Tesis doctorales de Economía


CONTÁGIO ENTRE MERCADOS DE ACÇÕES DE PAÍSES DESENVOLVIDOS: UM ESTUDO DE PROCESSOS DE TRANSMISSÃO DE CHOQUES DE RENDIBILIDADE NUM CONTEXTO DE EPISÓDIOS DE CRISES FINANCEIRAS

Júlio Fernando Seara Sequeira da Mota Lobão



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4.3 Análise dos Efeitos da Crise da Ásia (1997-1998) nos Processos de Transmissão de Choques

Ainda antes do início da crise cambial, a Tailândia mantinha a sua divisa em paridade com um cabaz de outras moedas fortemente relacionadas com o dólar norte-americano. Entretanto, os mercados financeiros da Tailândia tornaram-se alvo de pressões contínuas em 1996 continuando a sofrer vários ataques especulativos no início do ano de 1997. As autoridades tailandesas tentaram defender a moeda através de aumentos da taxa de juro de curto prazo e de intervenções no mercado cambial mas, apesar dos seus esforços, foram forçadas a permitir a flutuação da moeda no dia 2 de Julho de 1997. Na sequência do colapso da moeda tailandesa, os mercados financeiros do Sudeste e Sudoeste Asiático – em particular a Tailândia, Malásia, Indonésia, Filipinas e Coreia – sofreram importantes perdas durante o final de 1997 e início de 1998. Nos meses seguintes, os mercados regionais enfrentaram uma pressão crescente e essa pressão reflectiu-se na subsequente turbulência nas cotações cambiais. Uma significativa desvalorização do peso filipino ocorreu a 11 de Julho tendo-se seguido a desvalorização do “ringitt” da Malásia no dia 14 do mesmo mês e da rupia da Indonésia no dia 14 de Agosto. Em Outubro, a crise fez-se sentir mesmo em países com grandes reservas de divisas como a Formosa e Hong-Kong. Na semana de 20 de Outubro, o índice de acções de Hong-Kong perdeu aproximadamente um quarto do seu valor. À medida que a crise se desenvolvia, uma intensa volatilidade afectava os mercados de câmbios e de acções de toda a região culminando na passagem do “won” coreano ao regime de flutuação cambial no dia 22 de Dezembro de 1997. As notícias de tensão económica e política, particularmente os sinais de fragilidade no sector bancário, tornaram-se habituais nos países afectados.

Apesar de se terem iniciado muito antes, as negociações com o Fundo Monetário Internacional não produziram resultados senão em Janeiro de 1998, altura em que foi assinado o primeiro acordo de refinanciamento. Os três meses e meio que se seguiram foram mais calmos até que o surgimento de uma crise política na Indonésia, em meados de Maio, provocou uma nova vaga de turbulência nos mercados financeiros.

No ano que se seguiu ao desencadear da crise, as divisas dos países afectados tinham sofrido depreciações que se situavam entre os 35 e os 80 por cento, reduzindo substancialmente a riqueza. Os fluxos de capitais líquidos passaram de um saldo positivo de 73 mil milhões de dólares no ano de 1996 para um saldo negativo de 11 mil milhões de dólares no ano seguinte. Todos os países afectados sofreram taxas de crescimento negativas durante um a três trimestres quando antes da crise o crescimento se situava em torno dos 5 por cento. A Coreia, Malásia, Filipinas, Singapura, Tailândia e Indonésia passaram por recessões em 1998 e parte de 1999.

Os efeitos nos países desenvolvidos não se fizeram sentir até ao início da crise em Hong-Kong, no dia 17 de Outubro de 1997, em que se verificou um aumento de 30 por cento nas taxas de juro de curto prazo e a subsequente depreciação cambial em Dezembro do mesmo ano. No dia 27 de Outubro, ordens sucessivas de venda no valor de 600 mil milhões de dólares fizeram suspender a sessão no mercado de acções dos EUA (Dow Jones), algo inédito desde a adopção dos procedimentos de suspensão da negociação instituídos em 1988. Os episódios de intensa volatilidade sucederam-se praticamente num ritmo diário até ao final do mês de Novembro. O dia 12 de Janeiro de 1998 assinala, de certo modo, o final do período mais crítico da crise, com as perdas resultantes do anúncio da falência de um dos maiores bancos de investimento da Ásia, o Peregrine de Hong-Kong, ocorrido precisamente nesse dia.

