Tesis doctorales de Economía


CONTÁGIO ENTRE MERCADOS DE ACÇÕES DE PAÍSES DESENVOLVIDOS: UM ESTUDO DE PROCESSOS DE TRANSMISSÃO DE CHOQUES DE RENDIBILIDADE NUM CONTEXTO DE EPISÓDIOS DE CRISES FINANCEIRAS

Júlio Fernando Seara Sequeira da Mota Lobão



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2.2. Canais de Contágio

As teorias clássicas que explicam o fenómeno de contágio entre as economias identificam três canais de transmissão: o canal comercial, o canal financeiro e o contágio puro. O canal comercial e o canal financeiro, considerados em conjunto, constituem as chamadas causas fundamentais de contágio.

No contágio fundamental, consideramos os efeitos que decorrem da interdependência normal entre as economias. Esta interdependência, de natureza real ou financeira, implica que os choques, sejam de natureza global ou regional, possam ser transmitidos entre países.

Estaremos perante um contágio dito puro quando os canais de relação potencial entre as economias – os canais fundamentais - não conseguem explicar a totalidade do contágio. Por outras palavras, o contágio puro diz respeito à transmissão internacional de efeitos que não está relacionada com alterações observadas nos fundamentos macroeconómicos ou outros, mas que são antes o resultado de alterações no comportamento dos agentes. Uma crise num país poderá, por exemplo, levar a que os investidores liquidem os investimentos detidos noutros países sem ter em consideração as diferenças nos fundamentais das economias. O contágio puro é, regra geral, associado a comportamentos de herding, perda de confiança, aumento de aversão ao risco ou pânico por parte dos investidores, seja esse comportamento considerado racional ou não.

Abordaremos cada uma das explicações do contágio – as teorias clássicas com os canais fundamentais e o contágio puro – referindo, sempre que tal se justificar, os estudos empíricos para cada um dos casos numa secção própria.

2.2.1 Canais Fundamentais

As causas fundamentais do contágio incluem os choques transmitidos através das relações comerciais e financeiras existentes entre as economias.

2.2.1.1 Canal Comercial

O canal comercial engloba os mecanismos de propagação internacional de choques relacionados com as relações comerciais entre países. O contágio entre as economias através do canal comercial ocorre sempre que a desvalorização da moeda de um país, na sequência de um choque específico a esse país, afecte os fundamentais de outros países, quer por meio dos efeitos de preço, quer através dos efeitos no rendimento.

Podemos distinguir entre efeitos directos e efeitos indirectos do contágio através do canal comercial. Estaremos perante um efeito directo na seguinte situação: considerando-se dois países, A e B, se uma crise ocorrer no país A e for acompanhada por uma desvalorização da sua moeda, a balança comercial do país B face a A deteriorar-se-á devido a (i) um aumento na competitividade-preço do país A (efeito preço) e a (ii) uma diminuição na procura de bens importados por parte de A se a desvalorização for acompanhada, como é tipicamente o caso, por uma diminuição da actividade económica nesse país (efeito rendimento). Se os dois países tiverem um elevado volume de comércio bilateral, os efeitos directos do canal comercial podem explicar a necessidade de desvalorização da divisa de B, ou seja, o contágio entre as economias. Desta forma, qualquer parceiro comercial importante de um país em que uma crise financeira tenha induzido uma desvalorização cambial significativa pode tornar-se alvo de ataques especulativos à medida que os investidores antecipam um decréscimo nas exportações para o país em crise e uma deterioração nas contas de comércio externo.

No entanto, os efeitos preço e rendimento podem fazer-se sentir sem que existam relações comerciais bilaterais. Os efeitos indirectos do contágio através do canal comercial podem ocorrer quando um país, ao desvalorizar a sua moeda, pressiona os outros países que competem pelo mesmo mercado de exportações a desvalorizar igualmente as suas divisas de forma a manterem a competitividade-preço relativa. A intensidade do mecanismo de transmissão de efeitos depende do grau de competição dos países nos mesmos mercados.

Em resumo, enquanto os efeitos directos se limitam aos efeitos económicos da desvalorização da moeda que se fazem sentir directamente entre dois países que efectuam trocas entre si, os efeitos indirectos são aqueles que decorrem da vantagem-preço que a desvalorização proporciona na competição por mercados de exportação comuns a vários países.

