrumentos de trabalho mais aperfeiçoados e complexos determina uma especialização que contribuiu para o aparecimento dos artesãos, indivíduos dedicados exclusivamente ao seu fabrico e manutenção. Surgem assim artífices independentes que ocupam a totalidade do seu tempo na criação desses meios de produção, que depois terão de trocar por géneros alimentícios. O desenvolvimento destas actividades especializadas culmina na separação entre o artesanato e a agricultura, que conduziu à intensificação das trocas directas internas e, posteriormente, das trocas indirectas através do mercado e, por fim, ao aparecimento da actividade mercantil. Esta especialização do trabalho tende a alargar-se à pesca. O papel dos agricultores-pescadores tende a diminuir para aumentar o de profissionais voltados exclusivamente para esta faina, quer na água doce, quer no mar.

À medida que aparecem profissões diversificadas, acontece que os indivíduos mais concentrados num determinado tipo de actividade têm de recorrer à troca daquilo que produzem pelos objectos que eles próprios não produzem, mas de que precisam a fim de satisfazer as suas necessidades profissionais, além das individuais ou familiares. A intensificação do intercâmbio entre estes grupos de produtores especializados, a formação de excedentes e a entrega de tributos em dinheiro às classes com um estatuto dominante, ampliou a necessidade de produzir artigos destinados à troca, dando lugar à produção com um propósito mercantil e à formação duma classe de mercadores.

A divisão do trabalho desencadeada pelo incremento da actividade comercial, ligada à ampliação das actividades transformadoras e da navegação, deslocou o centro dos interesses económicos do interior para o litoral. Ao lado da divisão entre agricultores, artesãos e mercadores, passou a existir uma outra, entre trabalhadores rurais e citadinos, que corresponde, total ou parcialmente, à oposição entre o campo e a cidade. Na estrutura urbana observa-se uma distinção entre sectores comerciais, administrativos, culturais, transportadores, artesanais e até agrícolas, fenómeno com menor relevância nos meios rurais.

A divisão social do trabalho manifesta-se também entre trabalho mental e material. O processo geral alcançado a nível bastante elevado de separação entre o trabalho intelectual e o trabalho físico, levou ao surgimento duma elite que escapava ao quadro dos interesses dos diferentes estados.

As distintas fases de desenvolvimento da divisão social do trabalho contribuíram para elevar sensivelmente a produtividade do trabalho e criar as premissas materiais para o aparecimento da propriedade do solo, da apropriação dos meios e dos produtos do trabalho. Contribuíram igualmente para tornar mais consistente a existência de sociedades baseadas na divisão entre classes dominantes e classes subordinadas.

Sob o capitalismo, a produção especializa-se e tem como objectivo exclusivo a obtenção de lucro. A divisão social do trabalho desenvolve-se espontaneamente, com o avanço desigual dos diferentes ramos de produção, acompanhado duma luta constante competitiva e duma desordem e dissipação do trabalho social. Os limites das economias nacionais são ultrapassados pelo desenvolvimento do comércio internacional, circunstância que dá lugar a uma divisão internacional de trabalho.