Tesis doctorales de Economía


EVOLUÇÃO E PERSPECTIVAS DO COMÉRCIO INTERNACIONAL DE AÇÚCAR E ÁLCOOL

Eduardo Fernandes Pestana Moreira




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2.5 O Brasil de 1975 a 1990

Após o altíssimo nível de preços verificado em 1974 e 75, o açúcar retomou um movimento de baixa, como todas as commodities, com exceção do período de 1980 e 81 (com intensidade um pouco menor que o pico anterior) . O complexo sucroalcooleiro brasileiro já havia, entretanto, mudado o patamar de sua inserção no mercado internacional desde a segunda metade da década de 1960, voltando a ser um setor com forte direcionamento para a exportação. Embora os volumes de açúcar exportado tenham apresentado algumas variações conjunturais, elas não mais representavam o resíduo entre a produção e o consumo interno, até porque os mecanismos de equalização de preços estavam fortalecidos pelos recursos arrecadados pelo IAA em 74 e 75 e as usinas haviam passado recentemente por um processo de modernização e centralização, tornando nossos custos mais baixos.

Ocorre, entretanto, que a capacidade de produção havia se expandido enormemente no início da década, em função do Programa de Apoio à Agroindústria Açucareira mencionado anteriormente, criando-se uma capacidade ociosa sem perspectivas de ocupação no médio prazo ante as expectativas do consumo interno e do mercado internacional. O cenário de crise internacional do petróleo somado a dificuldades no balanço de pagamentos logo após o período do “milagre econômico” criaram as condições para a criação do Programa Nacional do Álcool – Proálcool, pelo Decreto nº 76.593/75, que criou um conjunto de estímulos de preço, creditícios e de garantia de comercialização da produção de álcool anidro para mistura em até 22% na gasolina. As perspectivas que se abriam para o setor açucareiro eram promissoras, pois seria constituído um mercado interno, naturalmente protegido (uma vez que nenhum país do mundo produzia álcool nas dimensões propostas pelo programa) e que poderia recriar o colchão amortecedor para as oscilações do mercado internacional do açúcar que se abatiam ciclicamente sobre o setor.

Este, entretanto, não parecia ser o objetivo fundamental proposto pelo Proálcool, pelo menos nas exposições de motivos e nas discussões que o acompanharam. Além do debate institucional sobre atribuições de cada órgão relacionado ao setor (principalmente o próprio IAA, o Conselho Nacional do Petróleo – CNP e a Comissão Nacional do Álcool - CNAL, criada pelo referido decreto), havia a discussão sobre como produzir álcool e enfrentar o novo desafio mundial de encontrar fontes de energia alternativas. “O Proálcool enfatizava em sua exposição de motivos a possibilidade da produção de álcool reduzir disparidades regionais, na medida em que regiões menos desenvolvidas possuíam aptidão para o cultivo de matérias-primas alternativas à cana (babaçu, madeira, batata-doce e especialmente mandioca) para processamento industrial.” A questão central que permeava as disputas, mas não explicitada claramente, era se o que se procurava construir era um setor consolidado de substituição do petróleo (ainda importado em grandes quantidades na época) e com dinâmica independente do setor açucareiro, ou a continuidade, ainda que de forma ampliada, do papel do álcool como subproduto do açúcar e mecanismo compensador das flutuações do mercado internacional.

Não se pode dizer, com clareza, que esta disputa obteve uma posição vencedora, muito embora a solução pela utilização da cana-de-açúcar tenha sido a vitoriosa, não apenas por contar com forças sociais e econômicas fortes, mas também pelas inegáveis vantagens de custo desta matéria-prima. A produção do álcool seria garantida tanto pelas usinas de açúcar, que passariam a dirigir parte do caldo esmagado da cana diretamente à fermentação e daí para as destilarias anexas às usinas , como por destilarias autônomas para produção exclusiva. Estas unidades foram formadas não apenas pelos capitais tradicionais do setor, como também por novos grupos vindos da agricultura e da indústria.