Sachs et al. (1996) e International Monetary Fund (1998a, 1998b) apresentam maiores desenvolvimentos sobre a crise da Ásia.

Uma vez que o presente estudo se debruça sobre os efeitos da crise asiática nos países desenvolvidos, o período de crise considerado inicia-se no dia 17 de Outubro de 1997 e prolonga-se até ao dia 30 de Janeiro do ano seguinte. Este período de crise é bastante semelhante ao escolhido por Forbes e Rigobon (2002) e Rigobon (2002). Como período tranquilo seleccionamos as observações correspondentes ao ano de 1996. Este período parece ser um bom período de controlo na medida em que os mercados já tinham recuperado por esta altura da crise do México de 1994-95 e ainda não se vislumbrava qualquer outra crise. Esta foi igualmente a escolha de outros autores como, por exemplo, Bazdresch e Werner (2001).

Com excepção do caso notável da Grécia, a generalidade dos mercados de acções apresenta, durante o período tranquilo, um nível de dependência linear muito elevado em relação aos restantes mercados da amostra (ver tabelas 4.25-4.27, abaixo). Dos 36 coeficientes, 23 apresentam-se significativos a 1% registando-se os valores mais elevados nas correlações entre os mercados de Espanha e França (0,59) e entre os mercados do Reino Unido e os de três outros países: Irlanda (0,5), Alemanha (0,51) e França (0,66). Apesar de, em termos históricos, as relações lineares entre os mercados serem já bastante estreitas, verificou-se o aumento dos coeficientes de correlação no período de crise. Atingem-se neste período níveis muito elevados no indicador de correlação não apenas nos países tradicionalmente mais integrados (Espanha, Reino Unido, Alemanha e França), mas também em mercados onde esse comportamento é bastante menos habitual como em Portugal, ou até raro como no caso do Japão. Os valores de correlação registados durante o período de crise são, regra geral, muito significativos em termos estatísticos. A tabela com as diferenças permite-nos perceber que os aumentos de correlação estendem-se a todos os países da amostra sendo particularmente elevados em Portugal face aos mercados de Espanha (aumento de 0,66), Irlanda (aumento de 0,55), Alemanha (aumento de 0,5), França (aumento de 0,64) e Reino Unido (aumento de 0,53). Contam-se em número de 12 os aumentos de correlação significativos a um nível de significância estatística de 5%.

A análise da evolução do indicador de Erb et al. (1998) sustenta os resultados obtidos. De facto, a crise da Ásia coincide com a ocorrência de um máximo local na média móvel do indicador conforme se pode constatar no gráfico 4.1, anteriormente apresentado.

Em conclusão, a comparação entre os coeficientes de correlação no período tranquilo e no período de crise da Ásia permite inferir que houve uma quebra estrutural nas relações entre as rendibilidades dos mercados o que se constitui como evidência de contágio de curto prazo entre os mercados desenvolvidos.

A crise da Ásia teve efeitos significativos ao nível da alteração das distribuições de probabilidade dos mercados da amostra, principalmente quando as comparações são efectuadas em relação ao período tranquilo (tabela 4.28, abaixo). Apenas nos casos da Irlanda, França e EUA, a estatística de teste de Kolmogorov-Smirnov registou valores com significância superior a 5%. No entanto, quando se estabelece a comparação com todo o período da amostra constata-se que a crise apenas teve efeitos significativos para os mercados de Portugal, Alemanha e Japão. Podemos assim concluir que a crise da Ásia teve efeitos moderados na alteração das distribuições de probabilidade das rendibilidades dos mercados da amostra.