Os estudos teóricos acerca do contágio internacional de desvalorizações cambiais são relativamente escassos. As primeiras contribuições remontam a Willman (1988) e Goldberg (1994) que endogeneizaram os preços relativos das economias permitindo o estudo dos efeitos que acontecimentos em países terceiros provocam na taxa de câmbio real e, por esta via, na competitividade. Flood e Garber (1984) e Claessens (1991) introduziram a incerteza no processo de decisão política da taxa de câmbio. Obstfeld (1986) acrescentou a ideia de que tal decisão resulta de um processo político contingente em que acontecimentos isolados podem levar as autoridades a substituir uma política cambial por outra.

Tendo em consideração a existência de um canal comercial de transmissão de choques, uma desvalorização cambial específica de um determinado país pode fazer aumentar a incidência de ataques especulativos nos mercados cambiais e os incentivos para que vários países procedam igualmente a desvalorizações. Por outras palavras, as desvalorizações competitivas podem ser interpretadas, neste contexto, como desvalorizações que se transmitem por contágio.

Uma parte importante dos contributos mais recentes nesta temática recuperam o raciocínio clássico de Nurkse (1944). Nurkse (1944) mostrou que a desvalorização da divisa de um país, por tornar os seus bens mais competitivos em termos internacionais, exerce uma pressão sobre os países que perderam competitividade-preço para que também desvalorizem. Neste quadro, uma desvalorização constituirá uma decisão política cujos efeitos no produto se espera que sejam benéficos na medida em que devem induzir uma alteração na natureza da despesa no sentido da redução das importações e do aumento das exportações o que melhora o saldo comercial com o exterior. Gerlach e Smets (1995) apresentam aquele que é o primeiro tratamento teórico sistemático da questão do contágio de crises cambiais. Os autores consideram um modelo com dois países que se relacionam através do comércio. Um ataque especulativo bem sucedido à divisa de um desses países conduz à sua desvalorização aumentando a competitividade das exportações desse país. Este facto provoca um défice comercial no segundo país, um decréscimo gradual nas reservas internacionais e, por último, um ataque especulativo contra a sua moeda. Gerlach e Smets (1995) provam que os efeitos de contágio são tanto mais fortes quanto menor dor o grau de flexibilidade dos salários reais e nominais e quanto maior for o grau de integração comercial entre os países.

Buiter et al. (1998a, 1998b) utilizam um modelo de cláusulas de mudança de política cambial para analisar a propagação das crises cambiais num sistema de N+1 países, N dos quais (a que denominam de “periferia”) têm uma paridade em relação a um outro país (o “centro”). O centro é mais avesso ao risco do que os restantes países e, por isso, está disposto a prosseguir uma política monetária concebida para estabilizar os câmbios. No modelo, um choque negativo no centro provoca um aumento das taxas de juro o que induz os países da periferia à reavaliação das suas políticas cambiais. Mostra-se que, se os membros da periferia cooperarem, podem considerar que abandonar a paridade corresponde à atitude óptima em termos colectivos – um caso extremo de contágio. No entanto, é mais provável que um subconjunto de países periféricos – aqueles com menor tolerância a taxas de juro elevadas – considerem que a actuação óptima é o abandono da paridade pelo que o contágio prevalecerá entre esses países. O que é mais interessante neste modelo é que a decisão destes países de abandonar a paridade contribui para estabilizar as paridades cambiais dos restantes membros do sistema uma vez que proporciona um incentivo para que o país do centro, que se defronta com uma taxa de câmbio cada mais sobrevalorizada, flexibilize a sua política monetária e alivie, desta forma, a pressão sobre o resto da periferia.

Drazen (2000) desenvolve um modelo semelhante entre países que fazem parte de uma união cambial. Uma vez que um dos membros dessa união tenha procedido a uma desvalorização cambial, verifica-se que são menores os custos políticos decorrentes do abandono do sistema para os outros países o que pode provocar uma alteração do regime cambial para todos os países da união. Em consequência, os episódios de crise cambial tenderão a surgir positivamente correlacionados entre si.

Ainda no quadro do contágio comercial através de desvalorizações competitivas, Corsetti, Pesenti, Roubini e Tille (2000) apresentam um modelo de base microeconómica que permite uma análise dos efeitos da desvalorização da divisa de um país no bem-estar das restantes economias. Os autores mostram, recorrendo à teoria dos jogos, que pode ser provocada uma desvalorização mais forte do que a inicialmente requerida pela deterioração dos fundamentais. Se os participantes de mercado tiverem a expectativa de que a crise cambial conduzirá a um jogo de desvalorizações competitivas, terão incentivos para liquidar as posições detidas noutros países, para reduzir o montante de empréstimos concedidos e para recusar a renovação dos empréstimos concedidos a esses países. Prova-se que podem, desta forma, surgir efeitos financeiros que reforçam o choque cambial inicial.