Além do surgimento destes novos grupos, que na verdade só passaram a ter alguma representatividade significativa na produção a partir da segunda fase do Proálcool e nunca chegaram a rivalizar o poder dos grupos tradicionais, foi criado um arranjo institucional que tirou dos produtores e do IAA o controle quase que absoluto sobre o setor que havia vigorado até aquele momento. O próprio Ministério da Indústria e Comércio - MIC, ao qual o IAA estava subordinado, passa a interferir direta e indiretamente nas diretrizes e na operacionalização do programa, que passa a ter outros setores do aparelho de Estado interferindo diretamente no setor : CNP e Petrobras, tanto na distribuição quanto na definição de padrões do produto e nível de mistura do álcool na gasolina, e o Banco Central e o Banco do Brasil no estabelecimento de parâmetros e análise dos financiamentos para a expansão e criação de novas destilarias. A indústria automobilística também torna-se um ator relevante, já que ela passará a desenvolver adaptações nos motores para melhor rendimento com a mistura gasolina-álcool e um motor exclusivo para álcool combustível, que será a base da segunda fase do programa a partir de 1979.

Percebe-se que os novos arranjos institucionais, complexos e fragmentados, e o número de atores envolvidos criam um ambiente bastante diferente daquele no qual o setor açucareiro estava acostumado a viver, com o IAA mediando as disputas intercapitalistas (em especial, os conflitos regional e entre usinas e plantadores de cana independentes). Visto que a expansão da produção (agora não só de açúcar, mas também de álcool combustível) continuava controlada e sujeita à autorização prévia, de forma que garantisse a absorção do produto, as disputas passam a ter como arena um conjunto de órgãos disciplinadores, nem sempre totalmente articulados, e a capacidade (extracorporativa) de cada ator fazer valer seus interesses passa a ser fundamental para seu sucesso empresarial. O corporativismo, quer “estatal”, quer “societal”, deixa de fazer parte da dinâmica deste setor no que se refere à política do álcool combustível .

Analisando o desempenho do setor, agora claramente sucroalcooleiro, pelas informações resumidas no Quadro 2.10, vemos que a produção dos dois produtos manteve uma alta taxa de crescimento, o que mitigou as disputas intra-setor pelo menos até a segunda metade da década de 80, pois havia espaço tanto para o crescimento das unidades existentes quanto para a entrada de novos grupos. Os produtores do centro-sul, paulistas principalmente, foram os que mais se beneficiaram com a demanda quase-cativa do álcool combustível, inclusive pela sua maior capacidade de influência no aparelho de Estado (no nordeste, os produtores de Alagoas, mais produtivos que os de Pernambuco, também se beneficiaram diretamente do Proálcool). Conforme vemos no Gráfico 2.8 , a produção atingiu as metas das duas fases do programa : 3 bilhões de litros para 1980 e 10,7 bilhões de litros para 1985 (atingida no ano seguinte). Os produtores tradicionais do nordeste, de Pernambuco especialmente, foram beneficiados indiretamente, já que ficaram com a maior parte das quotas de exportação do açúcar, reguladas ainda pelo IAA, sem a interferência das demais esferas que regulavam a produção de álcool. Os setores que não tiveram seus interesses atendidos foram dois : a) o dos fornecedores autônomos de cana, sem capacidade política de atuar no novo marco regulatório fragmentado, uma vez que as metas ambiciosas de produção foram garantidas pela não observância do Estatuto da Lavoura Canavieira ; b) o dos trabalhadores rurais que, em especial nas zonas tradicionais de São Paulo, sofreram com o trabalho intermitente (alto desemprego nos meses de novembro a março, período da entressafra na região do Centro-Sul) conseqüência da monocultura regional.

O maior problema do Proálcool residiu, paradoxalmente, no sucesso de suas metas de produção. Estas metas só se tornaram realidade pelos preços remuneradores pagos ao produtor de álcool, preço este que exigia subsídios cruzados nos preços dos demais derivados de petróleo. Mesmo com financiamentos quase a fundo perdido, dada as taxas de juros reais fortemente negativas, e que viabilizou destilarias em áreas sem nenhuma tradição e qualificação , o custo de produção do álcool não era competitivo com o do petróleo, mesmo nos níveis elevados a que chegou no segundo choque em 1980. O peso dos subsídios ao álcool tornava-se muito grande para ser passivamente aceito pela sociedade e, principalmente, pela Petrobras que comprava e distribuía um produto concorrente do derivado que garantia a sua margem de lucro : a gasolina.