Durante a crise da Ásia todos os mercados evidenciaram uma frequência de valores extremos nas rendibilidades muito acima do esperado, quer quando se atende aos valores relativos ao período tranquilo, quer quando se consideram os valores de referência de todo o período da amostra (ver tabela 4.29, a seguir). Esta evidência verifica-se tanto nas observações extremas positivas como nas negativas. O único país asiático da amostra, o Japão, apresentou em ambos os casos valores muito superiores aos de qualquer outro país. Mesmo os países menos afectados (Portugal, EUA e Irlanda) registaram uma incidência de observações extremas cerca de 50% superior ao esperado face aos valores de referência de todo o período da amostra. O valor total de 189,7% de observações extremas pode ser interpretado como indicando que, em média, quase dois mercados por sessão apresentam rendibilidades extremas (muito elevadas ou muito baixas) quando, em média, se esperaria que apenas um mercado tivesse esse comportamento.

Apesar de parecer líquido que a crise da Ásia foi caracterizada por uma maior prevalência de observações extremas, é necessário considerar o grau de coincidência temporal entre essas observações extremas de forma a podermos ajuizar dos efeitos de contágio.

Assim, na tabela 4.30 apresentam-se dados relativos à coincidência temporal das observações extremas. Verifica-se que a associação entre observações extremas é muito significativa. Em cerca de 11% das sessões, são pelo menos quatro os mercados com observações para além dos valores extremos considerados como limite. A incidência de observações extremas é maior no lado das observações negativas (13,2% das sessões com quatro ou mais mercados com rendibilidades extremas negativas) do que no das observações positivas (8,8%). Em 0,7% das sessões verifica-se que oito dos nove mercados apresentam observações extremas.

Em conclusão, pode-se afirmar que a crise da Ásia foi caracterizada por maior turbulência dos mercados reflectindo-se quer no aumento do número de observações extremas quer no aumento da coincidência temporal entre estas mesmas observações.

No período tranquilo seleccionado para a crise da Ásia, os testes de raíz unitária indicam que as variáveis são estacionárias e tanto o teste de maximização do lambda como o trace test sugerem que as variáveis são cointegradas entre si.

No período de crise, no entanto, a situação muda de forma substancial. Os testes de raíz unitária não permitem rejeitar a possibilidade de que exista uma raíz unitária na maioria dos mercados. Estes sugerem que apenas os mercados da Grécia, Irlanda e Japão são estacionários, que os mercados de Portugal, Alemanha, Reino Unido e Estados Unidos são integrados de primeira ordem e que os de Espanha e França são integrados de ordem dois.

No que diz respeito à cointegração existem também diferenças assinaláveis face ao período tranquilo: das 36 relações bivariadas entre os nove mercados em análise, em nove casos pode-se rejeitar a hipótese da existência de uma relação de cointegração entre os mercados. Estes resultados permitem afirmar que, no período de crise, a relação de equilíbrio de longo prazo se quebrou entre vários mercados afectando principalmente o mercado da Grécia que não mostra relações de cointegração em cinco dos oito casos possíveis.

O número de relações de causalidade de Granger estatisticamente significativas aumentou substancialmente durante o período da crise da Ásia quando comparado com o período tranquilo: passaram de 26 para mais do dobro (53) (ver tabelas 4.31 e 4.32, a seguir). Durante o período tranquilo, são os mercados de Portugal e Grécia que menos contribuem para influenciar sistematicamente os restantes mercados (não “causam” nenhum mercado) enquanto que as rendibilidades do mercado dos EUA, o mercado mais influente, afectam a rendibilidade de seis outros mercados. Durante o período de crise todos os mercados passaram a “causar” um número superior de países com excepção da Espanha que continuou a “causar” três mercados. Os mercados da França e Reino Unido juntam-se aos EUA para formarem o grupo de mercados que mais afectam a rendibilidade dos restantes mercados da amostra: influenciam 7 mercados em 8 possíveis. Espanha torna-se o mercado que menos contribui para explicar os restantes no período de crise (“causa” 3 mercados). A evolução mais significativa entre os dois períodos em comparação registou-se para os mercados de Portugal e Grécia que viram a sua influência ser exercida em seis mercados quando no período tranquilo, como se disse, não afectavam significativamente qualquer mercado.