Num artigo relacionado, Caballero e Krishnamurty (2001) mostram que a desvalorização da taxa de câmbio como solução de problemas de desequilíbrio externo pode estar dependente de movimentos de curto prazo nos preços dos activos financeiros.

Por último, Blackburn e Sola (1993) apresentam uma revisão da literatura acerca do contágio cambial.

Estudos Empíricos

Eichengreen et al. (1996), utilizando 30 anos de dados seccionais relativos a 20 países industrializados, concluem que os choques internacionais se propagam mais facilmente se as relações comerciais entre os países forem fortes. Os seus resultados baseiam-se na constatação de que, uma vez que um país sofra um ataque especulativo aumenta a probabilidade de que os seus parceiros comerciais e competidores na mesma região sofram também ataques especulativos. Concluem ainda que o contágio dos ataques cambiais especulativos se faz principalmente através do canal comercial.

Em trabalhos posteriores, vários autores confirmam a importância do canal comercial tanto para os países desenvolvidos como para as economias emergentes. Buiter et al. (1998a, 1998b) interpretam a crise no Mecanismo Europeu de Taxas de Câmbio (METC) em 1992-93 como resultado de contágio comercial. A saída do Reino Unido do METC em Setembro de 1992 e a subsequente depreciação da libra esterlina estiveram na origem, para os autores, do ataque especulativo à libra da Irlanda em Janeiro de 1993 que obrigou o país, por efeitos de contágio, a desvalorizar.

Glick e Rose (1999) estudam cinco episódios de crises cambiais, começando com o colapso do sistema Bretton Woods em 1971 e terminando na crise Asiática de 1997. Concluem que os países afectados pelos choques têm fortes relações comerciais com o país em que a crise teve origem.

A crise Asiática de 1997-1998 tem sido bastante estudada. Por exemplo, Kochar et al. (1999), a partir da análise dos dados relativos à composição das exportações dos quatro países mais afectados pela crise (Coreia, Malásia, Filipinas e Tailândia) e da constatação de que estes países exportaram os mesmos tipos de bens para os mesmos mercados, concluem que competição comercial internacional constituiu a principal causa desse episódio de crise. Goldstein (1998) conclui que as divisas de países que competem nas exportações como a Malásia e a Indonésia sofreram desvalorizações competitivas motivadas pela prévia desvalorização da moeda tailandesa. Hernández e Valdés (2001) corroboram as conclusões destes autores. Utilizando dados com frequência diária referentes ao período da crise Asiática, Ito e Hashimoto (2002) analisam os efeitos de contágio entre seis países da zona. Os resultados mostram que as relações comerciais bilaterais constituem um componente importante nas expectativas dos participantes de mercado quanto à possibilidade da transmissão internacional de choques cambiais.

Wolf (2000) relaciona as correlações entre as rendibilidades das acções com um conjunto alargado de variáveis económicas e financeiras que medem a similitude relativa de cada par de países a que a correlação diz respeito. Conclui que as estruturas económicas e, particularmente, as relações comerciais se apresentam como o principal factor explicativo do contágio internacional.

Forbes (2004) investigou as características microeconómicas que propiciaram a propagação internacional da crise Asiática e da crise na Rússia entre os anos de 1997 e de 1999. Os resultados sugerem que os efeitos associados à competição dos produtos com as exportações dos países afectados pelas crises constituíram importantes mecanismos de contágio internacional. Forbes (2002) estudou ainda a importância das relações comerciais na transmissão de 16 crises ocorridas entre os anos de 1994 e 1999 em 58 países economias desenvolvidas e em desenvolvimento. Conclui que os países que competem com as exportações do país em crise e que exportam para esse país são significativamente mais afectados e que tanto o efeito preço como o efeito rendimento são estatisticamente significativos. Do estudo empírico, a autora conclui igualmente que o efeito preço tende a ser significativo quando o país afectado pela crise permite que a sua moeda se desvalorize enquanto que o efeito rendimento só parece ser importante se o país reagir aumentando substancialmente as taxas de juro.

Num estudo aplicado a economias em transição do Leste Europeu, Gelos e Sahay (2001) constatam que as pressões sobre o mercado cambial na sequência da crise da Rússia podem ser explicadas recorrendo às relações comerciais directas entre as economias. Krzak (1998) corrobora as conclusões de Gelos e Sahay (2001).


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