A partir de 1987, “... por conta do déficit na conta-álcool, a Petrobras passa a adotar uma política de retardamento da coleta de álcool e de pagamento aos produtores, bem como de diminuição de seus estoques, pressionando fortemente por mecanismos de política que reduzissem a demanda por álcool (por exemplo, a redução no diferencial de preços álcool/gasolina) e, por conseqüência, a pressão da conta-álcool.” Estas mudanças impactaram o setor sucroalcooleiro, uma vez que suas margens eram asseguradas artificialmente pelas políticas de preço e demanda garantidos, e tiveram como conseqüência uma estagnação na produção de álcool, num período em que o consumo crescia a uma alta taxa pela mudança no perfil da frota de automóveis. A perspectiva de falta de álcool hidratado para abastecimento da frota (que mais tarde chegou a se concretizar e a exigir medidas ha doc tais como mudança no percentual de álcool anidro misturado na gasolina, uso de MTBE e outras) criou uma desconfiança no consumidor de automóveis que voltou progressivamente a comprar veículos a gasolina. O próprio setor ajudou a agravar a situação, pois a partir de 1988 os preços do açúcar no mercado internacional subiram e os usineiros, em especial do nordeste, iniciaram pressões para aumentar a produção de açúcar em detrimento do álcool, que, em parte, foram efetivas, porque as exportações de açúcar retomaram o crescimento a partir de 1990, após terem declinado durante os cinco anos anteriores.

O balanço destes quinze anos reflete mudança e conservadorismo simultaneamente. Mudança, porque houve uma redefinição do setor, com o álcool combustível passando a ser parte integrante de seu mercado, produto principal de muitas unidades de produção tradicionais e o único produto das novas unidades. Este redesenho, apesar das dificuldades por que vai passar o Proálcool no fim dos anos 80 e quase toda a década de 90, pode ser considerado como definitivo e deve continuar a marcar o futuro do setor (que passa a ser chamado de sucroalcooleiro ou, simplesmente, de agroindústria canavieira). Este período representou também a consolidação da nova posição do Brasil no mercado internacional do açúcar, que já vinha se delineando desde a segunda metade dos anos 60. Mesmo nos períodos de maior dificuldade de abastecimento da frota movida a álcool no mercado interno, não foi negligenciada a produção de açúcar para a exportação, voltando o Brasil a assumir a posição que desfrutou no período colonial como o principal centro produtor daquela especiaria. Conservadorismo, porque a dinâmica da acumulação do capital neste setor e sua relação de dependência do Estado não se alterou, a despeito da modernização tecnológica que se fez presente nas suas unidades produtivas.

Em primeiro lugar, ficou claro que a tentativa de criar uma produção de álcool disseminada pelas regiões do país e aproveitando matérias primas alternativas não saiu do plano das intenções e que o Proálcool teve de fato o objetivo de encontrar uma forma de escoar a capacidade ociosa do setor açucareiro e garantir sua expansão protegendo-o das vicissitudes do mercado internacional. Foram os interesses setoriais que prevaleceram, embora as disputas intra-setoriais tenham resultado em predomínio dos produtores do centro-sul em comparação com os grupos mais antigos do nordeste.

Em segundo lugar, o programa não tocou na estrutura patrimonialista das unidades de produção, inclusive reforçando-a com maior concentração da propriedade e do controle sobre a produção agrícola . Este comportamento tem sua base no fato de que parte substancial da mais-valia produzida neste setor ser direcionada à renda da terra, pois a criação ou expansão de cada unidade cria valor nas terras adjacentes à indústria que não quer dividir sua apropriação com outros proprietários. Como aponta J. S. MARTINS,

“... No Brasil, o movimento do capital não opera, de modo geral, no sentido da separação entre a propriedade e a exploração dessa propriedade, no sentido da separação entre o burguês e o proprietário. O que vemos claramente, tanto no caso da grande propriedade quanto no caso da pequena, é que fundamentalmente o capital tende a se apropriar da renda da terra. O capital tem se apropriado diretamente de grandes propriedades ou promovido sua formação em setores onde a renda da terra é alta, como no caso da cana, da soja, da pecuária de corte.”

Por último, a concorrência intercapitalista continuou sendo mediada pelo aparelho de Estado, embora não mais centralizada apenas no IAA como nos últimos quarenta anos. A produção de álcool, inclusive, reforçou esta dependência, já que toda a produção era comercializada centralizadamente pela Petrobras, levando as empresas a reforçarem sua atitude imediatista e não comprometida com a criação de um mercado tão estratégico (e promissor) de um novo combustível líquido. Mesmo os grupos mais dinâmicos do setor (alguns independentes, alguns vinculados à Copersucar) sempre hesitaram entre ser “capitalistas industriais”, deixando inclusive de buscar articulações internacionais para potencializar sua capacidade de acumulação, e assumir a posição de “rentistas”, acomodados ao cobertor do Estado que garantia sua valorização patrimonial.


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