No período tranquilo, os testes de causalidade mostram que EUA e Portugal só podiam ser explicados, com significado, por um mercado (a Alemanha, em ambos os casos) enquanto que 4 mercados influenciavam a evolução nas rendibilidades de Espanha, Irlanda, Alemanha e Reino Unido. Durante o período da crise da Ásia todos os mercados passam a ser explicados por um número superior de mercados da amostra sendo que o da Espanha é o mais influenciado enquanto que o mercado do Japão é o que é “causado” por um número menor de mercados (4).

Em resumo, a comparação dos resultados dos testes de causalidade entre o período tranquilo e o período da crise da Ásia sugere que se assistiu a alterações que se traduziram num aumento significativo da interdependência entre os diversos mercados da amostra.

A análise das funções de resposta a impulsos sugere que as interacções entre os mercados da amostra durante o período tranquilo foram em número e intensidade moderados (tabelas VII.4 e VII.6 no anexo VII). Registaram-se 18 casos de choques significativos, em regra com o sinal esperado, e com persistência, a níveis estatisticamente significativos, de um período apenas, embora os choques só desapareçam por completo ao fim de 4 sessões. O mercado dos EUA constitui-se como o mais importante a julgar pela influência que exerce junto dos mercados de Espanha, Irlanda, Alemanha, França, Reino Unido e Japão. Neste período, as evidências apontam o mercado da Alemanha como o mais vulnerável aos restantes mercados sofrendo o impacto das variações nas rendibilidades de Espanha, Irlanda, França e EUA. Com o desenrolar da crise da Ásia, o padrão de interacção entre os mercados da amostra altera-se de forma sensível: aumenta para 22 o número de choques com significado e aumenta a persistência dos choques uma vez que se passam a observar 8 casos em que o choque se prolonga com significado estatístico por mais do que uma sessão. Os EUA continuam a exercer uma forte influência enquanto que Irlanda e França são os mercados em que os choques significativos provenientes dos restantes mercados são em maior número. A comparação das funções calculadas para o período tranquilo e para o período de crise permite estabelecer algumas diferenças: a configuração das curvas durante o período tranquilo mostra que os choques entre os mercados têm um efeito de curta duração que desaparece ao fim de 4 sessões enquanto que, durante a crise da Ásia, o efeito dos choques é de maior magnitude e também mais persistente. Os gráficos 4.4 e 4.5, que representam as funções de resposta a impulsos do Japão a choques provenientes do mercado do Reino Unido, ilustram o que acabamos de referir.

A partir da análise comparativa da decomposição da variância no período tranquilo e no período da crise da Ásia pode-se concluir que a autonomia dos mercados desenvolvidos se atenuou no período de crise (ver tabelas VI.19-VI.27 no anexo VI). É verdade que, mesmo no período tranquilo, alguns dos mercados registavam níveis relativamente modestos de autonomia face aos restantes mercados da amostra, mas em todos os casos se registou uma quebra significativa na relação entre os mercados sob análise. Tomemos, como exemplo, o caso da França (ver tabela VI.24 no anexo VI). Já no período tranquilo, as inovações nesse mercado explicavam apenas metade da variância. No entanto, no período de crise propriamente dito, o contraste é flagrante: logo no primeiro período as inovações no próprio mercado explicam apenas 12% da variância e esse valor diminui até atingir 8% no décimo período de análise. O grau de autonomia é menor nos mercados da França, Reino Unido (particularmente no período tranquilo) e Irlanda (no período de crise), e atinge os valores mais elevados nos mercados dos Estados Unidos, Portugal, Grécia e Japão (no período tranquilo) e ainda Espanha (no período de crise).

Pode-se concluir, a partir das funções de resposta a impulsos e da decomposição das variâncias, que os mercados perderam autonomia durante a crise da Ásia tornando-se mais vulneráveis às variações ocorridas nos restantes mercados da amostra. Estes resultados sugerem a existência de contágio na acepção segundo a qual o fenómeno se caracteriza pela transmissão internacional de choques.


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